Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2595/16.8T8VCT-B.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – O critério de subsunção a alguma das alíneas do nº 2 do art. 644º do C.P.C. é o conteúdo da decisão judicial recorrida sendo irrelevante a pretensão formulada.

II - São objecto do articulado superveniente apenas os factos constitutivos do direito do autor (ou do réu nas acções de simples apreciação negativa) e factos extintivos ou modificativos integrantes das excepções opostas pelo réu que actualizem a causa de pedir e as excepções já invocadas.

III – Tais factos têm que ser objectiva ou subjectivamente superveniente sendo que neste caso tem o apresentante de provar a superveniência.

VI – Numa acção de impugnação pauliana, ou subsidiariamente de simulação, em que os réus impugnam parte da matéria alegada, deduzem a excepção de litispendência e a excepção de direito material de abuso de direito, é de indeferir o articulado superveniente por estes apresentado por não estarem reunidos os requisitos previstos no art. 588º do C.P.C. quando é invocado como facto superveniente a instauração de acção por estes onde pretendem que o seu crédito sobre os autores se fixe provisoriamente numa determinada quantia até ao trânsito em julgado dessa acção.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

Maria, D. P., M. M., M. R., Joana, M. B., João, F. V., C. M., M. G., M. A., Teresa, M. F.
Instauraram acção de condenação, sob a forma de processo comum, em 26/07/2016, contra:
M. A. V., J. B., C. F., S.L. pedindo:

1.1. Ser declarada a ineficácia das transmissões dos prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial sob os nº 1112 e 700 da freguesia de (...), concelho de Caminha, formalizadas pelas escrituras de compra e venda de 07/11/2012 e 12/05/2013 outorgadas no Cartório Notarial do Notário Luís;
1.2. Ser declarado o direito dos autores à restituição dos referidos prédios aos alienantes, na medida dos seus interesses, a executá-los no património da 2ª ré, para pagamento do crédito dos autores no valor de € 442.194,85 acrescido de juros de mora e sanção pecuniária compulsória e demais despesas e encargos legais, e ainda a praticar todos os actos de conservação de garantia patrimonial sobre eles, de forma a obterem a satisfação integral do seu crédito, à custa destes imóveis;
1.3. Serem todos os réus condenados a tolerar a execução dos referidos bens imóveis para pagamento do crédito dos autores;
2. Subsidiariamente, para o caso de improcedência do pedido formulado sob o nº 1,
2.1. Deve ser declarada a nulidade, por simulação, dos contratos de compra e venda outorgados pelos réus e identificados nesta P.I., regressando os prédios vendidos à titularidade dos alienantes (1º réus);

Deve ser ordenado o cancelamento de todos os actos de inscrição matricial e registo predial efectuadas sobre os referidos prédios a favor da 2ª ré, quer subsequentes às referidas vendas, quer os registos provisórios de aquisição, de forma a que os autores possam executar tais bens no património dos 1º réus para pagamento do seu crédito.

Para tanto alegam, em síntese, que os 2º a 8º autores e a 1ª ré são filhos da 1ª autora e de D. P., falecido em 30/10/1999. As 9º a 13º autoras são netas filhas da pré-falecida M. G.. A 1ª ré é casada com o 1º réu no regime de comunhão geral de bens. A 2º ré é uma sociedade de direito espanhola, que tem por objecto a construção, a venda e a intermediação da venda de imóveis, e tem como único administrador o 1º réu. Correu termos na Comarca do Porto, Instância Local do Porto, Secção Cível – J2, sob o nº 152/04.0TVPRT, processo de inventário por óbito do marido da 1ª Autora, pai e avô das restantes partes. cuja sentença homologatória da partilha, ainda não transitada em julgado, foi proferida em 18/09/2015.

Por sentença proferida nos autos de acção declarativa ordinária que correram termos na 1ª Secção da extinta 4ª Vara Cível do Porto, sob o nº 1684/04.6TVPRT foram os réus condenados, por sentença transitada em julgado, a pagar à herança supra referida a quantia de € 26.589,67, acrescida de juros de mora, às sucessivas taxas legais, desde 12/07/1991, referente ao preço da venda, feita pelos mesmos, de um prédio (denominado “Q.”) que pertencia à referida herança e que foi recebido e embolsado pelos 1º réus, sem prestarem contas aos demais herdeiros, deduzida das despesas da responsabilidade da herança que foram por eles pagas. Enquanto esta acção não findou os 1º réus diligenciaram para se desfazerem dos únicos imóveis de que eram proprietários e acautelar o seu único património imobiliário da penhora. Como os 1º réus nada pagaram foi instaurada acção executiva (992/13.04YYPRT). Nesta o crédito dos autores foi liquidado em € 178.408,56 em 23/05/16 a que acrescem juros de mora e sanção pecuniária compulsória. Este crédito foi relacionado no inventário pelo valor de € 128.008,53.

Os autores são ainda credores dos 1º réus da quantia devida a título de tornas em resultado da partilha efectuada no processo de inventário acima identificado, sendo que nestes autos foram imputados na quota hereditária dos 1º réus os valores já recebidos por estes com a venda de prédios pertencentes à herança. A 1ª autora reclamou dos 1º réus o pagamento das tornas que lhe são devidas, no valor de € 329.122,49, o qual poderá vir a ser proporcionalmente reduzido em função da quantia que possa vir a ser recebida na execução pendente sob o nº 992/13.0YYPRT; os 2º, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7º e 8º autores reclamaram, para cada um, também a título de tornas, a quantia de € 7.834,04; as 9ª, 10ª, 11ª, 12ª e 13ª autoras, reclamaram dos 1º réus tornas de € 1.566,81 para cada uma requerendo todos que os 1º réus fossem notificados para procederem ao seu depósito. Os 1º réus não pagaram aos autores.

Ocorreu uma diminuição da garantia patrimonial uma vez que promovida, no âmbito da acção executiva nº 992/13.0YYPRT, a penhora dos identificados imóveis pertencentes aos 1ºs Réus, sobre os quais incidia a hipoteca judicial, foram os autores surpreendidos com o registo da aquisição desses prédios a favor da sociedade 2ª Ré. Os autores requereram a habilitação da 2ª ré como adquirente dos prédios hipotecados para também contra ela prosseguir a execução, de modo a poderem (enquanto exequentes) valer-se da garantia tendo sido proferida decisão a habilitar esta. A 2ª ré veio deduzir oposição à penhora tendo vindo esta oposição a ser julgada procedente e ocorreu a redução da penhora para € 29.780,43.

Assim, os autores vêem-se na necessidade de impugnar os actos de venda à 2ª ré por os mesmos envolverem diminuição da garantia patrimonial do seu crédito (anterior) e terem sido realizados dolosamente com o objectivo de impedir a satisfação integral do direito dos credores (os Autores).
Encontram-se preenchidos todos os pressupostos da impugnação pauliana prevista nos art. 610º a 612º do C.C..

Também por via do instituto da desconsideração da personalidade jurídica a presente acção deve proceder responsabilizando-se directamente a sociedade ré pela dívida do sócio 1º réu.
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Os réus apresentaram, em 16/01/2017, contestação pedindo (i) a suspensão da instância face ao falecimento da 5ª autora Joana; sem prescindir, (ii) pedindo que se ordene a notificação dos autores sobrevivos para prestarem nos autos as informações a que se reporta o artigo 8.º do presente articulado em prazo a fixar; sem prescindir, (iii) determinando a absolvição da instância, quanto ao pedido de responsabilização da 2ª ré e quanto ao pedido de desconsideração da personalidade colectiva, por verificação de excepção dilatória de litispendência com os proc. nº 152/04.0TVPRT e 992/13.0YYPRT por um lado e com o proc. nº processo 992/13.0YYPRT-D por outro; sem prescindir, (iv) julgando o pedido totalmente improcedente, absolvendo os réus da instância por verificação da excepção peremptória de abuso de direito; ainda que assim não se entenda, mas sem prescindir, (v) julgando o pedido totalmente improcedente, absolvendo os Réus da instância por verificação da excepção peremptória inominada de não verificação dos pressupostos de que depende a impugnação pauliana; ainda que assim não se entenda, mas sem prescindir, (vi) determinando a suspensão dos autos até decisão definitiva da causa prejudicial pendente na S2 do Juízo Cível do Porto, Instância Local do Tribunal Judicial de Comarca do Porto, sob o n.º de processo 152/04.0TVPRT (Autos de Inventário por óbito de D. P.); sem prescindir, (vii) julgar a presente acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo integralmente os Réus da instância.
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Foram habilitados os herdeiros de Joana.

Em 25/10/2017 a 1ª autora e os herdeiros habilitados de Joana apresentaram articulado superveniente pedindo a ampliação da causa de pedir e do pedido, aditando-se aos pedidos formulados na P.I., os pedidos seguintes:

3.1. Deverá ser declarada a ineficácia da transmissão da quantia de € 97.572,83 dos 1º réus para a 2ª ré, destinada à prestação de parte da caução (em nome da sociedade) na acção executiva nº 992/13.0YYPRT, a fim de impedir a venda dos imóveis penhorados (e que foram transmitidos à sociedade por actos impugnados por via da presente acção) formalizada por uma doação, e, bem assim, do acto de pedido de entrega da quantia depositada apresentado formalmente pela sociedade;
3.2. ser declarado o direito dos autores à restituição da quantia de € 97.572,83 aos alienantes (1º réus), na medida dos seus interesses, a executá-los no património da 2ª ré, para pagamento do crédito dos autores no valor de € 453.241,08 (reportado a 27.06.2017), acrescido de juros de mora e sanção pecuniária compulsória e demais despesas e encargos legais, e ainda a praticar todos os actos de conservação de garantia patrimonial sobre eles, de forma a obterem a satisfação integral do seu crédito, à custa deste dinheiro;
3.3. serem todos os réus condenados a tolerar a execução da referida quantia em dinheiro para pagamento do crédito dos autores;

Subsidiariamente, para o caso de improcedência do pedido formulado sob o nº 3,
4.1. Deve ser declarada a nulidade, por simulação, do negócio de transmissão da quantia de € 97.572,83 outorgados pelos réus (pelo qual se operou a transferência dessa quantia dos 1º réus para a 2ª ré, regressando o dinheiro à titularidade dos alienantes (1º réus) e ser declarada a nulidade por simulação de todos os actos subsequentes, designadamente a prestação de caução pela 2ª ré com dinheiro dos 1º réus e o pedido de entrega à 2ª ré da quantia depositada;
5. Em qualquer caso, deve ser mantido o arresto do dinheiro depositado à ordem dos autos apensos de forma a que os autores possam executar esse bem no património dos 1º réus ou da 2ª ré para pagamento do seu crédito.
O articulado superveniente foi liminarmente admitido.
Por decisão de 22/01/2018 foi admitida a ampliação da causa de pedir e do pedido contidos no articulado superveniente.
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Na mesma decisão foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
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Em 25/05/2018 foi deduzido articulado superveniente por parte dos réus no qual pedem que o crédito dos autos seja provisoriamente fixado em € 92.704,87 sendo a decisão definitiva remetida para momento ulterior após trânsito em julgado da decisão a proferir no proc. nº 843/18.9.T8PVZ.

Para tanto alegam, em síntese, que, em 09/05/2018, instauraram acção declarativa de condenação contra os aqui autores e outros, que corre termos sob o nº 843/18.9T8PVZ no Juízo Central Cível da Póvoa do Varzim da Comarca do Porto, e na qual pedem que seja declarado que a decisão proferida no Proc. 653/09 no Ac. do S.T.J. de 21/04/09 prevalece sobre a sentença que homologou a partilha no proc. 152/04.0TVPRT e, consequentemente, seja declarado que, na proporção dos respectivos quinhões hereditários, o crédito actual dos réus sobre os autores é de apenas € 92.704,87 e que os réus têm direito a exigir o quarto vitoriano da verba 127-A dessa partilha.

O crédito emergente da Quinta das Q. que foi fixado no processo de inventário em € 128.008,53 é exigível por força do Ac. do S.T.J. de 14/06/2012. A sentença da partilha no processo de inventário foi proferida em 18/09/15. O crédito emergente da Quinta G., que no inventário foi fixado em € 265.700,00, não é devido face ao Ac. do S.T.J. de 21/04/03 face à prevalência do trânsito anterior ao da sentença de inventário.

Assim, aquando da realização dos actos impugnados – 07/11/12 e 09/05/13 – os 1º réus tinham conhecimento da dívida relativa ao prédio das Q. que foi relacionado no inventário pelo valor de € 128.008,53 (porque conheciam o Ac. do S.T.J. de 21/04/03 que havia decidido que os autores não tinham direito a exigir-lhes € 265.700,00). Assim, a haver conluio este apenas poderia ter por objecto evitar que os autores recebessem o crédito de € 128.008,53 emergente do prédio das Q..

Por fim, deduzem pedido subsidiário nos termos do qual, no caso da procedência da impugnação pauliana, “a restituição através dos imóveis da 2ª Ré deve ficar dependente da decisão a proferir na citada acção que os 1ºs RR interpuseram contra os AA”.
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Em 05/06/2018 foi proferida decisão que reproduzimos na íntegra:

“Da admissibilidade do articulado superveniente deduzido pelos RR:

Compulsado o articulado verifica-se que o mesmo não contém alegação de factos objectiva e/ou subjectivamente: a) supervenientes; e b) modificativos do direito que os AA pretendem ver reconhecido na presente acção (artigo 588º, nº1 e 2 "a contrario" CPC).

Trata-se apenas e tão-só da dedução de um incidente inominado através do qual se faz um requerimento final, com base na alegação de que os RR instauraram um acção contra os AA no passado dia 9/5/2018. Tudo o restante que se alega (artigos 7º e ss) são factos do conhecimento pessoal dos RR, anteriores à propositura da acção.

Pelo exposto, não se admite o requerimento de fls. 723 e ss, enquanto denominado "articulado superveniente" (artigo 588º, nº4 CPC "a contrario"), determinando-se no entanto os AA para responderem querendo ao requerido na parte final do incidente deduzido.
Custas do indeferimento a cargo dos RR, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) Uc's.
Notifique.”
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Não se conformando com esta decisão vieram os réus M. A. V. e J. B. dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

1. Os apelantes impugnam o douto despacho que não admitiu o articulado superveniente que apresentaram em 25 de Maio de 2018.
2. O douto despacho recorrido não admitiu o citado articulado por entender que os factos aí alegados nos artºs 7º e segs já eram do conhecimento dos apelantes antes da interposição da ação judicial nele referida.
3. No entanto, não há motivo para não admitir o citado articulado porquanto os factos supervenientes não são os dos mencionados artºs 7º e segs.
4. O facto superveniente que fundamenta o referido articulado é, tão-só, o pedido formulado na ação judicial, junta a esse articulado, onde se pretende que seja declarada a procedência da decisão que determina não ser devida a quantia de € 265.700,00.
5. Decisão que é anterior a uma outra que inclui essa quantia nas tornas devidas pelos apelantes aos apelados e que estes englobaram no crédito que pretendem fazer valer na presente ação pauliana.
6. Decisões que são contraditórias e que o artº 625º do C. P. Civil impõe seja cumprida a que nega aos apelados o direito de receberem dos apelantes a quantia de € 265.700,00 que estes exigem na presente ação pauliana.
7. A procedência da ação judicial que acompanha o articulado superveniente conduz a que o crédito dos apelados sobre os apelantes, alegado na presente ação pauliana, seja reduzido para € 92.704,87.
8. Os apelantes não interpuseram qualquer ação judicial na forma de processo comum de declaração a peticionar a prevalência da referida decisão que nega aos apelados o direito a receber dos apelantes a citada quantia de € 265.700,00.
9. Assim, o articulado rejeitado foi apresentado atempadamente com fundamento naquele pedido de prevalência da decisão anterior que negou aos apelados o direito de pedir aos apelados a quantia de € 265.700,00, uma vez que esta integra o montante do crédito alegado por aqueles na presente ação pauliana.
10. Daí que o articulado superveniente apresentado interesse à boa decisão da causa, dado que com ela se pretende a fixação definitiva do crédito dos apelados, para além dos € 92.704,87, após o trânsito em julgado da referida ação judicial.
11. Face ao exposto, no douto Acórdão recorrido não se aplicou o disposto no artº 588º do C. P. Civil no sentido de admitir o articulado superveniente, pelo que foi violado o referido normativo legal.”

Pugnam pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que admita o articulado superveniente apresentado pelos apelantes em 25/05/2018.
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Contra-alegou os réus pugnando pela confirmação da despacho recorrido.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

A) Apurar se o recurso é admissível nos termos do art. 644º nº 2 d) do C.P.C.;
B) Saber se se mostram reunidos os requisitos de admissibilidade do requerimento dos réus de 25/05/2018 como articulado superveniente.
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II – Fundamentação

Os factos relevantes para a decisão da questão colocada são os que estão enunciados no supra elaborado relatório pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.
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A)

Os apelados pronunciaram-se referindo que o articulado apresentado não configura um articulado superveniente, mas um incidente inominado, pelo que o recurso não é admissível nos termos do art. 644º nº 2 d) do C.P.C..

Vejamos.

O critério de aplicação do disposto no nº 2 do art. 644º do C.P.C. é o conteúdo da decisão judicial.

Assim, para que decisão recorrida seja subsumível à alínea d) do nº 2 do art. 644º do C.P.C. importa que o tribunal a quo se pronuncie efectivamente acerca da admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova por não se mostrarem verificados os requisitos que permitam tal apresentação. Desde modo é irrelevante a pretensão formulada e a sua correcta qualificação jurídica.

Neste sentido vide Ac. desta Relação de 17/05/2018, in www.dgsi.pt, onde se lê: 1- Para efeitos do disposto no art. 644º, n.º 2, al. d) do CPC, impõe-se distinguir a rejeição do articulado ou do meio probatório da pretensão formulada nesse articulado ou da relevância do meio de prova para a relação material controvertida ou sobre a relação processual. 2- Apenas se subsume à previsão legal da norma enunciada em 1) e, consequentemente, a decisão é imediatamente recorrível, sob pena de se consolidar na ordem jurídica, quando o tribunal indefere o articulado ou o meio de prova requerido exclusivamente com fundamento na não verificação dos pressupostos formais que permitem apresentar esse articulado ou requerer esse meio de prova.

Uma vez que, no caso em apreço, os réus apresentaram um articulado denominado “articulado superveniente” e o tribunal a quo pronunciou-se referindo que não se mostram reunidos os requisitos previstos no art. 588º do C.P.C. inexiste qualquer dúvida de subsunção da decisão recorrida ao disposto na alínea d) do nº 2 do art. 644º do C.P.C. sendo, consequentemente, admissível o recurso interposto.
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B)
Os apelantes alegam que o pedido deduzido no processo nº 843/18.9T8PVZ (no qual se pretende a fixação definitiva da dívida dos primeiros réus aos autores no valor de € 92.704,87), bem como a expectativa procedência do mesmo, são supervenientes, o que determina a admissão do articulado superveniente

Os apelados pronunciaram-se referindo que o articulado apresentado configura um incidente inominado que não contém qualquer facto superveniente, constitutivo, modificativo ou extintivo da pretensão dos autores ou dos réus. O mesmo visa apenas protelar o trânsito em julgado da sentença a proferir nestes autos tornando-a dependente da acção instaurada em 09/05/2018, o que é uma pretensão ilegal. O crédito dos autores está definitivamente fixado por sentença transitada em julgado.

Vejamos.

Dispõe o art. 588º do C.P.C:

1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
(…)
4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
(…).

A admissibilidade do articulado superveniente decorre directamente do art. 611º nº 1 e 2 do C.P.C. que prevê que a sentença tome em consideração todos os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito produzidos até ao encerramento da discussão, desde que, segundo o direito substantivo aplicável, eles influam na existência ou conteúdo da relação controvertida.

São objecto do referido articulado factos constitutivos do direito do autor (ou do réu nas acções de simples apreciação negativa – art. 584º nº 2 do C.P.C.) e factos extintivos ou modificativos integrantes das excepções opostas pelo réu. Constituem factos essenciais que vão actualizar a causa de pedir e as excepções já invocadas por autor e réu nos termos dos art. 552º nº 1 d) e 572º c) do C.P.C.. Com efeito, nos termos do art. 5º do C.P.C., o tribunal pode oficiosamente considerar os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da discussão da causa.

Mas a apresentação de articulado superveniente destina-se apenas a introduzir factos que tenham ocorrido historicamente em momento posterior à apresentação dos articulados (no caso do autor a petição inicial e réplica, esta no caso de ser apresentada reconvenção e no caso do réu a contestação) – superveniência objectiva – e os factos que, embora tenham ocorrido historicamente em data anterior à apresentação destes articulados, a parte apresentante do articulado superveniente apenas deles teve conhecimento após o momento da apresentação de tais articulados – superveniência subjectiva. Neste último caso deve o apresentante fazer prova desse seu conhecimento posterior.

O nº 4 do art. 588º do C.P.C. prevê uma intervenção de controlo liminar pelo juiz no sentido de apurar da tempestividade e da utilidade dos factos supervenientes para a justa composição do litígio.

No caso sub judice, os réus, na contestação, impugnaram parte da matéria alegada e deduziram uma excepção dilatória (litispendência) e uma excepção de direito material (abuso de direito).

Face ao teor deste articulado e ao facto apresentado como superveniente – a instauração pelos réus em 09/05/2018 da acção nº 843/18.9T8PVZ com a qual se pretende que o crédito dos réus sobre os autores se fixe provisoriamente em € 92.704,87 até ao trânsito em julgado dessa acção – verificamos que este facto, ainda que objectivamente superveniente, não é, de modo algum, um facto extintivo ou modificativo integrante das excepções deduzidas pelos réus e que actualize estas.

A “expectável procedência dessa acção” não consubstancia qualquer facto, mas exactamente uma simples expectativa.

Da leitura dos articulados dos autos conclui-se que a restante matéria alegada pelos réus no requerimento em apreço é matéria do conhecimento destes antes mesmo da apresentação da sua contestação e até antes da instauração da acção.

Por fim, atento o pedido subsidiário aí deduzido pelos réus, bem andou o tribunal em não conhecer imediatamente do mesmo e a ordenar a audição da parte contrária.

Pelo exposto, não merece censura a decisão recorrida.
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I – O critério de subsunção a alguma das alíneas do nº 2 do art. 644º do C.P.C. é o conteúdo da decisão judicial recorrida sendo irrelevante a pretensão formulada.
II - São objecto do articulado superveniente apenas os factos constitutivos do direito do autor (ou do réu nas acções de simples apreciação negativa) e factos extintivos ou modificativos integrantes das excepções opostas pelo réu que actualizem a causa de pedir e as excepções já invocadas.
III – Tais factos têm que ser objectiva ou subjectivamente superveniente sendo que neste caso tem o apresentante de provar a superveniência.
VI – Numa acção de impugnação pauliana, ou subsidiariamente de simulação, em que os réus impugnam parte da matéria alegada, deduzem a excepção de litispendência e a excepção de direito material de abuso de direito, é de indeferir o articulado superveniente por estes apresentado por não estarem reunidos os requisitos previstos no art. 588º do C.P.C. quando é invocado como facto superveniente a instauração de acção por estes onde pretendem que o seu crédito sobre os autores se fixe provisoriamente numa determinada quantia até ao trânsito em julgado dessa acção.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Guimarães, 08/11/2018

(Margarida Almeida Fernandes)
(Margarida Sousa)
(Afonso Cabral de Andrade)