Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1040/10.7TBVVD-F.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
ADMINISTRADOR
REMUNERAÇÃO DE AUXILIARES
ACEITAÇÃO
APROVAÇÃO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

Não devem ser aprovadas as despesas tidas e apresentadas pela Administradora da Insolvência com a remuneração de auxiliares contratados para a coadjuvar no exercício das suas funções quando:
-não obteve prévia concordância para a contratação por parte da comissão de credores;
-não alega porque é que não obteve esse consentimento prévio, designadamente que se tratou de um ato urgente, e/ou não aduziu nos autos os motivos da necessidade do auxílio, ou os mesmos são alegados intempestivamente ou são improcedentes;
-não apresentou elementos que permitissem á comissão de credores ficar esclarecida de que estava a incorrer numa determinada contratação e despesa, de modo que a mesma pudesse ainda ser recusada; neste caso não se pode cogitar uma aceitação ou aprovação tácita e consequentemente violação do princípio da confiança decorrente da sua não aprovação.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.

Nos presentes autos de prestação de contas relativas ao processo de insolvência da sociedade CONSTRUTORA ..., LDA., veio a Sra. Administradora de Insolvência Dra. M. C. apresentar contas, nos termos do artº. 62º, nºs. 2 e 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE). Do mapa então apresentado consta, além do mais, valores referentes a honorários de contabilidade e honorários de perito avaliador.

Cumprido o artº. 64º, nº. 1, do CIRE, e apresentados os autos ao M.P., este promoveu que “se notifique o Ex.ma AI para vir aos autos em 10 dias:

- juntar um “resumo de toda a receita e de toda a despesa” que relacionou na conta corrente, como o prescreve o artigo 62º, nº 3 do CIRE, do qual possa extrair-se a justificação para tão elevadas despesas, designadamente com auxiliares;
- demonstrar a existência de prévia autorização expressa da comissão de credores para o seu recurso a auxiliares a expensas da massa insolvente e das condições em que o fez;
- juntar notas de honorários e faturas/recibos do patrocínio judiciário obrigatório;”.

Em resposta veio a Srª Administradora dizer: “Relativamente aos serviços do Contabilista Certificado (CC), informa-se que de forma a dar pontual cumprimento às obrigações fiscais junto da Autoridade Tributária, a massa insolvente manteve os serviços prestados pelo CC da sociedade. Quanto a esta matéria, informa-se V. Exa. que, tal facto foi devidamente reportado aos autos, por via do estado da liquidação já supra identificados sob o n.º Doc.8 e Doc.9), não tendo, salvo, manifesto lapso, sido alvo de oposição por parte de nenhum dos credores. Aliás, como é sabido a Autoridade Tributária impõem que os administradores de insolvência apresentem a declaração de alterações modelo 1887 (leia-se: declaração de alterações de atividade) e deem cumprimento às obrigações em sede de IRC, designadamente, as previstas no art.º 89.º, art.º 104, n.º 1, art.º 117.º, n.º 1, al.s b) e c) e n.º 10, art.º 118.º, n.ºs 5 e 7, art.º 120.º, art.º 121.º e art.º 123.º do CIRC e as obrigações em sede de IVA, designadamente, as previstas no art.º 32.º, art.º 29.º, n.º 1, al. b) e art.º 3.º e 4.º, art.ºs 19.º a 26.º, art.º 78.º, art.º 44.º, art.º 22.º do CIVA.
Assim, o administrador da insolvência ver-se-ia na contingência de providenciar pela elaboração da contabilidade da insolvente e, neste contexto: remeter todas as declarações fiscais que estejam em falta à data da insolvência; elaborar a contabilidade da insolvente, caso esta não esteja em dia; e continuar a elaborar a contabilidade da insolvente, após a declaração de insolvência, até para análise da mesma e posterior elaboração, se fosse o caso, do relatório sobre o incidente de qualificação de insolvência, que à data de 2011, era de elaboração obrigatária.
Hoje em dia, a signatária já não efetua tal procedimento, pois à data ainda não se encontrava em vigor a atual redação do artigo do artigo 65.º, n.º3 do CIRE, nos termos do qual após a assembleia de credores e com o encerramento da atividade cessam as obrigações declarativas do devedor, pelo que ao administrador competia manter tais ónus, sob pena de responsabilização pessoal e reversão da responsabilidade da devedora. (…)
Quanto aos honorários do perito avaliador, a contratação de tais serviços resultou da necessidade de determinar o valor base de venda dos imóveis apreendidos, no sentido de a venda dos mesmos ser projetada por valores adequados aos valores de mercado, uma vez que na sua grande maioria se reportavam a imoveis/lotes de terrenos para construção e terrenos com benfeitorias. Ora, considerando que a signatária não se encontra habilitada para a realização da avaliação de imóveis, esta recorreu à coadjuvação de um Perito Avaliador.
Todavia, vem informar V.Exia que, conforme resulta do documento que se anexa sob o documento n.º 10, agora junto, os membros da comissão de credores foram devidamente notificados pela AJ, no sentido de ratificarem a contratação de tais serviços, realçando-se que nenhum dos membros manifestou oposição, pelo que foi aprovada.”
Juntou documentos, constando dos docs. 8 e 9 –informações dirigidas ao processo –que constituiu um TOC para prosseguir com as obrigações fiscais a que a sociedade está obrigada. Consta ainda do doc. 10 –mail dirigido aos membros da comissão de credores informando (além do mais) que recorreu à coadjuvação dos serviços de um perito avaliador no sentido de ser promovida a realização de uma avaliação aos imóveis apreendidos, tendo o respetivo relatório de avaliação sido já remetido; pelo que “requer se dignem no prazo máximo de 5 dias ratificar a contratação dos serviços prestados pelo perito avaliador, e caso não o façam considerará como tácita a ratificação.”
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da aprovação só parcial das contas, dizendo, além do mais, que: “ Quando existam serviços prestados por terceiros contratados, designadamente para inventariação de bens, contabilidade, avaliação e arquivo, independentemente de os serviços se justificarem ou não, importa apurar se as despesas estão correta e integralmente refletidas na documentação com que o sr. AI instruiu a prestação de contas e se houve lugar ao cumprimento do disposto no artigo 55.º, n.º 3 do CIRE.
Este tem sido, aliás, o rigoroso entendimento deste Tribunal na prática judiciária.
Importa não esquecer que decorre do artigo 55.º do CIRE a ideia da pessoalidade do cargo do administrador, tendo a lei optado por uma solução que favorece o maior controlo da atividade do administrador e do modo do seu exercício, em consonância com a responsabilidade pessoal a que agora irrevogavelmente o submete em conformidade com o artigo 59.º do CIRE.
Ora, no caso dos autos, A Ex.ma AI não solicitou (e por isso não obteve) prévia autorização à comissão de credores (o que ela admitiu no requerimento com a refª 11533661 para contratar os serviços de contabilista, até para cumprir obrigações que não eram responsabilidade da Ex.ma AI mas apenas da pessoa coletiva declarada insolvente e dos seus representantes legais nos termos do artigo 65º, nº 2 do CIRE, desprezando a prescrição do nº 3 do mesmo artigo- cfr. doc 28-399,30€, Doc 135-738,00€, doc 136-307,50€, Doc 157-307,50, Doc. 177-307,50€, Doc 196 - 307,50€, Doc. 222-307,50€, Doc. 236-615,00€, Doc. 247-307,50€, Doc. 248-307,50€, Doc. 258-307,50€, Doc. 264-307,50€, Doc. 283-307,50€, Doc. 284-307,50€, Doc. 299-307,50€, Doc. 300-307,50€, Doc. 330-307,50€, Doc. 331-307,50€ e Doc.332-307,50€) e de perito avaliador (para proceder à avaliação dos imóveis apreendidos para a massa- cfr. Doc nº 139- 1.850,00€).
Assim, estas despesas não se encontram autorizadas.”
A insolvente e os credores nada disseram.
*
Instruídos os autos, foi proferida decisão que:

A. Julgou válidas as contas da administração da massa insolvente da sociedade CONSTRUTORA ..., LDA. com as seguintes ressalvas:
a. O total de despesas da massa é de €373.952,43 (trezentos e setenta e três mil novecentos e cinquenta e dois euros e quarenta e três cêntimos); e,
b. O saldo de liquidação é de €392.034,30 (trezentos e noventa e dois mil e trinta e quatro euros e trinta cêntimos).
B. Autorizou a Sra. Administradora de Insolvência a retirar do saldo de liquidação as quantias de €1.592,06 (mil quinhentos e noventa e dois euros e seis cêntimos) a título de despesas, e de €1.000,00 (mil euros) a título de remuneração fixa, devendo juntar o respectivo recibo aos autos.
*
Inconformada, a Srª Administradora apresentou recurso, terminando as alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“1. A AI sempre foi rigorosa e zelosa das suas obrigações, em prol da defesa dos interesses da generalidade dos credores, procurando beneficiar a Massa Insolvente e a sua frutificação em todas as suas condutas.
2. Exemplo disso foram os juros obtidos com a frutificação do capital em depósitos bancários no valor de quase 7.000,00€ (sete mil euros).
3. Igualmente sucedeu com a conclusão de obras e trabalhos em curso, pois apesar de ter sido votada a liquidação da empresa, a AI, por decisão conjunta com a Comissão de Credores, levou a cabo a conclusão de algumas obras.
4. Ora, para conclusão das referidas obras a AI manteve em funções diversos trabalhadores, que executaram os trabalhos, adquiriu bens a fornecedores, entregou as declarações de impostos, IVA, procedeu à declaração das remunerações para a Segurança Social e respetiva liquidação.
5. Pagamento de salários a trabalhadores. – cfr. documentos da prestação de contas 7 a 18, 22, 23 e 24, 55 a 58, 101 a 104 e 116 a 120
6. Pagamento de contribuições para a segurança social. – cfr. documentos 36 e 78A, da prestação de contas
7. Pagamento de retenções na fonte de salários de trabalhadores. – cfr. documentos 40 e 87
8. Declarações de IRC e IES e pagamentos respetivos. – cfr. documentos 5, 231 e 290 da prestação de contas.
9. Ou seja, durante este período de conclusão de obras, impôs-se a manutenção duma série de obrigações declarativas, que somente por intermédio de contabilistas poderiam ser cumpridas, por imposição legal, motivo pelo qual se recorreu aos serviços de contabilista para que procedesse ao cumprimento de tais obrigações.
10. Foi o contabilista contratado quem procedeu à emissão de recibos de vencimento dos trabalhadores, comunicação das remunerações à segurança social, submeteu as declarações IES, declaração de IRC, guias de liquidação de IVA e a AI procedeu ao pagamento das inerentes quantias.
11. Todas essas despesas foram aprovadas pelo Tribunal sem qualquer oposição por parte do Ministério Público ou de qualquer credor.
12. Se todas as despesas resultantes da manutenção da atividade para conclusão de obras em curso foram aprovadas, por maioria de razão também a despesa resultante da prestação de serviços por parte do contabilista deveria ser também aprovada.
13. Logo na primeira reunião com a comissão de credores informou da decisão de conclusão das obras, o que foi aprovado por estes. – cfr. ata junta aos autos com a resposta da AI aos esclarecimentos solicitados pelo Ministério Público como documento 7, em 27 de Maio de 2021
14. Tribunal Recorrido optou por seguir um critério absolutamente formal, recusando a aprovação da despesa com fundamento na omissão de prévia autorização por parte da comissão de credores.
15. Contudo perfilha-se entendimento diverso, sendo passível de aprovação a despesa desde que “o administrador justifique e alegue nos autos os concretos motivos por que não obteve a prévia concordância da comissão de credores” e então “A aprovação das despesas dependerá, pois, dum juízo casuístico em face da concreta justificação apresentada e dos factos e elementos probatórios que para o efeito sejam indicados.” – cfr. Ac. TRG Tribunal da Relação de Guimarães, Acórdão de 2 de novembro de 2017, processo 222/14.7T8GMR-F.G1 -ttps://www.direitoemdia.pt/document/s/7c9ce9
16. Logo, em função da informação que o Tribunal já dispunha através das comunicações sobre o estado da liquidação, quer das atas de reuniões com a comissão de credores, quer da própria documentação junta com a prestação de contas, quer da resposta e documentação apresentadas pela AI em 27 de Maio de 2021 em resposta à promoção apresentada pelo MP, impunham decisão diversa.
17. De todo modo, a AI informou expressamente o Tribunal da contratação dos serviços de contabilidade nos estados da liquidação apresentados com a menção expressa de que “Foi ainda constituído um TOC para prosseguir com todas as obrigações fiscais a que a sociedade está obrigada.” Cfr.- documentos 8 e 9 apresentados com a resposta da AI aos esclarecimentos solicitados pelo Ministério Público, em 27 de Maio de 2021
18. A ausência de qualquer oposição por parte do Tribunal que fiscaliza a atividade da AI, ou do Ministério Público ou até de qualquer credor criou uma legítima convicção – ao cabo de dez anos de atuação – de que se estava a proceder em conformidade. Vide. Tribunal da Relação de Guimarães, Acórdão de 19 de março de 2013, processo 1464/0.0TBGMR-H.G1 https://www.direitoemdia.pt/document/s/dd21981 A contratação, pelo administrador de insolvência, de serviços de advogado para efeitos de patrocínio judiciário, não depende de autorização.
2 A contratação, pelo mesmo, de outros técnicos ou auxiliares carece de concordância da comissão de credores ou, na falta desta, do juiz.
3 Criando-se, por força quer da actividade do administrador no processo, quer por força do comportamento do juiz, uma situação que permite criar expectativas no sentido de aquela actuação estar conforme ás exigências legais, devem, em obediência ao princípio da confiança, e não obstante o administrador ter negligenciado o seu dever de obtenção de prévia concordância judicial, validar-se as contas por ele apresentadas para pagamento dos serviços de terceiros a quem recorreu.
19. Deste modo, também em honra ao citado princípio da confiança se impunha a aprovação da despesa com contabilista por parte do Tribunal.
20. Já a colaboração de perito avaliador justificou-se a necessidade de determinar o justo valor de mercado dos diversos bens imóveis, atenta a diversidade dos mesmos, lotes de terreno para construção, lotes de terrenos com benfeitorias e também prédios urbanos já concluídos.
21. A AI, porque não o fez previamente, no dia 10 de Abril de 2015, mais de 6 anos antes de apresentar a prestação de contas aqui em apreço, por comunicação escrita, enviada por email, para todos os membros da comissão de credores a AI, comunicou o recurso ao serviço de um perito avaliador, solicitando de forma expressa a ratificação dessa decisão, sob pena de se considerar tacitamente ratificado no silêncio daqueles. Cfr. Cfr.-documento 10 apresentado com a resposta da AI aos esclarecimentos solicitados pelo Ministério Público, em 27 de Maio de 2021
22. Os membros da comissão de credores tinham já recebido os relatórios de avaliação no ano de 2011. – cfr. documentos 1 e 2 que se juntam somente para facilitar a sua perceção dado que estão juntos ao processo de insolvência, apenso de liquidação.
23. Nenhum membro da comissão de credores, credor, Ministério Público ou Tribunal manifestou qualquer oposição.
24. A ratificação foi pedida em 2015 e ocorreu na pendência da liquidação e não após o final do processo.
25. De resto o próprio Tribunal, no despacho final sobre a prestação de contas, de forma expressa diz: “Quanto ao demais, tendo em conta a ausência de oposição dos credores, insolventes e do Ministério Público a qual deve ser entendida como manifestação tácita da sua anuência e os elementos constantes dos autos, são as contas apresentadas pela Sra. Administradora da Insolvência aprovadas.
26. De todo modo, também quanto a esta despesa se impõe invocar a tutela resultante do princípio da confiança porquanto as avaliações foram comunicadas à comissão de credores e juntas ao processo de insolvência, sem que ninguém, manifestasse qualquer objeção ou entrave.
27. Com a agravante da Comissão de credores ter sido expressamente notificada com a cominação de que ocorreria ratificação tácita e manteve-se em silêncio.”
Pede que a decisão proferida, na parte em que não validou as despesas com contabilista e perito avaliador, seja revogada e substituída por outra que julgue válidas as referidas despesas.
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O M.P. apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES- (que se reproduzem)

“1º - A administradora da insolvência nos presentes autos recorreu aos serviços de contabilista e de perito avaliador sem ter solicitado e obtido a necessária e prévia autorização da comissão de credores para o efeito como lho exigia a prescrição do artigo 55º nº 3 do CIRE.
2º - Em consequência, a despesa global que invoca com tais auxiliares (8.962,30€) não se encontra justificada e da mesma não pode/nem deve ser reembolsada à custa da massa insolvente.
3º - Bem andou, assim, o tribunal “a quo” no julgamento das contas apresentadas pela Ex.ma administradora da insolvência ao considerar a inelegibilidade das sobreditas despesas injustificadas, por não autorizadas.
4º- A douta sentença recorrida deverá ser mantida nos seus precisos termos, por nenhum agravo ter feito à Lei.”
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões:
-decidir se as despesas com honorários de contabilidade e as despesas com perito avaliador devem considerar-se aprovadas.
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III MATÉRIA A CONSIDERAR

A matéria a considerar é a que consta do relatório “supra”.

O Tribunal “a quo” considerou ainda que:

1. A Dra. M. C. foi nomeada Administrador da Insolvência por decisão datada de 07-09-2010.
2. A conta corrente apresentada pela Sra. Administrador da Insolvência menciona as despesas e as receitas, relativamente ao período em que exerceu funções.

Acresce que se encontram juntos aos autos os seguintes documentos relativos aos serviços de contabilidade:

-Doc. 28, no valor de €399,30;
-Doc. 135, no valor de €738,00;
-Doc. 136, no valor de €307,50;
-Doc. 157, no valor de €307,50;
-Doc. 177, no valor de €307,50;
-Doc. 196, no valor de €307,50;
-Doc. 222, no valor de €307,50;
-Doc. 236, no valor de €615,00;
-Doc. 247, no valor de €307,50;
-Doc. 248, no valor de €307,50;
-Doc. 258, no valor de €307,50;
-Doc. 264, no valor de €307,50;
-Doc. 283, no valor de €307,50;
-Doc. 284, no valor de €307,50;
-Doc. 299, no valor de €307,50;
-Doc. 300, no valor de €307,50;
-Doc. 330, no valor de €307,50;
-Doc. 331, no valor de €307,50; e,
-Doc. 332, no valor de €307,50;
e o documento 139, no valor de €1.850,00 relativos aos honorários com perito avaliador.
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IV O MÉRITO DO RECURSO.

O artº. 55º do CIRE estabelece o quadro legal nuclear das funções do administrador da insolvência.
O nº. 1 consagra que “Além das demais tarefas que lhe são cometidas, cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir: a) Preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram; b) Prover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica”. No seu n.º 2 diz-se que “O administrador da insolvência exerce pessoalmente as competências do seu cargo, não podendo substabelecê-las em ninguém, sem prejuízo dos casos de recurso obrigatório ao patrocínio judiciário ou de necessidade de prévia concordância da comissão de credores”. Acresce que, conforme o nº. 3, “O administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão”. (negrito nosso)
Pelo exercício dessas funções, o administrador da insolvência tem direito a uma remuneração e ao pagamento das correspondentes despesas, questões reguladas no CIRE e no Estatuto do Administrador da Insolvência -Lei nº. 32/2004, de 22/7, revogado entretanto pelo Estatuto do Administrador Judicial -Lei nº. 22/2013, de 23/ – que entrou em vigor em 25/3/2013 (cfr. artºs. 33.º e 34.º).
Estabelecendo a conjugação das normas, diz o artº 60º, nº. 1, do CIRE que “O administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis”; dizia o artº. 19.º do Estatuto ora revogado que “O administrador da insolvência tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas”, situação que passou para o artº. 22.º do atual Estatuto (negrito nosso).

Podemos por isso enunciar as seguintes situações relativamente aos valores a que o administrador terá direito:

- a sua remuneração propriamente dita;
- o reembolso das despesas realizadas no âmbito da governação da insolvência; estas são variáveis e devem refletir os gastos havidos com a administração daquela insolvência; aqui não cabem todas as despesas, mas apenas aquelas que são úteis e necessárias, sendo estas aferidas mediante um critério de razoabilidade, aferido em concreto face à utilidade e necessidade das despesas exercidas pelas funções do Administrador –cfr. Ac. da Relação do Porto de 5/11/2020 (www.dgsi.pt).

Relativamente à remuneração paga a auxiliares contratados, para que as mesmas possam ser reembolsáveis, o administrador terá de obter a prévia concordância da comissão de credores (ou do juiz na sua falta) para as realizar.
Podemos assentar numa base que não oferece grandes dúvidas: as despesas, todas elas, devem estar documentadas (fatura/recibo), e as despesas da insolvência correspondem unicamente aos dispêndios com a gestão e administração relacionadas com a governação da própria insolvabilidade e da sua massa insolvente, não abrangendo os encargos gerais com as estruturas logística, como as despesas de economato (v.g. a aquisição e a subsequente utilização dos materiais de trabalho), organizacional (v.g. despesas de representação, higiene e segurança) e de recursos humanos (v.g. os salários dos colaboradores) de quem exerce a atividade de administração judicial, como sucede com o administrador de insolvência, pois estas últimas despesas visam assegurar esse serviço, sendo, por isso, vulgarmente designadas como “custos efetivos com o serviço de escritório” (CESE)-ponto III do sumário do Ac. citado.
Justificando esta leitura, dispõe o artº. 62º do CIRE que impõe a obrigatoriedade do Administrador da Insolvência prestar contas, que “As contas são elaboradas em forma de conta corrente, com um resumo de toda a receita e despesa destinado a retratar sucintamente a situação da massa insolvente, e devem ser acompanhadas de todos os documentos comprovativos, devidamente numerados, indicando-se nas diferentes verbas os números dos documentos que lhes correspondem”.
Quanto às despesas de deslocação regulam expressamente os artºs. 26º, nº. 7 do Estatuto revogado (“No que respeita às despesas de deslocação, apenas são reembolsadas aquelas que seriam devidas a um administrador da insolvência que tenha domicílio profissional no distrito judicial em que foi instaurado o processo de insolvência”.) e o 29º, nº. 11 do Estatuto em vigor (“No que respeita às despesas de deslocação, apenas são reembolsadas aquelas que seriam devidas a um administrador da insolvência que tenha domicílio profissional na comarca em que foi instaurado o processo de insolvência, ou nas comarcas limítrofes”.).
Até aqui a matéria não suscita grande controvérsia e conclui-se tal como se sumariou no Ac. da Relação do Porto já citado, agora no seu ponto I, com destaque nosso: “O exercício das funções de A.I. tem uma natureza estritamente pessoal, não podendo a mesma ser delegada, mas apenas auxiliada e nestes casos mediante autorização prévia, da comissão de credores ou do tribunal, não existindo uma “carta-branca” para a requisição de serviços de auxiliares para a administração de insolvência, salvo nos casos de constituição de mandatário judicial, mas apenas quando está em causa o seu patrocínio obrigatório.”
As dúvidas surgem quando se trata de situações em que não houve autorização (expressa) prévia para a contratação ou requisição de auxiliares, como é reconhecidamente o caso dos autos, e daí resultam despesas que se apresentam e se pretendem ver aprovadas.
A esse propósito, diz-se no mesmo Acórdão, conforme sumariado agora no seu ponto III: “Quando não tenha havido autorização prévia para a contratação desses auxiliares, o A.I. deve justificar as razões pelas quais afastou esse consentimento, assim como precisar os motivos que exigiram esse auxílio técnico, devendo o mesmo estar devidamente documentado, designadamente mediante a correspondente fatura/recibo.”
No caso em apreço –em que o que está em causa é a não aprovação da remuneração paga a auxiliares contratados- não se levanta qualquer questão no que concerne à documentação das despesas com os serviços de contabilidade e perito avaliador.
Em sentido diferente daquele acórdão que vínhamos a citar podemos ver o Ac. da Relação de Évora de 11/5/2017 (www.dgsi.pt), citando Carvalho Fernandes e João Labareda (CIRE Anotado, 3ª. ed., Quid Juris, Lisboa, 2015, pag. 55) que induzem no sentido aí defendido ao referir que o CIRE “leva a ideia da pessoalidade do cargo ao ponto de rejeitar o recurso ao auxílio de terceiros e do insolvente (…) quando não haja prévia autorização da comissão de credores”. Dessa afirmação retira-se no Acórdão a ilação que o caráter prévio da autorização significa só que ela só pode ser concedida antes de se recorrer ao auxílio de outrem. E mais que não é possível, neste caso, falar em autorização tácita ou aprovação tácita; ela tem de ser expressa, porque tem de ser pedida, analisada e decidida. No caso aí analisado, não tendo sido constituída comissão de credores, diz-se ainda que o “simples silêncio dos credores ao longo das diligências realizadas, e uma vez que no caso não foi constituída comissão de credores, não pode ter o significado que a recorrente lhe atribui. Cada um dos credores pode, muito legitimamente, ter partido do princípio que a autorização existia porque autorizada foi pelo juiz.”.
Isto posto, conclui-se que “A recorrente agiu sem autorização do juiz quando esta era obrigatória; e havia de ter sido pedida ainda antes de contratar qualquer auxiliar. O juiz pode não autorizar tal intervenção com fundamento, precisamente, no valor alto do preço dos serviços; a autorização não é uma mera formalidade burocrática.
Ao agir de maneira diferente da imposta por lei, fê-lo à sua responsabilidade pelo que não pode fundamentar a sua pretensão num ilícito que ela mesmo praticou.
É este o princípio geral da responsabilidade.”.
Logo, defende esta posição que ao não existir autorização da comissão de credores, ou na sua falta, do juiz, as despesas a que se refere o artº. 55º, nº. 3, do CIRE são por conta do Administrador da insolvência.
Em igual sentido podemos ver os Acs. da Relação do Porto de 7/2/2019 e de 13/6/2019 (www.dgsi.pt).
E em sentido já um pouco diverso pode ver-se o Ac. também da Relação do Porto de 20/6/2017 (www.dgsi.pt): “…assim, no que concerne às despesas feitas com os serviços prestados por técnicos ou outros auxiliares, o reembolso das mesmas é possível, mas não basta que o AI se limite a juntar aos autos os documentos comprovativos da realização das respectivas despesas e de presumir que a passividade da comissão de credores é um sinal de aprovação da sua actuação. Pois desde logo, exige-se que o AI justifique nos autos os concretos motivos por que não obteve a prévia concordância da comissão de credores, v.g. devido a urgência e/ou natureza do acto, e quais as razões por que determinados actos, dada a sua natureza, escapam ao âmbito das tarefas que por lei lhe estão cometidas, daí a necessidade de contratação desse técnico ou outro auxiliar para os realizar».

Assim temos duas posições:
-ou se entende que a falta de concordância prévia da comissão de credores invalida sem mais a aprovação das despesas;
-ou se entende que não obstante essa falta, as mesmas ainda podem ser aprovadas se for justificada a falta de obtenção de consentimento prévio, e os motivos da necessidade daquele recurso a terceiros, o que no fundo equivale à justificação da indispensabilidade das despesas num juízo de razoabilidade.
De facto, neste segunda posição mais maleável entendemos que o administrador tem de alegar e demonstrar os dois requisitos, sob pena de se estar a ultrapassar o fundamento do artº. 55º, nº. 3, do CIRE -carater iminentemente pessoal das funções, não sendo aí tratada a questão da recuperação das despesas que isso implica já que se prevê a exigência do consentimento quer o auxílio seja ou não remunerado. Doutro modo, no caso de não se cumprir a formalidade legal, estaríamos a analisar todas as despesas sob o mesmo prisma, quando as relativas á contratação de auxiliares passam pelo primeiro crivo da possibilidade de delegação de funções.
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Aplicando a exposição “supra” ao caso, assentemos no seguinte:

1-não há prévia autorização para o recurso ao auxílio de terceiros –contabilista e perito avaliador;
2-não resulta, sequer é alegado, que a contratação se deveu a uma situação de urgência;
3-não foi apresentada justificação para o afastamento do consentimento prévio da comissão de credores;
4-apenas em sede de pedido de esclarecimento nestes autos de prestação de contas a Srª Administradora da Insolvência precisou os motivos que, a seu ver, exigiram aquele auxílio técnico;
5-não foi (previamente) dado conhecimento à comissão de credores da necessidade e da concreta proposta de recurso a terceiros.

A fundamentação do Tribunal recorrido para a exclusão dos valores pagos ao contabilista e ao perito avaliador, é a seguinte: “Como bem nota o Ministério Público, nas contas vem declarado como honorários por serviços de contabilidade as seguintes verbas, sendo certo que a Sra. Administradora de Insolvência não requereu, previamente, autorização à Comissão de Credores: (…) Ora, tendo sido deliberado o encerramento do estabelecimento comercial da sociedade insolvente, como decorre do despacho proferido em acta com a referência Citius 1501188 e datado de 18-11-2010, não tendo sido obtido o consentimento expresso da Comissão de Credores, previamente à contratação de tais serviços (a mera informação aos autos, sem qualquer pronúncia pelo órgão competente não releva), nem se tratando de uma despesa urgente, e que nos termos do art. 65.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a responsabilidade por tal despesa caberia aos devedores, não se validam essas despesas.

Ainda se opõe o Ministério Público quanto à despesa com perito avaliador, a qual também não mereceu autorização prévia da Comissão de Credores:
i. Doc. 139, no valor de €1.850,00.
Refere a Sra. Administradora de Insolvência não possuir os conhecimentos necessários para proceder à avaliação dos imóveis em causa, e que, portanto, tal despesa foi essencial para proteger os interesses da massa insolvente.
Obviamente, poderia e deveria a Sra. Administradora de Insolvência socorrer-se de técnicos, peritos ou outros auxiliares para o perfeito cumprimento das funções que lhe foram atribuídas. Porém, para as despesas com tais técnicos, peritos ou outros auxiliares ser responsabilidade da massa insolvente era necessário o consentimento prévio da Comissão de Credores ou do Tribunal, caso esta não exista.
O que não aconteceu.
Não se ignora que a Sra. Administradora de Insolvência tentou obter esse consentimento à Comissão de Credores, mas nunca foi prestado, não ocorrendo um acto tácito de consentimento.
Neste sentido, a título de exemplo, atente-se ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto relativo ao processo n.º 1212/12.0TYVNG-F.P1, datado de 13-06-2019, relator CARLOS PORTELA, ou ao acórdão do Tribunal da Relação de Évora, relativo ao processo n.º 114/15.2T8RMZ-D.E1, datado de 11-05-2017, relator PAULO AMARAL, em que se escreveu: “Não é possível, neste caso, falar em autorização tácita ou aprovação tácita; ela tem de ser expressa, porque tem de ser pedida, analisada e decidida.”, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
Em consequência, deve tal verba ser excluída.”
Vejamos, passo a passo e de acordo com os itens que enunciamos “supra” neste caso concreto, a solução do mesmo.
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Em primeiro lugar para a tese que exige sempre o consentimento prévio para a contratação, estas despesas devem ser julgadas não aprovadas, sem mais –item 1- sem prejuízo do que se dirá mais à frente quanto à questão da aceitação tácita e da aprovação tácita.
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E segundo lugar, a Srª Administradora em momento algum justificou a falta de pedido prévio de consentimento à comissão, pelo que independentemente de ter aduzida motivos para a contratação de auxiliares nos termos que mais à frente se analisarão, a sua pretensão de ver aprovadas estas despesas sempre terão de improceder –itens 2 e 3.
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Acrescem as seguintes razões que passamos a apresentar, face à argumentação de recurso e na hipótese de se aceitar a autorização ou consentimento tácito do recurso a auxiliares (suprindo a falta de consentimento prévio) e aprovação tácita das respetivas despesas.

No caso dos autos e voltando um pouco mais atrás para se seguir o percurso do raciocínio que é feito, não foi justificada a falta de obtenção da prévia concordância, sequer foram oferecidos à comissão de credores e oportunamente os motivos de recurso a serviços de terceiros, ou sequer no requerimento de prestação de contas, situação que só ocorreu perante o Tribunal em sede de pedido de esclarecimentos (pelo M.P.). A nosso ver a justificação apresentada peca por tardia e excede o que foi pedido. A notificação feita foi para (com negrito nosso) “- juntar um “resumo de toda a receita e de toda a despesa” que relacionou na conta corrente, como o prescreve o artigo 62º, nº 3 do CIRE, do qual possa extrair-se a justificação para tão elevadas despesas, designadamente com auxiliares;
- demonstrar a existência de prévia autorização expressa da comissão de credores para o seu recurso a auxiliares a expensas da massa insolvente e das condições em que o fez;
- juntar notas de honorários e faturas/recibos do patrocínio judiciário obrigatório.” Não se destinou por isso a suprir tal falta nesta fase ou a conceder uma outra oportunidade para apresentar a justificação para ter atuado sem a prévia concordância da comissão de credores –item 4. Pensamos que se impunha que esse ónus fosse cumprido pelo menos em sede de requerimento inicial de apresentação das contas, de modo a que fosse cumprido o contraditório –cfr. a tramitação prevista no artº. 64º do CIRE.
Só em sede de alegações de recurso, e ainda mais especificamente do que naquela resposta, a Srª Administradora deu conta do rol de atividade para as quais terá necessitado de ajuda de contabilista, situação que não reportou aos autos e que por isso este Tribunal não está em condições de (re)examinar por se tratar de uma questão nova. De todo o modo, e ainda assim rebatendo a argumentação, o facto de todas essas atividades terem sido realizadas e serem do conhecimento dos credores e do Tribunal não os faria presumir que para o efeito contratou um contabilista, logo não colhe dizer que ninguém manifestou qualquer oposição.
E quanto às razões apresentadas em sede de esclarecimento prestado nos autos, retomando um argumento da sentença recorrida, diremos que a necessidade de contabilista não decorre da leitura que se dê ao artº. 65º do CIRE nas duas versões que teve ao longo dos autos -na primitiva redação indiciava que a obrigação de elaborar e depositar contas anuais incumbia ao administrador da insolvência, e com a alteração introduzida pela Lei nº. 16/2012 de 20/4 passou a dispor de forma diferente. A questão da incumbência, quem tem o dever de, não invalida nem colide com a sua concretização prática, e muito menos com a exigência legal de obtenção de autorização prévia para efeitos de recurso a auxiliares de modo a ultrapassar qualquer dificuldade que o administrador da insolvência possa ter na matéria.
Não assiste razão à recorrente quando alude à apresentação de justificação e alegação nos autos dos concretos motivos por que não obteve a prévia concordância da comissão de credores – situação que claramente não se verificou nos autos e por isso não se pode dizer que então “A aprovação das despesas dependerá, pois, dum juízo casuístico em face da concreta justificação apresentada e dos factos e elementos probatórios que para o efeito sejam indicados”.
Vejamos então os argumentos que apresentou nos autos para efeitos de eventual consideração de consentimento ou aceitação tácitas, na perspetiva da aceitação jurídica desta figura – posição contrária à dos acórdãos citados na sentença recorrida.
Relativamente ao contabilista, nas únicas informações a tal referentes que foram dirigidas ao Tribunal (e mencionadas pela Srª Administradora –docs. 8 e 9) nada se explicava quanto à necessidade e à suposta remuneração desses serviços (ou que seriam remunerados, sendo que poderia tratar-se de colaborador da própria Administradora, ao seu serviço).
Quanto ao perito avaliador, decorre da comunicação alegadamente enviada aos credores (junta pela Srª Administradora –doc. 10) que, à data em que se informa do recurso aos seus serviços, sem apresentação da justificação (vg a dificuldade técnica da determinação do valor), já o relatório havia sido enviado há 4 anos, conforme refere a Srª Administradora (portanto o facto já estava totalmente consumado), e não foi dado qualquer elemento relativo ao valor da remuneração que estaria em causa. Do mero envio em 2011 de um relatório de avaliação não decorrem elementos que permitam dizer que a comissão de credores estava na posse do conhecimento do recurso a auxiliar, e que esse serviço era remunerado. Igualmente não entendemos que seja uma prerrogativa do administrador da insolvência estabelecer um efeito cominatório decorrente do silêncio dos credores.
Por isso o facto de nem os credores/comissão, nem o juiz, nem o MP., terem manifestado qualquer oposição ao longo de 10 anos de atividade auxiliada, ou, no caso do perito, nos anos entretanto decorridos, o que criou a confiança da aprovação (tácita), violada na decisão sob recurso, tal não colhe.
A Srª Administradora configura essa aceitação numa fase em que já não estava em causa apenas a contratação; estava já também consumado o resultado dessa contratação; o resultado da atividade auxiliar estava consumado, no caso da avaliação, 4 anos antes do suposto pedido de ratificação: por isso nem sequer se ponderava uma autorização tácita de recurso aos técnicos ou auxiliares, uma aceitação decorrente do silêncio face a uma proposta ou pedido de recurso a auxiliares. Uma aceitação tácita pressuporia que ainda havia a possibilidade da recusa expressa, o que não era o caso. Equacionou-se por isso o mencionado no item 5 “supra” elencado.
Por isso cremos que nem se poderia teoricamente equacionar uma aprovação tácita, tão pouco a confiança numa ratificação tácita.
Atento o alegado no recurso, destaca-se de novo que esta situação não se equipara à realização de outras despesas consideradas úteis e necessárias para a gestão da insolvência, mas que não implicam a intervenção de terceiros, como já “supra” abordamos. A avaliação dessas situações situa-se apenas na aferição desse seu carater.
Quanto à argumentação do recurso em que se cita a sentença recorrida e se lhe aponta uma incongruência quando diz: “Quanto ao demais, tendo em conta a ausência de oposição dos credores, insolventes e do Ministério Público a qual deve ser entendida como manifestação tácita da sua anuência e os elementos constantes dos autos, são as contas apresentadas pela Sra. Administradora da Insolvência aprovadas.”, esta afirmação –cujo acerto não nos compete analisar nesta sede- refere-se à ausência de oposição na prestação de contas (assim consideradas as restantes despesas úteis e necessárias), e não pode ser transposto para a questão que estamos a tratar do recurso a auxiliares que obedece a um critério formal prévio e que no caso teve a oposição do M.P..
A nossa posição não é contrária ao Ac. desta Relação de 2/11/2017 citado pela recorrente (que por sua vez cita o Ac. de 19/5/2016, também desta Relação) pois que, no seu sumário pode ler-se (além do que a recorrente citou): “I- Relativamente às despesas de administração efectuadas com os serviços prestados por auxiliares, o reembolso não é excluído ipso facto, mas não basta que o administrador de insolvência se limite a juntar documentos comprovativos da realização das despesas e presumir que a passividade da comissão de credores é um sinal de aprovação ex post facto. II- Exige-se, assim, que o administrador justifique e alegue nos autos os concretos motivos por que não obteve a prévia concordância da comissão de credores, designadamente em função da urgência e/ou natureza do acto, pois ele é um servidor da justiça em quem se deposita confiança na gestão prudente e orientada pela lei de todas as tarefas que lhe são cometidas. III- A aprovação das despesas dependerá, pois, dum juízo casuístico em face da concreta justificação apresentada e dos factos e elementos probatórios que para o efeito sejam indicados.”
A nossa posição também não é contrária ao que foi decidido no Ac. desta Relação de 19/3/2013 também citado pela recorrente, em que a situação é diversa da nossa. Nesse acórdão começa por se dizer, em síntese que: “2 – A contratação, pelo mesmo, de outros técnicos ou auxiliares carece de concordância da comissão de credores ou, na falta desta, do juiz.” E depois diz-se “3 – Criando-se, por força quer da actividade do administrador no processo, quer por força do comportamento do juiz, uma situação que permite criar expectativas no sentido de aquela actuação estar conforme ás exigências legais, devem, em obediência ao princípio da confiança, e não obstante o administrador ter negligenciado o seu dever de obtenção de prévia concordância judicial, validar-se as contas por ele apresentadas para pagamento dos serviços de terceiros a quem recorreu.” Porém, a situação aí posta à consideração é diferente da que nos está aqui apresentada. Naquele caso estava-se perante estes dados: “1 – Em 17/10/2010 o Administrador de Insolvência dirigiu-se ao processo informando que “deliberou adjudicar” o serviço de avaliação e peritagem a uma empresa e a um particular (cfr. orçamentos em anexo) ;2 – Em 1/10/2010 o Administrador de Insolvência dirigiu-se ao processo alegando a necessidade de recorrer a uma empresa de contabilidade e que “optou por adjudicar o serviço à empresa S…, Ldª, por se apresentar o mais acessível”, ao mesmo tempo que juntou duas propostas; 3 – Em 7/10/2010 foi proferido despacho ordenando a notificação dos credores para que se pronunciassem sobre a aprovação ou não da solicitada coadjuvação; 4 – Um credor pronunciou-se não se opondo; outro, não se opôs à contratação para peritagem, mas opôs-se à contratação de TOC;”. Significa isto que naquele caso foram levados aos autos elementos que permitiam uma decisão, embora não obtida, num quadro diferente do nosso. Do “silêncio informado” e do despacho expressamente proferido para o efeito de pronuncia poderão retirar-se outras ilações, situação que não ocorreu nos autos.
Isto posto adotando a tese do Tribunal recorrido (tem sempre de haver prévia autorização da comissão de credores, salvo casos de urgência) ou optando-se por outras mais maleáveis (justificação da falta de obtenção da autorização prévia e exposição dos motivos para a contratação; tese de aceitação tácita), não foi em qualquer dos casos alegada matéria suscetível de poder conduzir à aprovação da contratação de contabilista e perito avaliador.
Em suma, e neste caso particular, ainda que se entenda que a falta de concordância prévia da comissão de credores para o recurso a auxiliares remunerados por parte da Srª Administradora da Insolvência para a coadjuvar no exercício das suas funções não é condição “sine qua non” para a aprovação das contas/despesas que tal implica, deve no entanto implicar a sua não aprovação o facto de não se poder equacionar uma aceitação tácita, nem uma aprovação tácita, decorrente da falta de informação atempada e cabal do que estava em causa, excluída a atuação num cenário de urgência e omitida a justificação e alegação nos autos dos concretos motivos por que não obteve a prévia concordância da comissão de credores.
Impõe-se por isso a confirmação do decidido.
As custas do recurso ficarão a cargo da Srª Administradora por ter ficado vencida –artº. 527º, nºs. 1 e 2, C.P.C..
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negar provimento à apelação e manter a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente –artº. 527º, nºs. 1 e 2, C.P.C..
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Guimarães, 2 de dezembro de 2021.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas
2º Adjunto: Eugénia Pedro
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)