Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
258/12.2GBVNF-B.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
COMETIMENTO DE NOVO CRIME
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Com o segmento final do art. 56º, nº 1, b), do C. Penal, a revogação, ope legis, da suspensão como efeito automático da prática de um novo crime doloso no período dessa suspensão – pelo qual o agente venha a ser punido com pena de prisão – está posta de lado e delimitada aos casos em que esse facto imponha a conclusão de que se frustrou o juízo de prognose que havia fundamentado a suspensão, a ponderar, ainda e de novo, à luz dos fins das penas – tal como deve suceder com o incumprimento, em geral, de obrigações ou deveres impostos ao condenado como condições da suspensão da execução da pena de prisão –, suscitando-se a apreciação judicial sobre a personalidade e condições de vida do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao crime e o circunstancialismo que envolveu o cometimento pelo mesmo do(s) novo(s) crime(s), à luz dos fins das penas e, ainda, dos critérios consagrados no art. 50º, nº 1, do C. Penal.

II - No caso, pouco tempo depois de decretada a suspensão da execução da pena única de 3 anos e 3 meses de prisão, com a condição de o arguido frequentar acção de formação em condução segura, o mesmo, utilizando uma navalha, praticou um crime de ofensa à integridade física qualificada, pelo qual foi condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão de prisão efectiva, por não ter sido «possível formular um juízo de prognose favorável quanto aos efeitos da ameaça de cumprimento da pena de prisão no futuro comportamento do arguido». Acresce que a instabilidade e a perturbação advindas da postura impulsiva, persecutória e (auto)desresponsabilizadora mantida pelo arguido também não escoram a fundada esperança de que a sua ressocialização possa, desde já, ser alcançada em liberdade

III - Assim, com o seu censurável comportamento ulterior no decurso do período de suspensão da execução da pena, o arguido encarregou-se de revelar uma indiferença pelas exigências formais decorrentes da lei, repelindo o prognóstico favorável à suspensão da execução da pena, que também teve subjacente o vaticínio, que se frustrou totalmente, de que essa condenação ainda emergiria como isolada, não obstante o seu pregresso percurso criminal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

No âmbito do processo comum colectivo nº 258/12.2GBVNF do Juízo Central Criminal de Guimarães, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por despacho proferido em 25/01/2018, foi decidido não revogar a suspensão da execução da pena única de 3 anos e 3 meses de prisão em que o arguido José fora condenado, por acórdão transitado em julgado em 22/09/2015, como autor de cada um de dois crimes de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º/1 b), e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo art. 347º do CP.

Inconformado com a referida decisão, o Ministério Público interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):

«1- Por Acórdão transitado em julgado a 22.09.2015, José foi condenado pela prática de dois crimes de condução perigosa de veiculo rodoviário, p. e p. pelo artº 291º, nº1, al. b) do Código Penal, nas penas de 1 ano e 1 ano e 6 meses de prisão e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo artº 347º, nº2 do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão e, em cumulo jurídico, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com a condição de o arguido frequentar ação de formação em condução segura em instituição e horário a definir pelos serviços de reinserção social.
2- A Mmª Juíza decidiu que não se verificam os requisitos exigidos pelo artº 56º, nº1 al. b) do Código Penal para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado.
3- Para tanto, a Mmª Juíza, apesar de considerar o comportamento do condenado no período da suspensão da execução da pena de prisão traduzido na prática de crimes de diversa natureza considera que de alguma forma também têm na sua génese a psicopatologia para cuja solução o condenado carece de uma avaliação psicológica personalizada, crendo que a prática desses crimes, por si só, não terá comprometido de forma irreversível o juízo de prognose favorável que levou à suspensão da execução da pena de prisão.
4- Mais considera a Mmª Juíza que revogar agora a suspensão da execução da pena de prisão, depois do condenado ter cumprido a condição imposta para essa revogação, equivaleria a uma dupla punição, dificultaria o tratamento da psicopatologia de que o condenado padece e cronificaria o sentimento de perseguição e de revolta que têm alimentado aquela patologia e fomentado a prática de tais crimes.
5- No período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos o arguido cometeu novos crimes, pelos quais foi julgado e condenado por Acórdão transitado em julgado a 22.05.2017, no Processo nº 403/15.6GCVNF,designadamente, pela prática a 08.11.2015 e a 05.03.2016 de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artºs 143º, nº1 e 145º, al. a) e nº2 do Código Penal por referência ao artº132º, nº2, al. h) do mesmo Código e um crime de dano p. e p. pelo artº212º, nº1 do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 2 anos e 4 meses de prisão e na pena de 6 meses de prisão, respetivamente, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva.
6- O cometimento de novo crime no decurso do período da suspensão revela sempre que uma das finalidades da punição não foi alcançada, na medida em que não se conseguiu o afastamento do condenado da prática de novos crimes.
7- A revogação da suspensão da execução da pena de prisão não ocorre de forma automática importando apurar se com o cometimento de novo crime ficou infirmado de forma irremediável e definitiva o juízo de prognose favorável em que a suspensão se baseou.
8- É necessário, assim, apreciar a conduta anterior e posterior do condenado, ou seja, o seu percurso criminal, o qual antes da condenação sofrida nestes autos apresentava as seguintes condenações:

- No Processo Sumaríssimo nº195/06.0GTBRG, por sentença proferida a 08.09.2006, transitada em julgado a 08.09.2006, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 3,00€, pela prática a 23.04.2006, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artº3º, do DL nº2/98 de 03/01;
- No Processo Comum nº1413/09.8JAPRT, por acórdão proferido a 11.03.2011, transitado em julgado a 31.03.2011, na pena de 5 anos de prisão suspensa por igual período com regime de prova e condicionada a deveres, pela prática a 11.09.2009 de um crime de homicídio qualificado na forma tentada p. e p. pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2 al. h) e 22º e 23º do Código Penal.
9- A pena de 3 anos e 3 meses de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos foi suspensa por igual período, por tal como consta do Acórdão proferido: “apesar de ter condenações anteriores pela prática de crime de condução sem habilitação legal e de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, encontra-se socialmente inserido, quer no contexto familiar quer no contexto profissional, exercendo uma atividade remunerada no Luxemburgo onde está emigrado; apresenta algum sentido crítico, verbalizando crenças adequadas quanto a comportamentos normativos, o que indicia capacidade para, querendo, adequar o seu comportamento ao estatuído como convencional; a sua idade e imaturidade que lhe está associada combinada com a sua personalidade que, como afirma o relatório social estará algo alterada desde o acidente de viação que o arguido foi vítima em 2008, tornam aconselhável que seja concedida ao arguido uma derradeira oportunidade consubstanciada na suspensão da pena de prisão, sujeita à condição da frequência de ação de formação sobre condição segura, em instituição e horário a definir pelos serviços de reinserção social.”
10- Sucede porém que a ameaça da pena de prisão e a censura dos factos praticados não foram suficientes para afastar o condenado da criminalidade.
11- Apesar de advertido das condicionantes inerentes ao regime da suspensão, das finalidades preventivas que se visavam alcançar e das consequências que poderia ter na hipótese do seu insucesso, ainda assim o condenado pouco mais de um mês após o início da suspensão cometeu novo crime repetindo tal comportamento decorridos mais 4 meses.
12- Pelo tipo de crimes que praticou e a factualidade inerente aos mesmos o condenado demonstrou claramente que as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena de prisão não foram, por meio dela, alcançadas.
13- O condenado demonstrou absoluta incapacidade de reger a sua vida de acordo com os normativos jurídico-penais que protegem a vida em sociedade, demonstrando absoluta incapacidade em respeitar a suspensão aplicada.
14- A condenação proferida no âmbito do Processo nº 403/15.6GCVNF em pena de prisão efetiva revela e significa que nesses autos não foi possível fazer o juízo de prognose favorável sobre a sua conduta, pelo que, salvo o devido e muito respeito por opinião contrária, apenas e só o cumprimento efectivo da pena de prisão em que foi condenado nestes autos satisfaz as exigências de prevenção geral e especial.
15- A suspensão da execução da pena de prisão tem como objetivo primordial o afastamento do condenado da prática de novos crime e é notório que com a prática de não de um, mas de dois crimes, logo após o início do prazo de suspensão da execução da pena de prisão colocam em causa aquele objetivo.
16- Considera a Mmª Juíza que uma vez que o condenado cumpriu a condição imposta, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, designadamente, a frequência de ações de formação sobre condução segura, traduziria uma dupla punição do condenado.
17- A “dupla punição “ a que a Mmª Juíza se refere mais não é do que a consequência necessária da revogação da execução da pena de prisão nos termos do artº 56º, al. b) do Código Penal, ainda que a suspensão tenha sido condicionada a determinados deveres e/ou obrigações que venham a ser cumpridos pelo condenado.
18- Ainda que tendo frequentado as acções de formação da Prevenção Rodoviária Portuguesa resulta do Relatório da Prevenção Rodoviária Portuguesa junto aos autos a fls.520 e verso que o condenado não interiorizou o desvalor da sua conduta nem o condenado apreendeu a experiência, uma vez que “Não parece ter integrado a situação enquanto experiencia emocional e de aprendizagem, não apresentando afetos congruentes com a gravidade da situação…”.
19- Da factualidade dada como provada nos presentes autos não consta qualquer facto quanto a consequências neurológicas e psicopatologia diagnosticada ao condenado, de modo a poder-se considerar na decisão em apreço que os crimes pelos quais foi condenado em pena de prisão efetiva cometidos logo no início da suspensão da execução da pena de prisão têm também na sua génese a referida psicopatologia.
20- O condenado foi sempre considerado como capaz de avaliar a ilicitude do facto no momento da sua prática e de se determinar de acordo com essa avaliação.
21- Perante os elementos recolhidos, a Mmª Juíza deveria ter revogado a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido José e ordenado o cumprimento da pena de 3 anos e 3 meses de prisão fixada no Acórdão proferido nos presentes autos.
22- Encontra-se violada a disposição legal prevista no artº56º, nº1, al. b) e nº2 do Código Penal.».

O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 654 dos autos principais.

O arguido não apresentou resposta ao recurso.
Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu alicerçado parecer secundando e reforçando a argumentação recursória.
Cumprido o disposto no nº 2, do art. 417º do CPP, feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
*
Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 403º e 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscita-se neste recurso a questão de saber se se encontram preenchidos os pressupostos justificativos da revogação da suspensão da execução da pena.

Importa apreciar a enunciada questão e decidir para o que são pertinentes: A) os factos considerados na decisão recorrida; B) o teor da decisão que incidiu sobre tais factos; C) os factos e as ocorrências que se extraem da tramitação dos autos.

A) Os factos considerados na decisão recorrida:

1) - Por acórdão proferido nos presentes autos em 07.07.2015, transitado em julgado em 22.09.2015, o arguido José foi condenado, como autor de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º/1 b) do C.P., na pena de 1 ano de prisão, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º/1 b) do C.P., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º do C.P., na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de o arguido frequentar acção de formação em condução segura, em instituição e horário a definir pelos serviços de reinserção social.
2) - O arguido foi pessoalmente notificado da decisão em 07.07.2015 (fls. 401).
3) - A fls. 450 veio a DGRSP informar que não foi possível elaborar o Plano de Execução por falta de colaboração do arguido, visto que não compareceu nos dias 5 e 14 de Janeiro.
4) - A fls. 457 e ss, consta o plano de execução relativo ao arguido.
5) - A fls. 461 veio o arguido esclarecer que não compareceu nas datas indicadas, porque foi detido no dia 4 de Janeiro por não ter efectuado o pagamento da multa em que foi condenado no processo nº 323/11.3GBVNF, tendo ficado no estabelecimento prisional até 24 de Janeiro.
6) - Cumprido o disposto no art. 54º/2 do C.P., o arguido veio informar a fls. 470 e ss, que pretende frequentar as acções de formação em condução segura, mas não consegue suportar o respectivo custo – 220,00 Euros –, a que acresce o custo da deslocação da sua residência para o Porto, razão pela qual requer a possibilidade de frequentar tais acções com caracter gratuito, ou em alternativa, poder pagar o respectivo custo em 5 prestações mensais e mais perto da sua residência.
7) - A fls. 475, a DGRSP informou que não é possível proporcionar de forma gratuita as acções de formação, sendo no entanto possível o pagamento fraccionado, sendo certo que tais acções decorrerão necessariamente no Porto e só terão início após pagamento integral.
8) - A fls. 482, o arguido manifestou o propósito de pagar as acções de formação em duas prestações mensais, tendo a DGRSP sido informada em conformidade.
9) - Em 13/06/2016 foi remetido aos autos Relatório de Avaliação Periódico da Suspensão da Execução da Pena, informando que o arguido compareceu às entrevistas de acompanhamento de 11 de Abril e 13 de Junho, estando a próxima agendada para o dia 16 de Agosto; que o arguido se mostra mais comprometido com a medida judicial aplicada; Comparece às entrevistas de acompanhamento agendadas e mostra algum esforço no sentido de cumprir o que lhe é determinado. Concluí que o processo de suspensão de execução da pena está a decorrer de forma satisfatória, estando a ser cumpridos os objectivos preconizados com a aplicação da presente medida – cfr.fls. 488 e ss.
10) - Em 04/01/2017 foi remetido aos autos novo Relatório de Avaliação Periódico da Suspensão da Execução da Pena, informando que o arguido compareceu às três sessões de formação da PRP que se realizaram nos dias 18 de Outubro, 22 de Novembro e 6 de Dezembro. As entrevistas só não se realizaram desde que foi aplicada a medida de coacção de prisão domiciliária com recurso a meios de vigilância electrónica, mas mantém-se os contactos telefónicos e em meio residencial com o condenado. Conclui que o arguido cumpriu com a regra de conduta determinada judicialmente e que o obrigava a frequentar acção de formação na PRP – Fls. 516 e ss.
11) - A fls. 520 consta o Relatório de Prevenção Rodoviária Portuguesa referente ao arguido que conclui que seria importante o encaminhamento do arguido para uma avaliação psicológica individualizada, porquanto, apesar de manter uma atitude ativa e colaborante, apresentou características associadas à presença de psicopatologia, condicionando a análise e juízo critico relativamente à sua experiência e de todo o processo subsequente, mantendo uma postura impulsiva e persecutória, desresponsabilizando-se pela sua intervenção na situação que motivou este processo, bem como apresentou sérias dificuldades em assumir-se enquanto protagonista da situação rodoviária que desencadeou o processo crime.
12) - Entretanto, a fls. 528 e seguintes, foi junta certidão do acórdão proferido em 17.01.2017, no processo n.º 403/15.6GCVNF, da Instância Central de Guimarães, transitada em 22/05/2017, que condenou o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo disposto nos art. 143º/1, 145º/1 a) e 2 do C.P., por referência ao art. 132º/2 h), na pena parcelar de 2 anos e 4 meses de prisão e pela prática de um crime de dano p. e p. pelo art. 212º/1 do C.P., na pena parcelar de 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva.
13) - A fls. 573, veio a DGRSP informar que o arguido se mostra a cumprir a referida pena no estabelecimento prisional de Guimarães, à ordem do processo n.º 403/15.6GCVNF, com termo previsto a 03/01/2019.
14) - A fls. 601 dos autos, foi designada data para a tomada de declarações ao arguido e do Técnico da DGRSP.
15) - Tomadas declarações ao arguido, o mesmo declarou, em suma, que praticou o crime durante o período da suspensão, tendo dado como explicação para a prática do mesmo o facto de apresentar problemas de saúde de foro neurológico que o deixavam psicologicamente perturbado, encontrando-se actualmente mais calmo face à medicação mais assertiva, em face do seu quadro clinico. Referiu estar a cumprir a pena de prisão efectiva a que foi condenado no processo n.º 403/15.6GCVNF e que este tempo que passou na cadeia fê-lo compreender a censurabilidade da sua conduta – cfr. fls. 620 e ss.
16) - Conforme consta da acta que documenta a tomada de declarações do arguido – cfr. fls. 620 e ss -, o Ministério Público manifestou-se no sentido da revogação da suspensão da execução da pena, considerando que o tipo de crime pelo qual o arguido foi condenado no período da suspensão, a sua reiteração, bem como a sua elevada gravidade, as quais frustraram as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena aplicada que não puderam, por meio dela, ser minimamente alcançadas.
17) - Concedido ao arguido, na pessoa do seu Ilustre Defensor Oficioso, um prazo de 10 dias para, querendo, se pronunciar sobre a promovida revogação da execução da pena de prisão, o mesmo veio a fls. 623 e ss, requerer a não revogação da suspensão da pena de prisão a que o arguido foi condenado nestes autos, alegando que o crime cometido pelo arguido durante o período de suspensão da pena, ocorreu numa fase em que o arguido apresentava problemas de saúde de foro neurológico que o deixava psicologicamente perturbado, que actualmente tem-lhe vindo a ser prescrita medicação mais assertiva ao seu quadro clinico que o tem deixado mais calmo, situação que tem vindo a ocorrer desde que lhe foi aplicada a medida de coacção de permanência na habitação, com fiscalização do seu cumprimento mediante recurso aos meios de vigilância electrónica. Que o arguido chegou a cumprir as acções de formação de condução segura, pelo que a revogação da suspensão equivaleria a uma dupla penalização, para além de em nada contribuir para o seu processo de ressocialização, tanto mais que sempre necessitará de acompanhamento médico e terapêutico adequado ao seu quadro clinico, que poderá ser mais controlado com o apoio da família, além de que a actual pena privativa da liberdade, já lhe permitiu interiorizar o desvalor da sua conduta e aceitar a sua punição,

B) O teor da decisão recorrida:

«(…) O primeiro requisito encontra-se manifestamente demonstrado nos autos, por sentença transitada em julgado e junta a fls.528 e ss, sendo claro que o arguido, nos dias 8 de Novembro de 2015 e 05 de Março de 2016 – portanto, durante o período da suspensão, antes de ter decorrido um ano após o trânsito da condenação dos presentes autos –, cometeu um crime de dano e um crime de ofensa à integridade física qualificada.

Não obstante, a revogação da execução da pena de prisão não é automática.

Para que possa ser revogada a suspensão da execução da pena, torna-se imprescindível que se constate que as finalidades que estão na base da suspensão da pena, e que foram reconhecidas na sentença, se vejam frustradas.

No fundo, o juízo de prognose favorável ao arguido realizado na sentença, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, levá-lo-iam a respeitar os valores essenciais do ordenamento jurídico e a se manter afastado da prática de crimes, tem de ser infirmado.

É necessário avaliar se face à natureza e circunstâncias do crime cometido, ao passado do condenado, às suas circunstâncias pessoais actuais, e às necessidades de protecção do bem jurídico violado, e de reintegração daquele na sociedade, é conveniente revogar a suspensão da pena, por ter sido infirmado de forma definitiva o juízo de prognose que alicerçou a convicção de que a suspensão se revelava suficiente.

Se estes são os requisitos materiais da revogação, no plano processual impõe-se a prévia realização das diligências que se revelem úteis para a decisão, avultando entre as possíveis, a audição do condenado. Só através dessa averiguação se poderá concluir com segurança pela eficácia ou ineficácia da manutenção da suspensão, pré-ordenada às finalidades visadas pela pena suspensa, sendo certo que tratando-se de motivações de ordem subjectiva ninguém melhor do que o condenado estará em condições de explicar as razões do incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostas ou do plano de readaptação, ou mesmo as razões que conduziram ao cometimento de novo crime no período da suspensão.

É esta, aliás, a finalidade por excelência do direito que reconhecidamente assiste ao condenado, de ser ouvido antes da decisão de revogação: permitir-lhe fornecer uma explicação que de alguma forma contribua para reduzir ou afastar o impacto negativo do incumprimento em que incorreu ou da nova actuação criminosa, em ordem a convencer o tribunal da subsistência das expectativas em si depositadas e que justificaram a suspensão da execução da pena.

Apreciemos, pois, à luz das considerações que antecedem, a situação concreta retratada nos autos.

Como vimos, o arguido, que já anteriormente à condenação imposta nos presentes autos, tinha cometido um crime de condução sem carta e um crime de homicídio qualificado na forma tentada, voltou a cometer novos crimes no período de suspensão da pena, embora de natureza diferente daqueles pelos quais foi condenado nestes autos.

Todavia, não basta afirmar o cometimento de novo crime no período de suspensão da execução da pena, para se concluir pela infirmação do juízo de prognose favorável determinante para a aplicação dessa suspensão, apesar desta suspensão ter já ocorrido como “última oportunidade” dada pelo tribunal ao arguido, conforme relata o acórdão.

Vejamos se a explicação dada pelo arguido convence da subsistência do bem fundado do juízo de prognose que levou à suspensa da execução a pena.

Na verdade, conforme se consignou no acórdão proferido nestes autos, a idade do arguido e a imaturidade que lhe está associada (que, de alguma forma explicam que o arguido tenha arriscado a prática de crimes, para evitar sofrer as consequências de actos com relevância meramente contra-ordenacional), combinada com a sua personalidade que, como afirma o relatório social estará algo alterada desde o acidente de viação que o arguido foi vítima em 2008, tornam aconselhável a concessão ao arguido de uma derradeira oportunidade consubstanciada na suspensão da pena de prisão, sujeita à condição da frequência de acção de formação sobre condução segura, em instituição e horário a definir pelos serviços de reinserção social.

E, de facto, esta foi a derradeira oportunidade que foi concedida ao arguido, porquanto, tendo o mesmo praticado um crime de dano e um crime de ofensa à integridade física qualificada, no período da suspensão da execução da pena, este mesmo tribunal condenou o arguido numa pena de prisão efectiva.

Todavia, importa atentar que, segundo resulta do teor do Relatório de Avaliação Periódico da Suspensão da Execução da Pena, remetido aos autos a 13/06/2016, o arguido compareceu às entrevistas de acompanhamento de 11 de Abril e 13 de Junho, estando a próxima agendada para o dia 16 de Agosto; que o arguido se mostra mais comprometido com a medida judicial aplicada; Comparece às entrevistas de acompanhamento agendadas e mostra algum esforço no sentido de cumprir o que lhe é determinado. Tal relatório conclui que o processo de suspensão de execução da pena decorreu de forma satisfatória, estando a ser cumpridos os objectivos preconizados com a aplicação da presente medida – cfr.fls. 488 e ss.

Por outro lado, em 04/01/2017 foi remetido aos autos novo Relatório de Avaliação Periódico da Suspensão da Execução da Pena, informando que o arguido compareceu às três sessões de formação da PRP que se realizaram nos dias 18 de Outubro, 22 de Novembro e 6 de Dezembro. As entrevistas só não se realizaram desde que foi aplicada a medida de coacção de prisão domiciliária com recurso a meios de vigilância electrónica, mas mantém-se os contactos telefónicos e em meio residencial com o condenado. Esse relatório conclui que o arguido cumpriu com a regra de conduta determinada judicialmente e que o obrigava a frequentar acção de formação na PRP – Fls. 516 e ss.

Como resulta do exposto, o arguido cumpriu com a condição imposta para a suspensão da pena de prisão, consubstanciada na frequência de acções de formação sobre condução segura, o que fez com algum sacrifício pessoal, suportando um custo que para si foi significativo, de tal ordem que solicitou e lhe foi deferido o pagamento em prestações e que obrigou à sua deslocação desde Vila Nova de Famalicão até ao Porto.

É certo que, segundo consta do Relatório de Prevenção Rodoviária Portuguesa referente ao arguido, a fls. 520, o arguido apesar de manter uma atitude ativa e colaborante, apresentou características associadas à presença de psicopatologia, condicionando a análise e juízo critico relativamente à sua experiência e de todo o processo subsequente, mantendo uma postura impulsiva e persecutória, desresponsabilizando-se pela sua intervenção na situação que motivou este processo, bem como apresentou sérias dificuldades em assumir-se enquanto protagonista da situação rodoviária que desencadeou o processo crime.

Embora se lamente essa postura do arguido, facto é que essa postura é, de alguma forma compreensível, perante o lamentável cenário, documentado em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, no qual o tribunal deixou consignado que se convenceu do teor das declarações do arguido, corroboradas pelo teor das declarações da testemunha R. M. e pelo teor do episódio de urgência, de onde resulta que o arguido foi literalmente “espancado” por alguns agentes da GNR, na sequência do que recebeu tratamento hospitalar – cfr. fls. 13, paragrafo 2º do acórdão.

Nessa medida, como bem conclui aquele Relatório de Prevenção Rodoviária Portuguesa, julgamos que, seria importante o encaminhamento do arguido para uma avaliação psicológica individualizada, que permita resolver as sequelas neurológicas de que o arguido passou a padecer, após o acidente de viação que o vitimou em 2008 e, que segundo se julga, o episódio de espancamento de que terá sido vítima, seguramente não ajudou a curar.

Consideramos, por isso, que apesar da prática pelo arguido, no período de suspensão, dos crimes atrás referidos, estando em causa crimes de diversa natureza, que de alguma forma também têm na sua génese a psico-patologia para cuja solução o arguido carece de uma avaliação psicológica personalizada, crê-se que a prática desses crimes, por si só, não terá comprometido de forma irreversível o juízo de prognose favorável que levou à suspensão da execução da pena de prisão.

Ao invés, revogar agora a suspensão da pena de prisão, depois do arguido ter cumprido a condição imposta para essa revogação, equivaleria a uma dupla punição, dificultaria o tratamento da psico-patologia de que o arguido padece e cronificaria o sentimento de perseguição e de revolta que têm alimentado aquela patologia e fomentado a prática de tais crimes. Quer o tribunal acreditar, sem cair na ingenuidade, que este período de reclusão a que esteve e continua sujeito, privado do apoio familiar, a que se soma o risco de ver revogada esta suspensão, evidenciado ao arguido que a condenação em pena suspensa não é um mero formalismo desprovido de consequências, nem representa uma forma de desculpabilização de actos criminalmente censuráveis.

Bem pelo contrário, traduz solene aviso para a gravidade da conduta censurada e, quando imposta em crimes puníveis em alternativa com pena de multa ou de prisão, significa o reconhecimento da insuficiência da pena de multa para a tutela dos bens jurídicos protegidos pela norma violada; e significa também que a sua conduta se encontra já num patamar elevado de censurabilidade, com a consequente advertência para a redução da tolerância da ordem jurídica para com futuros comportamentos idênticos.

No caso vertente, esta solene advertência transmitida sob a forma de pena de substituição pena de prisão, suspensa na sua execução, cuja condição foi, de resto, cumprida pelo arguido, apesar do crime(s) praticado no período da suspensão, não terá sido irremediavelmente deslegitimada pela actuação do arguido, pelo que não se revoga a pena de suspensão que lhe foi aplicada.».

C) Os factos que se extraem da tramitação dos autos:

1) - Em 7/07/2015 [data referida em A)-1) e 2)], o arguido já tinha sido, antecedentemente, condenado nas seguintes penas: 90 dias de multa, entretanto declarada extinta pelo respectivo pagamento, pela prática em 23/4/2006 de um crime de condução sem habilitação legal; cinco anos de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova por igual período, pela prática em 11/9/2009 de um crime de homicídio qualificado na forma tentada; 290 dias de multa, entretanto declarada extinta pelo respectivo pagamento, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, em 26/01/2011, e de um crime à integridade física simples, em 15/10/2011; 210 dias de multa, entretanto declarada extinta pelo respectivo pagamento, pela prática de um crime de ameaça agravada, em Fevereiro/2015.
2) - Mediante o acórdão de 17/01/2017, referido em A)-12), proferido no processo nº 403/15.6GCVNF e confirmado por acórdão desta Relação (transitado em julgado em 22/05/2017), o arguido foi condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em 8/11/2015, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, e, em 5/3/2016, de um crime de dano, por ter sido considerado provado, nomeadamente, que, no aludido dia 8/11/2015, «o arguido e o ofendido envolveram-se em agressões recíprocas, trocando entre si murros, após o que o arguido atingiu o ofendido na coxa direita com uma navalha tipo “canivete- suíço que trazia na mão, provocando-lhe um golpe com sangramento, tendo também o arguido ficado a sangrar no nariz e no rosto», com o que o ofendido sofreu «uma ferida na face anterior na coxa direita com 4 cm de comprimento, lesão essa que motivou tratamento médico da sutura e da qual resultaram directa e necessariamente, 42 dias de doença, todos eles com afectação da capacidade para o trabalho profissional».

3) No mesmo acórdão foi também ponderado, além do mais: «(…) no presente caso, face aos antecedentes criminais do arguido e, em particular, atendendo ao facto de estes factos terem sido praticados em pleno decurso do prazo de suspensão da pena de prisão aplicada no processo nº 258/12.2GBVNF, não é possível formular um juízo de prognose favorável quanto aos efeitos da ameaça de cumprimento da pena de prisão no futuro comportamento do arguido. Assim, não há lugar à suspensão da pena de prisão.».
*
Os pressupostos da revogação da suspensão.

No caso ora em apreço, a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao recorrente foi decretada condicionadamente à frequência de “acção de formação em condução segura”, que a Sra. Juíza, na decisão recorrida, considerou ter sido, no fundamental, cumprida pelo arguido, com base nos relatórios de acompanhamento da conduta determinada judicialmente, que apontavam para que esta decorrera «de forma satisfatória».

E o recurso interposto também não se foca nas incidências atinentes ao cumprimento de tal condição, mas, sim, na manutenção da suspensão da execução da pena imposta nestes autos, perante a posterior prática pelo condenado de crimes de diversa natureza, que, objecto de apreciação no referido processo 403/15.6GCVNF, viria a desencadear a condenação do mesmo em pena de prisão efectiva.

Na verdade, a Sra. Juíza sopesou, essencialmente, as consequências da posterior condenação na manutenção da suspensão decretada e agora colocada em crise, para concluir que a solene advertência transmitida por tal forma de substituição da pena de prisão não teria sido irremediavelmente deslegitimada pela actuação do arguido, não tendo esta comprometido de forma irreversível o juízo de prognose favorável que levou à suspensão.

Nessa sua avaliação, tudo indica ter sido determinante «a idade do arguido e a imaturidade que lhe está associada», mas também, e sobretudo, a percepção que a Sra. Juíza evidenciou quanto à postura do arguido, a que aludiu como sendo «impulsiva e persecutória, desresponsabilizando-se pela sua intervenção», registando que «seria importante o encaminhamento do arguido para uma avaliação psicológica individualizada, que permita resolver as sequelas neurológicas de que passou a padecer, após o acidente de viação que o vitimou em 2008 e, que segundo se julga, o episódio de espancamento de que terá sido vítima, seguramente não ajudou a curar».

Posto isto, a questão de que cumpre conhecer no recurso, tal como acaba se ser delineada, restringe-se a saber se, nos termos do art. 56º, nº 1, b), do C. Penal, deve ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão porque, no seu decurso, o aqui arguido cometeu crimes pelos quais veio a ser condenado e revelou que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Como é sabido, diferentemente do que sucedia até à revisão do C. Penal de 1995, actualmente, «o acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime (doloso) durante o período da suspensão da prisão e na correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento do segundo crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para prosseguir as finalidades da punição» (1). Este pressuposto material «passa a constituir a questão nevrálgica a decidir nos casos de cometimento de novo crime, cabendo maior responsabilidade ao intérprete e aplicador da lei na determinação dos casos de revogação, pois a decisão respetiva centra-se agora no especial impacto do novo crime na prossecução das finalidades que estavam na base da suspensão e não na natureza dolosa ou culposa do crime ou na espécie da pena aplicada» (2).

Nessa medida, a revogação da suspensão da pena como decorrência do cometimento, no decurso do período de suspensão, de novo crime deixou de ser uma mera formalidade, antes impõe a avaliação sobre se a condenação pela prática desse novo crime implica a revogação da suspensão porque essa prática pusera em causa, definitivamente, o juízo de prognose que esteve na sua base, ou seja, o de que, através da suspensão, o arguido se manteria afastado da criminalidade: em função das conclusões obtidas na apreciação judicial das circunstâncias em que ocorreu o cometimento do novo crime se decidirá do benefício ou inconveniente da revogação, em conformidade com as finalidades consagradas no art. 40º, nº 1, do C. Penal: «a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade». «Se estes são os requisitos materiais da revogação.» (3).

Na verdade, a aludida revisão do C. Penal de 1995 – com o segmento final do art. 56º, nº 1, b) – pôs termo à revogação, ope legis, da suspensão como efeito automático da prática de um novo crime doloso no período dessa suspensão, pelo qual o agente viesse a ser punido com pena de prisão (4), delimitando-a aos casos em que esse facto imponha a conclusão de que se frustrou o juízo de prognose que havia fundamentado a suspensão, a ponderar, ainda e de novo, à luz dos fins das penas, tal como deve suceder com o incumprimento, em geral, de obrigações ou deveres impostos ao condenado como condições da suspensão da execução da pena de prisão (5): «A condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena só implica a revogação da suspensão se a prática desse crime infirmar definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão. A revogação da suspensão deverá ser excluída, em princípio, se na nova condenação tiver sido renovado esse juízo de prognose favorável, com o decretamento da suspensão da pena da nova condenação. A escolha de uma pena de multa na nova condenação é, igualmente, um elemento que contra-indica a solução da revogação da suspensão.» (6).
«No actual regime não basta afirmar as condenações sofridas pelo agente para se concluir pela infirmação do juízo de prognose favorável determinante da suspensão da pena. Fosse assim e estaríamos a regressar enviesadamente ao regime inicial do Código de 1982.» (7).
«A condenação por crime cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão não dita, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda serem alcançadas, em liberdade, as finalidades da punição que norteará a escolha dos regimes do art. 55º ou do art. 56º do Código Penal. (…) Tendencialmente, será a condenação em pena efectiva de prisão a reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas.» (8).

De harmonia com o art. 40º, nº 1, do CP, a aplicação das penas visa, a par da protecção de bens jurídicos, a reintegração do agente na sociedade (9). Assim, também a revogação da suspensão da pena, na sequência do cometimento de novo crime no período da suspensão, suscita a necessidade de uma apreciação judicial sobre a personalidade e condições de vida do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao crime e o circunstancialismo que envolveu o cometimento pelo mesmo do novo crime, à luz dos fins das penas e, ainda, dos critérios consagrados no art. 50º, nº 1, do CP, por força dos quais a prática de um crime durante o período de suspensão da execução da pena de prisão só deve constituir fundamento de revogação desta, quando essa prática, tendo em conta o tipo e a gravidade penal do novo crime, as condições em que foi cometido, entre outras circunstâncias, revele, em concreto, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo concluir-se, por isso, que se frustraram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão, ou se, pelo contrário, apesar da prática do novo crime, subsistem ainda fundadas expectativas de ressocialização em liberdade.
Tendo em conta o expendido, ponderemos, pois, a concreta situação dos autos.
Segundo a decisão recorrida, não se encontram preenchidos os pressupostos justificativos da revogação da suspensão. Porém, não obstante a excelente e detalhada fundamentação em que se estriba, não a perfilhamos, por nela não terem sido devidamente ponderadas as seguintes razões:

- Por um lado, a condenação em pena de prisão efectiva, decretada no processo 403/15.6GCVNF, que já seria, em si mesma, tendencialmente reveladora de que não puderam ser alcançadas as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão, foi determinada pelo competente Tribunal Colectivo por não ter sido «possível formular um juízo de prognose favorável quanto aos efeitos da ameaça de cumprimento da pena de prisão no futuro comportamento do arguido».

- Por outro lado, a posterior prática dos concretos crimes apreciados no referido processo, pese embora a sua diversa natureza em relação aos que anteriormente haviam desencadeado a condenação nestes autos, constitui, no quadro global do comportamento do condenado, um sólido indicador de que o mesmo comprometeu, definitiva e irremediavelmente, o juízo que esteve na base da suspensão da execução da pena de prisão que lhe fora aqui aplicada e que assentava no pressuposto de que não mais praticaria crimes, pelo menos como o do crime à integridade física qualificada pelo qual veio a ser condenado e, menos ainda, com os particulares contornos dos que o envolveram, quanto às característica do instrumento usado na agressão e, particularmente, à circunstância de ter sido perpetrado quando ainda não haviam decorrido, sequer, 2 meses desde que se iniciara o período da suspensão da execução da pena decretada nestes autos, ou quando, nas palavras do Sr. Procurador-Geral Adjunto, «ainda não haviam arrefecido os instrumentos punitivos da primeira condenação» (10).

- Acresce o facto de o arguido já antecedentemente ter sido condenado por ter praticado, 4 anos antes (em 15/10/2011), um crime de idêntica natureza e, sobremaneira, o de o mesmo ter consumado, em 11/9/2009, uma actuação que pôs em crise o bem jurídico supremo (a vida humana), pela qual fora condenado em cinco anos de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova, sem que a solene advertência ínsita na inerente decisão tenha sido por ele interiorizada ao ponto de ter realizado a ulterior ofensa qualificada, como se disse, menos de 2 meses após se iniciar a suspensão da execução da pena decretada nestes autos, rejeitando, afinal, a “derradeira oportunidade”, a que a Sra. Juíza alude.

Neste específico contexto, a nova condenação do arguido não é nada coerente com o juízo de prognose favorável à sua ressocialização em liberdade, dada a desconformidade ético-social que o mesmo, entretanto, evidenciou, antes infirma, claramente, tal juízo e, por consequência, impõe a necessidade de cumprimento efectivo da pena de prisão. Aliás, também na posterior condenação, esteve subjacente um juízo de prognose desfavorável à ressocialização do arguido em liberdade, em conformidade com a avaliação feita na respectiva decisão.

Assim, não obstante a acutilância dos considerandos da Sra. Juíza acerca da juventude do arguido e das particulares características da sua personalidade, nomeadamente os problemas do foro neurológico – de que padecerá, ao que tudo indica, ainda que não demonstrados pericialmente nos autos –, o certo é que ao ter protagonizado, as condutas apreciadas no âmbito do processo nº 403/15.6GCVNF, o mesmo atingiu, de forma violenta, o bem jurídico da integridade física de uma pessoa, tutelado pelo ilícito em questão, cuja inviolabilidade tem como ratio a protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana e daí a sua consagração também na lei fundamental (art. 25º da CRP) sujeitando-se a um destacado juízo de censura ético-jurídica com os actos, em si mesmos, que o consubstanciaram e com que demonstrou um absoluto alheamento ao muito sensível bem jurídico aludido.

Como é evidente, os tribunais não podem ser – e não são – indiferentes a argumentos da índole dos invocados pela Sra. Juíza, aliás, denotando elevado grau de sensibilidade, quanto às fragilidades patenteadas pela personalidade do condenado, relacionados quer com a sua imaturidade, quer, sobremaneira, com as apontadas sequelas neurológicas, a que se associará uma postura impulsiva e persecutória, (auto)desresponsabilizadora. Todavia, para o que ora nos ocupa, a instabilidade e perturbação daí advindas revertem-se contra o próprio arguido, pois em nada ajudam, agora, a escorar a fundada esperança de que, ao contrário do vaticínio expresso pelo Colectivo que efectuou o julgamento no âmbito do processo 403/15.6GCVNF, a sua ressocialização pode, desde já, ser alcançada em liberdade.

Na verdade, o arguido repeliu o prognóstico favorável à suspensão da execução da pena que lhe foi imposta, que teve subjacente a fundada esperança de que a sua ressocialização poderia ser alcançada em liberdade e de que essa condenação ainda emergiria, por isso, como isolada, não obstante o seu pregresso percurso criminal, por este se inscrever, realmente, no respectivo passado. Tal vaticínio frustrou-se totalmente: o arguido encarregou-se de revelar, com o seu censurável comportamento ulterior, no decurso do período de suspensão da execução da pena, uma indiferença pelas exigências formais decorrentes da lei, praticando, de novo crimes.

Efectivamente, não pode concluir-se, com um mínimo de objectividade, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão tenham o efeito que não tiveram até aqui: ao cometer um crime de ofensa à integridade física, durante o período de suspensão da execução de uma pena de prisão pela prática de outro crime, o arguido mostrou exuberantemente a ineficácia da anterior pena de substituição e de como foi vão o juízo de prognose favorável feito no passado.

Tudo ponderado, concluímos que o arguido nos levou a desacreditar que a simples ameaça da pena de prisão o irá afastar da prática de novos crimes e que subsistam ainda fundadas expectativas da sua ressocialização em liberdade, tendo-se frustrado, como vimos, as expectativas que motivaram a concessão da suspensão decretada nestes autos.

Procede, pois, o recurso.

Decisão:

Pelo exposto, julgando-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e, por consequência, a suspensão da execução da pena em que o arguido José fora condenado.

Sem custas.
Guimarães, 18/06/2018

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado
1 Ac. da RE de 25-09-2012 (413/04.9GEPTM.E1 - Ana Barata Brito).
2 Acórdão da RE de 15-12-2016 (p. 464/09.7GAOLH-A.E1 - António Latas), em cujo sumário se pode ainda ler: «Vigorando em toda esta matéria o princípio da atualidade, de acordo com o qual a decisão deve ter em conta a situação verificada no momento em que é proferida, o prognóstico de que era ainda possível a reinserção do arguido em liberdade, em que assentou a decisão de suspensão da pena, não fica irremediavelmente comprometido com a prática de novo crime no período da suspensão se, avaliando a relação entre a condenação pelo novo crime e a anterior, a aplicação de pena não privativa da liberdade pelo novo crime, o cumprimento da condição imposta à suspensão da pena em apreciação, a integração familiar do arguido, o cumprimento total ou parcial da pena não privativa da liberdade aplicada pelo novo crime e o lapso de tempo decorrido desde a prática dos crimes, o tribunal puder concluir ser ainda possível a reintegração do arguido em liberdade.».
3 Ac. da RC de 12-05-2010 (1803/05.5PTAVR.C1 - Jorge Jacob).
4 «A suspensão será sempre revogada se, durante o respectivo período, o condenado cometer crime doloso por que venha a ser punido com pena de prisão» (art. 51º do CP de 1982).
5 «A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na alínea a), do n.º 1, do artigo 56º, do Código Penal, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação. Importa no entanto salientar que a infracção grosseira dos deveres que são impostos ao arguido não exige nem pressupõe necessariamente um comportamento doloso, bastando a infracção que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade.» (Ac. da RC de 17/10/2012 (91/07.3IDCBR.C1 - Correia Pinto).
6 Ac. da RP de 02-12-2009 (425/06.8PTPRT.P1 - Jorge Gonçalves).
7 Citado ac. da RC de 12-05-2010. No mesmo sentido, o Ac. da RC de 11-09-2013 (20/10.7GCALD-B.C1 - Brízida Martins).
8 Citado ac. da RE de 25-09-2012.
9 Portanto, são visadas finalidades de prevenção geral e especial, não de compensação da culpa ou de retribuição do mal causado (neste sentido, Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, p. 331).
10 Cf. sumário do Acórdão, citado pelo Exmo. Magistrado, proferido pela RC em 8-07-2015 (p. 423/13.5GBPBL.C1 - Vasques Osório): «O curto período que mediou entre a data da suspensão da execução da prisão e a data do cometimento dos novos factos – cerca de quatro meses – e a circunstância de ter praticado precisamente o mesmo crime, em conjugação com a revelada personalidade, tornam inevitável a conclusão de que o juízo de prognose favorável à recorrente que determinou o decretamento da suspensão da execução da pena de prisão se mostra definitivamente arredado, face à frustração da expectativa do seu afastamento da criminalidade».