Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
77/19.5GCBRG.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PROCESSO NATUREZA URGENTE
AUDIÊNCIA JULGAMENTO PRESENCIAL
LEI N.º 1-A/2020
DE 19 DE MARÇO NA REDAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N.º 4-A/2020
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) - No dia 07 de abril de 2020, com a entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020, de 06/04, nos processos urgentes, retomaram o seu curso normal (arts. 2º, 6º, n.º 2, e 7º) os prazos processuais que estavam suspensos (desde 09 de março de 2020, nos termos do n.º 5 do art. 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na sua redação inicial, conjugado com a norma interpretativa constante do art. 5º da Lei n.º 4-A/2020).
II) - Tendo os processos por crime de violência doméstica natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos (art. 28º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16/09), é-lhes aplicável o regime previsto no n.º 7 do art. 7º da Lei n.º 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020.
III) - Por conseguinte, a partir do dia 07 de abril de 2020, esses processos continuaram a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, salvo, em relação a estes, não ser possível nem adequado assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos previstos nas als. a) e b) do n.º 7 do art. 7º, caso em que se aplicava o regime de suspensão previsto no n.º 1 do mesmo artigo (al. c) do n.º 7).
IV) - Estando o arguido sujeito a medidas de coação limitadoras da sua liberdade de circulação e havendo perigo para a integridade física e liberdade da vítima, perante a impossibilidade de realização da audiência de julgamento por meios de comunicação à distância, nomeadamente por força das dificuldades técnicas no funcionamento da plataforma informática, estava legitimada a realização presencial da audiência ao abrigo da al. b) do n.º 7 do art. 7º da Lei n.º 1-A/2020, desde que tomadas as medidas consideradas adequadas pelas autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelo CSM no âmbito do combate à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
V) - A tal não obstava o teor da al. c) do n.º 8 do mesmo artigo, ao aludir a processos que já são considerados urgentes, designadamente a diligências e julgamentos de arguidos presos, porquanto se deve entender que o objetivo desta alínea foi apenas exemplificar algumas situações e não excluir o regime geral da suspensão dos processos urgentes.
VI) - Não se traduz numa alteração substancial dos factos descritos na acusação a alteração que se circunscreve ao mesmo facto histórico unitário, enquanto conjunto de ações do agente com um conteúdo ilícito semelhante e com uma estreita continuidade espácio-temporal, sem daí resultar qualquer alteração da sua identidade naturalística e sem acrescentar nada de novo à descrição da ação típica relevante.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de tribunal singular, com o NUIPC 77/19.5GCBRG, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Braga - Juiz 1, previamente à realização da audiência de julgamento, foram proferidos os seguintes despachos:

- Em 29-04-2019, a considerar não assistir ao arguido, J. R., qualquer direito de apresentar uma "nova contestação", indeferindo o pedido de prorrogação do prazo por ele requerido para esse efeito, invocando um triplo fundamento: a substituição do seu defensor, a suspensão do prazo para contestar devido à situação de pandemia provocada pela Covid 19 e o justo impedimento para poder preparar a sua defesa, bem como a indeferir ainda várias diligências de prova requeridas pelo arguido;
- Em 05-05-2019, a entender que a audiência de julgamento não deveria realizar-se através de meios de comunicação à distância, mas sim presencialmente, tomando-se as providências necessárias a minorar o risco de contágio pela "Covid 19";
- e, em 07-05-2019, a considerar não se verificar qualquer nulidade ou irregularidade assacada pelo arguido ao despacho anterior, que determinou o prosseguimento dos autos e manteve as datas designadas para realização da audiência.

2. Entretanto, realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 26-05-2020, depositada na mesma data, com o seguinte dispositivo (transcrição[1]):
«VI. Decisão:
Pelo exposto decide-se:
Parte crime:
a) Condenar o arguido J. R. pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artº 152º, nº 1 al. a) e nº 2 al. a), 4 e 5 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida A. M. pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, pena acessória cujo cumprimento será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
b) Absolver o arguido J. R. da prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artº 152º, nº 1 al. d) e nº 2 al. a), 4 e 5 do Código Penal.
c) Condenar o arguido J. R. pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, nº 1, al. a) e 2 por referência ao artº 132º, nº 2 al. a), todos do CP na pena de 6 (seis) meses de prisão.
d) Em cúmulo jurídico das penas referidas em a) e c), condenar o arguido J. R. na pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, suspensão acompanhada de regime de prova e condicionada à obrigação de, durante os 2 (dois) anos e 6 (seis) meses subsequentes ao trânsito em julgado da presente sentença, o arguido não contactar por nenhum meio a ofendida A. M. e não se aproximar dela e da sua residência a uma distância inferior a 400 metros, medidas cujo cumprimento será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância; bem como na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida A. M. pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, pena acessória cujo cumprimento será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
e) Condenar o arguido J. R. pela prática de dois crimes de ameaça agravada p. e p. pelos arts 153º nº 1 e 155º nº 1 alínea a) do CP nas penas de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), por cada um deles.
f) Em cúmulo jurídico das penas referidas em e), condenar o arguido J. R. na pena única de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), num total de €840,00 (oitocentos e quarenta euros).
g) Custas pelo arguido, fixando-se em 3 Ucs a taxa de justiça.
*
Parte cível

a) Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante A. M. parcialmente procedente e, em consequência, condenar o demandado J. R. a pagar-lhe a quantia de €2 500,00 (dois mil e quinhentos euros), quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da presente sentença até integral pagamento.
Custas pelo demandado na proporção do decaimento, já que a demandante está delas isenta (artº 4º nº 1 al. z) do RCP).
b) Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante A. G. parcialmente procedente e, em consequência, condenar o demandado J. R. a pagar-lhe a quantia de €1 200,00 (mil e duzentos euros), quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da presente sentença até integral pagamento.
Custas por demandante e demandado na proporção do decaimento.»
3. Inconformado, o arguido interpôs recursos dos três referidos despachos, em motivação conjunta, recursos esses admitidos a subir nos próprios autos, diferidamente e com efeito meramente devolutivo, e também da sentença.

3.1 - O recorrente concluiu a motivação dos recursos interlocutórios nos termos que a seguir se transcrevem:
«CONCLUSÕES:

1 – Não se conformando o Arguido com os doutos Despachos datados de 29-04-2020 15 [Referência: 168031724.], 05-05-2020 16 [Referência: 168063192.] e 07-05-2020 17 [ Referência: 168087624.], deles vem interpor recurso, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo, designadamente atenta a 1ª parte, do n.º 3, do artigo 408º, do CPP;
2 – Conforme supra exposto (arts. 2º a 7º), o prazo do Arguido para contestar decorreu em momento de pandemia, encerramento e confinamento generalizado que se alastrou por todo o território nacional, o que é notório e do conhecimento geral, disso dando conta ao Tribunal a quo em 20-03-2020 18 [Referência: 35221846.], ficando a aguardar a respetiva decisão, o que apenas veio a suceder em 29-04-2020 19 [O Arguido considera-se notificado no dia 04-05-2020.], com rejeição maciça da prova requerida, indeferimento de prorrogação de prazo para contestar, declaração de suspensão de prazos e justo impedimento, e quanto à qual, além do seu acerto, se questiona sobretudo a sua oportunidade;
3 – Enquanto o Arguido preparava o seu requerimento de 05-05-2020 20 [Referência: 35482767.] (cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos), sobreveio nova notificação na mesma data e, subsequentemente, o douto Despacho de 07-05-2020, o que equivale a 3 Despachos em 8 dias e a 2 Despachos em 2 dias;
4 – Dos cinco pontos identificados no douto Despacho de 07-05-2020 (do 2º ao 6º parágrafo da primeira página), apenas terá ficado excluído o exposto no artigo 25º do precedente requerimento do Arguido (de 05-05-2020), o que significa que sobre o mesmo não terá havido qualquer pronúncia;
5 – Quanto ao preenchimento da alínea em causa (al. b), do n.º 7, do art. 7º, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março), chama-se a atenção para o seguinte adjetivo destacado na transcrição: “…e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes…”, parecendo claro que, por exemplo, a subsistência que se pretendeu prever foi tão só a imediata 21 [Significado de “imediata”: “…que não admite perda de tempo; que acontece sem intervalo; instantâneo; rápido…” (disponível em: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/imediata).], e não toda e qualquer subsistência (ou vida, integridade física, saúde mental e liberdade);
6 – Pelo que, a locução “…em causa…” empregue na formulação da norma, não pode significar outra coisa que não seja o perigo imediato e que não admite perda de tempo, que acontece sem intervalo, instantâneo, rápido (cfr. nota 21);
7 – Aliás, de outro modo não seria necessário, e nem faria sentido, o subsequente n.º 8 da norma e respetivas alíneas, designadamente a al. a) (cfr. art. 109º e ss., do CPTA 22 [Exemplificando: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16-02-2017, Processo 1753/16.0BELSB, “…I – O processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA, destina-se a cobrir situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por impossibilidade ou insuficiência, a proteção jurídica que os demais meios urgentes conferem. II - Só é legítimo a ele recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia (ou de um direito fundamental de natureza análoga) cuja proteção seja urgente. III - De acordo com o disposto no novo artigo 110.º-A n.º 1 do CPTA, a não verificação de situação de especial urgência subjacente à necessidade da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não determina a imediata absolvição da instância, impondo-se ao tribunal que convide o autor a substituir o pedido, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar…” (disponível em http://www.dgsi.pt).]), e até a alínea c), de onde se verifica a sentida necessidade de incluir expressamente o dano irreparável e, ainda dentro deste, processos de natureza urgente e até arguidos presos;
8 – De facto, “…Esta alínea c) do n.º 8 do artigo 7.º levanta especiais dificuldades, uma vez que a sua enumeração exemplificativa inclui processos que já são considerados urgentes, nos termos acima expostos. PAULO PIMENTA entende, por isso, que "nos processos crime e considerando o disposto na al. b) do n.º 7 e na al. c) do n.º 8 deste artigo 7.º, afigura-se que somente naqueles em que haja detidos ou que contendam com arguidos presos serão realizadas diligências que impliquem a presença física dos envolvidos, sendo que também só esses processos escapam ao regime geral da suspensão de prazos consagrado no n.º 1 do artigo 7.º". Esta interpretação implica, porém, deixar de fora os processos de violência doméstica em que não existam arguidos presos, o que não nos parece ser a intenção do legislador…” 23 [Dr. Luís Menezes Leitão, Bastonário da Ordem dos Advogados, Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, in Estado de Emergência - COVID-19 Implicações na Justiça, Coleção Caderno Especial, CEJ, 22 de Abril de 2020 (disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/eb_Covid19.pdf).] (sublinhado nosso);
9 – O que significa que, apesar de não haver suspensão de prazos nos processos urgentes, contudo, as diligências que impliquem a presença física dos envolvidos só ocorrerá em situações excecionalíssimas;
10 – De onde se retira que, se a al. b), do n.º 7, se destinasse a todo e qualquer processo urgente, só pelo facto de versar sobre as matérias aí elencadas, seria totalmente desnecessário e descabido o subsequente n.º 8, mormente em todas as situações aí previstas e por natureza também urgentes (cfr. a referência a arguidos presos na al. c), do n.º 8, o que, de outro modo, já resultaria incluído, designadamente, pela expressão “liberdade” elencada na al. b), do n.º 7);
11 – “…Todos estes processos têm que ser assim tramitados durante este período. A sua tramitação obedece, porém, a regras especiais, que a seguir se enunciam (artigo 7.º, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, na redação da Lei n.º 4-A/2020): – Em primeiro lugar, nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente. Há assim uma indicação legal para a tramitação dos processos urgentes por meios de comunicação à distância. – Em segundo lugar, na hipótese de não ser possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, por meios de comunicação à distância, e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, pode realizar-se presencialmente a diligência desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes. É assim absolutamente excecional, mesmo nos processos urgentes, a realização de diligências presenciais, as quais só podem ser realizadas em situações extremas e com as condições de segurança adequadas. – Finalmente, caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos acima referidos, aplica-se também a esses processos o regime de suspensão dos processos não urgentes. Podem, assim, os processos urgentes ser igualmente objeto de suspensão, em caso de impossibilidade de assegurar a sua tramitação por meios de comunicação à distância e não se esteja perante nenhuma situação que imponha a sua realização por meios presenciais….” (cfr. nota 23) (sublinhado nosso);
12 – O que de outro modo não faria qualquer sentido, atenta a manifesta excecionalidade da situação, sendo esse o único sentido que se pode extrair do texto da lei e da intenção do legislador, bem como dos demais elementos de interpretação sobejamente conhecidos, designadamente todo o contexto histórico subjacente;
13 – Quanto ao próprio caso concreto, estivesse em causa a liberdade e a integridade física – no sentido pretendido pela esta lei, e como parece defender-se nos doutos Despachos em causa –, dificilmente se compreenderia os diversos eventos de delonga injustificada que o trespassam (cfr. exemplos vertidos nos arts. 19º a 21º supra que se consideram aqui reproduzidos);
14 – Razão pela qual também não se vislumbra sequer qualquer fundamento de facto para um eventual cabimento na previsão da lei em causa, ou que de alguma forma pudesse justificar ou impor outra interpretação, eventualmente extensiva ou por analogia, o que, em todo o caso, designadamente atenta a sua especialidade, também nunca seria sequer admissível;
15 – De acrescentar ainda que, contrariamente ao que parece resultar do douto Despacho de 07-05-2020, o Arguido não está a pugnar para que o julgamento se não realize com a maior brevidade possível, mas antes para que o mesmo se concretize legalmente e com as condições mínimas a que tem direito, incluindo de segurança, sem perigo para a sua defesa, a sua vida, a sua integridade física e, obviamente, a sua saúde, o que será certamente extensível a todos os intervenientes;
16 – Seja como for, a aplicação da hipótese prevista na al. b), do n.º 7, do artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, pressupõe a clara impossibilidade de aplicação da alínea a), do mesmo preceito;
17 – Sucede que o douto Despacho datado de 05-05-2020, apenas refere que “…No caso vertente, entende-se que a audiência de julgamento não deverá realizar-se através de meios de comunicação à distância atenta a natureza dos factos, o elevado número de testemunha a inquirir e, sobretudo, os múltiplos problemas técnicos que o uso da plataforma webex tem evidenciado…”;
18 – Ora, a lei em causa não prevê a natureza dos factos, ou o elevado número de testemunha a inquirir, ou os múltiplos problemas técnicos que o uso da plataforma webex tem evidenciado, como fundamento para a realização de diligências presenciais nos termos da al. b), antes prevendo exclusivamente a respetiva impossibilidade de realização nos termos da alínea anterior, nem sequer equacionando a hipótese de conveniência e/ou meras dificuldades, pelo que, além de contrário à lei, carece ainda de qualquer fundamento;
19 – Aliás, após pesquisa que não deveria impender sobre o Arguido mas antes ser percecionável nas respetivas Decisões, verifica-se que no “…quadro da situação de emergência que o País vive, o IGFEJ colocou recentemente à disposição dos Tribunais uma solução de Videoconferência (VC) virtual, suportada em plataforma Webex, do fabricante Cisco….”24 [Disponível em: https://portal.oa.pt/ordem/dossier-covid-19/informacao-institucional/instituicoes-dajustica/igfej-nota-tecnica-relativa-as-diligencias-judiciais-por-meios-de-comunicacao-remota/], de cuja nota, datada de 27-04-2020, se retira que “…No entanto, só a experiência nos próximos dias, em vários Tribunais, poderá ser conclusiva quanto a terem sido ultrapassadas as deficiências anteriores. Nesse sentido, o IGFEJ manterá o acompanhamento técnico e emitirá novas recomendações caso a situação o justifique….”;
20 – Na ausência de qualquer nota ulterior de mera dificuldade, e sobretudo de qualquer impossibilidade, não se compreende o decidido, bem como de onde se irá retirar tal experiência quando é simplesmente obliterada, o que também nos reconduz à questão da total falta de fundamentação das doutas Decisões do Tribunal a quo no que concerne a esta matéria;
21 – Seja como for, não se mostra cumprida a al. a), do n.º 7, do artigo 7º, da Lei n.º 1-A, de 19 de Março, e a atual situação não tem cabimento na previsão da respetiva al. b);
22 – Quanto às concretas recomendações das autoridades de saúde e orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes, além de deverem constar das doutas Decisões, e devidamente identificadas as fontes, não compete ao Arguido tentar lograr identificá-las e muito menos adivinhar quais serão as que o Tribunal tinha concretamente em mente;
23 – A tudo isto acresce a realização de atos presenciais que a lei não pretendeu e, mesmo que assim não fosse, o atual estágio experimental e de espectativa, incerteza e falta de informação acerca das concretas medidas aplicadas e a aplicar nos tribunais, designadamente o fornecimento de materiais de proteção e aplicação de separadores de proteção, entre outras, e a respetiva conjugação com princípios penais estruturantes que, atento o silêncio generalizado, demonstra a necessidade de debate e assunção de posição, desde logo as questões relacionadas com a utilização de máscaras, viseiras e outros elementos perturbadores dos trabalhos e correta apreciação da prova produzida ou até possibilidade da sua produção;
24 – Quanto ao douto Despacho de 29-04-2020, e no que concerne à prorrogação de prazo para contestar, declaração de suspensão de prazos e justo impedimento, salvo o devido respeito, o Arguido questiona, além do seu acerto, sobretudo a sua oportunidade;
25 – Recorde-se previamente a primeira versão da Lei n.º 1-A/2020, designadamente do seu artigo 7º, mormente o n.º 1, que dispunha a aplicação do “regime das férias judiciais”, e as respetivas implicações com a interpretação do seu n.º 5, ademais densificada pelas exceções que remetiam para as ditas “circunstâncias previstas nos n.os 8 e 9”; recorde-se ainda que tal lei foi publicada a 19-03-2020, na sequência do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março (seis dias antes), e com ele estreitamente conexionado, em ambiente de total incerteza, confusão, receio, alertas e informações contraditórias;
26 – Desde logo, e salvo melhor entendimento, perante tal panorama, o Arguido ficou privado do pleno exercício de todos os seus direitos e garantias, designadamente legal e constitucionalmente garantidos; outra questão pertinente é se o Tribunal a quo deveria ter apreciado o requerido pelo Arguido à data do pedido ou à data da decisão em causa;
27 – Por último, questiona-se a oportunidade de tal decisão, sobretudo quando na presença de um processo urgente conforme o Tribunal a quo refere, ademais com julgamento marcado, sendo essencial para o Arguido uma resposta em tempo útil;
28 – Desde logo, além da requerida prorrogação de prazo para contestar e invocação de justo impedimento, a sua apreciação só faria sentido antes do decurso da eventual suspensão de prazos resultante da lei, o que o Tribunal a quo só em 29-04-2020 veio a fazer, cuja notificação se presume a 7 dias da audiência de julgamento, não obstante o Arguido logo ter requerido a sua apreciação em 20-03-2020, e consequente declaração (cfr. artigo 8º, a final), tendo só agora o Tribunal a quo se pronunciado no sentido de que tal suspensão já decorreu;
29 – Sendo certo que a afirmação de que “…a situação em que o arguido se encontrava não diferia da dos demais arguidos que tinham que apresentar a sua contestação durante o período de pandemia…”, não implica necessariamente que os “demais arguidos” não estivessem também impedidos, tivessem optado por não o invocar ou simplesmente para eles fosse indiferente fazê-lo;
30 – Aliás, é notória a existência de uma pandemia, com graves repercussões na sociedade em geral que permaneceu paralisada, sobretudo no período em causa, que levou inclusive à declaração do estado de emergência e ao confinamento da população em todo o território nacional e, não se propugnando certamente a violação das determinações em vigor, e muito menos se condenando a confiança depositada pelo Arguido na celeridade do Tribunal a quo perante o alegado e requerido em tempo útil, somos conduzidos à confirmação da inoperacionalidade geral no período em causa ou, na hipótese contrária, à não urgência de facto dos presentes autos;
31 – Em qualquer dos casos apenas conduzindo ao claro prejuízo dos direitos e garantias, pelo menos do Arguido, pelo que se impunha decisão diversa, no sentido requerido pelo Arguido, designadamente porque, como se viu, nada obstava à prorrogação de prazo – fundada no facto de o Mandatário não ter acompanhado o processo desde o seu início e a inutilização da maior parte do prazo pela circunstâncias já referidas –; a cooperação mínima que se impunha ao Tribunal a quo esclarecendo aquilo que lhe foi requerido pelo Arguido; e ademais declarando o justo impedimento de carater notório e excecional; ou, em qualquer dos casos, pelo menos decidindo-o em tempo útil, não defraudando as legítimas expectativas e confiança depositada, sob pena de violação das garantias legais e constitucionais do Arguido e demais aplicável, designadamente o disposto no artigo 6º, n.º 3, al. b), da CEDH, e artigos X e XI, da DUDH;
32 – Tudo o descrito é da máxima urgência ser analisado e decidido porquanto contende decisivamente com os direitos e garantias do Arguido, influindo nos demais atos a praticar subsequentemente, mormente quanto à sua validade e eficácia, desde logo com a própria realização da audiência de julgamento, e sob pena de tornar absolutamente inútil a sua apreciação;
33 – No que concerne à prova requerida pelo Arguido em 20-03-2020, foi indeferida a respeitante às imagens de videovigilância, não se vislumbrando fundamento para que não se diligencie pela sua legal obtenção, sendo muitíssimo estranho que nenhum Despacho tenha determinado tal atuação e que do intuito acusatório também nunca tenha resultado tal requerimento;
34 – Seja como for, da notificação expedida ao hospital não se vislumbra que a mesma não pudesse carrear qualquer pedido de informação quanto à existência de imagens ou até eventual fornecimento já concretizado, para esse ou qualquer outro fim, eventualmente podendo ser até localizado nos Serviços do MP, pois poderia tal informação servir para aferir do cumprimento, designadamente, do artigo 8º, da Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro 25 [ “…1 - Quando uma gravação, realizada de acordo com a presente lei, registe a prática de factos com relevância criminal, a força ou serviço de segurança que utilize o sistema elabora auto de notícia, que remete ao Ministério Público juntamente com a fita ou suporte original das imagens e sons, no mais curto prazo possível ou, no máximo, até 72 horas após o conhecimento da prática dos factos. 2 - Caso não seja possível a remessa do auto de notícia no prazo previsto no número anterior, a participação dos factos é feita verbal ou eletronicamente, remetendo-se o auto no mais curto prazo possível….”.], ou até infirmar os eventos relatados na acusação atendendo às obrigações decorrentes da lei;
35 – Refere-se ainda no douto Despacho que o aferimento da existência de testemunhas de outros serviços (para além dos serviços de segurança) que presenciaram o ocorrido será tarefa do Arguido, ora, tal não só é dissonante com o decidido quanto aos serviços de segurança, com também é discordante com os nulos poderes do Arguido para o efeito, e até com o já invocado quanto à prorrogação de prazo e justo impedimento (quanto mais não seja levando em consideração o momento inoportuno, em que tais serviços essenciais travavam uma batalha mortal na defesa de todos);
36 – Quanto à deslocação das Assistentes à Conservatória do Registo Civil, é por demais evidente que são recorrentes as ditas alegações de perseguição, pelo que se mostra relevante apurar a veracidade do relatado e as suas circunstâncias, eventualmente fortuitas, do dito encontro relatado nos autos destas com o Arguido, bem como analisar todas as vertentes possíveis numa era cada vez mais complexa e audiovisual, em que o cinema se inspira na realidade, sendo cada vez menos verdade o contrário 26 [ Acórdão do TRE de 21-03-2017 “…As habituais interpretações restritivas quanto ao papel do assistente em processo penal assentam numa visão exclusivista do papel punitivo do Estado com personificação no Ministério Público, num exacerbar do princípio da oficialidade, justificado em tempos recuados e numa mentalidade que teve seus bons dias na vigência do Dec-Lei 35.007, de 13-10-1945, assente no expressivo mas enganador aforismo de que o direito não legitima a vingança privada…” (disponível em www.dgsi.pt).];
37 – No que concerne à notificação do pessoal que assistiu a Assistente, considera-se evidente que possa ocorrer uma explicação do sucedido, com maior ou menor pormenor técnico, que possa esclarecer a exacerbação patente nos autos, e que resultam de imagens alegadamente recolhidas antes do tratamento/limpeza e nenhuma após o mesmo, o que, conjugado com os relatos escritos, poderão conduzir a uma perceção imprópria (exemplificando: imagine-se um pequeno corte causado por uma folha de papel, sendo recolhidas imagens após a saída de sangue que escorre pelo corpo; comparando com uma imagem recolhida após a limpeza, poder-se-á verificar a real extensão do corte e seus efeitos, e até a sua eventual causa);
38 – Quanto à sua referida inexistência, tal não é presumível, sendo pelo contrário recorrente a necessidade de se solicitar elementos (não existindo qualquer “envio oficioso”);
39 – Quanto aos demais elementos, designadamente informações bancárias, contributivas, tributárias e retributivas, é por demais evidente que nos autos vem alegada a dependência económica, mas não só: vem o Arguido caracterizado como controlador, autoritário, e a Assistente A. M. acomodada “…à situação, anulando-se na relação, especialmente porque só o arguido é que trabalhava, sendo a assistente e filhas economicamente dependentes…”, fazendo-se remontar o relato à data de regresso do casal “…a Portugal quando a Assistente A. G. tinha 3 anos de idade…”;
40 – Ora, consta ainda dos autos que a Assistente A. M. tinha acesso a elevadas quantias que aliás levou consigo quando abandonou a casa de morada da família, sendo essencial que conste dos autos a concretização de tal factualidade suscetível de infirmar todo o relato constante da douta acusação, bem como, para o mesmo efeito, todo o seu percurso laboral, retributivo e contributivo que, além de ser de fácil obtenção (para o Tribunal, mas já não para o Arguido), permite a clara apreensão da veracidade dos factos constantes da douta acusação e até da própria qualificação jurídica;
41 – No que concerne à outra filha, M. H., perante a estranheza exarada no douto Despacho de 29-04-2020, resulta claro nos autos que a acusação se reporta a factos que envolvem a sua eventual participação (e.g.: artigos 11º, 12º, 16º, 17º da douta acusação), bem como a estreita relação existente entre mãe e filha, inclusive de coabitação, pelo que, além do que já se disse, é também recorrente o depósito de dinheiro em contas conjuntas ou em nome de filhos ficando o progenitor autorizado a movimentar;
42 – Por último, e salvo o devido respeito, contar com a boa vontade da Assistente ou postergar a obtenção de prova para audiência de julgamento, de forma condicional ou não, além de não ter sustento legal, também não constitui boa técnica sobretudo para a defesa do Arguido que tem o direito de a preparar com o devido tempo e com o conhecimento de todas as respetivas variáveis, o que não se mostra descabido, aliás atendendo à referência expressa no douto Despacho quanto à eventual alteração da qualificação jurídica dos factos que para o Arguido e para o decurso normal dos trabalhos tem muita relevância;
43 – Termos em que deverá ser deferida a prova requerida pelo Arguido, por se demonstrar essencial à descoberta da verdade e à boa decisão da causa;
44 – De salientar ainda que, se o desenvolvimento dos trabalhos neste âmbito já não ocorria da melhor forma ou, pelo menos, da forma desejável, as atuais circunstâncias não permitem, de forma alguma, que se possa fazê-lo do mesmo modo que antes, sem colocar em causa a vida, a integridade física e a saúde dos intervenientes, pelo que, além da definição rigorosa dos meios, regras e condições para o efeito, é sobretudo necessário fazê-lo de forma atempada 27 [Verifique-se que na véspera da audiência de julgamento ainda se diligenciava pela obtenção de informações, bem como a existência de diversos outros atos que carecem de necessária análise e resposta.], para que o regresso à normalidade possível seja feita sem medo, sem riscos desnecessários, e sem prejuízo para os direitos e garantias legais e constitucionais em causa;
45 – Assim sendo, e sem prejuízo do demais aplicável, deverão ser revogados os doutos Despachos em causa, deferindo-se o requerido nos moldes expostos, mormente dando-se sem efeito as datas agendadas para julgamento, sendo admitido o Arguido a contestar no prazo legalmente previsto ou, caso assim não se entenda, dadas sem efeito as datas designadas, e deferida a prova requerida, sem prejuízo da demais a requerer;
46 – Procedendo-se, em todo o caso, a novo agendamento nos precisos termos legais, designadamente nos termos do artigo 7º, n.º 7, alíneas a) e c), da Lei n.º 1-A/2020, de 13 de Março, por não se verificar a hipótese prevista na alínea b);
47 – Designadamente com fundamento nas nulidades aqui invocadas ou, caso assim não se entenda, irregularidades – o que não se concebe e por mera cautela se equaciona –, sob pena de violação das normas aqui referidas, quer pelo Arguido quer nas doutas Decisões mencionadas, e demais aplicável, designadamente mas não exaustivamente, do artigo 7º, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 13 de Março; dos artigos 18º, 20º, 21º, 24º, 25º, 27º, 32º, 202º, 203º, 204º e 205º, da CRP; do artigo 6º, n.º 3, al. b), da CEDH; e dos artigos X e XI, da DUDH.

Nestes termos, e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, revogadas as doutas Decisões recorridas e, em consequência, determinar-se em conformidade com o antes exposto e peticionado e aqui considerado como integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça.»

3.2 - Por seu turno, da motivação do recurso da sentença, o recorrente extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
«CONCLUSÕES:

1 – Não podendo o Recorrente conformar-se com a douta Sentença proferida em 26-05-2020, dela vem interpor o presente recurso quanto à matéria de facto e quanto à matéria de direito.
2 – Sem prejuízo do recurso retido [14 Datado de 10-05-2020], no qual o Arguido declara manter interesse, e ademais com fundamento na melhor cooperação possível, mormente atendendo às epígrafes supra, aqui reitera integralmente todas as nulidades ou, caso assim não se entenda – o que não se concebe –, todas a irregularidades já aí invocadas, nomeadamente com influência em tudo o subsequente, incluindo sobre a própria douta Sentença aqui em crise;
3 – A tal acresce ainda que, conforme Ata de Audiência de Julgamento de 11-05-2020 [
Houve lugar a quatro sessões: dias 11 e 18, inicialmente agendados, contudo em 11 foi logo agendada outra para o dia 12, e finalmente a de leitura de sentença no dia 26, todos do mês de Maio de 2020.], o Arguido apresentou um requerimento que aqui se considera reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, e sobre o qual recaiu douta Decisão, pelo que, além da nulidade aí invocada, e tudo o mais que aqui se reitera para todos os devidos e legais efeitos, e sem prejuízo do que a este propósito já foi expendido (mormente no requerimento do Arguido datado de 05-05-2020, interposição de recurso datado de 10-05-2020, e reclamação datada de 14-05-2020), importa ainda chamar a atenção para a douta Decisão que recaiu sobre a respetiva Reclamação;
4 – Atendendo a que o Arguido, com todo o devido respeito – que é muito –, não consegue compreender nem com isto se conformar, certamente que V. Exas., Venerandos Desembargadores, alguma luz lançarão sobre tal situação, mormente a bem da Justiça, o que se invoca e requer para todos os devidos e legais efeitos, mormente revogando-se tais decisões e demais necessário a expurgar todos os seus efeitos, sob pena de esvaziamento, designadamente, do n.º 1, do artigo 407º e do n.º 3, do artigo 408º, ambos do CPP;
5 – Acresce ainda que, conforme Ata de 12-05-2020, foi proferido Despacho atinente a alterações, logo após o qual foi de imediato suspensa a audiência de julgamento, sem mais;
6 – Desde logo, e salvo o devido respeito, não será esse o procedimento que resulta da letra e do espírito da lei;
7 – Antes de mais, deveria ter sido clarificado se a referida alteração se entendia como substancial ou como não substancial, ademais visto que no início apenas se refere “alterações” e, a final, após a alteração fatual vertida nas alíneas a) a h), já se reporta concretamente a “qualificação jurídica”, mas desta vez para que (apenas) o MP se pronunciasse no sentido de “esclarecer se mantém a utilização do artº 16º nº 3 do C. P. Penal” (o que será notoriamente contraditório pois, se de mera qualificação jurídica diversa se tratasse, tal não seria necessário, bem como a alteração factual que lhe precede, quanto muito apenas a vertida na sua alínea h), a qual aliás nunca deveria ter chegado a julgamento nesses termos pois não só já resultava – ou deveria resultar – claro nos autos, designadamente aquando da aplicação por duas vezes de medidas sobre o Arguido – precisamente com fundamento em tais crimes de violência doméstica –, como resultava ainda patente na indeferida prova que foi requerida na contestação “precária” do Arguido e subsequente, assim reforçando as reiteradas razões deste);
8 – Depois, porque, tanto no caso do artigo 358º como do artigo 359º, ambos do CPP, o dito prazo de defesa é concedido a requerimento do Arguido e não por determinação do Tribunal, e muito menos “entre sessões”, quando, no caso do n.º 4, do artigo 359º, do mesmo diploma, poderá ir até 10 dias, e não os 5 que mediaram entre o dia 12 e o dia 18 de Maio de 2020;
9 – Seguidamente, e porque de uma alteração substancial [16 Dispõe o artigo 1º, alínea f), do CPP, que «Alteração substancial dos factos» é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. ] se trata, primeiro deveria ter sido recolhido o eventual acordo previsto no n.º 3, do artigo 359º, do CPP, antes mesmo de se providenciar pela concordância do MP no sentido de obstar (apenas) à incompetência do Tribunal, designadamente nos termos e para os efeitos do artigo 16º, n.º 3, do CPP, como se verificou no instante imediatamente anterior à subsequente suspensão da instância;
10 – Ao não ouvir todos os sujeitos processuais sobre quais os novos factos que, em concreto, se consideram fortemente indiciados [17 Cfr. com o intróito do douto Despacho em crise, questionando-se assim os termos empregues e o concreto momento escolhido.] e integradores da alteração substancial, nem sobre a sua natureza (autonomizáveis ou não autonomizáveis) e qualificação jurídica, bem como se os mesmos concordam com a continuação do julgamento sobre os novos factos, comete-se a nulidade de omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº 1 alínea c), do Código de Processo Penal.
11 – Já nos termos na alínea b) do referido preceito, é nula a Sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º;
12 – É óbvio que, tratando-se de nulidades de Sentença, só agora poderiam ser invocadas visto que apenas após prolação é que se sabe se se verificam ou não, pelo que qualquer reação anterior teria sido manifestamente prematura (atendendo ao caráter provisório e transitório da “alteração” que só se torna definitiva com a decisão final), sendo este o momento para invocar o precedente, designadamente a falta de respeito pelos pressupostos dos artigos 358º e 359º do CPP, com as legais consequências, o que se requer;
13 – Com efeito, o referido Despacho não se limita a “expurgar” ou a “adaptar” factos, mas antes a introduzir outros factos, aliás suscetíveis de obstar à clara imputação genérica existente, alterando o tempo, o lugar, o modo e a quantidade, enfim as circunstâncias que aí assim não figuravam antes, e ainda de imputar e condenar por crimes diversos [18 Designadamente, quando se refere a factos novos sem os quais o Arguido não poderia ser criminalmente condenado.] como acabou por suceder, agravando ainda as sanções, razão pela qual se mostrou inclusive necessário recorrer ao mecanismo do n.º 3, do artigo 16º, do CPP;
14 – Ocorrendo assim uma dupla alteração, de facto e de direito, que descaracteriza completamente a acusação e, por conseguinte, impede essa modificação, e a prosseguir nos exatos termos em que constava, implicaria sempre a absolvição do Arguido, atenta a clara ineptidão – pelo menos parcial – da acusação para os, até então, pretendidos efeitos, o que – como se verá – acaba por suceder também quanto aos introduzidos, caso fossem de admitir, o que não se concebe;
15 – Concretizando, refira-se designadamente os artigos 9º [19 Verifique-se que, apesar da reiteração do vertido no artigo 9º ao longo dos autos, mesmo aquando da busca ao domicílio do Arguido e nas duas vezes em que foi presente a interrogatório judicial, com o conhecimento e intervenção das queixosas, só em 05-02-2020, e após deduzida a acusação pública, foi digno de nota por parte destas. Mais se refira que, não obstante o conhecimento do elemento essencial da dependência económica da Assistente A. G. para todos os efeitos produzidos sobre o Arguido, em momento algum estas se dignaram esclarecer o quer que fosse até à alteração feita pelo Tribunal a quo em pleno julgamento, antes aderindo e acompanhando a referida acusação pública.], 11º, 15º, 16º, 20º e 27º da acusação, e, consequentemente, também toda a reestruturação decorrente da alínea h) dessa alteração, face à acusação existente;
16 – Acresce ainda que, salvo lapso e melhor entendimento, em alguns casos foram introduzidos outros elementos e reformulados alguns dos termos constantes da acusação, assinalando-se concretamente onde se mostrar necessário, designadamente os pontos: 4; 5; 6; 9 (“algumas dores” quando constava “muitas dores”); 10 (“residência comum” quando apenas constava “casa”); 14; 16; 20; 21 (“Apercebendo-se disso”); 23; 24 (“de carro”, “junto ao Banco de Portugal”); 27 (não era identificada a “assistente”); 28 (“uma mensagem telefónica”, quando na acusação constava “contacta” sem tal concretização ou caraterização); 29 (“Durante o ano de 2019”, “mais do que uma vez”); 32 (“saúde física e psíquica”, constando da acusação unicamente quanto às “palavras proferidas”); 33 (“com o propósito de amedrontar”, não constante da acusação, e também não se concedendo que “maltratar física e psicologicamente”, conforme artigo 40º da acusação, possa corresponder sem mais a “com o propósito de… atingir a integridade física) desse modo contendendo também com o próprio elemento subjetivo em falta, sem esquecer 35 (“angustiadas”, referido no artigo 20º do PIC apenas quanto à Assistente A. M.) e 37;
17 – A falta de descrição na acusação dos elementos subjetivos do crime, como dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do Arguido e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada em julgamento, sendo necessária a narração na acusação dos factos conformadores da consciência da ilicitude, enquanto elemento do dolo da culpa e, consequentemente, da sua comprovação (ou não) em julgamento;
18 – Salvo melhor entendimento, a este propósito impõe-se também referir desde já que, salvo lapso que se requer seja relevado, outros factos desapareceram por não constarem no elenco dos dados como provados e dados como não provados, designadamente os constantes dos seguintes artigos da acusação: 10º (“teve sofrimento por algum tempo”), 12º (“especialmente porque só o arguido é que trabalhava”), 13º (“teve um desentendimento com uma vizinha”), 17º (“Uma vez que o ambiente em casa era insuportável”), 18º, 21º (“arrastando-a”), 29º (“caso não falassem”), 35º (“ali fazendo-lhe esperas””) e 37º;
19 – Pelo que deverão tais factos dar-se necessariamente por não provados e integrar o respetivo elenco, o que também se invoca e requer, ou, no caso contrário, a correspondente nulidade para tais circunstâncias;
20 – Sem prejuízo do antes exposto, e sem que nada o fizesse prever – seja em face dos factos provados/não provados, seja em face daqueles que, salvo o devido respeito, aí deveriam constar – o Tribunal a quo apenas na douta Sentença veio exarar o seu entendimento quanto à aplicação de meios técnicos de controlo à distância;
21 – Dispensando o consentimento prévio dos intervenientes para a sua aplicação e, por conseguinte, também toda e qualquer audição do Arguido, o que, face ao já expresso e ao seu comportamento, não seria de esperar, constituindo ademais, e salvo melhor entendimento, uma decisão surpresa, o que se invoca e requer, com as legais consequências;
22 – O que aliás, salvo o devido respeito e melhor entendimento, foi feito de forma vaga e genérica, além de infundada e contraditória, ou seja, por referência a: factos “recentes” quando já decorreu mais de um ano sobre o último deles (cfr. ponto 18 dos factos provados); “ânimos exaltados” sem qualquer reflexo nos autos, e quando desde a referida data até ao presente nada mais foi assinalado, aliás notoriamente exarado até na ausência de requisição da PSP para as sessões de julgamento destes autos, ao contrário do que havia sucedido aquando do divórcio em 2019 (ainda que aí por mera iniciativa da Assistente A. M. e que o Arguido entende como injustificado e exagerado), divórcio aliás por mútuo acordo; o Arguido “não confessou os factos”, quando o mesmo se presume inocente e clama tal inocência; “não demonstrou consciência da gravidade do seu comportamento nem arrependimento”, o que em face do precedente seria até ilógico, apesar do arrependimento que de facto que sentiu pela sua bondade e credulidade, logo que teve consciência da gravidade daquilo que clama como lhe sendo falsamente imputado; e quanto à “ofendida A. M.” continuar “atemorizada, receando pela atitude do arguido após o termo do processo” – visto que só agora foi excluída a sua filha A. G. que não era vítima de violência doméstica – o Arguido, com o devido respeito, nada pode fazer quanto a isso e nenhum motivo lhe dá para tanto, nem poderá apaziguar os eventuais problemas de consciência desta, até porque desde 2019 não têm qualquer relação e o Arguido receia até qualquer contacto com ela, ou com as próprias filhas;
23 – Quanto à existência de “bens a partilhar” [20 Que se resumem apenas à habitação e recheio, dois automóveis velhos (2008 e 2010) e dinheiro (cfr. requerimento de 18-05-2020), sendo certo que a Assistente já tem na sua posse cerca de € 135 000,00 e habitação própria.], sem prejuízo da total ausência de discussão nestes autos também quanto a essa matéria, está bom de ver que – pelo menos com a representação que têm – tal situação será sempre resolvida exclusivamente através dos Advogados, recordando-se que, conforme consta dos autos – mas já não dos factos provados – a Assistente, apesar de requerer atribuição de pensão de € 600,00 mensais ao Arguido (com quem pretendia cortar relações mas nesse particular as manter), levou consigo cerca de € 132 000,00 (cento e trinta e dois mil euros) [21 Entre muitas outras coisas que não foi possível analisar nestes autos.] dos quais não dispensou um cêntimo com este processo – tal como a Assistente A. G. caso procedesse o intuito acusatório – sem que a esse propósito o Arguido nada dissesse e nada fizesse pois o seu intuito não é monetário, aliás o seu único intuito é defender-se daquilo que classifica de falso e desproporcionado, obtendo por fim paz e distanciamento;
24 – Quanto ao Arguido continuar a “parecer não ter aceite de bom grado a separação e subsequente divórcio”, além de “parecer” ficar muito aquém da prova ou mero indício, desconhece-se ainda em que se alicerça o Tribunal a quo pois, conforme já se disse: o divórcio foi por mútuo consentimento, e encontra-se exarado na douta Sentença que o Arguido não falou, além de que se deu como não provado que o mesmo a perseguisse (cfr. respetivo quarto parágrafo);
25 – Quanto ao Arguido afirmar “não trabalhar por falta de condições psicológicas”[22 Ata de Audiência de Julgamento de 11-05-2020 (gravação de 15:31:01 a 15:42:58).], recorde-se que o mesmo não prestou declarações quanto ao factos, sendo ainda certo que o Tribunal o questionava acerca das suas condições económicas e nada mais, não se podendo daí extrair qualquer “confissão” acerca dos factos sobre os quais não falou, o que conduziria a uma contradição insanável que percorreria todas as alíneas do n.º 1, do artigo 379º, do CPP, o que se invoca e requer;
26 – Sendo a mera conclusão subsequente (“o que demonstra que não ultrapassou o trauma do divórcio”) omissa no seu fundamento, pois o mesmo nem sequer existe, nem o Tribunal cuidou de o esclarecer no momento próprio – caso fosse relevante, pois não o sendo também não tem de constar na Sentença –, detendo os meios para o efeito, designadamente procedendo à avaliação psicológica deste, o que ninguém curou de fazer, e ao menos questionando – se era intenção fazer utilização do mesmo – se este manteve o acompanhamento e qual o progresso ou mesmo o diagnóstico atual, o que não foi feito;
27 – É aliás estranho que nos ditos casos de violência doméstica o recurso à pulseira eletrónica preceda qualquer (proposta de) acompanhamento, e assim se mantenha, levando a concluir que a iniciativa (particular) tenha de partir do próprio Arguido, apesar de já catalogado;
28 – Pelo que a conclusão de que “o seu estado psicológico, aparentemente, não se afastará muito do descrito no relatório médico de fls 577 e que ele próprio juntou aos autos” (datado de 23-05-2019, três dias depois de ter sido detido e perceber o que realmente se passava), salvo o devido respeito, não poderia estar mais afastada da realidade, nem o Tribunal a quo mostrou qualquer interesse nesse facto – caso o mesmo fosse relevante – até à douta Sentença (datada de 26-05-2020);
29 – Não deixa de ser curioso que apenas tal documento tenha merecido relevo quando embrenhado noutro bem mais extenso (contestação), e aí constassem outros elementos não tido em conta, designadamente diabetes e três hérnias discais, agendamento para audiência de julgamento quanto à referida vizinha que terá lançado a suspeição dos casos extraconjugais, descontos da Assistente A. M. datado de 1998 que demonstram atividade profissional como trabalhadora independente, diversas contas em nome da Assistente A. M. com avultadas quantias, e ainda os que demais foram juntos, como a referida vizinha ter pedido desculpa ao aqui Arguido pois só assim este desistiu da queixa, a convolação de divórcio litigioso para mútuo acordo, etc.;
30 – E ainda, com relevância para esta e toda a matéria, tudo o quanto disseram as testemunhas arroladas pelo Arguido, sendo que, salvo o devido respeito e melhor entendimento, foram totalmente desconsideradas como se verá, inclusive para os efeitos do n.º 2, do artigo 128º, do CPP;
31 – A única coisa que nesta parte foi perguntado e respondido pelo Arguido, quanto à sua situação económica (“…o que faz, qual é a sua profissão…, gravação de 15:31:01 a 15:42:58, conforma Ata de 11-05-2020, concretamente dos 09:40mn aos 09:58mn) é que não tem “…condições para trabalhar psicologicamente…”, nada mais tendo sido perguntado ou respondido acerca deste assunto, exceto dos 10:24mn aos 10:31mn em que o Arguido esclarece que anda a ser seguido psicologicamente, a assim se bastando o Tribunal a quo;
32 – O que também não ficou a constar da douta Decisão e resulta da mesma fonte documental (onde se insere o dito relatório), é que aos problemas do Arguido acrescem diabetes e três hérnias discais, sendo que quanto às ditas condições psicológicas não resultam do contexto insinuado na douta Sentença, mas antes do facto de ser acusado de dois crimes de violência domestica e o demais subsequente, sujeito a medidas de coação, designadamente uma pulseira acompanhada de um aparelho de grande volume que tem de transportar para trabalhar, funcionando a bateria que é preciso carregar e muitas vezes não tem onde carregar, aliás com o carregador exclusivo desses aparelhos, e o cuidado extremo que tem de ter com todos eles para não os danificar sob pena de ter de pagar o seu elevado preço de € 1 600,00 conforme consta nos autos e conforme declaração assinada pelo próprio aquando da sua aplicação;
33 – A isto acresce uma segunda pulseira que lhe pretendiam aplicar, ou seja, duas [23 Cfr. Atas de 16-07-2019 e de 26-12-2019, e o significativo desconhecimento prático.], bem como buscas domiciliárias por armas que não existem e nunca teve, duas detenções para ser presente a Juiz, e o efeito devastador quando tomou consciência do que realmente se passava e sobretudo daquilo que lhe era imputado, tudo totalizando dificuldades práticas e um desgaste enorme sobre o Arguido – como sucederia sobre qualquer pessoa de bem e minimamente sensível –, mas que não se curou de aferir antes de verter na douta Sentença, pelo que, não valendo num sentido, também não poderá valer no inverso;
34 – No que se refere a “atuações bastante ousadas, destemidas e particularmente violentas”, não deixa de chocar logo pelo seu contraste, não só com a ausência de antecedentes criminais, mas também com tudo aquilo que na douta Sentença se disse a propósito da “violência doméstica” sobre a Assistente A. M. (e.g.: “maus tratos psíquicos, mas também num episódio de violência física, se bem que este último tivesse pouca intensidade”, página 22, quarto parágrafo), ou seja, um único evento de alegada violência física há cerca de 12 anos (2 bofetadas), cuja prescrição é de conhecimento oficioso e pode ter lugar a todo o tempo, pois que é causa de extinção do procedimento criminal, o que também se invoca e requer;
35 – Contudo, a dita agressão que parece fundamentar a expressão em crise terá sido alegadamente sobre a Assistente A. G. que, afinal, não é sequer vítima de violência doméstica, e nada tem que ver com a Assistente A. M. e aquilo que se está a analisar, mas ainda assim, salvo o devido respeito, se continua confundindo notoriamente;
36 – Ora, essa dita agressão, sendo também caso único, teria ocorrido há mais de um ano e como situação isolada, sem qualquer outra sinalização nos autos, aliás também totalmente exacerbada – como entende o Arguido – pois, tendo ocorrido, também não lhe seria imputável;
37 – Com o devido respeito, a conclusão pela aplicação dos meios técnicos alicerçada na referida “conjugação de tais circunstâncias” é assim desprovida de fundamento, o mesmo sucedendo com a expressão “prevenir a reincidência ou até males maiores” pois, além de meros conceitos, os argumentos expendidos não têm qualquer suporte;
38 – Acresce ainda que, conforme é patente a fls, 460, existem outras possibilidades de controlo, tal como aquele que foi disponibilizando à Assistente A. G., e sobre o qual não se verificou qualquer objeção, não sendo aliás sequer possível perceber se tal hipótese foi sequer equacionada pois não consta da douta Sentença, o que se invoca e requer;
39 – Por último, de referir que não se equacionou, não se ponderou, qualquer eventual pactuar consentimento ou perdão da alegada vítima o que também sempre serviria para atenuar as exigências de prevenção especial e geral e deverá ser tido em conta para efeito de suspensão da execução da pena, bem como do respetivo modo de execução, o que se invoca e requer;
40 – Não obstante o que demais se irá expor, deverá proceder o até aqui aduzido, designadamente as respetivas nulidades e eventual prescrição, sem prejuízo de se entender que, com base no constante dos autos, se verifique desde já a particular desnecessidade de aplicação de meios de controlo técnico, claro está, caso proceda alguma condenação do Arguido por violência doméstica, o que não se concebe e por mera hipótese se equaciona;
41 – Pelo que, sem prejuízo do já exposto, relativamente aos factos provados e não provados, transcreveu-se supra a prova produzida em audiência de julgamento [24 Por transcrição corrida e o mais fiel possível de forma resumida, desde já se penitenciando por qualquer lapso, o qual desde já se requer também seja relevado.], que demonstra os concretos pontos de discordância do Arguido, e que se considera aqui integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos, com especial incidência nas partes a negrito (salvo lapso que se requer seja relevado);
42 – Elencando: A. M., Assistente, ex-cônjuge, Ata de Audiência de Julgamento de 11-05-2020 (gravação de 15:45:46 a 17:02:27 e de 17:03:45 a 17:04:41); A. G., Assistente, filha, Ata de Audiência de Julgamento de 12-05-2020 (gravação de 14:30:47 a 15:24:54); M. H., testemunha, filha, Ata de Audiência de Julgamento de 12-05-2020 (gravação de 15:26:04 a 15:44:33); A. R., testemunha, Agente da PSP, Ata de Audiência de Julgamento de 12-05-2020 (gravação de 16:28:47 a 16:33:49); C. J., testemunha, cunhado do Arguido, Ata de Audiência de Julgamento de 18-05-2020 (gravação das 14:42:36 às 14:49:27 e das 14:51:21 às 15:11:42); M. H., testemunha, irmã do arguido, Ata de Audiência de Julgamento de 18-05-2020 (gravação das 15:12:32 às 15:40:51); M. M., testemunha, vizinho, Ata de Audiência de Julgamento de 18-05-2020 (gravação das 15:43:21 às 15:57:26); M. G., testemunha, vizinha, Ata de Audiência de Julgamento de 18-05-2020 (gravação das 15:57:57 às 16:15:46);
43 – Produzida esta prova, e respetivas alegações que se consideram aqui integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos, conforme Ata de Audiência de Julgamento de 18-05-2020 “…gravação das 16:15:53 às 16:20:52 (Digna Magistrada do Ministério Público), das 16:20:59 às 16:30:16 (ilustre mandatária das assistentes) e das 16:30:20 às 16:47:07 (ilustre mandatário do arguido)…”), foi proferida a douta Sentença;
44 – Atendendo ao antes exposto, e desde já penitenciando por algum lapso que se requer seja relevado, crê-se estar bem visível a discordância do Arguido;
45 – Desde logo deverá ser devidamente valorada a prova testemunhal por este arrolada, em tudo o quanto os respetivos depoimentos possam infirmar e demonstrar;
46 – Do mesmo modo, devem ser desconsiderados os demais depoimentos conforme assinalado e atendendo às enormes fragilidades apontadas, sem prejuízo de todas as demais que oficiosamente sejam verificadas;
47 – Devendo, a final, dar-se como provados apenas os factos constantes dos pontos 1, 2, 3, 4, 12 (devendo constar que foi “indicada como” testemunha, e eliminando-se “Em finais de Novembro de 2018”), 14 (apenas até “…saíram de casa.”), 15, 27 (eliminando-se “com receio”), 38, 39, 40, 41, 42 e 45, dos respetivos pontos dados como provados;
48 – E devendo dar-se como não provados, além dos que aí constam, os seguintes pontos dos factos dados como provados: 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 (na parte “Em finais de Novembro de 2018”), 13, 14 (desde “…tendo a assistente..” até “…divorciar-se.”), 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 (na parte “com receio”), 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 43, 44 e 46;
49 – No que concerne ao ponto 24 dos factos dados como provados, cumpre dizer que não existe qualquer ameaça, nem a respetiva expressão aí vertida o configura, desde logo porque, atendendo ao estado da ciência, ainda expressa uma verdade universal, ou seja, “eu vou morrer” e “mas vocês também vão morrer” pois, de facto “todos vamos morrer” um dia;
50 – Acresce que, mesmo que assim não fosse, ainda seria sempre de sentido duvidoso, podendo ser interpretada no sentido de aviso relativamente a situações em que não se dá o devido valor àquilo que se tem, ou quando se perde a noção daquilo “que é importante na vida” pois “vamos todos morrer um dia”, devendo o Arguido ser absolvido dos crimes de ameaças, sendo relativamente à mensagem telefónica o já exposto, o que se invoca e requer;
51 – No que concerne ao ponto 25 dos factos dados como provados, diga-se que “steri-strip” [25 https://multimedia.3m.com/mws/media/1399278O/steri-strip-cutaneous-adhesive-and-sutures.pdf] apenas se conhece as tiras de sutura adesiva, pelo que não estando o Arguido acusado de tal facto, ou não constituindo o mesmo qualquer crime, também não poderá ser condenado por alegadamente ter “provocado tiras de sutura adesiva” na assistente A. G., ainda que com as reduzidas dimensões aí referidas;
52 – Pelo que deverá ser absolvido de qualquer ofensa à integridade física, sobretudo qualificada, o que se invoca e requer;
53 – Mais deverá o Arguido ser absolvido de todos os demais crimes, mormente violência doméstica, bem como relativamente a qualquer qualificação ou agravação que, s.m.o., não tem qualquer fundamento;
54 – Por conseguinte, nenhuma medida deverá ser aplicada, e muito por meios técnicos de controlo à distância, cessando ainda imediatamente as que subsistam;
55 – Sem prescindir, e caso assim não se entenda, o que não se concebe, não deverá ser aplicada qualquer medida com as mesmas características da que se encontra em curso, mas antes outras alternativa como a que foi facultada à Assistente A. G., a qual não foi objeto de qualquer reporte negativo;
56 – Improcedendo o anterior, deverá ainda ser dada sem efeito a condenação do Arguido na parte cível, dando-se sem efeito a indemnização ou, caso assim não se entenda, o que não se concebe, a sua redução por ser manifestamente exagerado, recordando-se ainda a situação financeira extremamente favorável das Assistentes e que, conforme ponto 39 dos factos provados, o Arguido neste momento não trabalha, aguardando a possibilidade de retomar a sua vida;
57 – Termos em que deverá ser considerado procedente o presente recurso nos seus exatos termos, com as devidas e legais consequência, mormente revogando-se a douta Sentença, e substituindo-se por outra que decida conforme supra exposto;
58 – Tudo sob pena de violação de todas as normas aqui invocadas, e as constantes da douta Sentença, e que, por razões de economia, se consideram aqui integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos, bem como, e designadamente, dos artigos 18º, 20º, 21º, 25º, 27º, 29º, 32º, 202º, 203º, 204º e 205º, da CRP; do artigo 6º, da CEDH; e dos artigos X e XI, da DUDH.

Nestes termos, e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, decidir-se conforme o supra exposto, e aqui considerado como integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça.»

4. A Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância respondeu a todos os recursos, nos seguintes termos:

4.1 - Quanto aos recursos interlocutórios, concluindo que (transcrição):

«A) Os despachos recorridos são assertivos e encontram-se em conformidade com a lei.
B) Não se verifica nos autos qualquer situação que pudesse levar à prorrogação do prazo para o arguido apresentar a sua contestação, designadamente, justo impedimento;
C) As diligências de prova indeferidas ao recorrente mostravam-se de natureza dilatória, impossível, desproporcional, supérflua e desadequada.
D) Mostrava-se um imperativo legal a realização do julgamento nos presentes autos atentos os perigos patentes nos mesmos e o preenchimento da previsão da al. b)do n.º 7 da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03.

Nestes termos, por tudo o que fica exposto, deverá manter-se a decisão recorrida.»

4.2 - No que concerne ao recurso da sentença, defendendo a integral confirmação da mesma, porquanto, e em suma:

- Quanto à alteração da qualificação jurídica e à nulidade da sentença ao abrigo do disposto no art. 379º, n.º 1, al. b), existe uma equiparação da alteração de qualificação jurídica à alteração não substancial de factos, mesmo quando tal alteração implique o enquadramento em figura criminal mais grave, como decorre da lei e tem sido decidido pela doutrina dos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 16/97 e 518/98 e do assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2000, pelo que consubstanciando a alteração comunicada ao arguido uma alteração da qualificação jurídica, que lhe foi comunicada para o efeito do disposto no art. 358º, n.ºs 1 e 3, não padece a sentença de qualquer nulidade;
- Em relação à matéria de facto dada como provada, nada há censurar à decisão em crise, pois está devidamente fundamentada, apreciando de forma cuidada e crítica a prova produzida;
- No que concerne à condenação na pena acessória de proibição de contactos com a assistente A. M. pelo período de 2 anos e 6 meses, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, considerando e ponderando conjugadamente os fatores elencados na sentença a esse respeito, não merece qualquer censura a conclusão do tribunal a quo de que a utilização dos meios técnicos de controlo à distância é importante e imprescindível para prevenir a reincidência ou até males maiores por parte do arguido.
5. Também as assistentes responderam aos recursos, em peça conjunta, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:
«EM CONCLUSÃO:
1. (…)
2. (…)
3.

A) DAS NULIDADES INVOCADAS:

I. Do recurso retido

4. No que concerne ao recurso interposto pelo Recorrente, datado de 10.05.2020 – “recurso retido” – e sobre o qual o mesmo declara manter interesse, entendem as Recorridas que não assiste qualquer razão ao Recorrente, motivo pelo qual pugnam pela manutenção/ confirmação das decisões sobre as quais aquele recurso versa;
I. Despacho de 29.04.2020:
5. Quanto a este despacho, não colhe a defesa do Recorrente de que a prorrogação do prazo para contestar dever-lhe-ia ter sido concedida, porquanto o seu atual Mandatário não o acompanha desde o início dos presentes autos, por duas ordens simples de razão:
a. a contagem de prazos, designadamente para apresentação de contestação nos autos, em nada se prende com o facto de o atual Mandatário ter ou não tido a oportunidade de ter acompanhado o processo desde o seu início;
b. a verdade é que o atual Mandatário do Recorrente já se encontra a representá-lo – com procuração forense para o efeito junta aos presentes autos – desde, pelo menos, a prolação do despacho de recebimento da acusação e designação de datas para audiência e discussão de julgamento;
6. Em termos de suspensão de prazos por força da situação de pandemia vivida a nível mundial, o Recorrente foi notificado do despacho de designação de datas para a realização da audiência de julgamento em 29.02.2020, passando a lograr, nos termos e para os efeitos do artigo 315.º, n.º 1 do CPP, de uma prazo de 20 dias para apresentar em juízo, querendo, a sua contestação e respetivo rol de testemunhas;
7. Ao abrigo da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, mais concretamente pela conjugação do n.º 5 do art. 7.º da primeira lei e do art. 5.º da segunda, aquele concreto prazo judicial ficou suspenso desde o dia 9 de Março de 2020, tendo retomado a sua contagem, por se tratar de uma processo urgente, pela mesma Lei n.º 4-A/2020, no dia 7 de abril de 2020 – cfr. artigos 2.º, 6.º, n.º 2 e 7.º do referido diploma legal;
8. Com efeito, decorrido o prazo para apresentação em juízo de contestação de 20 dias, nenhum direito mais assistia ao Recorrente para apresentar nova contestação, pois que tal sempre se revelaria algo contra legem;
9. Também não assiste ao Recorrente qualquer fundamento de verificação de justo impedimento, porquanto, para além do previsto no artigo 107.º, n.º 2 do CPP, o próprio Legislador, em face da situação de pandemia mundial provocada pela COVID-19, no art. 14.º, n.º 1 da Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, cuidou de determinar/elencar fundamentos/razões para o justo impedimento relacionados com a pandemia;
10. Seja como for, a verdade é que, efetivamente, o Recorrente apresentou a sua contestação tempestivamente;

II. Do indeferimento de diligências de prova requeridas:

11. À data que o Recorrente requereu que Tribunal a quo oficiasse às entidades para fornecerem as respetivas imagens de videovigilância respeitantes aos dias 15 de Maio de 2019 e 20 de Maio de 2019, já havia há muito decorrido o prazo legal de conservação de imagens de videovigilância é de 30 a 90 dias apenas;
12. Com efeito, também neste aspeto muito bem caminhou o Tribunal a quo ao indeferir tal requerimento ao Recorrente;
13. A forma genérica como o Recorrente requereu ao Tribunal que oficiasse ao Hospital de Braga pela identificação dos elementos de segurança do Hospital de Braga e de quaisquer outros serviços relacionados à segurança para serem inquiridos como testemunhas em sede de julgamento tornou impossível o meio de obtenção da prova requerida;
14. O mesmo raciocínio cabe também para as demais provas requeridas pelo Recorrente, designadamente, quanto ao episódio do dia 20 de Maio de 2019, a notificação às Assistentes e à Conservatória do Registo Civil, sita no ...shopping, em …, para identificar nos autos o motivo da deslocação das Assistentes a esses serviços, bem como para procederem à junção dos respetivos documentos comprovativos;
15. O mesmo se diga quanto à requerida notificação do Hospital de Braga para identificar nos autos todo o pessoal que assistiu a Assistente A. G., a fim de serem ouvidas como testemunhas, bem como junção das imagens dos alegados ferimentos após limpeza/ desinfeção e antes de suturação e aplicação de qualquer outro produto/ proteção, designadamente compressas, as quais são inócuas e inapropriadas ou mesmo supérfluas, como muito bem decidiu o Tribunal a quo ao indeferir as mesmas;

III. Da manutenção das datas designadas para realização da audiência de discussão e julgamento nos presentes autos

16. Os presentes autos revestem a natureza de processo urgente, por se encontrar o Arguido/ Recorrente, à data, acusado pela prática, em concurso efetivo, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152.º, n.ºs 1 alínea a), 2 alínea a), 4 e 5 do CP e de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152.º, n.ºs 1, al. d), 2 al. a), 4 e 5 do CP;
17. De acordo com as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, à redação do n.º 7, do art. 7.º da Lei n.º 1-A/202o, de 19 de Março, a realização de tal julgamento era – como foi – uma imposição legal;
18. A tudo isto acresce, o facto de esta situação dos autos se enquadrar na previsão da al. a) do n.º 7.º, do art. 7.º do diploma em apreço, pelo facto do Arguido/ Recorrente se encontrar sujeito a medidas de coação, estando em causa a liberdade do próprio Arguido/ Recorrente;
19. Isto dito, nenhum reparo há a fazer aos despachos em evidência, objetos de recurso, bem sustentada que se verifica a assertividade dos mesmos;

II. Da alteração dos factos descritos na acusação:

20. Não assiste ao Recorrente qualquer laivo de razão, sobretudo na parte da invocada existência de nulidade da sentença recorrida por força da aplicação do disposto na al. b), do n.º 1, do artigo 379.º do CPP, como adiante melhor se demonstrará;
21. O objeto do processo é definido e delimitado pela Acusação promovida pelo Ministério Público que fixa o thema decidendum;
22. Contudo, o processo penal português, de estrutura basicamente acusatória integrada por um princípio de investigação, admite que, sendo a descrição dos factos na Acusação uma narração sintética, nem todos os factos ou circunstâncias factuais relativas ao crime acusado possam constar desde logo dessa peça, podendo surgir durante a discussão factos novos que traduzam alteração dos anteriormente descritos, matéria regulada nos artigos 303.º, 358.º e 359.º que distinguem entre «alteração substancial» e «alteração não substancial» dos factos descritos na acusação ou pronúncia;
23. Quando os factos novos não tenham como efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, mas que sejam relevantes para a decisão, a alteração deverá ser considerada não substancial e o seu conhecimento pressupõe, o recurso ao mecanismo previsto no artigo 358º, n.º 1, do C.P.P.;
24. O n.º 3 do mesmo preceito legal 358.º do CPP, prevê expressamente que o disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação;
25. Ou seja, decorre da própria letra da lei uma equiparação entre alteração da qualificação jurídica à própria alteração não substancial de factos, que abrange, inclusive, as situações que impliquem que o Tribunal submeta tais factos a uma figura criminal mais grave;
26. Esta solução jurídica encontra a sua base no princípio da livre qualificação jurídica, com a dupla condição de comunicação prévia ao Arguido da alteração da qualificação jurídica dos factos e da concessão de tempo para defesa;
27. Finda a produção de prova da acusação, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo proferiu o respetivo despacho, por meio do qual procedeu à alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, passando agora o Arguido/ Recorrente a ser acusado, relativamente à Assistente/ Recorrida, A. G., sua filha, ao invés do crime de violência doméstica – nos termos já supra expendidos - por:
- um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al.ª a) e n.º 2 do CP, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al.ª a) também do CP, respeitante ao episódio sucedido a 20.05.2019,
- dois crimes de ameaça agravada, ps. E ps. Pelos artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al.ª a) do CP, respeitantes a mensagem telefónica enviada pelo Arguida à Assistente A. G. em 2019;
28. Ao abrigo e conforme o disposto no n.º 1 do artigo 358.º do CPP, o Meritíssimo Juiz d Tribunal a quo, comunicou ao Arguido, com a expressa menção “a fim de o mesmo preparar convenientemente a sua defesa”, as alterações que operou aos factos da Acusação, bem como a respetiva alteração da qualificação jurídica inerente supra já aclarada;
29. Contudo, o Arguido/ Recorrente perante a comunicação que lhe fora dirigida por meio daquele despacho, nada fez ou requereu, dando o seu assentimento tácito a que o julgamento prosseguisse, doravante com as alterações em causa;
30. Preterida que se verifica esta faculdade, por óbvia inércia do Arguido/ Recorrente, pois que, da parte do Tribunal a quo foram rigorosamente cumpridos todos os comandos legalmente exigíveis – designada e especialmente do artigo 358.º do CPP -, não padece a, aliás, douta, decisão recorrida, de qualquer vício de nulidade, ao abrigo da al. b), do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, como pretende o aqui Recorrente fazer crer;

B) DA REJEIÇÃO DO RECURSO DE MATÉRIA DE FACTO:

31. O aqui Recorrente expressa no introito das alegações de recurso que ora se contestam, que as mesmas se versam sobre matéria de direito e matéria de facto;
32. Porém, o Recorrente nas suas alegações não logra transmitir com clareza o mote que, afinal, o compeliu a acudir-se desta instância de recurso;
33. Não se compreende o que pretende o Recorrente ver alterado na sentença em mérito, pois que, não se dignou o Recorrente a delimitar as questões em concreto que pretende ver revisitadas e emendadas por intervenção desta 2.ª instância de justiça;
34. Prevê o artigo 412.º do que, (n.º 1) “a motivação em sede de recurso, enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”;
35. “Versando o recurso matéria de facto, deve ser estruturado nos termos definidos pelos n.º 3 e 4 do artigo 412.º do CPP: as indicações aqui exigidas são imprescindíveis para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto e não um ónus de natureza puramente secundária ou meramente formal, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão preferida sobre a matéria de facto.”;
36. O aqui Recorrente não cumpriu com qualquer um dos requisitos processuais supra enunciados, não fazendo, por isso, constar das suas alegações de recurso (1) a identificação dos concretos pontos de facto por referência à matéria vertida na Acusação, (2) nem, concretamente, quais os pontos de facto da sentença que considera erradamente julgados, (3) assim como também não cumpriu com esse ónus na motivação das suas alegações e respetivas conclusões;

IV. Do não cumprimento do ónus de especificação prevista no art. 412.º, n.º 3, al. a):

37. “A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está sujeita à observância de diversas regras, as quais devem ser compreendidas em função das razões que lhe estão subjacentes, não sendo a forma um objetivo em si mesmo, mas um meio ao serviço da substância;
38. O Recorrente, de facto, não invocou nas suas alegações os concretos pontos da matéria de facto que pretendia ver julgados de maneira diversa daquela que foi entendida pelo Tribunal da 1.ª Instância;
39. Aliás, o Recorrente nem se dignou a elencar os pontos da matéria de facto dada como provada, e, bem assim, também não identificou os que queria que fossem objeto de revisão, em vista a um desfecho diferente do vertido na sentença;
40. Contudo, neste ponto concreto/ específico das alegações não caberia apenas e tão-somente lugar à transcrição da prova testemunhal gravada, mas sim à indicação dos pontos concretos a sindicar, com a respetiva análise integrada de toda a prova produzida nos autos, desde a documental à testemunhal;

V. Da não especificação da prova que impunha decisão diversa da recorrida – art. 412.º, n.º 3, al. b):

41. Compete ao Recorrente, depois de identificar claramente os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, assinalar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
42. Na persecução do mesmo, incumbe ao Recorrente esgrimir a decisão que, no seu entender, devia ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas, sob pena de patente ininteligibilidade do recurso e consequente rejeição;
43. O que patente se mostra é que o Recorrente discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diferente da recorrida, devendo, no mais, especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados;
44. O Recorrente não analisa criticamente a prova produzida e invocada e não interliga a prova com os pontos de facto concretos que pretende impugnar, cingindo-se a uma parca defesa de que o Tribunal de 1.ª Instância desprezou todos os meios de prova produzidos, sobretudo a prova principal dos autos, a testemunhal;
45. Deste modo, preterido se encontra também o cumprimento por parte do Recorrente deste específico ónus de análise integrada da factualidade concreta a modificar com os concretos meios de prova que fundamentam tal modificação;

VI. Da não especificação das provas que deveriam ser renovadas – art. 412.º, n.º 3, al. c):

46. Em nenhum momento das suas alegações o Recorrente indicou por que solução diferente – de acordo com a sua convicção - deveria ser substituída a orientação ou o sentido constante na sentença recorrida relativamente aos concretos pontos de facto impugnados;
47. Na verdade, não é especificada qual a resposta que o Tribunal deveria ter proferido com referência à matéria alegada ou erradamente julgada, ficando o Tribunal sem saber qual a resposta pretendida com referência aos concretos pontos sindicados, assim como, também não consta/m indicada/s qual/ quais as provas que, no entender o Recorrente deveriam ser renovadas, tendo em vista o alcance da pretensão/convicção que defende;
48. Porém, para o caso de assim não se entende – o que não se concede e apenas por mera hipótese académica se coloca:

C) DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA

I. REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA:

49. É neste conspecto que, efetivamente – e mais uma vez, com a devida salvaguarda por entendimento diverso e melhor -, a motivação de recurso do Recorrente falece por falta de forma e acima de tudo por falta de substância e sentido;

II. Quanto à prática do crime de violência doméstica – art. 152.º, 1 a), 2 a), 4 e 5 CP

50. Apura-se como aspeto determinante para a verificação deste tipo legal de crime a configuração/ existência de um generalizado desrespeito pela dignidade da pessoa da vítima de violência doméstica que decorre do comportamento do agente/ agressor que, por norma, assenta numa posição de domínio e controlo;
51. O desrespeito generalizado pela dignidade da vítima consubstancia-se em maus tratos de vária índole, cabendo no conceito previsto na norma do crime de violência doméstica, o desprezo, a humilhação, ameaças, provocações, pequenas privações de liberdade e movimentos, a especial desconsideração pela vítima e a gravidade destas manifestações;

II. Quanto à prática do crime de ofensas à integridade física qualificada – art. 143.º, 1 e art. 145.º, 1 a) e 2, por referência ao art. 132.º, 2 a) do CP

52. No que concerne a este tipo legal de crime, a delimitação do bem jurídico, e em particular do interesse social perseguido, concebe-se a ofensa à integridade física como desatenção à pessoa da vítima no seu todo, atendo-se o legislador a um entendimento estritamente somático, corporal-objetivo da incolumidade pessoal, na pluralidade das suas dimensões;
53. A qualificação das ofensas à integridade física decorrente da conjugação do art. 145.º, n.º 1, al. a), com o art. 132.º, al. a) do C.P., vai buscar a sua razão justificativa á circunstância de “os laços familiares básicos com a vítima deverem constituir para o agente fatores inibitórios acrescidos, cujo vencimento supõe uma espécie de especial censurabilidade;

III. Quanto à prática do crime de ameaça agravada – art. 153.º, 1 e art. 155.º, 1 a) do CP

54. O elemento constitutivo do crime de ameaça, o anúncio, por qualquer meio, de que o agente pretende infligir a outrem um mal futuro, dependente da vontade do autor.
55. A gravação do crime decorre nos termos previsto no artigo 155.º do C.P., sendo que no caso concreto se aplica a agravação prevista na al. a) do n.º 1, isto é, quando os factos previstos nos artigos 153.º a 154.º-C forem realizados por meio de ameaça com prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos;
56. No caso em mérito, é patente a prática do crime de violência doméstica por parte do Arguido/ Recorrente contra a Assistente/ Recorrida, A. M., com particular enfase para o período em que perdurou o casamento deste atual ex-casal, assim como a prática dos crimes de ofensas à integridade física qualificada e do crime de ameaça agravada praticados contra a Assistente A. G. pelo Arguido tendo em conta a relação de parentesco existente entre ambos – ascendente/pai e descendente/filha;
57. No depoimento prestado voluntariamente pela Assistente, A. M., quando instada a falar a instâncias do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo sobre o seu início de vida/ casamento com o Arguido em Portugal – depois de terem vindo da Suíça -, e da própria continuidade do casamento, pela mesma foi referido a sua vida ao longo dos muitos anos de casamento que teve com a aqui Arguido, se resumem a uma vida de servidão e de sujeição, em que a mesma passou a ser a “escrava” do Arguido e do lar onde viviam com as suas duas filhas;
- cfr. declarações da Assistente, A. M., dos 03:32m até aos 06:05m, in depoimento gravado através sistema integrado de gravação digital, no dia 11.05.2020, com a duração de 1 hora 16 minutos e 41 segundos, registado entre 15:45:45 até 17:02:27 e de 17:03:43 até 17:04:41 – ficheiros áudio 20200511154557_5782561_2870573.
58. A Assistente continuou o seu depoimento, descrevendo o episódio em que o Arguido/ Recorrente a agrediu fisicamente e a insultou com nomes bastante ofensivos, que terá ocorrido seguramente entre 2008 e 2009, quando aquele ainda casal saia da Clínica de ..., na via pública, mas dentro do veículo automóvel em que se faziam transportar;
- cfr. declarações da Assistente, A. M., dos 06:39m até aos 07:28m.
59. A Assistente abordou também as dores físicas que sentiu – para além do mau estar psicológico que a assolapou – e a forma solitária como que lidou com toda essa dor, física e emocional;
- cfr. declarações da Assistente, A. M., dos 08:49m até aos 09:01m.
60. A Assistente continuou o seu depoimento acrescentando que em face do sucedido e dos comportamentos reiterados de insultos e manutenção de relações extraconjugais do Arguido/ Recorrente, com o medo que passou a sentir, passou a adotar uma postura de anulação de si própria em relação ao Arguido/ Recorrente;
- cfr. declarações da Assistente, A. M., dos 09:35m até aos 10:23m;
61. Ainda instada a pronunciar-se sobre os insultos concretos de que era alvo por parte do Arguido/ Recorrente, a Assistente ainda a instâncias o Meritíssimos Juiz do Tribunal a quo, referiu com clareza que o Arguido/ Recorrente, com uma regularidade pelo menos mensal, a apodava de: “filha da puta”, “múmia” e “burra”, dizendo-lhe com essa mesma frequência – e com o único intuito de ofender, humilhar e vexar a Assistente, molestando-a na sua integridade psíquica – que ela era uma “filha da puta” e que “mantinha uma burra em casa”;
- cfr. declarações da Assistente, A. M., dos 11:01m até aos 12:45m.
62. A Assistente esclareceu também todo o sucedido que a sua memória lhe permitiu transmitir quanto ao episódio do dia 15 de Maio de 2019, no parque de estacionamento do Hospital de Braga e que interessa atentar;
63. Designadamente, que o Arguido estava escondido atrás de um carro e que saltou de trás do mesmo para surpreender a Assistente as suas filhas que a acompanhavam nesse momento, tendo-se abeirado da Assistente e a agarrado por um braço em jeito de quem pega em “algo” e de a querer levar consigo embora daquele lugar, mais concretamente para a casa de ambos;
- cfr. declarações da Assistente, A. M., dos 18:26m até aos 23:01m.
64. A Assistente continuou a esclarecer o Tribunal a quo ainda acerca daquele episódio, transmitido o pânico que sentiu;
- cfr. declarações da Assistente, A. M., dos 25:11m até aos 25:45m.
65. Na continuidade da instância do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, a Assistente, diretamente questionada sobre a ocorrência dos factos do dia 20 de Maio de 2019, descreveu de forma pormenorizada o ocorrido e o indescritível sofrimento, temor e angústia que sentiu nesse momento;
- cfr. declarações da Assistente, A. M., dos 26:05m até aos 34:36m.
66. Após a ocorrência destes 2 graves episódios que se sucederam em tão curto espaço de tempo, a Assistente A. M., que após ter saído da casa de morada de família, para ir viver apenas com as suas filhas – o que aconteceu logo no início do ano de 2019 – já tinha medo de sair de casa, ainda ficou com mais receio, tendo esclarecido ao tribunal também o seguinte quanto à conferência do processo de divórcio que teve lugar no Tribunal de Família e Menores de Braga, no mês de Junho daquele mesmo ano de 2019;
- cfr. declarações da Assistente, A. M., dos 37:08m até aos 37:32m.
67. A Assistente ultimou o seu depoimento a instâncias do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo reportando também o seu estado de tristeza, humilhação, vergonha, angustia e o medo, tendo agravado todos esses estado anímicos nos episódios melhor descritos na acusação e perfeitamente comprovados pelas palavras da Assistente, dos dias 15 e 20 ambos do mês de Maio de 2019;
- cfr. declarações da Assistente, A. M., dos 40:31m até aos 43:34m.
68. Por seu turno, a Assistente A. G., no depoimento que prestou em sede de julgamento igualmente atuou de forma bastante colaborativa com o Tribunal a quo, tendo expressado de forma detalhada, desde logo, a relação dos seus pais durante o casamento e convivência em casa destes, bem como a sua saída de casa juntamente com a Assistente A. M. e a sua irmã e testemunha nestes autos também, G. M., ao relato sobre ambos os episódio que presenciara/ esteve envolvida, dos dias 15 e 20 de Maio de 2019 e, de facto, importante atentar;
69. A Assistente A. G. de forma concisa e segura começou por explicar/ indicar ao Tribunal a quo quais os nomes injuriosos que ouvia ao seu pai, Arguido/ Recorrente proferir contra a sua mãe, e a mesma já havia também indicado, como “filha puta”, “burra” e “múmia”;
70. Por este meio, a Assistente A. G. confirmou os factos descritos nos n.º 7 a 9, 12 e 13 da Acusação;
71. Sobre o episódio do dia 15 de Maio de 2019, no parque de estacionamento do Hospital de Braga, o seu depoimento primou por ser minucioso e verdadeiro, do qual ficou extremamente claro a atitude/ comportamento ardiloso do Arguido, a sua intenção de causar susto, atuar à má-fé e, essencialmente, com o propósito claro de agarrar a Assistente A. M. e levá-la embora com ele, como se de uma propriedade se tratasse;
72. Quanto ao episódio do dia 20 de maio de 2019, a Assistente A. G. também relatou a sucessão dos factos com precisão, palavras pelas quais ficou o Tribunal a quo bem esclarecido acerca do modus operadi do Arguido, bem como da sua frieza, da sua agressividade, da sua perigosidade e da sua crueldade;
73. O Arguido não só atuou à má-fé, perseguindo-as, sem que estas se apercebessem, como também não se coibiu de insultar Assistentes, de agredir fisicamente a sua filha – provocando-lhe um dano no rosto, agarrando-lhe a cara e o pescoço, exercendo força bruta -, como também as ameaçou de morte, caso estas não parassem para falar com ele;
74. A Assistente A. G., confirmou, assim, a factualidade vertida nos pontos 28 a 30 da matéria de facto dada como provada e reportou-se aos danos psicológicos sofridos por si e pela Assistente/ Recorrida A. M. em virtude do sucedido;
- cfr. declarações da Assistente, A. G., dos 01:06m até aos 29:17m, in depoimento gravado através sistema integrado de gravação digital, no dia 12.05.2020, com a duração de 54 minutos e 08 segundos, registado entre 14:30:45 até 15:24:54 – ficheiros áudio 20200512143058_5782561_2870573.
75. A instância da Mandatária das Assistentes, instada a pronunciar-se sobre a personalidade do pai e da mãe e sobre o tipo concreto de relação que existia entre ambos, a Assistente A. G. descreveu o pai como sendo uma pessoa autoritária, dominante, conflituosa e violenta, e a mãe como sendo uma pessoa calma, submissa e completamente apagada na sua personalidade em face do regime de casamento opressor em que vivia com o Arguido;
- cfr. declarações da Assistente, A. G., dos 32:56m até aos 35:55m.
76. Por seu turno, a Testemunha G. M., num jeito já mais enérgico, também logrou trazer para a sala de audiência, logo no início e durante o seu testemunho, o contexto de violência doméstica, essencialmente na modalidade de maus tratos psicológicos, que o seu pai, Arguido/ Recorrente, infligia à sua mãe, Assistente/ Recorrida, assim como relatou o episódio vivido no dia 15 de Maio de 2019, a instâncias da Digníssima Magistrada do Ministério Público e que importa também atentar;
77. Começa por descrever a relação dos pais, conforme a presenciou e vivenciou, corroborando as declarações já prestadas antes de si pela sua mãe e pela sua irmão, quanto ao facto de a mãe ser uma pessoa submissa ao pai, de o mesmo a tratar com desprezo, desprezando essencialmente tudo o que esta fazia, sobretudo em casa, diminuindo-a e tirando-lhe até, como referiu, a capacidade de decidir por si própria, pois tudo o que dizia ou as suas opiniões eram irrelevantes ou inválidas para o Arguido;
78. A testemunha reproduziu sem dúvidas os insultos que o pai proferia contra a mãe, os quais são todos aqueles que também as Assistentes já haviam reproduzido: “Filha da puta”, “múmia” e “burra”;
79. Narrou ao pormenor o episódio ocorrido no dia 15 de Maio, o qual presenciou/ vivenciou, não deixando margem para sobre o tempo, o lugar e o modo como tudo se sucedeu;
- cfr. declarações da Testemunha, M. H., dos 00:31m até aos 09:08m, in depoimento gravado através sistema integrado de gravação digital, no dia 12.05.2020, com a duração de 18 minutos e 29 segundos, registado entre 15:26:03 até 15:44:33 – ficheiros áudio 20200512152604_5782561_2870573.
80. Continuando nesta postura de verdadeira colaboração com o Tribunal e com a descoberta da verdade material, a instâncias da Mandatária das Assistentes, acrescentou ainda que só após a aplicação das medidas de afastamento e de imposição ao Arguido de meios eletrónicos de controlo à distância é que as investidas do pai pararam e a irmã começou a deixar de recorrer a expedientes para despistá-lo;
- cfr. declarações da Testemunha, M. H., dos 09:10m até aos 14:25m.
81. Sem dúvida que a aplicação das medidas de coação de proibição de se aproximar das Assistentes através de fiscalização efetuada através de meios técnicos de controlo à distância, por se considerar existir o perigo de o Arguido atentar gravemente contra a integridade física das Assistentes foi a única forma de travar o Arguido na concretização dos seus intentos, o de perseguir e conseguir levar a Assistente A. M. para casa contra vontade desta ou mesmo de atentar contra a sua integridade física ou mesmo vida, tanto da Assistente A. M. como da Assistente A. G., caso contrário o Arguido teria conseguido;
82. Quanto à Testemunha R. D., a sua amizade com a Assistente A. G. não prejudicou o seu dever de, enquanto testemunha, colaborar com o Tribunal na descoberta da verdade e na boa decisão da causa, tendo para o efeito referido que, naquele dia 15 de Maio de 2019, presenciou todo o ocorrido – melhor descrito na Acusação.
83. Por seu turno, a Testemunha C. M., também amiga da Assistente A. G., do mesmo modo, prestou um testemunho todo ele em estrita colaboração com o Tribunal, falando com genuinidade e razão de ciência ao relatar especialmente os episódios em que o Arguido se dirigiu ao local de trabalho da Assistente A. G.;
84. Rematou o seu testemunho fazendo expressa referência ao medo que as Assistentes sentem do Arguido por todo o sucedido, conhecimento que decorre do contacto diário e intimo que mantem com as vítimas/ Assistentes;
85. Assim resulta provada, sem margem para dúvida, a pratica dos crimes em evidência e pelos quais o Arguido saiu dos autos de primeira instância – e bem – condenado.

D) DAS DEMAIS NULIDADES INVOCADAS

DA APLICAÇÃO DA PENA ACESSÓRIA – FISCALIZAÇÃO POR MEIOS TÉCNICOS DE CONTROLO À DISTÂNCIA:

86. O subtítulo I.IV da motivação de recurso apresentada pelo Recorrente, intitulado “Das demais nulidades”, mais não parece que “uma terra de ninguém”, na qual o Recorrente decidiu colocar aleatória e indiscriminadamente várias questões que o perturbam, ou que, de alguma forma, não concorda com o rumo/ solução jurídica adotada para as mesmas e que fora vertida na sentença, mas que, entende tratar-se de “nulidades”;
87. Do que se consegue depreender, a questão primordial prende-se com a condenação do Arguido/ Recorrente na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida A. M. pelo período de dois anos e seis meses, pena acessória cujo cumprimento será fiscalizado por meios eletrónicos à distância;
88. São as necessidades de prevenção geral positiva - tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada - ou de integração qua vão justificar e impor a opção pela pena privativa da liberdade - pena alternativa ou pena de substituição - como resulta dos critérios estabelecidos nos arts. 40º, nº 1 e 70º do C. Penal, não existindo aqui qualquer finalidade de compensação da culpa, uma vez que esta, constituindo o limite da pena (art. 40º, nº 2 do C. Penal), apenas funciona ao nível da determinação da sua medida concreta;
89. Conforme resultou provado, nos autos em mérito o Arguido praticou um crime de violência doméstica, para além de um crime de ofensas à integridade física qualificada e de dois crimes de ameaça agravada;
90. Quanto ao primeiro crime pode ser aplicado, conforme dispõe o n.º 4 do artigo 152.º do C.P., a pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 5 anos, que não reveste carácter automático;
91. Resultou da sentença proferida nestes autos – resultado claro também de toda a prova produzida nos mesmos – que para a aplicação desta pena acessória ao Arguido/ Recorrente foram tidos em conta os seguintes motivos:
- o grau elevado de culpa do Arguido;
- as crescentes exigências de prevenção geral, com particular incidência nesta comarca de e de prevenção especial, pois que está-se perante factos recentemente praticados e depreende-se do comportamento do Arguido a não interiorização da gravidade do seu comportamento na pratica dos atos ilícitos integradores do crime de violência doméstica;
- as próprias exigências preventivas que o presente caso exige, designadamente a necessidade de proteção da vítima, com o expresso fim de que sejam evitados males maiores e de, bem assim, dar tempo para que os ânimos se aquietem.
92. Mais determinou o Tribunal a quo que essa pena acessória fosse fiscalizada pelos meios técnicos existentes de controlo à distância;
93. A indispensabilidade da aplicação de tais meios para a adequada salvaguarda da Assistente A. M. resulta bem elucidada na própria sentença sub judice e que se passa a enunciar:
- alguns dos factos em causa nestes autos são relativamente recentes;
- os ânimos estão ainda algo exaltados; o Arguido não confessou os factos; não demonstrou consciência da gravidade do seu comportamento nem arrependimento;
- a Assistente A. M. continua atemorizada, receando pela atitude do Arguido após o termo do processo;
- apesar de o Arguido e a Assistente A. M. já se encontrarem divorciados. Existem bens comuns a partilhar e o Arguido continua a parecer não ter aceite de bom grado a separação e subsequente divórcio da ofendida;
- em sede de audiência de julgamento, o Arguido afirmou não trabalhar por falta de condições psicológicas, o que demonstra que não ultrapassou o trauma do divórcio;
- segundo o relatório médico junto aos autos a fls 577 pelo Arguido, a 23 de Maio de 2019, este apresentava um quadro clínico compatível com Perturbação Mista Ansiosa e Depressiva reativa a situação a situação de conflito familiar, com pensamento ruminativo, com ideação recorrente de morte, não estruturada;
- o Arguido é capaz de situações bastante ousadas, destemidas e particularmente violentas, bastando atentar ao ocorrido no dia 20 de Maio de 2019, em que se introduziu, de forma completamente inesperada, no interior do veículo automóvel em que seguiam as Assistentes quando se encontrava para nos semáforos, acabando por agredir uma delas, ao ponto de esta ter necessidade de receber assistência hospitalar.
94. Perante a conjugação de todos estes fatores determinou o Tribunal a quo a aplicação dos meios de técnicos de controlo à distância por ser extremamente importante e indispensáveis à prevenção de reincidência por parte do Arguido e impedir a ocorrência de males maiores por parte do Arguido;
95. Não assiste qualquer razão à pretensão do Arguido em peticionar pela derrogação da aplicação da pena acessório e do respetivo controlo por meios técnicos à distância;
96. A sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura e não padece de quaisquer vícios de nulidade ou sequer de qualquer irregularidade, muito menos nesta parte em concreto, pelo que tudo bastará para seja – salvo o devido respeito por entendimento diverso – a bondade e justeza da decisão confirmada.

TERMOS EM QUE,
dever-se-á, em qualquer caso, negar provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, assim se fazendo, como habitualmente, inteira e sã J U S T I Ç A !»

6. Notificado da resposta das assistentes, veio o arguido alegar que, tendo interposto dois recursos, o primeiro em 10-05-2020 (entretanto retido), e o segundo, subsequente à prolação da sentença, em 30-06-2020, na resposta apresentada em 10-08-2020 pelas assistentes, logo no seu ponto "I. Do recurso retido", sob a epígrafe "A) DAS NULIDADES INVOCADAS", vieram as mesmas responder àquele primeiro recurso por si interposto. Sucede que, tendo o despacho de admissão de tal recurso sido notificado às assistentes em 12-05-2020, designadamente nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 411º, n.º 6, e 413º, n.º 1, o vertido no ponto assinalado da referida resposta, e, por conseguinte, também nos pontos 3º a 18º das conclusões, não tem cabimento legal, pelo que não deverá ser admitido, o que requer.
7. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo da seguinte forma (transcrição):
«Em conclusão: o recurso do arguido deverá ser julgado improcedente no que concerne ao recurso intercalar, todavia parcialmente procedente no que concerne ao mérito da decisão recorrida. A alteração factual verificada assume-se como sendo uma alteração não substancial em relação à qual foi exercido o contraditório junto do arguido recorrente. A modificação da matéria de facto como pretendido pelo arguido não poderá obter provimento porquanto o mesmo não cumpriu na sua total extensão, os requisitos previstos no art.º 412, n.ºs 3 e 4 do CPPenal, mormente não indicou e demonstrou a existência de provas que imponham decisão diversa da estabelecida. A decisão recorrida está alheia a qualquer censura no que concerne à qualificação jurídico-penal dos factos, tendo o arguido praticado os crimes pelos quais foi condenado. As penas principais aplicados apresentam-se proporcionais e necessárias, tendo em visto o disposto no art.º 71 do CPenal. Relativamente à pena acessória de proibição de contactos fiscalizada através de meios técnicos de controlo à distância, o juízo de imprescindibilidade que foi vertido na decisão recorrida não encontra fundamento na factualidade dada como provada e não identifica, sequer, os concretos direitos da vítima que com eles se pretende amparar, pelo que, nesta parte não se mostram reunidos os pressupostos para que seja dispensando o consentimento do arguido/recorrente e que não existe, quanto à utilização dos meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do disposto no art.º 7º do art.º 36, da Lei 112/2009, de 16/09, introduzido pela Lei n.º 19/2013, de 21/02. Nesta parte, o recurso merecerá provimento.»
8. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve lugar à apresentação de qualquer resposta a esse parecer.
9. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por os recursos deverem ser aí julgados, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do citado código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DOS RECURSOS

Como é jurisprudência pacífica[2], sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior.
Todavia, no caso vertente, impõe-se apreciar e decidir a questão prévia da admissibilidade do recurso da sentença no segmento relativo aos pedidos de indemnização civil.
De acordo com o disposto no art. 402º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão, ressalvando, no entanto, o preceituado no artigo seguinte, segundo o qual o recorrente pode limitar o recurso a uma parte da decisão, desde que ela possa ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas, como sucede, nomeadamente, com a parte da decisão que se referir a matéria penal e a matéria civil.
O arguido não limitou o recurso à parte criminal, insurgindo-se também contra a sentença recorrida na parte que o condenou a pagar às assistentes e simultaneamente demandantes civis A. M. e A. G. a quantia de, respetivamente, € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) e 1.200,00 (mil e duzentos euros), acrescida de juros de mora, quantias essas contra as quais o recorrente se insurge, por as considerar manifestamente exageradas (conclusão 56ª).
Ora, nessa matéria, o art. 400º, n.º 2, do Código de Processo Penal estabelece regras idênticas às do processo civil, estipulando que, sem prejuízo do disposto nos art.s 427º e 432º (manifestamente inaplicáveis ao caso vertente), o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível se o valor do pedido for superior ao da alçada do tribunal recorrido e se a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
O art. 44º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto), em matéria cível, fixou a alçada dos tribunais de primeira instância em € 5.000,00.
Por conseguinte, a recorribilidade da decisão de primeira instância, relativa ao pedido de indemnização civil deduzido no processo penal, depende da verificação cumulativa de duas condições: que o pedido formulado seja superior a € 5.000,00 e que o decaimento para o recorrente seja superior a € 2.500,00.
Na situação em apreço, o valor do pedido de indemnização civil deduzido por cada uma das demandantes é de € 4.000,00, tendo o arguido e demandado sido condenado a pagar, a uma delas da quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), e à outra a quantia de 1.200,00 (mil e duzentos euros), sendo, pois, estes os valores do respetivo decaimento.
Assim sendo, não se mostram verificadas as duas condições enunciadas, termos em que o recurso sobre a decisão proferida em matéria cível não é admissível.
Nos termos do art. 420º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, o recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do art. 414º, onde se inclui a irrecorribilidade da decisão.
Impõe-se, pois, rejeitar o recurso da sentença na parte relativa aos pedidos de indemnização civil, por a decisão não ser recorrível, não se conhecendo dele, sem prejuízo, naturalmente, das consequências a extrair de uma eventual absolvição do arguido na parte criminal.
Posto isto, atenta a conformação das conclusões formuladas pelo recorrente, bem como a inadmissibilidade do recurso na parte relativa aos pedidos de indemnização civil, importa conhecer das seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência:

Quanto aos recursos interlocutórios, saber:

a) - Se havia fundamento para permitir ao arguido apresentar "nova contestação", com base na prorrogação do respetivo prazo, na suspensão do mesmo ou ainda em justo impedimento;
b) - Se havia fundamento para deferir as diligências de prova requeridas pelo arguido;
c) - Se a realização da audiência de julgamento podia ter lugar presencialmente, ao abrigo do disposto no art. 7º, n.º 7, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março;

No âmbito do recurso interposto da decisão final, saber:

d) - Se a sentença recorrida padece de nulidade por ter condenado o arguido por factos não descritos da acusação fora dos casos e das condições previstos nos arts. 358º e 359º do Código de Processo Penal e também por omissão de pronúncia;
e) - Se existe erro de julgamento da matéria de facto;
f) - Se não estão preenchidos os elementos típicos dos crimes de ameaça e de ofensa à integridade física;
g) - Se não há fundamento para a aplicação dos meios técnicos de controlo à distância.

Refira-se que o teor do alegado nas conclusões 3ª e 4ª do recurso da sentença não é suscetível de ser apreciado no âmbito do mesmo, porquanto:

- O arguido não recorreu tempestivamente do despacho proferido na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 11-05-2020, a indeferir a nulidade/irregularidade por ele invocada nesse momento, com fundamento na realização da audiência na pendência do recurso interlocutório por ele interposto, em seu entender com efeito suspensivo do processo;
- O despacho que admitiu o recurso interlocutório a subir diferidamente, foi objeto de reclamação, já desatendia por decisão do Exmo. Vice-Presidente desta Relação (cf. apenso B).
Assim, é descabida a pretensão do recorrente, expressa na referida conclusão 4ª, de que «[a]tendendo a que o Arguido, como todo o devido respeito - que é muito -, não consegue compreender nem com isto se conformar, certamente que V. Exas., Venerandos Desembargadores, alguma luz lançarão sobre tal situação, mormente a bem da Justiça, o que se invoca e requer para todos os devidos e legais efeitos, mormente revogando-se tais decisões e demais necessário a expurgar todos os seus efeitos, sob pena de esvaziamento, designadamente, do n.º 1, do artigo 407º e do n.º 3, do artigo 408º, ambos do CPP;».

2. DAS DECISÕES RECORRIDAS

2.1 - São do seguinte teor os despachos recorridos, visados nos recursos interlocutórios (transcrição):
2.1.1 - Despacho proferido no dia 29-04-2020:
«Fls 513 a 517: Admito contestação e rol de testemunhas (artº 315º CPP).
Notifique.
*
O arguido J. R. veio sustentar que a contestação que apresentou é de natureza provisória, reservando-se a faculdade de apresentar nova contestação “quando existirem condições para tanto”.
Alega que procedeu à substituição do seu defensor, o que, só por si, poderia fundamentar o pedido de prorrogação do prazo para contestar.
Em segundo lugar, devido à situação de pandemia, o prazo para apresentar a contestação, incluindo para os processos urgentes, suspendeu-se (artº 7º nº 5 da Lei nº1- A/2020, de 19 de Março).
Em terceiro lugar, alega que para preparar a sua defesa teve de contactar e reunir com pessoas, mormente com o seu defensor, obter documentos e informações (incluindo dados pessoais como nomes e morada de testemunhas), bem como proceder a todas as averiguações necessárias ao exercício dos seus direitos, o que -como é notório- não esteve em condições de fazer. Por tal razão, entende que ocorre justo impedimento.
Apreciando.
Relativamente ao primeiro argumento, desde já se diga que a substituição de defensor não tem qualquer influência no prazo para apresentação da contestação. De resto, o arguido encontra-se representado pelo seu atual mandatário pelo menos desde a prolação do despacho de recebimento da acusação e designação de datas para realização da audiência de julgamento, pelo que não se vislumbra qual o alcance do alegado nesta matéria.
Vejamos agora, de perto, a questão da suspensão do prazo para apresentar a sua contestação.
O arguido J. R. foi notificado do despacho de designação de datas para realização da audiência de julgamento em 29/02/2020 (cfr. fls 508), dispondo de um prazo de 20 dias para apresentar contestação (artº 315º/1 CPP).
Tal prazo suspendeu-se, efetivamente, em 9 de Março de 2020, por força do disposto no artº 7º nº5 da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março conjugado com o artº 5º da Lei nº 4- A/2020, de 6 de Abril.
Porém, com a entrada em vigor da Lei nº 4-A/2020, de 6 de Abril, no dia 7 de Abril de 2020, os prazos dos processos urgentes-como é o caso dos presentes autos-, deixaram de estar suspensos, retomando o seu normal curso (cfr. arts 2º, 6º nº2 e 7º da Lei nº 4-A/2020, de 6/04).
Assim sendo, mesmo salvaguardando o período de suspensão que vigorou entre 9 de Março de 2020 e 6 de Abril de 2020, constata-se que o prazo de 20 dias para o arguido apresentar a sua contestação já decorreu, pelo que não lhe assiste o direito de apresentar nova contestação.
Em terceiro lugar, invoca o arguido o justo impedimento para apresentar a sua contestação.
Dispõe o artigo 107º/2 do Código de Processo Penal que os atos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior (autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que o ato respeitar), a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove o justo impedimento.
Por sua vez, nos termos do nº 3 do referido normativo, o requerimento referido no número anterior é apresentado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento.
A lei processual penal não dá qualquer critério para definição de justo impedimento, sendo também muito sucinta sobre a tramitação do incidente, pelo que temos de nos socorrer das disposições do Processo Civil.
Dispõe o artº 140º/1 CPC que “Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato.”
Nos termos do nº 2 do referido normativo, “A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o ato fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.”
Na sequência da situação de pandemia derivada da COVID-19 por todos conhecida, o DL nº 10-A/2020, de 13 de Março, veio, no seu artigo 14º nº 1, estabelecer determinados fundamentos para o justo impedimento relacionados com tal pandemia.

No caso vertente, o arguido não invoca tais fundamentos, sendo certo que também não tem aplicação o artº 15º do mencionado diploma, uma vez que as instalações do Tribunal Judicial de Braga nunca estiveram encerradas.
Dito isto, a alegação genérica de que “para preparar a sua defesa teve de contactar e reunir com pessoas, mormente com o seu defensor, obter documentos e informações (incluindo dados pessoais como nomes e morada de testemunhas), bem como proceder a todas as averiguações necessárias ao exercício dos seus direitos, o que-como é notório- não esteve em condições de fazer” não é, evidentemente, suscetível de consubstanciar o conceito de justo impedimento, por variadíssimos motivos.
Desde logo, contrariamente ao invocado, não é notório que o arguido tivesse sido impedido de apresentar a sua contestação, tanto mais que o fez em tempo oportuno.
Por outro lado, a situação em que o arguido se encontrava não diferia da dos demais arguidos que tinham que apresentar a sua contestação durante o período de pandemia ou, pelo menos, ele não concretizou tal diferença. Ora, o legislador não consagrou, no respetivo diploma legislativo, um fundamento genérico de “justo impedimento” decorrente da situação de pandemia em que nos encontramos.
Assim sendo, não assiste ao arguido qualquer direito de apresentar uma “nova contestação”, pelo que, nesta parte, indefere-se o requerido, sem prejuízo, evidentemente, de poder juntar determinados documentos, como protestou fazer, desde que os mesmos sejam importantes para a descoberta da verdade material.
Notifique.
*
Veio o arguido J. R., na contestação que apresentou, solicitar a realização de múltiplas e variadas diligências de prova.
Apreciando.

Estatui o artº 340º nº 4 do CPP que “Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:

a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa;
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.”

O processo penal mais não é do que um equilíbrio entre a necessidade de celeridade processual (a justiça deve ser feita em tempo útil, prevalecendo cada vez mais a ideia que justiça tardia não é justiça, o que implica que o Tribunal deve combater as estratégias processuais que passam por prolongar indefinidamente os processos e, em particular, os julgamentos) e a necessidade de respeito pelas garantias processuais dos arguidos.
Vejamos, então, o que os autos espelham.
O arguido J. R. encontra-se acusado da prática, em concurso efetivo, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artº 152º nºs 1 a), 2 a), 4 e 5 CP e de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artº 152º nºs 1 d), 2 a), 4 e 5 CP (cfr. despacho de recebimento da acusação de fls 504 e 505).
Alguns dos factos de que está acusado ocorreram no dia 15 de Maio de 2019 no parque de estacionamento do Hospital Escala de Braga.
Outros desses factos tiveram lugar no dia 20 de Maio de 2019, pelas 11h30, quando as assistentes estavam paradas nos semáforos, na Avenida ..., em Braga, no interior de um veículo automóvel e se deslocavam à Conservatória do Registo Civil, sita no ...shopping em Braga.
Tendo isso em consideração, é manifesto que algumas das diligências probatórias requeridas poderão ter algum interesse, mas outras são irrelevantes ou supérfluas, inadequadas, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou têm finalidade meramente dilatória.
Entre as primeiras, isto é, entre as diligências que poderão ter interesse, conta-se a inquirição dos elementos de segurança do parque de estacionamento do Hospital de Braga e dos agentes da PSP que se deslocaram ao mesmo.
Concomitantemente, poderá também ter interesse a inquirição dos agentes da PSP que tiveram intervenção no ocorrido no dia 20 de Maio de 2019, pelas 11h30.
Todas as demais diligências deverão ser indeferidas.
Desde logo, no que concerne à solicitação das imagens de videovigilância respeitantes ao dia 15 de Maio de 2019 e ao dia 20 de Maio de 2019, importa sublinhar que trata-se de um meio de prova legalmente inadmissível e, enquanto tal, de obtenção impossível. Na verdade, face à legislação em vigor, o prazo de conservação das imagens de videovigilância é necessariamente curto, oscilando, em regra, entre os 30 e os 90 dias, findo o qual deverão ser destruídas.
No caso vertente, já decorreu praticamente um ano desde as mencionadas datas, pelo que o prazo de conservação das imagens de videovigilância (a terem existido, o que se desconhece) encontra-se completamente esgotado.
Coisa diferente seria se tivesse sido proferido, em tempo oportuno, um despacho judicial de conservação das referidas imagens, o que não ocorreu, pois tal não foi requerido.
Por outro lado, de acordo com um juízo de proporcionalidade, não se justifica que seja o tribunal (e muito menos o Hospital de Braga) a indagar se existem testemunhas de outros serviços (para além dos serviços de segurança) que presenciaram o ocorrido no respetivo parque de estacionamento, pois essa é tarefa do arguido, que não carece de auxílio para o efeito.
Prosseguindo, deve dizer-se que para apurar se o arguido cometeu o(s) crime(s) de que se encontra acusado é completamente inócuo e irrelevante saber qual o motivo da deslocação das assistentes à Conservatória do Registo Civil, sita no ...shopping, em Braga, tanto mais que, de acordo com a acusação, os factos nem sequer ocorreram no interior dessa conservatória, muito menos se justificando que tenham que juntar documentos comprovativos dessa deslocação.
Do mesmo modo, é inadequado e supérfluo ordenar a notificação do Hospital de Braga para identificar nos autos todo o pessoal que assistiu a assistente A. G. para serem ouvidos como testemunhas, bem como para juntar aos autos as imagens dos ferimentos após limpeza/desinfeção e antes de suturação e aplicação de qualquer outro produto/proteção, designadamente compressas.
Na verdade, em primeiro lugar, não se vislumbra que, decorrido cerca de um ano, os enfermeiros/médicos que prestaram assistência à ofendida A. G. se lembrem do que quer que seja, tanto mais que prestar assistência a feridos (de agressões ou não) é o seu trabalho diário e o caso vertente não assume contornos que permitam diferenciá-los dos demais.
Do mesmo modo, não se afigura que tais profissionais de saúde tivessem fotografado a assistente A. G.. Tais fotografias, a existirem, já teriam sido juntas aos autos.
Independentemente do exposto, a assistente A. G. foi submetida a exame médico-legal para aquilatar das lesões que apresentava e o competente relatório médico-legal já se encontra junto aos autos (cfr. fls 404 a 405). Para além de tal relatório, encontram-se ainda juntos aos autos registos clínicos da ofendida respeitantes ao dia em causa (cfr. fls 398). Assim, nesta matéria, qualquer outro meio de prova, para além de obtenção muito duvidosa, seria manifestamente supérfluo.
Por último, o arguido J. R., com base na circunstância de constar da acusação que as assistentes eram dele economicamente dependentes, requer múltiplos meios de prova tendentes a infirmar tal realidade, nomeadamente, extratos de contas bancárias tituladas pelas assistentes e por M. H. desde 1989; listagens das contribuições à Segurança Social; declarações de IRS e notas de liquidação e recibos de retribuições da assistente A. G..
Neste particular, começa por estranhar-se a referência à filha do arguido, M. H., uma vez que a mesma não é ofendida nos presentes autos.
Em segundo lugar, a assistente A. M. é ou, pelo menos, foi cônjuge do arguido, tendo a acusação sido recebida, no que a ela respeita, pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artº 152º nºs 1 a), 2 a), 4 e 5 CP (cfr. despacho de fls 504 e 505), tanto mais que a dependência económica alegada não vem suficientemente caracterizada/concretizada na acusação. Desta perspetiva, a eventual dependência económica sempre será indiferente para o preenchimento dos elementos típicos do crime de violência doméstica no que a esta assistente concerne.
No que toca à assistente A. G., a dependência económica, pese embora também insuficientemente caracterizada na acusação, tem efetivamente relevância para o preenchimento dos elementos típicos do crime de violência doméstica.
Contudo, não se justifica, por ora, o deferimento das diligências requeridas, pois a mera inquirição da assistente A. G. poderá permitir aquilatar se a mesma estava ou não empregada e qual o salário que auferia, afastando, porventura, tal dependência económica e, consequentemente, o tipo legal de crime de violência doméstica, levando a uma alteração da qualificação jurídica dos factos a ela respeitantes.
O deferimento de tais diligências (ou de parte delas) só se justificará caso, após a inquirição da assistente A. G., não seja possível afastar a alegada dependência económica ou existam dúvidas sobre tal dependência.

Em face do exposto:
a) Oficie ao Hospital de Braga para, com urgência (atenta a data designada para realização da audiência de julgamento), identificar os elementos que prestavam serviços de segurança no parque de estacionamento do hospital no dia 15 de Maio de 2019, a fim de os mesmos serem inquiridos como testemunhas.
b) Com cópia da acusação, oficie à PSP de Braga para identificar, com urgência, os agentes que se deslocaram ao parque do estacionamento do Hospital de Braga no dia 15 de Maio de 2019, bem como os agentes que terão tido intervenção no ocorrido no dia 20 de Maio de 2019, pelas 11h30, devendo os mesmos ser notificados para comparecerem neste tribunal a fim de serem inquiridos como testemunhas.
No mais, indeferem-se as diligências de prova requeridas.
Notifique.»

2.1.2 - Despacho proferido no dia 05-05-2020:
«O arguido J. R. encontra-se acusado da prática, em concurso efetivo, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artº 152º nºs 1 alínea a), 2 alínea a), 4 e 5 do CP e de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artº 152º nºs 1 alínea d), 2 alínea a), 4 e 5 do CP.

Na sequência das alterações introduzidas pela Lei nº4-A/2020, de 6/04, o artº 7º nº7 da Lei nº 1-A/2020, de 19/03 passou a dispor que “Os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:

a) Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b) Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, pode realizar -se presencialmente a diligência desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes;
c) Caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos previstos nas alíneas anteriores, aplica -se também a esses processos o regime de suspensão referido no n.º 1.”

Os presentes autos revestem natureza urgente.

No caso vertente, entende-se que a audiência de julgamento não deverá realizar-se através de meios de comunicação à distância atenta a natureza dos factos, o elevado número de testemunha a inquirir e, sobretudo, os múltiplos problemas técnicos que o uso da plataforma webex tem evidenciado.
Não obstante, afigura-se estar preenchida a previsão da alínea b) do nº7 do artº 7º da Lei nº1-A/2020, de 19/03.

Na verdade, o arguido J. R. encontra-se sujeito às seguintes medidas de coação:

a) Relativamente à assistente A. M.: Não permanecer na residência onde habite A. M.; não se aproximar da residência atual e local de trabalho da ofendida A. M., a uma distância inferior a 400 metros; proibição de se aproximar da ofendida A. M. a uma distância inferior a 400 metros ou de a contactar por qualquer meio, seja por telefone, correspondência ou qualquer outro meio de comunicação ainda que à distância, medidas cuja fiscalização está a ser efetuada por meios técnicos de controlo à distância.
b) Relativamente à assistente A. G.: Não permanecer na residência e local de trabalho da ofendida A. G.; não se aproximar da residência e local de trabalho da ofendida A. G., a uma distância inferior a 400 metros; proibição de se aproximar da ofendida A. G. a uma distância inferior a 400 metros ou de a contactar por qualquer meio, seja por telefone, correspondência ou qualquer outro meio de comunicação ainda que à distância ou por interposta pessoa.
Como fundamento da aplicação de tais medidas de coação considerou-se existir perigo de continuação da atividade criminosa. Tal perigo continua a existir.
Assim sendo, face ao elevado número de testemunhas a inquirir e com vista a evitar a aglomeração de pessoas, determina-se que na primeira data designada (11/05/2020, às 14h00) sejam ouvidos apenas o arguido, as assistentes e as testemunhas de acusação, devendo as restantes testemunhas (arroladas pela defesa) ser ouvidas na segunda data designada para realização da audiência de julgamento (18/05/2020, às 14h00).
Deverá a secção tomar as providências adequadas a que não haja aglomeração ou ajuntamento de pessoas no átrio do Tribunal antes da sua chamada para serem inquiridas, as quais deverão manter uma distância entre si de pelo menos 2 metros, determinando, se necessário, que algumas delas aguardem na rua a sua vez de entrada no Tribunal.
Notifique.
D.N»

2.1.3 - Despacho proferido no dia 07-05-2020:

«Veio o arguido J. R. requerer que sejam dadas sem efeito as datas designadas para a realização da audiência de julgamento até serem decididas todas as questões levantadas, bem como os respetivos recursos, pois o despacho que determinou o prosseguimento dos autos e manteve tais datas padece de nulidades/irregularidades.
Alega para tanto que, contrariamente ao sustentado, não se encontra preenchida a previsão da alínea b) do nº 7 do artº 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19/03.
Em segundo lugar, o despacho é omisso quanto às recomendações das autoridades de saúde e às orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
Em terceiro lugar, irá apresentar recurso relativamente aos despachos de 29/04/2020 e de 5/05/2020, cujos efeitos terão de ser forçosamente suspensivos do processo.
Em quarto lugar, é notório que todas as informações, notificações e elementos probatórios ainda não constam do processo.
Por último, pode existir alguém que esteja infetado pelo Covid-19, pertencente a algum grupo de risco e até eventualmente ainda se encontrar na respetiva residência.
Apreciando.
Salvo o devido respeito, o despacho proferido em 5/05/2020 é perfeitamente claro quanto aos motivos pelos quais o tribunal manteve as datas designadas para realização da audiência de julgamento e a argumentação do arguido não tem a virtualidade de o pôr minimamente em causa.
De qualquer forma, face a tal argumentação, impõe-se tecer algumas considerações adicionais, necessariamente muito breves. Ora, relativamente aos processos urgentes, estatui o artº 7º nº7 alínea b) da Lei nº 1- A/2020, de 19/03 que, nos processos urgentes, “Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, pode realizar -se presencialmente a diligência desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
Não se percebe como pode o arguido sustentar que não está em causa a liberdade e a integridade física dos intervenientes.
Desde logo, está em causa a liberdade dele próprio. Na verdade, a liberdade comporta várias dimensões, não se prendendo apenas com o facto de determinado interveniente processual estar preso ou confinado à sua habitação. O arguido J. R. está sujeito a medidas de coação fortemente limitadoras da sua liberdade, nomeadamente, da sua liberdade de circulação. O cumprimento de algumas dessas medidas está, inclusive, a ser monitorizado através de meios técnicos de controlo à distância.
Muito se estranha, por conseguinte, a posição assumida pois ele deveria ser o primeiro a pugnar pela realização da audiência de julgamento no mais curto espaço de tempo possível.
Como é óbvio, esse não é, porém, o principal problema.
Na acusação deduzida pelo MP, são descritas várias ofensas à integridade física de ambas as assistentes, perseguições e ameaças de morte.
Considerou-se existir perigo de continuação da atividade criminosa, o qual fundamentou a aplicação de várias medidas de coação, bastante gravosas e cujos prazos máximos coincidem, inclusive, com os prazos de duração máxima da prisão preventiva-cfr. artº 218º nº2 do CPP.
Ora, se tais medidas de coação se mantêm, num raciocínio silogístico, isso significa que subsiste tal perigo, o mesmo é dizer, perigo de o arguido continuar com as ofensas à integridade física de ambas as assistentes, com as perseguições e as ameaças de morte e, consequentemente, perigo para a integridade física e para a liberdade (o crime de ameaça é, de resto, um crime contra a liberdade pessoal) das próprias, o que conduz a que se tenha por preenchida a previsão da alínea b) do nº 7 do artº 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19/03.
É claro que poderá dizer-se que tais perigos estão atenuados precisamente por força da aplicação das medidas de coação impostas ao arguido. Porém, atenuação não significa eliminação do perigo.
Não é igualmente verdade que o anterior despacho não tenha tido em conta as recomendações das autoridades de saúde ou do CSM, pois dividiram-se os intervenientes pelas duas sessões da audiência de julgamento com vista a evitar a aglomeração de pessoas e ordenou-se à Secção de Processos que tomasse as providências adequadas a evitar o ajuntamento de pessoas no átrio do Tribunal antes da sua chamada para serem inquiridas, que as mesmas mantivessem uma distância entre si de pelo menos 2 metros e, se necessário, que algumas delas aguardassem na rua a sua vez de entrada no Tribunal.
Em terceiro lugar, alega o arguido que irá recorrer dos despachos proferidos em 29/04/2020 e 5/05/2020 e que os efeitos de tais recursos terão de ser suspensivos do processo.
Pois bem. Sempre que o Tribunal tem de decidir determinada questão não está (nem tem de estar!) preocupado com eventuais recursos que possam ser interpostos dessas mesmas decisões. Fá-lo de acordo com a lei e em consciência, não devendo o sentido da decisão ser influenciado (muito menos alterado) pela possibilidade (maior ou menor) de os sujeitos processuais recorrerem do que quer que seja. E também não lhe compete equacionar ou antecipar os efeitos de um recurso que, neste momento, pura e simplesmente, não existe. Dito de forma simples: não cabe ao Tribunal fazer futurologia.
Em quarto lugar, na sequência do despacho proferido em 29/04/2020, as únicas diligências em curso prendem-se com a identificação de outras eventuais testemunhas dos factos descritos na acusação, testemunhas que nem sequer é certo que existam, mas que o Tribunal, face ao que foi requerido pelo arguido, achou por bem tentar encontrar. Tal não é impeditivo da realização da audiência de julgamento.
Por último, alega o arguido que pode existir alguém que esteja infetado pelo Covid19, pertencente a algum grupo de risco e até eventualmente ainda se encontrar na respetiva residência.
É o único aspeto em que concordamos com o arguido. Efetivamente, pode. É uma realidade com que teremos de conviver nos tempos mais próximos, não sendo essa mera possibilidade o critério legal para adiar ou prosseguir com as diligências no âmbito de determinado processo que é legalmente classificado como urgente.
Ao Tribunal cabe apenas tentar diminuir o risco de um eventual contágio e fazer cumprir a lei.
Foram precisamente essas duas preocupações que estiveram subjacentes ao despacho proferido em 5/05/2020, preocupações que estão claramente plasmadas no mesmo e que são facilmente inteligíveis por qualquer sujeito ou interveniente processual, incluindo o arguido e/ou o seu mandatário.
Assim sendo e, por não se verificar qualquer nulidade ou irregularidade, nomeadamente as invocadas, indefere-se o requerido.
Notifique.»

2.2 - Por seu lado, da sentença recorrida consta a seguinte fundamentação de facto (transcrição):

«1. Factos provados:
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido J. R. e a assistente A. M. casaram no dia - de Janeiro de 1989.
2. Desse casamento nasceram duas filhas, a assistente A. G., em - de Novembro de 1989 e M. H., em - de Junho de 1994.
3. Durante o início do casamento, a assistente A. M. e o arguido residiram na Suíça, tendo regressado a Portugal quando a assistente A. G. tinha 3 anos de idade.
4. Quando regressaram a Portugal, passaram a residiram na Rua …, Braga.
5. Desde que passaram a viver em Portugal, o arguido J. R. denotou ser uma pessoa com personalidade violenta, agressiva, controladora e autoritária no trato diário com a assistente A. M..
6. Na verdade, era frequente o arguido J. R. ralhar com a assistente A. M. a propósito do trabalho doméstico.
7. Em data não concretamente apurada, mas situada entre 2008 e 2009, a assistente A. M. e o arguido foram visitar a mãe deste à Clínica de ..., em Braga.
8. Após tal visita, quando já se encontravam a caminho de casa, sozinhos, no interior do veículo automóvel, na sequência de uma discussão, o arguido J. R. desferiu pelo menos duas bofetadas na face da assistente A. M., ao mesmo tempo que a apodou de “filha da puta” e “múmia”.
9. A agressão de que foi alvo provocou algumas dores físicas à assistente A. M., apesar de não ter necessitado de tratamento médico.
10. Desde então, o arguido J. R., sempre no interior da residência comum e, por vezes, na presença da filha menor M. H., pelo menos uma vez por mês, apodava a assistente A. M. de “filha da puta, múmia”, acrescentando que “mantinha uma burra em casa”.
11. Com o passar dos anos, a assistente A. M. foi-se acomodando à situação, anulando-se na relação.
12. Em finais de Novembro de 2018, a assistente A. M. foi testemunha, no Tribunal Judicial de Braga, num processo que opôs o arguido a uma vizinha.
13. No dia seguinte, quando iam a chegar a casa, o arguido, dirigindo-se à assistente A. M., disse-lhe: “vede lá o que fostes para lá dizer, se fostes para lá mentir, ides sair todas desta casa”.
14. Em Janeiro de 2019, a assistente A. M., a assistente A. G. e a filha do casal M. H. saíram de casa, tendo a assistente A. M. comunicado ao arguido que pretendia divorciar-se.
15. No dia 15 de Maio de 2019, por volta das 13h30m, as assistentes A. M. e A. G. deslocaram-se ao Hospital Escala de Braga.
16. No momento em que estavam a ir embora, o arguido J. R. surgiu no parque de estacionamento e agarrou a assistente A. M. por um braço, puxando-a, ao mesmo tempo que dizia: “Vamos embora. Vamos acabar com esta merda, vou levar-te para casa”, apodando-a de “filha da puta”.
17. O arguido J. R. só largou a assistente A. M. devido à presença de terceiras pessoas.
18. No dia 20 de Maio de 2019, pelas 11h30, as assistentes A. M. e A. G. deslocaram-se à Conservatória do Registo Civil, sita no ...shopping em Braga.
19. Quando se encontravam paradas nos semáforos, na Avenida ..., em Braga, no interior do veículo automóvel, sem que nada fizesse prever, o arguido J. R. aproximou-se, abriu a porta traseira e introduziu-se no interior do veículo automóvel.
20. Uma vez no interior do referido veículo, o arguido J. R. tentou agarrar a assistente A. M..
21. Apercebendo-se disso, a assistente A. G., que conduzia o veículo automóvel, tentou apartar o pai, tendo o arguido agarrado a cabeça da filha, puxado os seus cabelos, arranhando-a ainda, com força, na face, pondo-a a sangrar.
22. Enquanto se degladiavam no interior do veículo automóvel, o arguido apodava as assistentes de “filhas da puta”, ao mesmo tempo que ameaçava matá-las.
23. O arguido mais ameaçou que espatifava o carro todo.
24. O arguido continuou a perseguição de carro às assistentes, ainda tendo proferido a seguinte ameaça junto ao Banco de Portugal: “eu vou morrer, mas vocês também vão morrer”.
25. Como consequência direta e necessária da agressão, a assistente A. G. sofreu na região infraorbitária direita um steri-strip com 2cm por 0,5cm transversal e no ângulo medial do olho direito um steri-strip com 2cm por 0,5cm vertical, tendo tido necessidade de receber tratamento hospitalar no Hospital Escala de Braga.
26. As lesões provocadas pelo arguido à assistente A. G. determinaram-lhe um período de 10 dias para consolidação médico-legal, sem afetação da capacidade para o trabalho geral e profissional.
27. No dia 5 de Junho de 2019, decorreu no Tribunal de Família e Menores de Braga tentativa de conciliação no processo de divórcio da assistente A. M. e do arguido J. R., tendo a assistente, com receio, solicitado a presença de agentes da PSP.
28. Em data não concretamente apurada do ano de 2019, o arguido J. R. enviou uma mensagem telefónica à assistente A. G., dizendo-lhe: “vou-te matar, se não levares a tua mãe para casa, vou fazer um escândalo no teu local de trabalho”.
29. Durante o ano de 2019, chegou a deslocar-se mais do que uma vez ao local de trabalho da assistente A. G., com intuito de saber onde a mesma residia.
30. Em consequência, a assistente A. G. chegou a trocar de carro com os colegas de trabalho para despistar o arguido e, assim, evitar que ele descubra onde atualmente reside.
31. O arguido J. R. sabia que as assistentes eram sua mulher, mãe das suas filhas e também a sua filha mais velha e que, por esse motivo, devia tratá-las com carinho e respeito acrescidos.
32. Não obstante, atuou com o intuito de maltratar física e psicologicamente a sua esposa A. M., sabendo que afetava a sua saúde física e psíquica.
33. Atuou ainda com o propósito de amedrontar e atingir a integridade física da sua filha A. G..
34. Agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Mais se provou que:

35. Em consequência do comportamento do arguido J. R., as ofendidas A. M. e A. G., para além de dores físicas, sentiram-se muito angustiadas, nervosas, humilhadas, vexadas, desgostosas e tristes.
36. Perante as ameaças de morte e as agressões físicas perpetradas pelo arguido, sentiram muito medo, temendo pela própria vida.
37. As agressões físicas a que a assistente A. G. foi sujeita causaram-lhe marcas visíveis nas regiões afetadas, constrangendo-a no convívio com terceiros.
38. O arguido J. R. não tem antecedentes criminais.
39. É serralheiro por conta própria, mas, atualmente, não trabalha por falta de condições psicológicas.
40. Na verdade, em 23 de Maio de 2019, foi diagnosticada ao arguido uma Perturbação Mista Ansiosa e Depressiva reativa a situação de conflito familiar. O pensamento era ruminativo, com ideação recorrente de morte, não estruturada.
41. É divorciado.
42. Vive, em casa própria, das poupanças que conseguiu amealhar.
43. A assistente A. M. é doméstica e também vive das poupanças que conseguiu amealhar.
44. A assistente A. G. é “personal trainer”, auferindo mensalmente entre €700,00 a €800,00.
45. É solteira e não tem filhos.
46. As assistentes A. M. e A. G. vivem em casa arrendada, ascendendo a renda a €430,00 mensais.
*
2. Factos não provados:

Não se provou que o arguido J. R. tivesse relações sentimentais com outras mulheres.
Não se provou que as assistentes A. M. e A. G. dependessem economicamente do arguido J. R..
Não se provou que, no dia 1 de Setembro de 2018, o arguido J. R. tivesse apodado a assistente A. M. de “maluca” nem que tivesse dito “eu chego mas é fogo à casa, vós não ides ficar a gozar com o que é meu”, designadamente por a assistente se ter recusado a falar com uma vizinha.
Não se provou que desde que a assistente A. M. saiu de casa, o arguido J. R. tivesse começado a persegui-la pela cidade de Braga.
Não se provou que, no dia 15 de Maio de 2019, o arguido J. R. tivesse dito à assistente A. M.: “a minha casa está abandonada, não tenho ninguém que lave a roupa, que passe a roupa, que cozinhe”.
Não se provou que, no dia 20 de Maio de 2019, o arguido J. R. tivesse desferido um murro na face de A. G..
Não se provou que, nessa data, tivesse apelidado as assistentes A. M. e A. G. de “putas” e “cabras”.
*
3. Motivação:

O arguido J. R. recusou-se a prestar declarações no uso de um direito que, por lei, lhe assiste, à exceção dos factos respeitantes à sua situação pessoal e económica.
Assim, a convicção do tribunal quanto aos factos provados baseou-se, antes de mais, no depoimento preciso, seguro e, por conseguinte, credível da assistente A. M., a qual descreveu a relação com o arguido ao longo do tempo, as agressões físicas e verbais de que foi alvo, as circunstâncias que rodearam a prática das mesmas, a sua frequência e as consequências que delas resultaram, tudo em consonância com o que foi dado como provado.
Em particular, reportou-se ao sucedido em finais de Novembro de 2018 e ao facto de ter saído de casa juntamente com as filhas em Janeiro de 2019, desmentindo, porém, a existência de perseguições por parte do arguido.
Prosseguiu o seu depoimento, descrevendo o ocorrido no dia 15 de Maio de 2019 (não se lembrando, porém, se o arguido a apodou de “filha da puta”, o que viria a ser confirmado pela assistente A. G.) e no dia 20 de Maio de 2019 (apenas não conseguindo precisar de que forma a assistente A. G. foi agredida pelo progenitor, pois só se apercebeu do sangue na sua face).
Reportou-se aos danos psicológicos sofridos em consequência do comportamento do arguido, frisando, nomeadamente, as dores físicas, a vergonha, a humilhação, a tristeza, o desgosto e o medo que sentiu e sente (“quando puder, ele faz-me mal”), pedindo que o arguido continue proibido de a contactar.
Sublinhou ainda que era casada com o arguido no regime de comunhão de adquiridos e que tinha acesso às contas bancárias que estavam em nome de ambos, o que, desde logo, afasta qualquer situação de dependência económica.
Por último, desmentiu que costumasse responder aos insultos do arguido com outros insultos e explicou porque só saiu de casa no ano de 2019 (as filhas já eram crescidas e tinham terminado os estudos).
A ofendida A. M. teve, pois, um depoimento minucioso, circunstanciado e assaz esclarecedor. O contacto direto e imediato com a sua pessoa, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade, as reações da ofendida às perguntas que lhe eram colocadas, o modo como relatava os factos constantes da acusação e as consequências que os mesmos tiveram contribuíram para reforçar a sua credibilidade.
Em suma: não se vislumbrou no depoimento da assistente qualquer tentativa de prejudicar injustificadamente o arguido.
Em segundo lugar, baseou-se o tribunal no depoimento seguro e circunstanciado da assistente A. G..
Começou por explicar que, por várias vezes, ouviu o seu pai chamar à mãe “filha da puta”, “burra”, “múmia”, sabendo que tais insultos também eram proferidos quando não estava presente, pois, mais tarde, a mãe relatou-lhos, tal como lhe relatou os factos descritos nos nºs 7 a 9, 12 e 13 da matéria de facto provada. Acrescentou que a sua mãe não retorquia, insultando o seu pai (classificando a primeira como “submissa” e o segundo como “autoritário”).
Frisou que não dependia economicamente do pai, pois já trabalhava.
Prosseguiu o seu depoimento, descrevendo o ocorrido nos dias 15 de Maio de 2019 e 20 de Maio de 2019, de forma bastante segura e pormenorizada, em consonância com o que viria a ser dado como provado.
Confirmou a factualidade descrita nos nºs 28 a 30 da matéria de facto provada e reportou-se aos danos psicológicos sofridos por si e pela assistente A. M..
Em terceiro lugar, o tribunal levou em conta o depoimento seguro e isento da testemunha M. H., filha do arguido e da assistente A. M..
Começou as suas declarações, evidenciando que a sua mãe sempre se mostrou muito submissa em relação ao seu pai e que, por diversas vezes, mesmo quando era menor de idade, ouviu o pai apelidar a mãe de “filha da puta”, “burra”, “múmia”.
Relativamente ao dia 15/05/2019, lembra-se de ter presenciado o pai agarrar a mãe por um braço. Quanto ao dia 20/05/2019, não presenciou o sucedido, mas chegou a ver as marcas de agressão no rosto da irmã.
Terminou o seu depoimento, frisando que quer a mãe, quer a irmã, sentiam-se muito humilhadas, nervosas e amedrontadas, tendo a última ido trabalhar com marcas de agressão.
Em quarto lugar, baseou-se o tribunal no depoimento isento e imparcial da testemunha R. D., amigo da assistente A. G.. Acompanhou as assistentes ao Hospital de Braga no dia 15/05/2019, tendo presenciado o ocorrido nesse dia. Adiantou que o arguido estava completamente alterado e descontrolado, tendo agarrado a assistente A. M. pelo braço e insistido para que voltasse para casa. Lembra-se ainda que insultou-a com vários nomes, que, porém, não conseguiu precisar. Teve que levantar a voz para o arguido deixar a assistente A. M. em paz.
Não assistiu ao ocorrido no dia 20/05/2019, mas viu marcas de agressão no rosto da assistente A. G., nomeadamente, um hematoma no olho.
Apercebeu-se, por último, que a A. G. tinha medo do pai, medo que ainda hoje perdura.
Em quinto lugar, baseou-se o tribunal nas declarações da testemunha C. M., colega de trabalho da assistente A. G.. Esclareceu que foi abordada pelo arguido, mais do que uma vez, no local de trabalho, o qual pretendia saber onde se encontravam a assistente A. M. e as filhas.
Acrescentou que não presenciou a agressão do arguido à assistente A. G., mas, no Hospital de Braga, apercebeu-se que ela tinha a face toda ensanguentada.
Por último, adiantou que ambas as assistentes tinham muito medo do arguido, medo que ainda subsiste.
Em sexto lugar, levou-se em conta o depoimento da testemunha A. R., agente da PSP que se deslocou à Praça ... no dia 20 de Maio de 2019. Nessa data, a assistente A. G. disse-lhe que estava a ser seguida pelo pai e que este tinha ameaçado de morte ambas as assistentes.
Assim sendo, os depoimentos das assistentes e das testemunhas acima referidas conjugados com as regras de experiência aponta num único sentido: os factos ocorreram da forma como foram dados como provados, não se tendo suscitado ao tribunal a mais pequena dúvida a esse respeito.
Na verdade, os depoimentos das testemunhas arroladas pelo arguido, C. J. (cunhado), M. H. (irmã), M. M. (vizinho) e M. G. (vizinha) não foram suficientes para infirmar a forte convicção deixada pelos depoimentos anteriores, quer porque foram algo parciais, quer porque não demonstraram qualquer conhecimento sustentado sobre a relação entre o arguido J. R. e a ofendida A. M..
C. J. veio aos autos declarar que o arguido nunca foi uma pessoa violenta, acrescentando que costumava frequentar a residência do casal, nunca se tendo apercebido de qualquer comportamento menos correto do arguido para com a ofendida A. M. ou de problemas entre ambos. Classificou a relação conjugal como sendo uma relação “harmoniosa” e a família constituída pelo arguido, esposa e filhas como sendo uma “família alegre”.
M. H. teve um depoimento praticamente idêntico ao anterior, acrescentando ainda que tinha uma relação muito próxima com as filhas do casal, que nunca assistiu a insultos ou agressões e que nunca lhe foram transmitidos pelas ofendidas quaisquer maus tratos.
Prosseguiu, adiantando que também nunca viu o arguido ralhar com a esposa, costumando até elogiá-la (pelos dotes de boa cozinheira) e que a ofendida A. M. sempre foi uma “pessoa muito alegre”.
M. M. admitiu que não frequentava a casa do arguido, mas sublinhou que este era um bom vizinho, nunca o viu armado, não o ouviu tratar mal ninguém, nem se apercebeu de discussões ou agressões entre o casal. A ofendida A. M. parecia-lhe uma pessoa “contente” e “feliz”.
M. G. sublinhou que a ofendida A. M. não era uma pessoa triste ou cabisbaixa e que nunca lhe pareceu que o arguido J. R. fosse violento ou autoritário. Aparentemente, tratava-se de um “casal normal”. Nunca ouviu o arguido proferir quaisquer insultos, ele não tinha quaisquer problemas com álcool ou drogas e achou muito estranha a saída das ofendidas da sua residência.
Note-se que o depoimento das testemunhas arroladas pelo arguido nada tem de surpreendente, pois, nos casos de violência doméstica, é muito vulgar que a generalidade das pessoas (mesmo que tenham uma relação mais ou menos próxima com a vítima e/ou agressor) não se apercebam dos maus tratos, sobretudo quando, como é o caso, tais maus tratos são essencialmente psíquicos.
De resto, é bom não confundir relações (mais ou menos) próximas com a esfera da intimidade. As duas pessoas que viviam com o casal (as suas duas únicas filhas) corroboraram os maus tratos e fizeram-no de forma imparcial, sem qualquer hesitação.
Na verdade, não deve ignorar-se que, no crime de violência doméstica, é difícil encontrar testemunhas oculares, pelo que tal crime escapa, em larga medida, ao conhecimento público.
Por isso, a jurisprudência tem vindo a considerar que, estando em causa crimes cuja prática é menos visível ou rodeada até de certo secretismo, os depoimentos dos ofendidos devem merecer especial relevo probatório.
Tal não significa, evidentemente, como também é salientado jurisprudencialmente, que se deva ter sempre como certo que o acusado mente e a ofendida conta sempre a verdade, mas sim que o tribunal deva estar particularmente atento às declarações e à atitude de um e de outro, pois são eles, especialmente o ofendido/a, quem forma as bases em que vai assentar a convicção do julgador.
Ora, como já se evidenciou, no caso concreto, a prova existente não se circunscreve sequer às declarações da ofendida A. M., depoimento que, só por si, reputamos de bastante credível.
Diga-se, por último, que se as declarações das testemunhas arroladas pelo arguido correspondessem à realidade (a relação entre o casal era “harmoniosa”; tratava-se de uma “família alegre”) seriam completamente inexplicáveis a saída das assistentes da residência familiar, o divórcio da ofendida A. M. e do arguido, a instauração dos presentes autos e as declarações das filhas do casal.
Levaram-se ainda em conta os assentos de nascimento de fls 51 a 57, a informação clínica de fls 398, o relatório médico-legal de fls 404 e 405, a cópia da ata de tentativa de conciliação de fls 530 e 531, o relatório médico de fls 577 verso e a cópia da ata de conversão em divórcio por mútuo consentimento de fls 603 a 605, documentos devidamente analisados em sede de audiência de julgamento.
Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, o CRC de fls 517-A.
Quanto à situação pessoal, familiar, profissional e socioeconómica das assistentes A. M. e A. G. e do arguido J. R., as suas declarações, à falta de outros elementos.
No que concerne aos factos não provados, cumpre dizer que nenhuma outra prova se produziu em audiência de julgamento que permitisse dar como provados outros factos para além dos que, nessa qualidade, se demonstraram.
Em particular, não se provou que o arguido mantivesse relações extraconjugais. Nesta matéria, existem apenas suspeitas por parte das assistentes, as quais não passam disso mesmo, pois nunca foram devidamente comprovadas por elas nem confirmadas pelo arguido.»

3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

Questão Prévia

Importa começar por referir que, tal como referem o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer e o recorrente no requerimento subsequente à apresentação da resposta das assistentes ao recurso da decisão final, tal resposta é manifestamente intempestiva na parte em que as mesmas se pronunciam sobre os recursos interlocutórios, incidentes sobre os despachos de 29-04-2020, 05-05-2020 e 07-05-2020 (ponto "I. do recurso retido" e conclusões 3ª a 18ª).
Com efeito, tendo o despacho de admissão destes últimos recursos sido notificado às assistentes mediante notificação eletrónica de 12-05-2020 (ref.ª 168130034), de acordo com o disposto nos arts. 411º, n.º 6, e 413º, n.º 1, do Código de Processo Penal, compêndio legal a que pertencem os preceitos doravante citados sem menção de qualquer diploma, a resposta a tais recursos teria de ser apresentada nos 30 dias subsequentes, ou seja, até ao dia 15-06-2020 (ou, mediante o pagamento de multa, até ao dia 18-06-2020).
Sucede que a referida resposta das assistentes apenas deu entrada em 10-08-2020 (ref.ª 10374004), na sequência da notificação do despacho de admissão do recurso da sentença (lida e depositada a 26-05-2020), aproveitando as assistentes a oportunidade para responderem aos recursos retidos.
Significa sito que, sendo manifestamente intempestiva a pronúncia quanto aos recursos interlocutórios (ponto "I. do recurso retido" e conclusões 3ª a 18ª), não poderá a mesma ser tida em consideração, relevando apenas a parte que incide sobre a sentença.
Posto isto, apreciemos o mérito dos recursos, pela ordem das questões supra enunciadas.

3.1 - Da existência de fundamento para o arguido apresentar "nova contestação"

Nos recursos interlocutórios começa o recorrente por se insurgir contra a parte do despacho recorrido proferido em 29-04-2020 em que o Mmº. Juiz, entendendo que não lhe assistia qualquer direito de apresentar uma "nova contestação", lhe indeferiu tal pretensão, formulada no requerimento apresentado em 20-03-2020, acompanhado, sem prescindir e por cautela, de uma contestação de "natureza provisória".
Essa pretensão assentava num tríplice fundamento.
Em primeiro lugar, na circunstância de o arguido ter procedido à substituição do seu defensor, o que, em seu entender, poderia fundamentar o pedido de prorrogação do prazo para contestar, conforme requereu preventiva e subsidiariamente por prazo não inferior ao inicial, citando o art. 6º, n.º 3, al. b), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
No despacho recorrido, o Mmº. Juiz entendeu «(…) que a substituição de defensor não tem qualquer influência no prazo para apresentação da contestação. De resto, o arguido encontra-se representado pelo seu atual mandatário pelo menos desde a prolação do despacho de recebimento da acusação e designação de datas para realização da audiência de julgamento, pelo que não se vislumbra qual o alcance do alegado nesta matéria».
Argumenta agora o recorrente «(…) que se impunha decisão diversa, no sentido requerido pelo Arguido, designadamente porque, como se viu, nada obstava à prorrogação do prazo - fundada no facto de o Mandatário não ter acompanhado o processo desde o seu início e a inutilização da maior parte do prazo pelas circunstâncias já referidas -; a cooperação mínima que se impunha ao Tribunal a quo esclarecendo aquilo que lhe foi requerido pelo Arguido; e ademais declarando o justo impedimento de carácter notório e excecional; ou, em qualquer dos caso, decidindo-o em tempo útil, não defraudando as legítimas expetativas e confiança depositada, sob pena de violação das garantias legais e constitucionais do Arguido e demais aplicável, designadamente o disposto no artigo 6º, n.º 3, al. b), da CEDH e artigos X e XI da DUDH;».
A decisão do Mmº. Juiz afigura-se-nos inteiramente correta, porquanto, efetivamente, inexiste normativo legal ou princípio geral que preveja qualquer influência da substituição do defensor do arguido no decurso do prazo para contestar, sendo até absurdo cogitar qualquer exigência no sentido de o defensor do arguido ter de acompanhar o processo desde o início.
Com efeito, o Código de Processo Penal apenas regula a situação de se revelar impossível ou inconveniente a nomeação imediata de outro defensor, em substituição do anterior que, relativamente a um ato em que a assistência seja necessária, não compareça, se ausente antes de terminado, recuse ou abandone a defesa, caso em que pode ser decidido interromper a realização do ato (cf. art. 67º, n.º 1). Bem como a situação de, sendo o defensor substituído durante o debate instrutório ou a audiência de julgamento, poder ser concedida, oficiosamente ou a requerimento do novo defensor, uma interrupção para que aquele possa conferenciar com o arguido e examinar os autos (n.º 2 do mesmo artigo), podendo ainda, em caso de absoluta necessidade, o tribunal adiar o ato ou a audiência, por um prazo não superior a cinco dias (n.º 3).
Contrariamente a essas situações expressamente previstas e reguladas na lei, esta não estabelece qualquer consequência da substituição de defensor que ocorra em qualquer outro momento, mormente durante o prazo de apresentação da contestação. Nem tal se justifica em nome de qualquer princípio estruturante do processo penal.
O que facilmente se compreende, sob pena de estar encontrada a forma de obter sucessivas prorrogações desse prazo, o que seria intolerável.
Aliás, nem o recorrente aduz qualquer fundamento legal nesse sentido, sendo certo que o invocado art. 3º, n.º 3, al. b), da CEDH se limita a estatuir que "[o] acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos: (…); b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa", sendo, por seu turno, manifestamente inaplicáveis ao caso os genericamente invocados artigos X e XI da DUDH, uma vez que dispõem sobre o direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, o direito de presunção de inocência, o princípio da legalidade e o princípio da não retroatividade na aplicação da pena.

No caso em apreço, não se vê em que medida a substituição do defensor, tanto mais que por iniciativa do arguido, possa afetar qualquer desses direitos ou garantias, inclusivamente os relativos à preparação da defesa.
Ademais, como também assertivamente refere o Mmº. Juiz, tal substituição teve lugar bastante tempo antes do início do prazo de apresentação da contestação.
Na verdade, tendo o arguido constituído advogada no dia 16-07-2019, aquando do primeiro interrogatório judicial de arguido detido (cf. procuração de fls. 219), e tendo a mesma substabelecido no atual advogado do arguido em 12-02-2020 (cf. substabelecimento de fls. 501), o certo é que este último apenas se considera notificado do despacho que designou data para audiência no dia 29-02-2020 (cf. prova de depósito de fls. 508 e art. 133º, n.º 3, parte final, e n.º 10), pelo que o prazo para contestar apenas se iniciou em 01-03-2020 (cf. art. 315º, n.º 1).
Não se alcança, pois, em que medida a referida substituição de defensor possa ter dificultado minimamente o direito do arguido em preparar a defesa que pretendia explanar na contestação, sendo até incompreensível e despropositada a invocação de tal fundamento, só compreensível pela ânsia de ver engrossado o rol dos argumentos destinados a fundamentar o pedido de apresentação de "nova contestação".
Igualmente descabida é a exigência do recorrente no sentido de o tribunal apreciar o seu requerimento antes do decurso do prazo da contestação, porquanto, se assim fosse, também estaria encontrada a forma de obter prorrogações dos prazos, bastando apresentar requerimentos infundados a solicitá-las, designadamente próximo do termo dos mesmos.
Por fim, também não se vislumbra qualquer falta de cooperação por parte do tribunal ao apenas decidir em 29-04-2020 o requerimento apresentado pelo arguido em 20-03-2020, mesmo tratando-se de um processo urgente. Fê-lo, certamente no momento em que tal foi possível, tendo em conta os enormes constrangimentos, designadamente no funcionamento nas secretarias dos tribunais, decorrentes da declaração do estado de emergência na sequência da pandemia da doença COVID-19 que nos afeta.
Aliás, caso o requerimento fosse fundado, ou se viesse agora a reconhecer que assim deveria ter sido considerado, o arguido seria admitido a apresentar "nova contestação", pelo que não se coloca a questão da utilidade do tempo da decisão, não fazendo, pois, sentido questionar a sua oportunidade.
Para além da prorrogação do prazo, invocou o arguido, no requerimento de 20-03-2020, como segundo fundamento para a sua pretensão, que devido à situação de pandemia provocada pela Covid-19, o prazo para contestar, incluindo em processo urgentes, como é o caso, se suspendeu, ao abrigo do disposto no art. 7º, n.º 5, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, pelo que estaria em termo de apresentar "nova contestação", em substituição da apresentada à cautela e a título provisório.
No despacho posto em crise, o Mmº. Juiz a quo entendeu que, tendo o arguido sido notificado do despacho de designação das datas para realização da audiência de julgamento em 29-02-2020 (conforme prova de depósito de fls. 508), e dispondo de um prazo de 20 dias para apresentar contestação (art. 315º, n.º 1), tal prazo suspendeu-se, efetivamente, em 09-03-2020, por força do disposto no art. 7º, n.º 5, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, conjugado com a norma interpretativa constante do art. 5º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril. Porém, com a entrada em vigor desta última Lei, no dia 7 de abril de 2020, os prazos dos processos urgentes - como é o caso dos presentes autos-, deixaram de estar suspensos, retomando o seu normal curso (cf. arts. 2º, 6º, n.º 2, e 7º da Lei n.º 4-A/2020, de 06 de abril).
Por conseguinte, decidiu o Mmº. Juiz que, mesmo salvaguardando o período de suspensão que vigorou entre 9 de março e 6 de abril de 2020, o prazo de 20 dias para o arguido apresentar a sua contestação já decorrera, pelo que não lhe assistia o direito de apresentar nova contestação, termos em que indeferiu o requerido.
Pese embora, na conclusão 24ª, o recorrente refira que «[q]uanto ao douto Despacho de 29-04-2020, e no que concerne à prorrogação do prazo para contestar, declaração de suspensão de prazos e justo impedimento, salvo o devido respeito, o Arguido questiona, além do seu acerto, sobretudo a sua oportunidade» (sublinhados nossos), o que sugere que também se pretende insurgir contra o segmento do despacho recorrido em que o Mmº. Juiz se pronunciou no sentido de que a suspensão dos prazos cessou no dia 06 de abril de 2020, o certo é que das conclusões e da respetiva densificação no corpo da motivação não resulta inequivocamente a invocação de qualquer fundamento de discordância quanto a essa parte da decisão.
Com efeito, na conclusão 31ª, ao elencar as razões pelas quais se impunha uma decisão diversa da recorrida, o recorrente apenas alude à prorrogação do prazo para contestar, à ausência de colaboração por parte do tribunal e à declaração de justo impedimento, omitindo qualquer referência à suspensão do prazo para lá do dia 06 de abril de 2020.
Aliás, na conclusão 9ª, o recorrente escreve que «[o] que significa que, apesar de não haver suspensão de prazos nos processo urgentes, contudo, as diligências que impliquem a presença física dos envolvidos só ocorrerá em situações excecionalíssimas», reconhecendo, pois, a referida cessação da suspensão de prazos e questionando tão só, a propósito do art. 7º da Lei n.º 1-A/2020, a possibilidade de a audiência de julgamento realizar-se presencialmente.
É, pois, de concluir que o arguido se conformou com esse segmento da decisão, não fazendo o mesmo parte do objeto do recurso.
O derradeiro fundamento invocado pelo arguido para ser admitido a apresentar "nova contestação" prende-se com a invocação de justo impedimento, alegando, para tanto, que «(…) para preparar a sua defesa o Arguido tem de contactar e reunir com pessoas, mormente com o seu Defensor, obter documentos e informações (incluindo dados pessoais como nome e morada de testemunhas), bem como proceder a todas as averiguações necessárias ao exercício dos seus direitos consagrados legal e constitucionalmente, o que - como é notório - não esteve em condições de fazer, designadamente perante as exortações e determinações das autoridades.».
No despacho recorrido, considerou-se não estar verificada qualquer situação de justo impedimento, porquanto, para além de o arguido não invocar qualquer dos fundamentos relacionados com a pandemia derivada da Covid-19, previstos no art. 14º, n.º 1, do DL n.º 10-A-2020, de 13 de março, nem ter aplicação o art. 15º do mesmo diploma, uma vez que as instalações do Tribunal Judicial de Braga nunca estiveram encerradas, a alegação genérica do arguido, supra transcrita, não é suscetível de consubstanciar o conceito de justo impedimento, porque «[d]esde logo, contrariamente ao invocado, não é notório que o arguido tivesse sido impedido de apresentar a sua contestação, tanto mais que o fez em tempo oportuno. Por outro lado a situação em que o arguido se encontrava não diferia da dos demais arguidos que tinham que apresentar a sua contestação durante o período de pandemia ou, pelo menos, ele não concretizou tal diferença. Ora, o legislador não consagrou, no respetivo diploma legislativo, um fundamento genérico de “justo impedimento” decorrente da situação de pandemia em que nos encontramos.».
Como resulta do teor das conclusões e do corpo da motivação, o recorrente limita-se, a este propósito, a alegar que questiona o acerto da decisão recorrida, impondo-se decisão diversa da mesma, declarando-se o justo impedimento de carácter notório e excecional. Sem, todavia, aduzir qualquer argumentação tendente a infirmar os fundamentos invocados no despacho recorrido, que se imponha analisar (cf. conclusões 2ª, 24ª e 31ª).

No entanto, sempre diremos o seguinte:
Afigura-se-nos desnecessária e supérflua a alusão aos citados arts. 14º, n.º 1, e 15º da Lei n.º 1-A/2020, porquanto a situação invocada pelo arguido é manifestamente insuscetível de se enquadrar nas respetivas previsões.
Com efeito, o primeiro desses preceitos dispõe que "[a] declaração emitida por autoridade de saúde a favor de sujeito processual, parte, seus representantes ou mandatários, que ateste a necessidade de um período de isolamento destes por eventual risco de contágio do COVID-19 considera-se, para todos os efeitos, fundamento para a alegação do justo impedimento à prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados presencialmente no âmbito de processos (…)", acrescentando o n.º 4 do mesmo artigo que "[a] declaração referida no n.º 1 considera-se também, para todos os efeitos, fundamento para a alegação do justo impedimento à prática de atos processuais e procedimentais que podem ser praticados remotamente quando o sujeito não tenha acesso a meios de comunicação à distância ou esteja incapacitado por infeção por COVID-19 para os praticar, no âmbito dos processos, procedimentos, atos e diligências referidos nesse número".
Ora, o fundamento de justo impedimento invocado pelo arguido não tem a ver com a existência, em relação a si ou ao seu mandatário, de um período de isolamento por eventual risco de contágio da COVID-19 nem de uma infeção pela mesma doença, atestados por declaração emitida pela autoridade de saúde, que impedisse ou dificultasse a preparação da defesa a plasmar na contestação e a subsequente apresentação desta dentro do prazo legalmente fixado.
Por seu lado, o art. 15º reporta-se à suspensão dos prazos para a prática de ato processual no caso de encerramento de instalações onde deva ser praticado ou de suspensão de atendimento presencial nessas instalações, por decisão de autoridade pública com fundamento no risco de contágio da COVID-19, o que, manifestamente, também não foi invocado pelo arguido.
Por conseguinte, o enquadramento legal para a pretensão deste terá, efetivamente, de ser perscrutado no regime geral do instituto do justo impedimento.
A regra de que o decurso do prazo perentório opera a extinção do direito de praticar o ato admite, para além da prorrogação do prazo em casos pontuais, uma outra exceção: o justo impedimento.
Este instituto traduz-se, assim, num mecanismo de derrogação da regra da extinção do direito de praticar um ato pelo decurso de um prazo perentório, em situações excecionais não imputáveis à parte ou ao seu advogado. Assim, verifica-se um tal impedimento quando a pessoa que devia praticar o ato foi colocada na impossibilidade de o fazer atempadamente, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto estranho ao normal desenrolar do processo e que lhe não seja imputável (art. 140º, n.º 1, Código de Processo Civil).
Especificamente para o processo penal, dispõe o art. 107º, n.º 2, que “[o]s atos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento”.
Em primeiro lugar, não nos parece acertado o argumento utilizado no despacho recorrido relativo ao facto de o arguido ter apresentado a sua contestação em tempo oportuno, exercendo o seu direito no prazo previsto na lei.
Essa afirmação olvida completamente que o arguido, ao apresentar tal contestação, declarou expressamente que o fazia sem prescindir dos requerimentos formulados na parte inicial do mesmo requerimento, a pedir a prorrogação do prazo, a suspensão do mesmo e a invocar o justo impedimento, apresentando, a título preventivo e precário, a contestação possível, de natureza inevitavelmente provisória. Aliás, nela limita-se, em termos praticamente tabelares, a oferecer o merecimento dos autos, a afirmar a sua convicção de que logrará demonstrar a sua inocência e a considerar exagerados os valores dos pedidos indemnizatórios.
Perante tal declaração, não faz sentido considerar como impeditivo do fundamento de justo impedimento o facto de o arguido ter apresentado essa contestação.
Também não é adequada a comparação feita com demais arguidos que tivessem de contestar durante o período de pandemia, posto que a situação de justo impedimento tem de ser individualmente apreciada, em face dos fundamentos que se verificam em relação ao próprio requerente, sendo certo que, apesar de a situação pandémica afetar a todos, os reflexos da mesma em termos de dificultar ou impedir a preparação da defesa varia, naturalmente, de arguido para arguido, em função das especificidades do respetivo processo, das particularidades da defesa e da situação pessoal de cada um.
Já concordamos inteiramente com o argumento de que a alegação do arguido foi demasiado genérica e, como tal, insuscetível de consubstanciar o referido conceito de justo impedimento.
Na verdade, não basta invocar abstratamente, como fez o arguido, que, para preparar a sua defesa teve de contactar e reunir com pessoas, mormente com o seu defensor, obter documentos e informações, incluindo dados pessoais como nomes e morada de testemunhas.
Mais do que isso, será necessário concretizar que pessoas são essas (para além, obviamente, do seu defensor), por que razão é levado a crer que as mesmas poderão ser relevantes do ponto de vista da sua defesa e que estava efetivamente impedido de as contactar pelos vários meios possíveis. Note-se que durante o estado de emergência, as instituições mantiveram o seu funcionamento possível, dentro de certos limites, recorrendo sempre que viável aos meios de contacto à distância e adotando as medidas necessárias para evitar o perigo de contágio pela Covid 19.
Mesmo em relação aos contactos com o seu defensor, não foi alegada qualquer circunstância que impedisse o recurso, por exemplo à via telefónica ou até eventualmente à videoconferência.
Mais genérica e abstrata é ainda a restante alegação do arguido, quando refere que teve necessidade de proceder a «todas as averiguações necessárias ao exercício dos seus direitos», sem as concretizar minimamente.
Tais concretizações seriam necessárias para aferir se, efetivamente, a situação invocada determinava a impossibilidade de praticar em tempo o ato.
Por fim, para além de os factos imputados ao arguido na acusação serem lineares e simples, estando o mesmo em perfeitas condições de saber se os praticou ou não, tomando posição sobre eles, o certo é que logo apresentou um extenso rol de meios de prova, arrolando cinco testemunhas, protestando juntar 16 documentos e requerendo ao tribunal que se oficiasse ao Hospital de Braga, à PSP, à Conservatória do Registo Civil, ao Banco de Portugal e ao Instituto da Segurança Social, solicitando-lhes que juntassem aos autos documentos e/ou indicassem a identificação de testemunhas que tenham presenciado os factos.
Confrontando os factos descritos na acusação com o teor e a extensão desse requerimento, facilmente se infere que o arguido não se viu minimamente impedido de preparar a sua defesa, sendo certo que o mesmo também não concretiza outros meios de prova relativamente aos quais não estivesse em condições de indicar ou de saber se havia razões para o fazer.
Não está, pois, demonstrado (nem sequer cabalmente alegado) o pressuposto do justo impedimento traduzido na impossibilidade de o arguido apresentar a contestação em tempo.
Por tudo quanto fica exposto, é isento de censura o despacho recorrido proferido a 29-04-2020, na parte em que indeferiu a pretensão do arguido em ser admitido a apresentar "nova contestação", improcedendo a questão em apreço.

3.2 - Da existência de fundamento para deferir as diligências de prova requeridas pelo arguido

Ainda no mesmo requerimento de 20-03-2020, na contestação "precária ou provisória" que apresentou, o arguido requereu a realização de inúmeras diligências de prova.
Delas, apenas foram deferidas as relativas à identificação dos elementos que prestavam serviços de segurança no parque de estacionamento do Hospital de Braga no dia 15 de maio de 2019, local e data onde alegadamente ocorreu um dos episódios de violência doméstica descritos na acusação, bem como à identificação dos agentes da PSP que aí se deslocaram e também dos agentes que terão tido intervenção no episódio que teve lugar do dia 20 de maio de 2019, quando as assistentes estavam paradas nos semáforos, na Avenida ..., em Braga, no interior de um veículo automóvel e se deslocavam à Conservatória do Registo Civil, a fim de todas essas pessoas serem notificadas, com vista à sua inquirição como testemunhas.
Todas as demais diligências probatórias foram indeferidas, por terem sido consideradas irrelevantes ou supérfluas, inadequada, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou por terem finalidade meramente dilatória.
É o caso, em primeiro lugar, da notificação do Hospital de Braga para juntar aos autos as imagens de videovigilância captadas no seu parque de estacionamento no dia 15 de maio de 2019, bem como a notificação da PSP para identificar todos os pontos onde exista captação de imagens de videovigilância no percurso entre a Avenida ... até à rua dos …, passando pela Avenida …, em Braga, com ulterior notificação das respetivas entidades para juntarem aos autos essas imagens, desde já indicando o arguido o Banco de Portugal, a Caixa …, ambos sitos na Praça ..., e ainda a Ourivesaria …, sita na Avenida ….
O indeferimento dessas diligências teve como fundamento tratar-se de um meio de prova legalmente inadmissível e, enquanto tal, de obtenção impossível, dado que, face à legislação em vigor, o prazo de conservação das imagens de videovigilância é necessariamente curto, oscilando, em regra, entre os 30 e os 90 dias, findo o qual deverão ser destruídas, sendo que, no caso vertente, já decorrera praticamente um ano desde as mencionadas datas, não tendo sido proferido, em tempo oportuno, despacho judicial de conservação de tais imagens, por tal não ter sido requerido.
Sucede que o recorrente não se insurge propriamente contra esse fundamento, de molde a apresentar uma argumentação suscetível de o infirmar e que importe analisar em sede de recurso.
Limita-se antes a manifestar a sua estranheza pelo facto de não ter havido nenhum despacho a determinar a solicitação dessas imagens de videovigilância, bem como por tal requerimento também nunca ter resultado daquilo a que chama "intuito acusatório" (cf. conclusão 33ª), alegação esta que, manifestamente, não se adequa a uma forma de impugnar o segmento em apreço da decisão recorrida, desde logo por não cumprir as exigências previstas no art. 412º, n.º 2.
Por outro lado, alega o recorrente (conclusão 34ª) que «(…) da notificação expedida ao hospital não se vislumbra que a mesma não pudesse carrear qualquer pedido de informação quanto à existência de imagens ou até eventual fornecimento já concretizado, para esse ou qualquer outro fim, eventualmente podendo ser até localizado nos Serviços do MP, pois poderia tal informação servir para aferir do cumprimento, designadamente, do artigo 8º, da Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro 25 [Quando uma gravação, realizada de acordo com a presente lei, registe a prática de factos com relevância criminal, a força ou serviço de segurança que utilize o sistema elabora auto de notícia, que remete ao Ministério Público juntamente com a fita ou suporte original das imagens e sons, no mais curto prazo possível ou, no máximo, até 72 horas após o conhecimento da prática dos factos. 2 - Caso não seja possível a remessa do auto de notícia no prazo previsto no número anterior, a participação dos factos é feita verbal ou eletronicamente, remetendo-se o auto no mais curto prazo possível….”], ou até infirmar os eventos relatados na acusação atendendo às obrigações decorrentes da lei;».
Se bem entendemos esta alegação, sustenta o recorrente que o pedido das referidas imagens, apesar de ultrapassado o prazo da sua conservação, sempre poderia permitir apurar que as mesmas ainda existem ou, eventualmente, obter a informação de que até já foram fornecidas, para os efeitos do presente processo ou de outro, nomeadamente em cumprimento do disposto no art. 8º da Lei n.º 1/2005, de 10 de janeiro, que regula a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum.
Não é posto, assim, em causa o facto, mencionado no despacho recorrido, de estar manifestamente excedido o prazo de conservação das imagens, prazo esse fixado em 30 dias pelo art. 9º, n.º 1, do citado diploma, ao dispor que "[a]s gravações obtidas de acordo com a presente lei são conservadas, em registo codificado, pelo prazo máximo de 30 dias contados desde a respetiva captação, sem prejuízo do disposto no artigo anterior", segundo o qual "1- Quando uma gravação, realizada de acordo com a presente lei, registe a prática de factos com relevância criminal, a força ou serviço de segurança que utilize o sistema elabora auto de notícia, que remete ao Ministério Público juntamente com a fita ou suporte original das imagens e sons, no mais curto prazo possível ou, no máximo, até 72 horas após o conhecimento da prática dos factos. 2 - Caso não seja possível a remessa do auto de notícia no prazo previsto no número anterior, a participação dos factos é feita verbal ou eletronicamente, remetendo-se o auto no mais curto prazo possível.".
Ora, sendo a lei extremamente rigorosa, aliás compreensivelmente, no estabelecimento de um prazo curto para a conservação das ditas imagens de vigilância, estabelecendo até sanções para a violação das disposições dela constantes (cf. art. 11º), não é razoável admitir que houvesse por parte das autoridades um incumprimento do prazo de conservação das imagens, por um período de praticamente um ano, a ponto de, admitindo essa hipótese remota ou altamente improvável, se solicitar o seu fornecimento.
Por seu lado, caso tais imagens já tivessem sido fornecidas ao abrigo do disposto no art. 8º da Lei n.º 1/2005, seguramente que haveria conhecimento delas nos autos.
Meras possibilidades abstratas ou conjeturas do arguido não podem servir para deferir a solicitação de tais meios de prova.
Não merece, pois, censura o decidido pela primeira instância.
Igualmente indeferida foi a pretensão do arguido em se solicitar ao Hospital de Braga que, para além dos referidos elementos de segurança, também identificasse elementos de quaisquer outros serviços aí colocados.
Entendeu o Mmº. Juiz a quo que «(…) de acordo com um juízo de proporcionalidade, não se justifica que seja o tribunal (e muito menos o Hospital de Braga) a indagar se existem testemunhas de outros serviços (para além dos serviços de segurança) que presenciaram o ocorrido no respetivo parque de estacionamento, pois essa é tarefa do arguido, que não carece de auxílio para o efeito.».
Contra-argumenta o recorrente (conclusão 35ª) que «(…) tal não só é dissonante com o decidido quanto aos serviços de segurança, com também é discordante com os nulos poderes do Arguido para o efeito, e até com o já invocado quanto à prorrogação de prazo e justo impedimento (quanto mais não seja levando em consideração o momento inoportuno, em que tais serviços essenciais travavam uma batalha mortal na defesa de todos);».
Não tem, porém, razão, porquanto, diferentemente do que sucede com outros eventuais trabalhadores no Hospital de Braga, cujos serviços, aliás, o recorrente nem sequer indica, em relação aos membros da segurança, por força da natureza das suas funções, é natural que se apercebam de factos ocorridos no parque de estacionamento. Por outro lado, não é correto que o arguido não tenha poderes para averiguar, mormente pela localização dos vários serviços, aqueles cujos trabalhadores estariam em condições de se aperceber do episódio em apreço, bem como para ele próprio contactar esses serviços, mesmo por meios de comunicação remota, e solicitar informação sobre se algum dos elementos que aí prestaram serviço no dia e hora em apreço, se aperceberam do sucedido.
Acresce que, mais uma vez, estamos perante um elemento de prova de existência e obtenção altamente improvável, não se justificando deferi-lo, como bem foi decidido.
Seria, aliás, desrazoável notificar uma instituição com a dimensão do Hospital de Braga para que a mesma indague se alguma das pessoas que aí trabalha nos vários serviços presenciou os factos ocorridos há cerca de um ano no parque de estacionamento, a fim de poderem ser inquiridos como testemunhas, sem o arguido sequer especificar se, efetivamente, se encontrava alguém no local, para além dos intervenientes e das testemunhas já indicadas.
O Mmº. Juiz também indeferiu o requerimento do arguido no sentido de se notificarem as assistentes e a Conservatória do Registo Civil para indicarem o motivo da deslocação daquelas a esse serviço no dia 20 de maio de 209, bem como para juntarem os respetivos documentos comprovativos.
Para tanto, considerou tal informação completamente inócua e irrelevante para apurar se o arguido cometeu o crime de que se encontra acusado, tanto mais que os correspondentes factos nem sequer ocorreram no interior dessa Conservatória, muito menos se justificando que tenham de juntar documentos comprovativos dessa deslocação.
Também nesta parte se nos afigura inteiramente acertada a decisão, sendo certo que o recorrente se limita a alegar (conclusão 36ª) que «[q]uanto à deslocação das Assistentes à Conservatória do Registo Civil, é por demais evidente que são recorrentes as ditas alegações de perseguição, pelo que se mostra relevante apurar a veracidade do relatado e as suas circunstâncias, eventualmente fortuitas, do dito encontro relatado nos autos destas com o Arguido, bem como analisar todas as vertentes possíveis numa era cada vez mais complexa e audiovisual, em que o cinema se inspira na realidade, sendo cada vez menos verdade o contrário».
Ora, tendo os factos alegadamente ocorridos no dia 20 de maio de 2019 tido lugar em plena via pública, no interior do veículo automóvel em que as assistentes se faziam deslocar, no qual o arguido entrou quando elas estavam paradas num semáforo, não se vislumbra o alcance da relevância de confirmar se as mesmas, efetivamente, estavam a caminho da Conservatória do Registo Civil, como referiram nas respetivas declarações e foi, desnecessariamente, descrito na acusação, por tal facto ser completamente inócuo para a decisão da causa.
Pretender demonstrar que, nesse dia, as assistentes não se deslocaram à Conservatória, para assim infirmar a credibilidade das suas declarações quando relataram os comportamentos do arguido, é um exercício de utilidade mais do que duvidosa, na medida em que poderia haver inúmeras razões para as mesmas se encontrarem na referida rua nas circunstâncias em apreço, não necessitando sequer de mencionar a razão para se encontrarem em plena via pública da cidade de Braga às 11h e 30m de um dia perfeitamente normal.
Embora sem indicar expressamente o objetivo de tal diligência, o arguido requereu ainda «(…) a notificação do Hospital de Braga para identificar nos autos todo o pessoal que assistiu a assistente A. G. para serem ouvidos como testemunhas, bem como as imagens dos alegados ferimentos após limpeza/desinfeção, e antes de suturação e aplicação de qualquer outro produto/proteção, designadamente compressas;».
Pretensão esta desatendida pelo Mmº. Juiz, com o argumento de a diligência probatória ser inadequada e supérflua, porquanto, «(…) em primeiro lugar, não se vislumbra que, decorrido cerca de um ano, os enfermeiros/médicos que prestaram assistência à ofendida A. G. se lembrem do que quer que seja, tanto mais que prestar assistência a feridos (de agressões ou não) é o seu trabalho diário e o caso vertente não assume contornos que permitam diferenciá-los dos demais.
Do mesmo modo, não se afigura que tais profissionais de saúde tivessem fotografado a assistente A. G.. Tais fotografias, a existirem, já teriam sido juntas aos autos.
Independentemente do exposto, a assistente A. G. foi submetida a exame médico-legal para aquilatar das lesões que apresentava e o competente relatório médico-legal já se encontra junto aos autos (cfr. fls 404 a 405). Para além de tal relatório, encontram-se ainda juntos aos autos registos clínicos da ofendida respeitantes ao dia em causa (cfr. fls 398). Assim, nesta matéria, qualquer outro meio de prova, para além de obtenção muito duvidosa, seria manifestamente supérfluo.».
Invoca agora o recorrente (conclusão 37ª), que os elementos que pretende ver solicitados ao hospital poderão esclarecer a exacerbação que resulta de imagens alegadamente recolhidas antes do tratamento/limpeza, não havendo nenhuma imagem após o mesmo, o que poderá conduzir a uma perceção imprópria, chegando ao ponto de dar o exemplo de um pequeno corte causado por uma folha de papal, em que a comparação entre uma imagem recolhida com o sangue a sair e a escorrer pelo corpo com uma imagem recolhida após a limpeza, permitirá verificar a real extensão do corte e dos seus efeitos e até a sua eventual causa. Mais alega que não é de presumir a inexistência de tais elementos (conclusão 38ª).
Mais uma vez nada há a censurar ao decidido, porquanto, e em suma, perante os referidos exames periciais e registos clínicos juntos aos autos, aptos a caracterizar a real extensão das lesões apresentadas pela assistente, não se vê qualquer utilidade em dispor de imagens posteriores ao tratamento (a admitir que existam, o que é altamente improvável), a fim de as comparar com as tiradas antes do mesmo (que, por sinal, não encontramos nos autos).
Por último, invocando a circunstância de constar da acusação que as assistentes eram economicamente dependentes dele, o arguido, em ordem a infirmar tal facto, requereu um conjunto de diligências probatórias, concretamente a junção de listagens de todas as contas bancárias tituladas por aquelas e ainda pela outra filha do casal, M. H., ou que estejam autorizadas a movimentar, desde 1989 até ao presente, listagens das contribuições para a Segurança Social, declarações de IRS e notas de liquidação, relativas às mesmas, e ainda recibos de retribuições e benefícios auferidos pela assistente A. G., tudo a solicitar às respetivas instituições.
Também estas diligências foram indeferidas, com base no seguinte: em primeiro lugar, a estranheza da referência à filha do arguido M. H., uma vez que não é ofendida nos presentes autos; em segundo lugar, que em relação à assistente A. M., ex-cônjuge do arguido, este encontra-se acusado de um crime de violência doméstica para cujo preenchimento é irrelevante a eventual dependência económica, aliás, não suficientemente caracterizada/concretizada na acusação; e no que toca à assistente A. G., filha do arguido, embora a dependência económica em relação a este tenha efetivamente relevância para o preenchimento dos elementos típicos do crime de violência doméstica de que o mesmo se encontra acusado, o certo é que, para além de também não estar suficientemente caracterizada na acusação, a mera inquirição da assistente em julgamento poderá permitir aquilatar se esta estava ou não empregada e qual o salário que auferia, afastando, porventura, tal dependência económica e, consequentemente, o tipo legal de crime de violência doméstica, levando a uma alteração da qualificação jurídica.
Decidiu, assim, o Mmº. Juiz não se justificar, por ora, o deferimento destas diligências, mas apenas no caso de, após a audição da assistente, não ser possível afastar a alegada dependência económica ou existirem dúvidas sobre ela.
Decisão esta ponderada e acertada, não se justificando, de todo, realizar as diligências requeridas, pois há a alta probabilidade de se conseguir alcançar o objetivo visado com elas através de outros meios de prova facilmente disponíveis.
Da leitura das conclusões 39ª e 40ª resulta claro que o recorrente não questiona os fundamentos invocados no despacho recorrido relativamente à questão da dependência económica, concretamente a sua insuficiente caracterização na acusação, bem como a sua irrelevância em relação ao crime de violência doméstica contra o cônjuge.
Fundamentação essa que, refira-se, se apresenta correta.
Aquilo que o recorrente agora invoca são novos argumentos, que não invocou no seu requerimento que deu origem ao despacho recorrido, designadamente que na acusação ele é caracterizado como controlador e autoritário, sendo a assistente A. M. caracterizada como acomodada à situação, anulando-se na relação.
Ora, não estando o despacho recorrido obrigado a apreciar a pretensão do arguido à luz desses argumentos, porque não invocados no respetivo requerimento, não podem agora os mesmos servir para sindicar a decisão tomada pelo Mmº. Juiz.
Na conclusão 41ª, para rebater a estranheza manifestada no despacho recorrido em relação à filha G. M., por não ser ofendida nos autos, aduz o recorrente que a acusação se reporta a factos que envolvem a sua eventual participação (por exemplo os arts. 11º, 12º, 16º e 17º), bem como a estreita relação existente entre mãe e filha, inclusive de coabitação, sendo recorrente o depósito de dinheiro em contas conjuntas ou em nome dos filhos ficando o progenitor autorizado a movimentá-las.
Para além deste ultimo argumento não passar de uma mera possibilidade ou conjetura, sem o mínimo suporte factual, parece olvidar o recorrente o que foi decidido no despacho recorrido em relação à irrelevância, para efeitos de preenchimento dos elementos típicos do crime de violência doméstica, da alegada dependência económica da assistente A. M. em relação a ele, dependência essa, aliás, não suficientemente caracterizada na acusação.
Por outro lado, qualquer elemento relativo a uma eventual dependência económica da filha G. M. é absolutamente irrelevante, por esta não ser ofendida nos autos.
Ademais, não se vê em que medida a participação da mesma nos factos descritos nos pontos 11º, 12º, 16º e 17º da acusação tenha a ver com qualquer dependência económica.
Por tudo quanto fica exposto, e tendo presente que, segundo o disposto no art. 340º, n.º 4, "[o]s requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que: (…) b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória", não merece qualquer censura o despacho recorrido na parte em que indeferiu as diligências de prova requeridas pelo arguido, assim improcedendo a questão em análise.

3.3 - Da impossibilidade de realização da audiência de julgamento presencialmente

Por último, em sede de recursos interlocutórios, insurge-se o recorrente contra o despacho de 05-05-2020, no qual o Mmº. Juiz considerou estar preenchida a previsão da al. b) do n.º 7 do art. 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 06 de abril, e, consequentemente, determinou a realização da audiência de julgamento presencialmente, bem como, contra o subsequente despacho de 07-05-2020, em que o Mmº. Juiz indeferiu o requerimento apresentado pelo arguido contra aquele primeiro despacho, no sentido de serem dadas sem efeito as datas designadas para a audiência de julgamento, alegando, para tanto, que não se encontra preenchida a previsão do citado artigo, que o despacho é omisso quanto às recomendações das autoridades de saúde e às orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes, que irá apresentar recurso relativamente aos despachos de 29-04-2020 e de 05-05-2020, cujos efeitos terão de ser forçosamente suspensivos do processo, que é notório que todas as informações, notificações e elementos probatórios ainda não constam do processo e que pode existir alguém que esteja infetado pela Covid-19, pertencente a algum grupo de risco e até eventualmente ainda se encontrar na respetiva residência.
Com efeito, apreciando esse requerimento, o Mmº. Juiz, através do despacho de 07-05-2020 e em complemento do despacho anterior, começou por reafirmar a verificação da previsão do art. 7º, n.º 7, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, o que permite a realização da audiência de julgamento presencialmente, não só por estar em causa a liberdade do próprio arguido, sujeito que está a medidas de coação fortemente limitadoras da sua liberdade, nomeadamente de circulação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, mas também por subsistir o perigo de continuação da atividade criminosa subjacente à aplicação de tais medidas, com o consequente perigo para a integridade física e a liberdade das assistentes, perigos esses apenas atenuados e não eliminados pelas referidas medidas coativas.
Por outro lado, refutando a afirmação de que o anterior despacho não teve em conta as recomendações das autoridades de saúde e do Conselho Superior da Magistratura, o Mmº. Juiz chamou a atenção para o facto de ter determinado a divisão dos intervenientes pelas duas sessões da audiência de julgamento, com vista a evitar a aglomeração de pessoas, e ordenado à Secção de Processos que tomasse as providências adequadas a evitar o ajuntamento de pessoas no átrio do Tribunal antes da sua chamada para serem inquiridas, que as mesmas mantivessem uma distância entre si de pelo menos 2 metros e, se necessário, que algumas delas aguardassem na rua a sua vez de entrada no Tribunal.
Mais considerou inócua e irrelevante para a questão em apreço, a intenção do arguido em pretender recorrer dos despachos de 05-05-2020 e de 29-04-2020, uma vez que cabe ao tribunal decidir qualquer questão de acordo com a lei e em consciência, não devendo o sentido da decisão ser influenciado e muito menos alterado pela possibilidade de os sujeitos processuais recorrerem do que quer que seja, não lhe competindo também equacionar os efeitos de um eventual recurso que ainda não existia.
Decidiu ainda o Mmº. Juiz que as únicas diligências em curso - identificação de eventuais testemunhas dos factos descritos na acusação, que nem sequer é certo que existam - não são impeditivas da realização da audiência de julgamento.
Por fim, considerou que a possibilidade de poder existir alguém que esteja infetado por Covid-19 é uma realidade com a qual teremos de conviver nos tempos mais próximos, não sendo essa mera possibilidade o critério legal para adiar ou prosseguir com as diligências no âmbito de um processo legalmente classificado como urgente, cabendo apenas ao tribunal tentar diminuir o risco de um eventual contágio e fazer cumprir a lei.
Como se infere das conclusões formuladas pelo recorrente (5ª a 23ª), este manifesta a sua discordância, em primeiro lugar, quanto ao segmento dos despachos recorridos em que o Mmº. Juiz considerou estar verificada a previsão da al. b) do n.º 7 do art. 7º da Lei n.º 1-A/2020.
O recorrente sustenta o contrário, essencialmente, com base num duplo fundamento.
Por um lado, alegando que «(…) a locução "…em causa…" empregue na formulação da norma, não pode significar outra coisa que não seja o perigo imediato e que não admite perda de tempo, que acontece sem intervalo, instantâneo, rápido» (conclusão 6ª), sendo que « (…) de outro modo não seria necessário, nem faria sentido, o subsequente n.º 8 da norma e respetivas alíneas, designadamente a al. a) (…) e até a alínea c), de onde se verifica a sentida necessidade de incluir expressamente o dano irreparável e, ainda dentro deste, processos de natureza urgente e até arguidos presos;» (conclusão 7ª), concluindo-se assim que «(…) se a al. b), do n.º 7, se destinasse a todo e qualquer processo urgente, só pelo facto de versar sobre as matérias aí elencadas, seria totalmente desnecessário e descabido o subsequente n.º 8, mormente em todas as situações aí previstas e por natureza também urgentes (cfr. a referência a arguidos presos na al. c), do n.º 8, o que, de outro modo, já resultaria incluído, designadamente, pela expressão “liberdade” elencada na al. b), do n.º 7);» (conclusão 10ª).
Não assiste, porém, razão ao recorrente.

Com efeito, recorde-se a redação dos pertinentes números do citado art. 7º, com a epígrafe "prazos e diligências":

"1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.
(…)
7 - Os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:
a) Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b) Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, pode realizar-se presencialmente a diligência desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes;
c) Caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos previstos nas alíneas anteriores, aplica-se também a esses processos o regime de suspensão referido no n.º 1.
8 - Consideram-se também urgentes, para o efeito referido no número anterior:
a) Os processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais, referidas no artigo 6.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, na sua redação atual;
b) O serviço urgente previsto no n.º 1 do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, na sua redação atual;
c) Os processos, procedimentos, atos e diligências que se revelem necessários a evitar dano irreparável, designadamente os processos relativos a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos."

Ora, o presente processo é de natureza urgente, por assim ser legalmente considerado no art. 28º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, ao dispor que "1 - Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos", sendo que o arguido se encontra acusado da prática de dois crimes dessa tipologia.
Por conseguinte, é-lhe aplicável o regime previsto no n.º 7 do art. 7º da Lei n.º 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 06 de abril.
Segundo esse regime, a partir do dia 07-04-2020, os autos continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte: - realização através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, no caso de diligências que requeiram a presença física dos sujeitos processuais, seus mandatários e demais intervenientes processuais; - quando tal não for possível, e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, a diligência pode realizar-se presencialmente desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes; - não sendo possível nem adequado assegurar a prática do ato ou diligência nos termos referidos, aplica-se o regime de suspensão previsto no n.º 1 do mesmo artigo.
Ora, tal como foi considerado nos despachos recorridos, em causa nos autos está, desde logo, a liberdade do próprio arguido, não se vendo como questionar validamente essa afirmação, uma vez que o mesmo se encontra sujeito às medidas de coação de não permanecer na residência e no local de trabalho das assistentes, de não se aproximar desses locais a uma distância inferior a 400 metros e de proibição de se aproximar das assistentes a distância inferior àquela, ou seja, medidas fortemente restritivas da liberdade do arguido, a qual deve ser vista em sentido amplo, não abrangendo apenas a prisão ou o confinamento à residência, mas também a circulação.
Noutro prisma, está igualmente em causa o perigo para a integridade física e liberdade pessoal das assistentes, vítimas de atos de violência física, de perseguições e de ameaças de morte por parte do arguido, havendo risco de continuar a praticá-los, sendo certo que, como assertivamente refere o Mmº. Juiz, a atenuação desse perigo por força da aplicação das referidas medidas de coação não significa uma eliminação do mesmo.
Não se concorda com o argumento do recorrente de que a vida, a integridade física, a saúde mental ou a liberdade dos intervenientes tenha de estar imediatamente posta em causa, uma vez que o advérbio "imediato", utilizado pelo legislador no singular, apenas se refere à "subsistência" dos intervenientes.

Quanto ao argumento da desnecessidade da previsão do n.º 8 do art. 7º, estamos de acordo com o que escreveu Luís Menezes Leitão[3], quando refere que:
«Esta alínea c) do n.º 8 do artigo 7.º levanta especiais dificuldades, uma vez que a sua enumeração exemplificativa inclui processos que já são considerados urgentes, nos termos acima expostos.
PAULO PIMENTA entende, por isso, que "nos processos crime e considerando o disposto na al. b) do n.º 7 e na al. c) do n.º 8 deste artigo 7.º, afigura-se que somente naqueles em que haja detidos ou que contendam com arguidos presos serão realizadas diligências que impliquem a presença física dos envolvidos, sendo que também só esses processos escapam ao regime geral da suspensão de prazos consagrado no n.º 1 do artigo 7.º"
Esta interpretação implica, porém, deixar de fora os processos de violência doméstica em que não existam arguidos presos, o que não nos parece ser a intenção do legislador.
Entendemos, por isso, que o objetivo desta alínea foi apenas exemplificar algumas situações e não excluir o regime geral da suspensão dos processos urgentes.
Todos estes processos têm que ser assim tramitados durante este período. A sua tramitação obedece, porém, a regras especiais, que a seguir se enunciam (artigo 7.º, n.º 7, da Lei n.º 1- A/2020, na redação da Lei n.º 4-A/2020) (…)».
Por outro lado, alega o recorrente que «[s]eja como for, a aplicação da hipótese prevista na al. b), do n.º 7, do artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, pressupõe a clara impossibilidade de aplicação da alínea a), do mesmo preceito;», o que, em seu entender, não se verifica, porquanto «(…) a lei em causa não prevê a natureza dos factos, ou o elevado número de testemunha a inquirir, ou os múltiplos problemas técnicos que o uso da plataforma webex tem evidenciado, como fundamento para a realização de diligências presenciais nos termos da al. b), antes prevendo exclusivamente a respetiva impossibilidade de realização nos termos da alínea anterior, nem sequer equacionando a hipótese de conveniência e/ou meras dificuldades, pelo que, além de contrário à lei, carece ainda de qualquer fundamento;» (conclusão 16ª).
Também esta argumentação não colhe, porquanto, mesmo pondo de lado a alusão à natureza dos factos e ao elevado número de testemunhas, cujo relevo para contribuir para a impossibilidade de realização da audiência por meios de comunicação à distância poderá ser discutível, outro tanto não sucede, manifestamente, com os múltiplos problemas técnicos que o uso da plataforma webex tem evidenciado, igualmente invocados pelo Mmº. Juiz para concluir por aquela impossibilidade.
Problemas esses, aliás, por demais conhecidos de quem, nos tribunais, à data, tentou utilizar tal plataforma, sendo consabidas as dificuldades técnicas surgidas, criando enormes constrangimentos à realização das diligências por essa via em condições minimamente aceitáveis.
Refira-se, por último, que, cumprindo a exigência constante da parte final da citada al. b), na parte final do despacho recorrido de 05-05-2020, foi determinada a adoção de medidas para evitar a aglomeração de pessoas no tribunal, designadamente a separação das pessoas a ouvir pelas duas sessões, convocando-se para a primeira apenas o arguido, as duas assistentes e as três testemunhas de acusação, e para a segunda sessão as seis testemunhas arroladas pela defesa, mais se tendo determinado que a seção de processos adotasse as providências adequadas para evitar aglomeração ou ajuntamento de pessoas no átrio do tribunal antes da sua chamada para serem inquiridas, mantendo entre si uma distância de pelo menos 2 metros e determinando, se necessário, que algumas delas aguardem na rua a sua vez de entrada no tribunal.
Não se compreende, pois, o alegado pelo recorrente na conclusão 22ª, ao referir que concretas recomendações das autoridades de saúde e orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes (in casu o Conselho Superior da Magistratura) deviam constar da decisão, com identificação das fontes, não competindo ao arguido tentar lograr identificá-las nem adivinhar as que o tribunal tinha concretamente em mente.
Com efeito, as medidas decretadas pelo Mmº. Juiz são as adequadas à situação concreta, constam da decisão recorrida, sem qualquer necessidade de explicitar se correspondem a recomendações das autoridades de saúde ou a orientações do CSM, sendo certo que respeitam os cuidados que as autoridades de saúde divulgaram e que foram amplamente difundidas pela comunicação social.
Quanto aos problemas logísticos mencionados pelo recorrente na conclusão 23ª (fornecimento de materiais de proteção, como máscaras e viseiras, e aplicação de separadores de proteção), bem como às consequências que poderão advir da sua utilização em termos de perturbação dos trabalho, correta apreciação da prova e até impossibilidade da sua produção, tratam-se de questões que, caso se viessem efetivamente a verificar, teriam de ser suscitadas no momento da realização da audiência, a fim de serem dirimidas ou, não sendo tal possível, com a consequente aplicação da suspensão prevista no n.º 1 do art. 7º da Lei n.º 1-A/2020, nos termos previstos na al. c) do n.º 7 do mesmo artigo.
Por tudo quanto fica exposto, é de concluir pela verificação da previsão da al. b) do n.º 7 do art. 7º da Lei n.º 1-A/2020, legitimadora da realização da audiência de julgamento presencialmente, pelo que também nesse segmento não merecem censura os despachos recorridos.
Improcedem, pois, in totum, os recursos interlocutórios.

3.4 - Das nulidades da sentença por condenação por factos não descritos da acusação fora dos casos e das condições previstos nos art.s 358º e 359º do Código de Processo Penal e por omissão de pronúncia

A propósito das comunicações efetuadas pelo tribunal a quo na sessão da audiência de julgamento que ocorreu no dia 12-05-2020, suscita o recorrente várias questões (conclusões 5ª a 19ª), suscetíveis de, em seu entender, conduzirem às nulidades previstas no art. 379º, n.º 1, als. b) e c), as quais dispõem que "1 - É nula a sentença: (…) b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).".
Como resulta da ata da referida sessão e da correspondente gravação, o tribunal a quo procedeu a uma alteração dos factos descritos na acusação, bem como a uma alteração da qualificação jurídica dos factos de que foi vítima a assistente A. G., alterações essas que comunicou ao arguido, a fim de este poder preparar convenientemente a sua defesa, tendo posteriormente acolhido tais factos, dando-os como provados na sentença recorrida, bem como a nova qualificação jurídica.

É do seguinte teor o despacho que foi proferido (transcrição):

«Tendo em conta que já foi produzida a prova arrolada pela acusação, a fim de o arguido preparar convenientemente a sua defesa, comunicam-se-lhe as seguintes alterações:
a) No artigo 1º da acusação, a data em causa não é o dia 22 de Agosto de 1999, mas sim o dia 7 de Janeiro de 1989.
b) Relativamente aos factos respeitantes ao artigo 9º da acusação, os mesmos não terão ocorrido na Clínica de ..., mas quando o arguido e a assistente A. M. já se encontravam a caminho de casa, sós, dentro de um veículo automóvel.
c) Os insultos descritos no artigo 11º da acusação ocorriam pelo menos uma vez por mês.
d) No artigo 15º da acusação, onde consta “29 de Novembro de 2019”, deverá constar “finais de Novembro de 2018”.
e) Relativamente ao artigo 16º da acusação, os factos nela descritos terão ocorrido no dia seguinte à assistente A. M. ter sido testemunha.
f) Os factos mencionados no artigo 20º da acusação terão ocorrido por volta das 13 horas e 30 minutos do dia 15 de Maio de 2019.
g) As agressões à integridade física da assistente A. G. ocorreram da seguinte forma: o arguido J. R. agarrou-lhe a cabeça, puxou-lhe os cabelos e arranhou-a com força na face, pondo-a a sangrar, numa altura em que a ofendida conduzia o veículo automóvel.
h) Face às declarações da própria assistente A. G., o comportamento do arguido relativamente à mesma não consubstancia o crime de violência doméstica que lhe é imputado, uma vez que não existe qualquer relação de dependência económica, consubstanciando, isso sim, a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos artºs 143º nº 1, 145º nºs 1 al. a) e 2 do C. Penal, com referência ao artº 132º nº 2 al. a) do mesmo diploma e de dois crimes de ameaça agravada ps. e ps. pelos artºs 153º nº 1 e 155º nº 1 al. a) do C. Penal (um deles respeitante ao dia 20 de Maio de 2019 e o segundo respeitante a uma mensagem telefónica enviada pelo arguido à assistente A. G. em data não concretamente apurada do ano de 2019).»
Seguidamente, consta da ata que «[f]ace à alteração da qualificação jurídica, o Mmº Juiz deu a palavra à Digna Magistrada do Mº Pº a fim de a mesma esclarecer se mantém a utilização do artº 16º nº 3 do C. P. Penal, que atribui competência ao Tribunal Singular para julgamento de todos os crimes de que o arguido se encontra acusado, tendo o Mº Pº afirmado que mantém a utilização do mencionado normativo.», após o que foi suspensa a audiência de julgamento, para continuar no dia 18 de maio de 2020, para audição das testemunhas de defesa.
Em face desse despacho, resulta inequivocamente estarmos perante a comunicação de uma dupla alteração: por um lado, uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação e, por outro, uma alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido relativamente à assistente A. G..
O recorrente insurge-se, em primeiro lugar, contra o procedimento seguido pelo tribunal a quo, no seu entender desconforme com a lei, sustentando que deveria ser clarificado se a alteração se entendia como substancial ou como não substancial, uma vez que o despacho, no início, apenas se refere a "alterações" e, a final, se reporta concretamente a "qualificação jurídica".
Pese embora o Mmº. Juiz não tenha qualificado a alteração factual que comunicou ao arguido, o certo é que, pelos termos empregues ("em face da prova arrolada pela acusação e a fim de o arguido preparar convenientemente a sua defesa"), é patente que a estava a considerar como não substancial, posto que a comunicação efetuada se enquadrava perfeitamente no procedimento previsto para esse tipo de alteração no art. 358º, n.º 1, seguramente do conhecimento do Exmo. defensor do arguido, enquanto técnico do direito que é.
Alega também o recorrente que «[t]anto no caso do artigo 358º como do artigo 359º, ambos do CPP, o dito prazo de defesa é concedido a requerimento do Arguido e não por determinação do Tribunal, e muito menos "entre sessões", quando, no caso do n.º 4, do art. 359º, do mesmo diploma, poderá ir até 10 dias, e não os 5 que mediaram entre o dia 12 e o dia 18 de Maio de 2020».
Não se alcança o sentido dessa alegação, porquanto o tribunal a quo não determinou a concessão ao arguido de prazo para preparação de defesa, antes se limitou, e bem, a fazer a referida comunicação para que o mesmo, se assim o entendesse, requeresse o tempo estritamente necessário para o efeito.
O que, todavia, ele não fez, certamente por não necessitar de tal prazo.
Todavia, teve oportunidade de se defender de todos os factos que representam uma alteração face aos que constavam da acusação, bem como na nova qualificação jurídica de alguns deles, assumindo a defesa que teve por mais eficaz, sem ver minimamente afetado o direito ao contraditório.
Também não se vê qualquer obstáculo a que a comunicação tivesse lugar "entre sessões" da audiência, sendo certo que, caso o arguido requeresse um prazo que ultrapassasse a data designada para a próxima sessão (18-05-2020), destinada à inquirição das testemunhas de defesa, e tal lhe fosse deferido, seguramente que a discussão da causa não teria sido encerrada nessa sessão e não teriam sido produzidas as alegações orais. Além do mais, o arguido assistiu a tudo isso, pelo que se alguma irregularidade tivesse sido cometida, sempre se encontraria sanada (cf. art. 123º, n.º 1).
Pugna também o recorrente pela qualificação da referida comunicação de factos como sendo substancial, com a consequente aplicabilidade do regime previsto no art. 359º.
Manifestamente sem razão, pelas razões que passamos a expor.

Nos termos do citado art. 359º, "[u]ma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância" (n.º 1), mas "[a] comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objeto do processo" (n.º 2), dispondo, todavia, o n.º 3, que "[r]essalvam-se do disposto nos números anteriores os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos factos novos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal".

No caso dos autos, confrontando o teor da acusação com o conteúdo do referido despacho, constata-se que as diferenças entre ambos prendem-se com os seguintes aspetos:

- a data de casamento do arguido e da assistente A. M. (indicada no art. 1º da acusação como 22 de agosto de 1999 e no despacho como 07 de janeiro de 1989);
- o local exato da prática dos factos descritos no art. 9º da acusação (sendo aí indicada a Clínica ..., em Braga, e constando do despacho que terão ocorrido quando o arguido e a assistente já se encontravam a caminho de casa, sós, dentro de um veículo automóvel);
- a frequência dos insultos descritos no art. 11º da acusação (concretizada no despacho como sendo pelo menos mensal);
- a data da prática dos factos vertidos no art. 15º da acusação (aí indicada como sendo 29 de novembro de 2019 e no despacho como tendo ocorrido em finais de novembro de 2018);
- indicação tendente a concretizar essa data, relativa aos factos descritos no art. 16º da acusação (indicando no despacho que terão ocorrido no dia seguinte à assistente A. M. ser testemunha);
- concretização da hora dos factos ocorridos no dia 15 de maio de 2019 (indicada no art. 20º da acusação como sendo não apurada e no despacho como sendo por volta das 13h e 30m);
- descrição da forma com o arguido agrediu fisicamente a assistente A. G. (constando do art. 27º da acusação que ele lhe desferiu um murro e a arranhou na face e mencionando-se no despacho que lhe agarrou a cabeça, puxou-lhe os cabelos e arranhou-a com força na face, pondo-a a sangrar, numa altura em que ela conduzia o veículo automóvel);
- a dependência económica da assistente A. G. em relação ao arguido (mencionada, ainda que em termos conclusivos, no art. 12ª da acusação e considerada no despacho como não verificada).

De acordo com a definição constante da al. f) do art. 1º, “alteração substancial dos factos” é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

De acordo com os ensinamentos de Paulo Pinto de Albuquerque[4], a noção legal de alteração substancial dos factos é composta pelos seguintes requisitos:

- Ser uma alteração dos factos, não a integrando a mera alteração da qualificação jurídica, sem que haja qualquer modificação daqueles.
- Ser uma alteração dos factos relevantes para a imputação de um crime ou para a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, só a constituindo, pois, a modificação que se reporte a factos constitutivos do crime e a factos que tenham o efeito de imputação de um crime punível com uma pena abstrata mais grave. A modificação dos restantes factos constitui alteração não substancial, desde que relevantes para a decisão da causa.
- Ter por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (mesmo que não haja crime diverso).

Ainda segundo o mesmo autor, essa diversidade do crime afere-se da seguinte maneira:

- Não há crime diverso quando os factos novos pertencem ao mesmo “facto histórico unitário” (composto por todas as ações do agente que tenham “um conteúdo ilícito semelhante e uma estreita continuidade espácio-temporal”).
- Não há crime diverso em face da mera alteração das circunstâncias da execução do crime (incluindo o dia, hora, local, modo e instrumento do crime), desde que essas circunstâncias não constituam elementos do tipo legal nem constituam um outro “facto histórico unitário”.
- Não há crime diverso se o bem jurídico protegido pelo tipo criminal imputado na acusação abranger o bem jurídico protegido pelo tipo criminal resultante dos factos novos.
- Não há crime diverso se não se provarem os factos da acusação, com a consequência da absolvição de alguns dos crimes imputados ou a condenação por crimes de menor gravidade.

Posto isto, no caso vertente, em face das diferenças supra assinaladas entre os factos descritos na acusação e os factos comunicados ao arguido, facilmente se conclui que a alteração comunicada não se traduziu numa alteração substancial, porquanto se circunscreveu ao mesmo facto histórico unitário, enquanto conjunto de ações do agente com um conteúdo ilícito semelhante e com uma estreita continuidade espácio-temporal, sem daí resultar qualquer alteração da sua identidade naturalística e sem acrescentar nada de novo à descrição da ação típica relevante.

Com efeito, a alteração limitou-se, para além da mera correção da data do casamento do arguido e da assistente, a incidir sobre determinadas circunstâncias de execução de alguns factos (data, hora e local dos mesmos), bem como a concretizar melhor a respetiva frequência e modo de execução, sem que constituam elementos do tipo legal nem integrem um outro "facto histórico unitário".
Quanto à dependência económica da assistente A. G., apesar de conclusiva, o que se operou foi uma restrição da factualidade alegada na acusação, sendo considerada como indemonstrada, com a consequente alteração da qualificação jurídica dos factos, que deixaram de integrar o crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, n.º 1, al. d), e n.º 2, al. a), do Código Penal, por não estar preenchido o elemento típico de a vítima ser pessoa particularmente indefesa por estar na dependência económica do agente, passando a integrar os crimes de ofensa à integridade física qualificada e de ameaça.
Aliás, havendo apenas a não demonstração de factos alegados na acusação e não o apuramento de factos novos, não se verifica uma alteração substancial ou não substancial de factos, a impor qualquer comunicação à defesa.
O mesmo sucede com as alterações exaustivamente elencadas pelo recorrente na conclusão 16º, algumas delas sem as especificar, posto que se traduzem em meras redução do âmbito factual, explicitação, concretização ou pormenorização de algum facto e substituição por palavras de sentido equivalente.
Em suma, as modificações introduzidas na descrição factual não têm como efeito a imputação de um crime diverso nem de um crime punível com uma pena abstrata mais grave, o que afasta a existência de uma alteração substancial, pelo que não havia que seguir o figurino previsto no art. 359º.
Por conseguinte, para além de se nos afigurar se esse incumprimento, a existir, nunca seria suscetível de configurar a nulidade por omissão de pronúncia invocada pelo recorrente, prevista na al. c) do n.º 1 do art. 379º, o certo é que a apreciação de tal questão se mostra prejudicada.
Por seu lado, a alteração da qualificação jurídica pode redundar na condenação por crimes mais graves.
Com efeito, no Assento n.º 2/93, de 27-01-1993, decidiu-se que «[p]ara os fins dos artigos 1.º, alínea f), 120.º, 284.º, n.º 1, 303.º, n.º 3, 309.º, n.º 2, 359.º, n.ºs 1 e 2, e 379.º, alínea b), do Código de Processo Penal, não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respetiva qualificação jurídica (ou convolação), ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave.».
Posteriormente, o Assento n.º 3/2000, de 15 de dezembro de 1999, reformulou o Assento n.º 2/93 e fixou a seguinte doutrina, constitutiva de jurisprudência, obrigatória para os tribunais judiciais: «Na vigência do regime dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo pudesse organizar a respetiva defesa.»
Manifestamente improcedente é também a alegação constante da conclusão 17ª, atinente à alegada «falta de descrição na acusação dos elementos subjetivos do crime», uma vez que os respetivos factos estão suficientemente descritos nos arts. 38º a 41º.
Por último, embora prendendo-se mais com a impugnação da matéria de facto, refira-se carecer de sentido a pretensão do recorrente de constarem da matéria não provada os factos por ele indicados na conclusão 18ª, uma vez que são conclusivos, irrelevantes ou se mostram prejudicados face aos dados como provados ou não provados, não tendo, pois, de haver pronúncia quanto a eles.

Pelo exposto, improcede a questão em análise.

3.5 - Da impugnação ampla da matéria de facto por erro de julgamento

Nas conclusões 41ª a 48ª, o recorrente manifesta a sua discordância relativamente à decisão sobre determinados pontos dos factos provados, sustentando que deverão ser dados como não provados, o que se reconduz à questão da impugnação ampla da matéria de facto, por erro de julgamento.
3.5.1 - Este erro resulta da forma como foi valorada a prova produzida e ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tenha sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. O erro de julgamento pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.
Nesta forma de impugnação ampla, os poderes de cognição do tribunal de recurso não se restringem ao texto da decisão recorrida (como acontece com os vícios previstos no art. 410º, n.º 2), alargando-se à apreciação do que contém e se pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, nomeadamente pela audição da prova gravada pelo tribunal de recurso, sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do art. 412º, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431º, al. b).
Todavia, conforme jurisprudência uniforme[5], esse recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição de gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como é referido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/2006, de 18-01-2006[6], «(…) o "julgamento" a efetuar em 2.ª instância está condicionado pela natureza própria do meio de impugnação em causa, isto é, o recurso (…). Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1.ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de "duplo julgamento". A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução (…).».
Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, importa ter presente que entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º, segundo o qual “[s]alvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Tal não significa que a atividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Concedendo esse princípio uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, o julgador deverá ser capaz de o fundamentar de modo lógico e racional.
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária dos meios de prova, impondo-lhe a lei que extraia deles um convencimento lógico e motivado, avaliando-os com sentido de responsabilidade e bom senso.
Mais se exige que o julgador indique os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos pelos quais relevaram ou obtiveram credibilidade no seu espírito. Não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
Embora a reapreciação da matéria de facto esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação (à exceção da prova vinculada), no processo de formação da sua convicção, deverá o tribunal da relação ter em conta que a ausência de imediação determina que o tribunal superior, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [cf. art. 412º, n.º 3, al. b)].
Significa isto que se a decisão factual da primeira instância se baseia numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível, optando por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção, obtida com os benefícios da imediação, apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização, pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma perceção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão”[7], confere ao julgador em primeira instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal da relação não dispõe.
Para além da comunicação verbal, que é suscetível de ser escrutinada pelo tribunal de recurso mediante a audição das gravações, o julgador, para a complementar e interpretar, também deve atender à comunicação não verbal, a qual, porém, já não lhe é acessível.
Não basta, pois, que no recurso sobre a matéria de facto, o recorrente pretenda fazer uma revisão da convicção alcançada pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível, sendo imperioso demonstrar que as provas indicadas a impõem. É necessária a demonstração que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que se demonstre não só a possível incorreção decisória, mas a imperatividade de uma diferente convicção.
Na realidade, ao tribunal de recurso cabe, sem esquecer a apontada limitação, analisar o processo de formação da convicção do julgador do tribunal a quo, verificando se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar, não bastando, para uma eventual alteração, uma diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida.
Por isso, a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzem a ela, já não o devendo ser quando, perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente. Ou seja, o tribunal da relação só pode e deve determinar uma modificação da matéria de facto quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão[8].
Como já referimos supra, o recurso da matéria de facto não tem por finalidade nem pode ser confundido com a realização de um segundo julgamento, visando antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida.
Assim, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova nela indicados e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa, cabendo-lhe confrontar o juízo que sobre esses pontos foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção, determinada por uma autónoma valoração probatória.
Daí a exigência feita nas als. a) e b) do n.º 3 do art. 412º, ao disporem que a impugnação da matéria de facto implica a especificação dos "concretos" pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados e das "concretas" provas que impõem decisão diversa.
Este ónus de especificação tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, ou seja, em relação a cada um dele têm de ser indicadas as provas concretas que impõem decisão diversa e em que sentido devia ter sido a decisão.
Compreende-se tal exigência, porquanto, em face da prova produzida, é possível que as regras da experiência permitam ou não colidam com mais do que uma solução.
Para cumprir o ónus de especificação das concretas provas que impõem decisão diversa, o recorrente terá de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões.
Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado ou não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-06-2014[9]:

«(…) há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação (…) não fará um segundo/novo julgamento integral.
As indicações exigidas pela lei são essenciais, não se tratando de mero capricho, pois à Relação não cumpre proceder a um novo julgamento em matéria de facto, apreciando a globalidade das «provas» produzidas em audiência, antes lhe competindo, atenta a forma como se encontra estruturado o recurso, emitir juízos de censura crítica. (…)
A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.
O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão/imporiam uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto.»

3.5.2 - No caso em apreço nos autos, esse ónus não se mostra cumprido.
Como resulta expressamente das conclusões 47ª e 48ª, o recorrente impugna em bloco os factos dados como provados sob os n.ºs 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 (na parte “Em finais de Novembro de 2018”), 13, 14 (desde “… tendo a assistente ...” até “… divorciar-se.”), 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 (na parte “com receio”), 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 43, 44 e 46.
Todavia, limita a sua argumentação, desenvolvida ao longo de 50 compactas páginas do corpo da motivação, à transcrição, em discurso indireto, dos depoimentos das testemunhas, colocando em negrito as partes que se lhe afiguram mais relevantes, acompanhada de esporádicos comentários pessoais, entendendo que «(…) deverá ser devidamente valorada a prova testemunhal por este [arguido] arrolada, em tudo o quanto os respetivos depoimentos possam infirmar e demonstrar» e que «(…) devem ser desconsiderados os demais depoimentos conforme assinalado e atendendo às enormes fragilidades apontadas, sem prejuízo de todas as demais que oficiosamente sejam verificadas;».
Aquilo que o recorrente faz é manifestar a sua discordância perante o decidido, pretendendo que a relação proceda a um novo julgamento, o que, como vimos foge ao âmbito da impugnação da matéria de facto.
Como esclarecidamente se escreveu no acórdão desta Relação de 23-03-2015[10], num caso de impugnação com contornos semelhantes ao dos presentes autos, «[a] argumentação da motivação do recurso consiste na análise da prova produzida no julgamento e na extração das conclusões que a recorrente tem por pertinentes. Na realidade, o recorrente faz a sua própria análise crítica da prova para concluir que o essencial dos factos que o responsabilizam deveria ter sido considerado não provado. Mas o momento processualmente previsto para o efeito são as alegações finais orais a que alude o artigo 360 do CPP. A impugnação da decisão da matéria de facto não se destina à repetição, agora por escrito, do que então terá sido dito. Fica-se a saber qual teria sido a decisão se o arguido/recorrente tivesse sido o juiz do seu próprio caso, mas isso nenhumas consequências pode ter, pois é ao juiz e não a outros sujeitos processuais, naturalmente condicionados pelas específicas posições que ocupam, que compete o ofício de julgar. Verdadeiramente, nesta parte, a procedência do recurso implicava que a relação censurasse o tribunal recorrido por, cumprindo a lei, ter decidido segundo a sua livre convicção, conforme lhe determina o art. 127 do CPP.».
Abstém-se, pois, o recorrente de explicitar o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta os individualizados factos dados como provados, isto é, não relaciona o conteúdo específico desses meios de prova com tais factos, de modo a demonstrar que se impõe uma decisão diversa quanto a eles, explicitando as razões desse entendimento.
O incumprimento do referido ónus impede que este tribunal de recurso confronte o juízo que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção, determinada por uma autónoma valoração probatória decorrente da comparação e avaliação dos meios de prova indicados na motivação da decisão de facto e dos meios de prova apontados pelo recorrente, uma vez que este não especifica o conteúdo destes, por referência a cada um dos factos impugnados, explicitando em que medida impõe uma decisão diversa da recorrida.
Acresce que analisada a motivação de facto constante da sentença recorrida, constata-se que o Mmº. Juiz a quo expôs cabalmente os elementos que fundamentam a sua decisão, o processo lógico que lhe subjaz, optando por soluções que não afrontam as regras da experiência comum e suportadas pelos meios de prova invocados, não se detetando nenhum patente erro de julgamento nem tendo sido utilizados meios de prova proibidos.

Mantém-se, assim, a matéria de facto fixada na primeira instância, improcedendo a questão em apreço.

3.6 - Do não preenchimento dos elementos típicos dos crimes de ameaça e de ofensa à integridade física

Em termos de enquadramento jurídico dos factos, defende o recorrente (conclusões 49ª e 50ª) que, no que concerne à expressão dada como provada no ponto 24º ("eu vou morrer, mas vocês também vão morrer"), por ele dirigida às assistentes, «(…) não existe qualquer ameaça, nem a respetiva expressão aí vertida o configura, desde logo porque, atendendo ao estado da ciência, ainda expressa uma verdade universal, ou seja, “eu vou morrer” e “mas vocês também vão morrer” pois, de facto “todos vamos morrer” um dia;», acrescentando ainda que «(…) mesmo que assim não fosse, ainda seria sempre de sentido duvidoso, podendo ser interpretada no sentido de aviso relativamente a situações em que não se dá o devido valor àquilo que se tem, ou quando se perde a noção daquilo “que é importante na vida” pois “vamos todos morrer um dia”, devendo o Arguido ser absolvido dos crimes de ameaças (…).»
Trata-se, porém, da interpretação ou opinião do próprio recorrente sobre o sentido ou significado da referida expressão por ele proferida. Porventura respeitável, é certo, mas que não corresponde ao sentido que, atendendo ao contexto que que tais palavras foram dirigidas às assistentes e a toda a vivência pregressa, estas lhe atribuíram, em consonância, aliás, com o que também seria entendido por um normal destinatário colocado nessa posição.
Com efeito, analisada à luz das regras da experiência comum, à expressão em causa não pode deixar de ser atribuído o significado de que o arguido se iria suicidar, mas que previamente mataria as assistentes, o que é apto a preencher o elemento objetivo do crime de ameaça traduzido no anúncio de um mal futuro que constitua crime contra a vida, feito de forma adequada a provocar no visado medo ou inquietação.
No que concerne ao crime de ofensa à integridade física qualificada, tendo sido dado como provado no ponto 25º que «[c]omo consequência direta e necessária da agressão, a assistente A. G. sofreu na região infraorbitária direita um steri-strip com 2cm por 0,5cm transversal e no ângulo medial do olho direito um steri-strip com 2cm por 0,5cm vertical, tendo tido necessidade de receber tratamento hospitalar no Hospital Escala de Braga», alega o recorrente (conclusões 51ª e 52ª) que deverá ser absolvido desse crime, porquanto «(…) diga-se que steri-strip apenas se conhece as tiras de sutura adesiva, pelo que não estando o Arguido acusado de tal facto, ou não constituindo o mesmo qualquer crime, também não poderá ser condenado por alegadamente ter “provocado tiras de sutura adesiva” na assistente A. G., ainda que com as reduzidas dimensões aí referidas;».
Apesar da pertinência dessa alegação, é óbvio que a mesma não permite alcançar o fito do recorrente.
No referido ponto 24º dos factos provados existe obviamente uma falta de rigor na descrição das lesões sofridas pela assistente A. G. em consequência do arranhão que o arguido lhe desferiu com força na face, pondo-a a sangrar (ponto 21º).
Essa descrição, transposta do art. 31º da acusação, assentou no teor do relatório final do exame médico-legal efetuado à assistente no dia 27-11-2019, onde é descrito que «[a] examinanda apresenta as seguintes lesões: - Face: na região infraorbitária direita apresenta um steri-strip com 2cm por 0,5cm transversal. No ângulo medial do olho direito apresenta um steri-strip com 2cm por 0,5cm vertical.» (cf. fs. 404 a 405).
Ora, sendo o steri-strip, como bem refere o recorrente, uma tira de sutura adesiva cutânea, indicada para o fechamento da pele em substituição de outros métodos de fechamento no tratamento de lacerações e incisões cirúrgicas, é incorreto descrever a lesão como um "stri-strip", uma vez que este é o meio de sutura da escoriação, esta sim que é a lesão ou ferimento apresentado, sendo, pois, este o sentido que deve ser atribuído à respetiva descrição.
Atente-se na descrição das lesões apresentadas pela assistente aquando da assistência hospitalar logo após a agressão: «Apresenta ligeiras escoriações sangrantes a nível infraorbitária e no canto interno do olho direito. Sem outras lesões aparentes. Plano: desinfeção com betadine + cola biológica + steri-strip».
Aliás, tendo o referido exame sido concluído no dia 27-11-2019, ou seja, cerca de seis meses após a agressão, era impossível que a assistente ainda ostentasse os steri-strip aplicados.
Todavia, a alusão feita aos mesmos no referido relatório final encontra justificação no facto de este ter sido elaborado aproveitando o texto do relatório intercalar, referente ao exame realizado no dia 21-05-2029, ou seja, no dia a seguir aos factos, altura em que, naturalmente, os streri-strip ainda estavam aplicados (cf. fls. 18 a 19 do apenso A).
De todo o modo, como já adiantámos, a apontada falta de rigor na descrição das lesões feita no ponto 25º dos factos provados é insuscetível de acarretar qualquer vício que redunde na absolvição do arguido do crime de ofensa à integridade física, porquanto a factualidade vertida nos pontos 21º e 26º, só por si, é apta a integrar os elementos objetivos de tal ilícito.

Nestes termos, improcede o segmento em apreço do recurso.

3.7 - Da aplicação dos meios técnicos de controlo à distância

Nas conclusões 20ª a 40ª e 55ª, insurge-se o recorrente contra o segmento da sentença recorrida que determinou a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, do cumprimento, quer da pena acessória de proibição de contactos com a assistente A. M., quer do cumprimento das medidas de proibição de contactar com ela por qualquer meio e de não se aproximar dela e da sua residência a menos de 400 metros, impostas como condição de suspensão da execução da pena de prisão.
Para tanto, alega que tal «foi feito de forma vaga e genérica, além de infundada e contraditória», portanto, «desprovida de fundamento», para além de «dispensando o consentimento prévio dos intervenientes para a sua aplicação e, por conseguinte, também toda e qualquer audição do Arguido (…) constituindo uma decisão surpresa», pelo que «não deverá ser aplicada qualquer medida com as mesmas características da que se encontra em curso, mas antes outras alternativas como a que foi faculdade à assistente A. G.».
A questão a apreciar consiste, pois, em aquilatar se estão preenchidos os pressupostos de que depende a utilização dos meios técnicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento das referidas pena acessória e regras de conduta aplicadas ao arguido, bem como para dispensar o consentimento deste.
Para tanto, tendo o arguido sido condenado pela prática de um crime de violência doméstica, importa convocar o art. 152º n.ºs 4 e 5 do Código Penal, em conjugação com os arts. 35º e 36º do regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, e ainda o 34º-B deste último diploma.

Na redação da Lei n.º 59/2007, de 04 de setembro, preceituava aquele primeiro artigo que:
“…
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima pode incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.”

Por seu turno, o art. 35º, n.º 1, da citada Lei n.º 112/2009 dispunha que “[o] tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, pode, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.”

E o art. 36.º do mesmo diploma preceituava que:

1 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta.
2 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.

Entretanto, a Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, alterou, por um lado, a redação do n.º 5 do art. 152º do Código Penal, estabelecendo-se agora que o cumprimento da pena acessória "deve" ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, e, por outro lado, alterou a Lei n.º 112/2009, cujo art. 35º passou a prescrever, em termos semelhantes aos da norma do Código Penal, que “[o] tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância."

E o art. 36.º do mesmo diploma passou a dispor o seguinte:

1 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta.
2 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.
(…)
7 - Não se aplica o disposto nos números anteriores sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima.”

Aos presentes autos são aplicáveis estas novas redações, uma vez que a entrada em vigor das mencionadas alterações introduzidas pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, ocorreu a 21 de março de 2013, ou seja, em momento anterior à consumação do crime pelo qual o arguido foi condenado, cujo último ato de execução teve lugar durante o ano de 2019.
Constata-se que, apesar da substituição do termo “pode” por “deve” na previsão da fiscalização de cumprimento pelos meios de controlo à distância, o legislador não prevê a fiscalização por meios eletrónicos como o “regime regra”, muito menos “impõe” que assim se proceda, mantendo-se a exigência, em todo o caso, de um juízo positivo sobre a imprescindibilidade da utilização desses meios para a proteção da vítima, conforme claramente resulta do citado art. 35º, n.º 1.
Com efeito, na redação original do Projeto de Lei n.º 194/XII-1ª, donde resultou a mencionada alteração legislativa, constava a revogação de todo o artigo 36º, desse modo se pretendendo suprimir as exigências de consentimento para a implementação dos meios de controlo[11].

No entanto, aquando da audição parlamentar nesse processo legislativo, o Professor Germano Marques da Silva, discordou do projeto, nos seguintes termos (transcrição):

C) Revogação do artigo 36° da lei n° 112, de 16 de setembro

O consentimento para a utilização de meios técnicos de controlo à distância não respeita apenas ao arguido, mas também à própria vítima e das pessoas que vivam com o agente ou a vítima. Não é razoável impor medidas restritivas da liberdade à própria vítima ou a terceiros inocentes sem o seu consentimento. Também a necessidade de consentimento do arguido pressupõe que na falta de consentimento são aplicáveis medidas alternativas mais gravosas.
Parece-me de todo inaceitável a revogação deste artigo 36° porque a medida seria então inconstitucional por imposição de uma medida restritiva de liberdade à própria vítima ou a terceiros inocentes. No que respeita ao arguido poder-se-ia prescindir do seu consentimento, considerando que a imposição da medida constitui uma pena, mas a experiência da vigilância eletrónica mostra a ineficácia da medida quando não é aceite pelo arguido.
Se a medida de vigilância controlada for imposta sem consentimento é necessário prever a sanção para o seu incumprimento, sanção que há de ser equivalente à que seria aplicável na falta de consentimento. Por isso que também relativamente ao arguido não pareça justificar-se a revogação do art. 36°, embora neste caso não se suscitem questões de inconstitucionalidade.” [12]
Esta apreciação mereceu parcial concordância na comissão parlamentar da especialidade, surgindo então a redação final do atual n.º 7 do art. 36º.
Assim, a utilização de meios de vigilância eletrónica do cumprimento da medida depende, não só da verificação de um concreto juízo de imprescindibilidade dessa medida para a proteção da vítima, mas também da obtenção de consentimento do arguido, da vítima e das pessoas que vivam com o agente ou a vítima e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.
A anuência das pessoas afetadas com a restrição da liberdade pode ser suprida se o tribunal, em decisão fundamentada, concluir que na situação concreta e perante a ponderação dos valores e direitos em conflito, a aplicação de meios técnicos de controlo à distância constitui uma medida indispensável para a proteção dos direitos da vítima.
Sendo caso de definição de uma pena acessória, a indicação das concretas razões de facto que subjazem ao juízo de imprescindibilidade de aplicação dos meios eletrónicos e da dispensa do consentimento deve constar da própria sentença.
O que se vem de dizer é aplicável à fiscalização do cumprimento das regras de conduta de proibição de contactos com a assistente A. M. e de se aproximar dela e da sua residência a uma distância inferior a 400 metros, a que ficou condicionada a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido.
Com efeito, a Lei n.º 129/2015, de 03 de Setembro, aditou à Lei n.º 112/2009 o art. 34.º-B, cujo n.º 1 dispõe que "1- A suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio".

O tribunal a quo, depois de decidir aplicar ao arguido as referidas pena acessória e regras de conduta, determinou a fiscalização do respetivo cumprimento por meios técnicos de controlo à distância, aduzindo a seguinte fundamentação (transcrição):

«Encontrando-se arguido e ofendida atualmente a viver em residências diferentes, a pena acessória não incluirá o afastamento do arguido da residência, mas o seu cumprimento, tal como o cumprimento das regras de conduta, será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, dispensando-se para o efeito o consentimento prévio do arguido, uma vez que a utilização de tais meios é imprescindível para a proteção da ofendida (cfr. artº 152º nº 5 CP, artº 26º nº 2 da Lei nº 33/2010, de 2/09 e arts 35º e 36º nº 7 da Lei nº 112/2009, de 16/09).
Como já se referiu noutra sede, alguns dos factos em causa nestes autos são relativamente recentes; os ânimos estão ainda algo exaltados; o arguido J. R. não confessou os factos; não demonstrou consciência da gravidade do seu comportamento nem arrependimento; a ofendida A. M. continua atemorizada, receando pela atitude do arguido após o termo do processo.
Poder-se-ia pensar que tal regime de fiscalização era desnecessário, pois o arguido J. R. e a ofendida A. M. já se encontram divorciados.
Porém, existem bens comuns a partilhar e o arguido J. R. continua a parecer não ter aceite de bom grado a separação e subsequente divórcio da ofendida.
Na verdade, em sede de audiência de julgamento, afirmou não trabalhar por falta de condições psicológicas, o que demonstra que não ultrapassou o trauma do divórcio.
Assim sendo, o seu estado psicológico, aparentemente, não se afastará muito do descrito no relatório médico de fls 577 verso e que ele próprio juntou aos autos. Tal relatório, com data de 23 de Maio de 2019, evidenciava que o arguido J. R. apresentava um quadro clínico compatível com Perturbação Mista Ansiosa e Depressiva reativa a situação de conflito familiar. O pensamento era ruminativo, com ideação recorrente de morte, não estruturada.
Por outro lado, já sabemos que é capaz de atuações bastante ousadas, destemidas e particularmente violentas. Basta pensar no ocorrido no dia 20 de Maio de 2019, em que se introduziu, de forma completamente inesperada, no interior do veículo automóvel em que seguiam as ofendidas quando este se encontrava parado nos semáforos, acabando por agredir uma delas, ao ponto de esta ter necessitado de receber assistência hospitalar.
Dada a conjugação de tais circunstâncias, a utilização dos meios técnicos de controlo à distância é importante para prevenir a reincidência ou até males maiores.»
Segundo o recorrente, não está demonstrada a imprescindibilidade da aplicação dos meios técnicos de controlo à distância, apodando aquela fundamentação de "vaga, genérica, infundada e contraditória".
Haverá que lhe reconhecer razão quanto às referências feitas na sentença recorrida de que "os ânimos estão ainda algo exaltados", que "existem bens comuns a partilhar" e que o arguido ainda "não ultrapassou o trauma do divórcio", porquanto tais factos, o último deles conclusivo, não têm qualquer respaldo na matéria de facto provada, como seria necessário, não se podendo também inferi-los do teor da respetiva motivação.
No entanto, já se nos afigura correto considerar, como fez o Mmº. Juiz, que a circunstância de alguns dos factos serem relativamente recentes (tendo os últimos ocorrido há cerca de um ano, com referência à data do encerramento da discussão da causa), bem como a ausência de uma postura de assunção dos factos e de interiorização da gravidade do seu comportamento, apontam no sentido de um risco sério de o arguido poder vir a contactar e a aproximar-se da assistente A. M., assumindo comportamentos semelhantes aos dos autos, quiçá concretizando as ameaças, nomeadamente de morte, que lhe dirigiu.
Sintomático desse risco é o facto de a assistente temer pela sua própria vida.
No mesmo sentido milita a circunstância, ponderada pelo julgador, de que o arguido "continua a parecer não ter aceite de bom grado a separação e subsequente divórcio da ofendida", facto este que se pode depreender da ocorrência do episódio do dia 15-05-2019, em que o arguido pretendia insistentemente que a assistente regressasse para casa, donde ela saíra em janeiro de 2019, pretendendo divorciar-se, bem como do teor da mensagem enviada pelo mesmo à filha A. G., tudo indicando ter sido também essa a motivação que presidiu à sua atuação do dia 20-05-2019.
Refira-se que a conversão do divórcio litigioso requerido pela assistente em divórcio por mútuo consentimento não é necessariamente reveladora de que o arguido tenha aceite o fim da relação conjugal, podendo perfeitamente corresponder a uma mera opção processual, como tantas vezes sucede.
Por seu lado, a forma de atuação do arguido no episódio ocorrido no dia 20 de maio de 2019, ao introduzir-se no interior do veículo automóvel em que seguiam as assistentes, quando este se encontrava parado nuns semáforos, tentando agarrar a assistente A. M. e acabando por agredir fisicamente a filha de ambos quando ela tentou apartá-lo, é efetivamente reveladora de uma atitude ousada, destemida e violenta, própria de alguém fortemente determinado na prática dos atos de maus tratos físicos e psíquicos contra a vítima.
Acresce que o referido risco se apresenta claramente reforçado por o arguido padecer de uma perturbação mista ansiosa e depressiva reativa a situação de conflito familiar, com pensamento ruminativo, com ideação recorrente de morte, não estruturada, conforme igualmente dado como provado.
Perante a existência desse risco, que é fundado, afigura-se-nos acertada a conclusão de que a fiscalização do cumprimento da pena acessória e das regras de conduta através dos meios técnicos de controlo à distância se apresenta como imprescindível para a proteção dos direitos da vítima, traduzidos no seu bem estar físico e psíquico.
O que também constitui fundamento para a dispensa do consentimento do arguido, não havendo nos autos qualquer elemento, nem o recorrente o invoca, de tal consentimento ter que ser obtido também relativamente a pessoas que com ele vivam.
Por outro lado, ao invés do sustentado na conclusão 38ª, não cumpre equacionar, nem a lei prevê qualquer subsidiariedade dos referidos meios técnicos de controlo à distância, a aplicação de um mero meio técnico de teleassistência, vulgo "botão de pânico", cuja eficácia sempre estaria dependente de a vítima se aperceber da aproximação do arguido, o que, em certas circunstâncias, poderia não suceder, inviabilizando, assim, o despoletar dos alarmes que permitem a reação atempada por parte das autoridades.
Igualmente descabida é a pretensão do recorrente em ser ponderado um «(…) eventual pactuar consentimento ou perdão da alegada vítima o que também sempre serviria par atenuar as exigências de prevenção especial e geral e deverá ser tido em cota para efeito de suspensão da execução da pena, bem como do respetivo modo de execução (…)» (conclusão 39ª), porquanto tais circunstâncias não têm qualquer suporte na factualidade provada.

Não merece, pois, censura o juízo sobre a referida imprescindibilidade efetuado na sentença recorrida, assim improcedendo este segmento do recurso.

Enxertada na questão acabada de analisar, o recorrente invoca a prescrição do procedimento criminal relativamente ao episódio de violência física ocorrido em data não concretamente apurada de 2008 ou 2009, dado como provado nos pontos 7º a 9º (conclusão 34ª).
Tal alegação olvida por completo que, no modo de cometimento do crime de violência doméstica traduzido na repetição ou reiteração de comportamentos, os vários comportamentos isolados integram-se numa mesma unidade contextual, assente na especial relação existente entre o agressor e a vítima, prolongada no tempo e que constitui o padrão do comportamento daquele no seu relacionamento com esta.
Nestes casos de reiteração, cada um dos atos que a integram não pode ser apreciado em si mesmo, devendo-se antes ter em consideração, para efeitos da verificação ou não dos elementos do crime em apreço, o conjunto dos comportamentos apurados, na sua globalidade.
Na verdade, está em causa um crime cuja execução não ocorre - ou pode não ocorrer, como é o caso em apreço - num único e isolado comportamento. Como tal, consuma-se no momento da prática do último ato de execução, por referência ao qual há de ser apurada a eventual ocorrência de prescrição.
Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 30-10-2012[13] « (…) o crime de violência doméstica não é um crime de execução continuada. Nem sequer um crime habitual (em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente pratique determinado comportamento de uma forma reiterada, até ao ponto de ela poder dizer-se habitual, como é o caso do lenocínio), podendo falar-se, simplesmente, em "factos reiterados", isto é, "ações sucessivas adequadas no seu conjunto a produzir o resultado". (…) Se se entender que a reiteração de factos deve ser globalmente apreciada e valorada como integrando um comportamento repetido, dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social e que, portanto, consubstancia um só crime de maus tratos/violência doméstica, a sua consumação ocorreu com a prática do último ato de execução.».
Donde emerge a falta de razão do recorrente, pois que, para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal, o determinante é a data da execução do último facto praticado, ou dito de outra forma, o dia em que cessou a sua consumação.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em:

A) - No que concerne aos recursos interlocutórios interpostos pelo arguido, J. R., relativos aos despachos proferidos em 29-04-2020, 05-05-2020 e 07-05-2020, negar provimento aos mesmos, confirmando as decisões recorridas.
B) - Em relação ao recurso da sentença, interposto pelo arguido e demandado J. R.:
B).1 - Na parte relativa aos pedidos de indemnização civil, rejeitar o recurso, por a decisão ser irrecorrível.
B).2 - Na parte criminal, negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 3 (três) unidades de conta a taxa de justiça relativamente a cada um dos recursos interlocutórios e em 4 (quatro) unidades de conta a taxa de justiça relativamente ao recurso da sentença.
*
(Elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)

*
*
Guimarães, 28 de setembro de 2020

(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)
(assinado eletronicamente, conforme assinaturas apostas no canto superior esquerdo da primeira página)


1. Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a formatação do texto e a ortografia utilizada, que são da responsabilidade do relator.
2. Cf. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995.
3. No artigo “Os prazos em tempos de pandemia Covid-19”, in “Estado de Emergência - COVID-19 Implicações na Justiça”, CEJ, Lisboa, 2020, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/eb_Covid19.pdf, págs. 60-70.
4. In Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3ª edição atualizada pág. 39-42.
5. Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 18-01-2018 (processo n.º 563/14.3TABRG.S1), de 17-03-2016 (processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1), de 20-01-2010 (processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1), de 14-03-2007 (processo n.º 07P21) e de 23-05-2007 (processo n.º 07P1498) e do TRP de 11-07-2001 (processo n.º 110407), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
6. Publicado no Diário da República n.º 74/2006, Série II de 2006-04-13.
7. Vd. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, pág. 232.
8. Cf. os acórdãos do STJ de 18-01-2018 (processo n.º 563/14.3TABRG.S1) e de 25-03-2010 (processo n.º 427/08.OTBSTB.E1.S1), disponíveis em http://www.dgsi.pt.
9. Proferido no processo n.º 14/07.0TRLSB.S1, disponível em http://www.dgsi.pt.
10. Proferido no processo n.º 607/12.3GBVLN.G1, disponível em http://www.dgsi.pt.
11. Vd. http://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2a/12/01/136/2012-03-07/47?pgs=47-48&org=PLC.
12. Vd. http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheAudicao.aspx?BID=93762.
13. Proferido no processo n.º 440/07.4GCTVD.L1-5, disponível em http://www.dgsi.pt.