Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2755/16.1T8VNF.P1.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CÁLCULO DA RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
TRABALHO SUPLEMENTAR
DESCANSO LABORAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1- No julgamento da matéria de facto os poderes da 2ª instância estão delimitados pelo nº 1 do artº 662º do CPC, pelo que a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2- Por isso ainda se devem especificar não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas antes que imponham decisão diversa da impugnada.

3- Na retribuição de férias e respectivo subsídio deve incluir-se o valor médio por trabalho suplementar.

4- O não gozo do descanso compensatório é facto constitutivo do direito ao pretendido pagamento, competindo ao trabalhador o respectivo ónus de prova.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

M. M. intentou acção com processo comum contra Transportes, SA.
Foi pedida a condenação:

a) Pagar ao A. a importância de €13.764,96 referente à integração das médias do trabalho suplementar e do subsídio de risco nos meses de férias e nos subsídios de férias dos anos de 2006 a 2015;
b) Pagar ao A. a importância de €1.433,71 relativa aos dias de descanso compensatórios não gozados, respeitantes ao trabalho suplementar prestado no período compreendido entre 12-06-2006 a 31-07-2012;
c) Pagar juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das retribuições não pagas”.
Alegou, em súmula: desde 12.06.2006 é motorista de pesados por conta da R, mediante retribuição, à qual acrescem determinadas quantias mensais que aufere, de forma regular, a título de ajudas de custo e a título de subsídio de risco, e que, por serem regulares e periódicas, integram o conceito de retribuição, devendo a R integrá-las nos subsídio de férias e na retribuição de férias; e prestou, ao longo dos anos, várias horas de trabalho suplementar, não tendo a R permitido que gozasse os dias de descanso compensatório que tinha direito por força desse trabalho prestado.
A R contestou, alegando, em síntese: aceitava quer o recebimento das quantias alegadas pelo A, quer a prestação do trabalho suplementar invocado; o valor constante nos recibos de vencimento sob a rubrica “ajudas de custo” não correspondia na íntegra a trabalho suplementar; o pagamento do trabalho suplementar e do subsídio de risco dependiam, respectivamente, das concretas horas de trabalho suplementar prestadas e da efectiva prestação do trabalho específico tipo de trabalho previsto na cláusula 45ª A da CCT aplicável; não se podiam contar com os valores em causa em resultado da prestação normal de trabalho; foram gozados descansos compensatórios; sempre que possível, permitiu-lhe o gozo dos mesmos, dando uma folga na semana seguinte à da prestação do trabalho suplementar e, quando tal não foi possível, o respectivo valor foi pago sob a rubrica ajudas de custo.
Elaborado saneador, sem se enunciarem o objecto do litígio e os temas de prova, realizou-se audiência de julgamento e proferiu-se sentença, pela qual:

“julgo parcialmente procedente a acção, e consequentemente:
a) condeno a ré a pagar ao autor a quantia de 3.774,24€, referente à integração das médias do trabalho suplementar e do subsídio de risco nos meses de férias e no subsídio de férias dos anos de 2006 a 2015; e
b) no mais, absolvo a ré do pedido”.

O A recorreu e concluiu:

1.ª O ora recorrente, na sua PI, alegou que a totalidade dos valores pagos a título de ajudas de custo serviriam para pagar (de forma camuflada, com vista a ludibriar o fisco) o trabalho suplementar por ele prestado, que ia além das horas diárias que vinham referenciadas no recibo de vencimento sob a rúbrica “Horas Extra 50%”, “Horas Extra 75%”, “Horas Extra 25%”, “Horas Extra 37,5%”.
2.ª Em sede de contestação, a ora recorrida aceitou que efetivamente através de tal rubrica pagava horas de trabalho suplementar, referindo, no entanto, que apenas parte dessa rubrica é que serviria para o pagamento de trabalho suplementar. (Cfr. art.º 3.º da contestação)
3.ª A ora recorrida não elucidou, porém, que parte daqueles valores eram referentes a retribuição por trabalho suplementar;
4.ª E, entendemos nós que ao alegar o que alegou, cabia-lhe a ela o ónus de demonstrar e provar qual a parte das ajudas de custo que serviam para pagar o trabalho suplementar prestado pelo ora recorrente.
5.ª Porém, o Tribunal a quo deu como provado na alínea M) que: Ao longo dos anos de 2006 a 2015, o autor fez uma média mensal de 80 horas de trabalho suplementar.
6.ª Na falta de elementos que permitam fixar o valor do trabalho suplementar que era pago ao autor sob a rubrica “ajudas de custo”, o Tribunal a quo lançou mão de um critério de equidade conforme imposto pelo artigo 566.º, n.º 3 do CC.
7.ª Assim, O Tribunal a quo subtraiu ao valor das horas extra inscritas nos recibos de vencimento às 80 horas mensais que o autor fazia em média, para apurar o valor do trabalho suplementar que era pago na rubrica “ajudas de custo”, que multiplicou pelo valor hora do respectivo mês.
8.ª Ora, até aqui estamos de acordo com o que foi decidido pelo Tribunal a quo, nomeadamente no critério utilizado, ou seja, se deduzirmos às 80 horas mensais as horas que estão inscritas nos recibos sob as rúbricas Horas Extra 25%, 37,50 %, 50% e 75%, apuramos as horas restantes que, portanto, eram pagas sob a rubrica “ajudas de custo”.
9.ª Só que, salvo o devido respeito, a M.ª Juiza a quo, esqueceu, por um lado, de a essas horas apuradas somar ao valor da retribuição hora 37,50 % ou 75% (consoante a Lei em vigor) e,
10.ª Por outro, de, ter em conta, no cálculo do valor da retribuição horária, as diuturnidades que se venceram em Junho de 2009, em Junho de 2012 e em Junho de 2015.
11.ª Acresce ainda, de, a final, ou seja, após concluir qual a média mensal paga a título de trabalho suplementar sob a rubrica “ajudas de custo”, multiplicar por dois – retribuição de férias e retribuição de subsídio de férias.
12.ª Ora, a soma das médias mensais dos anos de 2006 a 2015 (134,80€+115,25€+157,08€+151,20€+154,55€+160,44€+150,02€+157,36€+150,92€+96,93€) resulta, segundo a sentença ora posta em crise, em 1.468,55€.
13.ª Para chegar a tal importância, o Tribunal a quo após ter calculado as horas que resultavam da subtracção de 80 horas às horas inscritas nos recibos de vencimento, multiplicou-as pelo valor da retribuição horária, que calculou em 3,28€ até 2007 e 3,36€ após essa data, devido a um aumento da retribuição base do recorrente.
14.ª Mas, deveria tê-las multiplicado por 5,73€ até 2007; 5,88€, de janeiro de 2008 até Junho de 2009; 6,03€ de Junho de 2009 até Maio de 2012; 6,18€ de Junho de 2012 até Maio de 2015; 6,33€ de Junho de 2015 até final.
15.ª E isto porque, por um lado, no cálculo do valor da retribuição horária deve atender-se às diuturnidades auferidas pelo trabalhador (ora recorrente) - cfr. art.º 258.º n.º 2 do CT, e,
16.ª Por outro lado, como acima se alegou ao valor da retribuição horária deve acrescer 75% ou 37,50% (conforme lei em vigor), pois o trabalho suplementar que era pago pela ora recorrida a título de trabalho suplementar sob a rubrica “ajudas de custo” era a terceira e demais horas de trabalho, ou seja, a 11.ª e seguintes horas de trabalho diárias.
17.ª Assim, facilmente se conclui que o valor que o ora recorrente tem direito a ver repercutida a título de média de todos os complementos remuneratórios na retribuição de férias e de subsídio de férias que lhe foram pagos no mínimo, onze meses num ano, é a seguinte: 746,45€, resultante da soma das médias dos anos de 2006 a 2015 pagas a titulo de subsídio de risco; 1.559,24€, resultante da soma das médias dos anos de 2006 a 2015 pagas a título de “Horas Extra 50%”, “Horas Extra 75%”, “Horas Extra 25%”, “Horas Extra 37,5%”; 2.948,54€, resultante da soma das médias dos anos de 2006 a 2015 pagas a título de trabalho suplementar sob a rúbrica “ajudas de custo”;
18.ª Que totalizam 5.254,23€.
19.ª Acresce que, como acima se alegou, estes valores são devidos, quer na retribuição de férias, quer na retribuição de subsídio de férias.
20.ª Razão pela qual, a ora recorrida deve ser condenada no pagamento ao ora recorrente da quantia de 10.508,46€ (5.254,23€x2).
21.ª Caso não se entenda que o valor devido das médias dos anos de 2006 a 2015 pagas a título de trabalho suplementar sob a rúbrica “ajudas de custo” se cifra em 2.948,54€, sempre terão V. Exas. de condenar a ora recorrida no pagamento da quantia de 7.548,48€ (3.774,24€x2).
22.ª Tendo o ora recorrente logrado provar que prestou as horas de trabalho suplementar referidas na alínea I), era da ora recorrida o ónus de demonstrar que lhe tinha concedido o mesmo número de dias de descanso compensatório ou, pelo menos, parte do descanso compensatório devido, já que estes seriam factos extintivos do direito que o ora recorrente reclama agora ao seu pagamento – cfr. art.º 342º, n.º 2 do CC -, sendo certo que a dúvida sobre estes mesmos factos sempre se teria de resolver contra a parte onerada com a prova – art.º 346º do Cód. Civil.
23.ª Ora, a recorrida nada demonstrou a este propósito, sendo que na sua contestação limitou-se a referir que “sempre que possível” o ora recorrente gozava os descansos compensatórios (cfr. art.º 17.º e 18.º da contestação), e que, sempre que não os gozava “o valor relativo aos mesmos era pago na rubrica ajudas de custo”.
24.ª É inegável que o recorrente, por virtude do disposto no n.º 1 do art.º 229.º do CT (anterior à revisão operada pela Lei n.º 23/2012, de 25-12) o direito a um dia de descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho suplementar realizado.
25.ª Por isso, e não tendo a recorrida demonstrado que concedeu esses dias de descanso compensatório, terá de os pagar ao recorrente, pelo valor da remuneração diária do trabalho em cada um dos anos considerados, conforme peticionado.
Termina pretendendo que se revogue “a sentença proferida nos autos, substituindo-a por acórdão que condene a ora recorrida ao pagamento da importância de 11.942,17€”.
A R contra-alegou e recorreu subordinadamente.

Concluiu:

I. O objecto do presente recurso subordinado consiste na alteração da matéria de facto para eliminação da alínea M) dos factos dados como provados; e na questão de saber se o pagamento de trabalho suplementar apresenta característica de regularidade de modo a dever ser considerado no pagamento das férias e subsídios de férias.

II. O facto dado como provado sob a alínea M) é motivado, na fundamentação da douta sentença, pela afirmação de que a testemunha M. J. assegurou que o trabalhador prestava, mensalmente, 80 horas de trabalho suplementar, mas a audição dos depoimentos desta testemunha contradizem tal fundamentação.

III. O facto em causa deve ser dado como não provado e deve a questão controversa ser decidida pela aplicação das regras do ónus da prova, segundo as quais cabia ao Autor alegar e provar as concretas horas de trabalho suplementar que lhe foram pagas sob a rubrica “ajudas de custo”.

IV. Em qualquer caso, não pode o valor aproximado de 80 horas ser aplicado quanto ao ano de 2015, porquanto, resulta da análise dos recibos de vencimento juntos à petição inicial, que, nesse ano, o Autor prestou consideravelmente menos trabalho suplementar.

V. Apesar do que a apresentação dos pagamentos através da indicação de valores médios pode dar a parecer, a verdade é que a prestação de trabalho suplementar pelo Autor variava de mês para mês e o trabalhador não podia contar com a prestação e pagamento desse trabalho contínua e eternamente, pelo que não deve ser considerado para efeitos de cálculo de valor de férias e subsídio de férias.
Termina pretendendo “que seja julgado procedente o recurso subordinado agora apresentado e, em consequência, se revogue a decisão de primeira instância, substituindo-a por outra que absolva a Ré do peticionado.
Subsidiariamente, requer a V. Exas. seja o recurso do Autor julgado improcedente, mantendo-se a douta decisão recorrida”.
Não se respondeu.
No seu parecer o MºPº entende que o deve proceder parcialmente o recurso do A e improceder o recurso subordinado.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Indagar-se-á, sucessivamente, sem prejuízo das conclusões do recurso e das questões que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento de outras, da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, do valor a receber a título de férias e respectivo subsídio e do direito a receber de quantia a título de descanso compensatório não gozado.

Os factos considerados assentes na sentença:

A) O autor é sócio do Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Urbanos, associação sindical que integra a FECTRANS (anteriormente denominada FESTRU) e a ré é associada da ANTRAM – Associação Nacional dos Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias.
B) O autor foi admitido ao serviço da ré, sociedade comercial que se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias, por força de um contrato de trabalho celebrado em 12 de Junho de 2006.
C) A partir daquela data, o autor passou a exercer a sua actividade profissional remunerada, por conta e sob a direcção e fiscalização da ré, estando classificado profissionalmente como Motorista de Pesados.
D) Ao serviço da Ré auferiu o A. os seguintes vencimentos mensais:
- De 12-06-06 a 31-12-07: 567,86€,
- De 01-01-08 a 31-05-09: 582,06€,
- De 01-06-09 a 31-05-12: 597,04€ (582,06€+14,98€ de 1 diuturnidade),
- De 01-06-12 a 31-05-2015: 612,02€ (582,06€+29,96€ de 2 diuturnidade),
e - A partir de 01-06-2015: 626,99€ (582,06€+44,93€ de 3 diuturnidade).
E) O autor por ordem e no interesse da ré cumpria um horário de trabalho móvel de 40 horas semanais, 8 horas diárias, distribuídas de Segunda a 6ª. Feira, e descanso fixado ao Domingo (descanso semanal) e Sábado (descanso complementar).
F) Para além da remuneração base referida em D), o autor auferiu as seguintes prestações mensais que a ré mencionava nos recibos de vencimento do autor sob as rubricas “ajudas de custo”:
- No ano de 2006, em 7 dos 7 meses que trabalhou, 2.888,55€, numa média mensal de 412.65€,
- no ano de 2007, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 6.141.85€, numa média mensal de 511,82€,
- no ano de 2008, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 6919,10€, numa média mensal de 576,59€;
- no ano de 2009, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 4.931,84€, numa média mensal de 410,99€;
- no ano de 2010, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 4.872.41€, numa média mensal de 406,03€;
- no ano de 2011, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 5.692,08€ numa média mensal de 474,34€;
- no ano de 2012, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 5.237,52€, numa média mensal de 436,46€;
- no ano de 2013, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 6.217,13€, numa média mensal de 518,09€;
- no ano de 2014, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 6.800,84€, numa média mensal de 566,74€; e
- no ano de 2015, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 1.820,19€, numa média mensal de 151,68€.
G) Para além da remuneração base referida em D), o autor auferiu as seguintes prestações mensais a título de remuneração por trabalho suplementar, que a ré mencionava nos recibos de vencimento do autor sob as rubricas “Horas Extra 50%”, “Horas Extra 75%”, “Horas Extra 25%” e Horas Extra 37,5%”:
- No ano de 2006, em 6 dos 7 meses que trabalhou, 1.012,70€, numa média mensal de 144,67€,
- no ano de 2007, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 2.082,80€, numa média mensal de 173.57€,
- no ano de 2008, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 2.170,56€, numa média mensal de 180,88€;
- no ano de 2009, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 2.322,99€, numa média mensal de 193,58€;
- no ano de 2010, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 2.273,63€, numa média mensal de 189,47€;
- no ano de 2011, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 2.164,09€, numa média mensal de 180,34€;
- no ano de 2012, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 2.161,81€, numa média mensal de 180,15€;
- no ano de 2013, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 1.845,75€, numa média mensal de 153,81€;
- no ano de 2014, em 12 dos 12 meses que trabalhou, 1.953,28€, numa média mensal de 162,77€; e
- no ano de 2015, em 9 dos 12 meses que trabalhou, 533,79€, numa média mensal de 44,48€.
H) Para além da remuneração base referida em D), o autor auferiu as seguintes importâncias a título de subsídio de risco:
- No ano de 2006, em 5 dos 7 meses que trabalhou, a quantia de 192,96€, numa média mensal de 38,59€,
- No ano de 2007, em 12 dos 12 meses que trabalhou, a quantia de 836,16 €, numa média mensal de 69,68€,
- No ano de 2008, em 12 dos 12 meses que trabalhou, a quantia de 1.055,92€, numa média mensal de 87,99€,
- No ano de 2009, em 12 dos 12 meses que trabalhou, a quantia de 1.173,84€, numa média mensal de 97,82€,
- No ano de 2010, em 12 dos 12 meses que trabalhou, a quantia de 1.188,92€, numa média mensal de 99,08€,
- No ano de 2011, em 12 dos 12 meses que trabalhou, a quantia de 1.160,50 €, numa média mensal de 96,71€,
- No ano de 2012, em 12 dos 12 meses que trabalhou, a quantia de 1.116,50 €, numa média mensal de 93,04€,
- No ano de 2013, em 12 dos 12 meses que trabalhou, a quantia de 1.160,50 €, numa média mensal de 96,71€, e
- No ano de 2014, em 12 dos 12 meses que trabalhou, a quantia de 1.265€, numa média mensal de 105,42€.
I) O autor prestou para a ré as seguintes horas de trabalho suplementar:
- no ano de 2006, 191h00m;
- no ano de 2007, 392h00m;
- no ano de 2008, 399h00m;
- no ano de 2009, 420h00m;
- no ano de 2010, 407h00m;
- no ano de 2011, 387h00m; e
- no ano de 2012 (Janeiro a Julho), 235h00m.
J) O subsídio de risco era pago por cada dia que o autor efectuasse transporte ADR (transporte de mercadorias perigosas), na condução de cisternas de combustíveis e gás embalado.
Mais resultou provado que (factos que se aditam nos termos do disposto no artigo 72.º do CPT, por terem resultado da discussão de audiência e julgamento, tendo sobre os mesmos incidido discussão das partes):
L) O valor recebido pelo autor, referido em F), sob a rubrica “ajudas de custo” compreendia, ao longo dos anos de 2006 a 2015, remuneração por trabalho suplementar e o pagamento de deslocações, estadias e refeições.
M) Ao longo dos anos de 2006 a 2015, o autor fez uma média mensal de 80 horas de trabalho suplementar”.
Visto isto.

Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

A R entende ser de eliminar a matéria da alª m) dos factos assentes da sentença (Ao longo dos anos de 2006 a 2015, o autor fez uma média mensal de 80 horas de trabalho suplementar), “subsidiariamente, ser o facto corrigido de forma a interpretar-se como uma mera indicação de mero valor aproximado, respeitante aos meses de actividade normal (que não são todos), tendo em vista um julgamento com base em juízo de equidade”.
Fundamenta-se no depoimento da testemunha M. J., seu administrativo que processa os salários dos trabalhadores.
Na sentença fundamentou-se a convicção acerca deste segmento da factualidade conjuntamente com a da alª l) dos mesmos factos (O valor recebido pelo autor, referido em F), sob a rubrica “ajudas de custo” compreendia, ao longo dos anos de 2006 a 2015, remuneração por trabalho suplementar e o pagamento de deslocações, estadias e refeições):
“Finalmente, no que respeita à matéria referida em L) e M) e ao facto de se ter dado como provado que as prestações mensais referidas em G) se referiam à remuneração de trabalho suplementar, considerou o tribunal o depoimento da testemunha M. J., chefe de recursos humanos da ré, que processa salários desde o ano de 2006 e que deu conta ao tribunal do que destinavam a pagar os valores constantes nos recibos de vencimento sob os itens “ajudas de custo”, “Horas Extra 50%”, “Horas Extra 75%”, “Horas Extra 25%” e Horas Extra 37,5%”.
Esta testemunha, considerando os anos em questão, naturalmente que não soube precisar, quanto às “ajudas de custo” quais os valores concretos que ali se pagavam a título de cada um dos itens que abarcava - estadias, deslocações, refeições e trabalho suplementar que excedia o incluído nos itens “Hora Extra” -, não tendo sequer conseguido adiantar a proporção do valor constante nas “ajudas de custo” que se destinava a pagar cada um daqueles itens.
Mais referiu esta testemunha que, ao longo dos anos, a forma como eram processados os pagamentos ia variando, concluindo o tribunal que o que se pagava e estava englobado naquele item “ajudas de custo” não seria sempre o mesmo.
Elucidou esta testemunha, de forma muito segura, explicando ao tribunal de forma coerente e lógica, que os valores indicados na segunda coluna dos recibos de vencimento “Horas/dias”, no que respeitam à dita rubrica “ajudas de custo”, se referem não só ao número de horas do dito trabalho suplementar, mas também a estadias, deslocações e refeições que o programa informático assumia, por defeito, também como horas.
Finalmente, por esta testemunha foi assegurado que o autor sempre fez, cerca de 80 horas de trabalho suplementar, por mês, valor que foi aceite pelo autor nas declarações por ele prestadas, facto que, portanto, o tribunal entendeu dar como provado”.
O que a R pretende subsidiariamente é incomum. Por um lado, não faz sentido questionar a convicção alcançada da prova tendo em conta uma dada solução do pleito em termos substantivos e, por outro lado, em violação expressa do disposto no artº 640º, nºs 1. alª c), do CPC que exige, sob pena de rejeição da impugnação, a decisão concreta que deve ser proferida quanto a determinado ponto de facto que se considere incorrectamente julgado, sugerindo-se uma solução em aberto, à descrição do julgador, em face dessa finalidade.
Auditado o registo áudio dos depoimentos desta testemunha, como consta da transcrição constante do recurso, e do depoimento do A sem dúvida que na sua conciliação decorre o entendimento que possam ter sido prestada uma média de 80 horas de trabalho suplementar ao longo do período em que se manteve o vínculo laboral, sendo que com a expressão média enquanto valor ou termo médio não deixa de indicar um valor “aproximado de horas de trabalho suplementar por mês” independentemente do ano e da sua eventual regularidade, nomeadamente quanto ao ano de 2015 das percepcionadas directamente dos recibos e vencimento.
Pode-se objectar sobre a forma algo concludente como nessa parte a fundamentação refere o depoimento da testemunha. Contudo, face ao princípio da aquisição processual da prova (artº 413º do CPC), independentemente, pois, do ónus de prova que pudesse onerar o A e do modo de alegação da factualidade pertinente, e ademais se como refere a R a testemunha se fazia acompanhar “de todos os registos diários de trabalho do Autor”, admite-se que a convicção do tribunal a quo pode ser transmitida como verdade processual na proposição constante em tal alínea, a qual não pode ser desmerecida ao ponto do que se prevê no artº 414º do CPC pelo particular contexto em como o depoimento foi prestado.
Isto sem que também deva merecer relevo consistente saber se a prestação dessas horas suplementares, segundo os métodos ao tempo da R, seria registada, ou não na rubrica das ajudas de custo do recibo de vencimento, sendo certo, de resto, até por esse método, não se lograr afirmar indesmentivelmente que os recibos de vencimento extractassem de modo absolutamente correcto essas realidades no ponto de vista da R.
Daqui que outro não poderia ser o nosso entendimento face à prova adequadamente valorada em primeira instância, querendo isto dizer também que aos excertos do depoimento realçado pela R não se lhe pode atribuir o significado que a mesma pretende e menos ainda a virtualidade de imporem a modificação da decisão de facto como se reclama no artº 662º, nº 1 do CPC.
Segundo este normativo a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Deste modo afigura-se-nos apodíctico que convém especificar não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas, antes, que imponham decisão diversa da impugnada.
O que vale dizer que face aos meios de prova especificados pela R a decisão da matéria de facto só poderia ser aquela a que o Tribunal recorrido chegou, atento também ao disposto no artº 414º do CPC (ainda artº 346º do CC).
Toda a apreciação da prova pelo tribunal a quo tem ainda a seu favor o importante princípio da imediação que não pode ser descurado no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaiu a mesma, segundo o princípio da liberdade de julgamento.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.
O julgador deverá avaliar o depoimento em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência (Miguel Teixeira de Sousa, A Livre Apreciação da Prova em Processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII, 1984, 115 e seg).
Devendo-se por fim ainda concluir que segundo as regras de experiência comum, a factualidade posta em crise pela R não só não se revela grosseiramente apreciada pela primeira instância como na nossa reapreciação da prova, já no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova, julgamos que sempre seria de manter.
Aqui chegados e ficando incólume a factualidade dada como assente, constata-se, efectivamente, certamente por lapso, que na sentença não se atentou que o valor encontrado para se remunerar as férias e determinar o respectivo subsídio na parte não liquidada respeitava apenas a um deles.
Estamos perante um erro de cálculo que afectou o montante pelo qual a R foi condenada na alª a) do dispositivo, pelo que onde se escreveu “condeno a ré a pagar ao autor a quantia de 3.774,24€, referente à integração das médias do trabalho suplementar e do subsídio de risco nos meses de férias e no subsídio de férias dos anos de 2006 a 2015” se deve ler “condeno a ré a pagar ao autor a quantia de 7.548,48€, referente à integração das médias do trabalho suplementar e do subsídio de risco nos meses de férias e no subsídio de férias dos anos de 2006 a 2015”, nestes termos ficando rectificado o lapso.
No entanto, entende ainda o A que na determinação desses montantes e no que concerne ao trabalho suplementar que respeita à rubrica das ajudas de custo deveria ter sido apurado o valor hora respeitante ao trabalho suplementar em consonância com as diuturnidades entretanto vencidas, por uma lado, e nesse cálculo deviam ser antes computados os respectivos acréscimos legais devidos pela prestação de tal trabalho, por outro lado.
Sem se olvidar o dispositivo legal e a instrumentação colectiva que prevê a renumeração destes itens (artºs 249º, 258º e 264º do CT de 2003, 258º, 268º e 271º do CT de 2009, Lei 23/2012, de 25.06, Lei 48-A/2014, de 31.07, e aláusulas 38ª, 40ª e 42ª do CCT), o que acontece é que o tribunal a quo decidiu esta matéria, e bem, segundo as regras da equidade e já na aplicação destas as do ónus de alegação e prova são inócuas.
Nesta medida afigura-se-nos igualmente adequado que o valor hora em singelo fosse o aplicável à base de cálculo, face às circunstâncias que aí se arrolaram:
“A este respeito, importa considerar que o autor alegou receber o pagamento de trabalho suplementar na rubrica identificada nos recibos de vencimento como “ajudas de custo”, não logrando provar esta matéria de forma cabal.
De facto, o que vem dado como provado é que, efectivamente, o autor recebeu determinadas quantias para pagamento de trabalho suplementar, sob as rubricas “Horas Extra 50%”, “Horas Extra 75%”, “Horas Extra 25%” e Horas Extra 37,5%” e, quanto aos valores recebidos titulados na rubrica “ajudas de custo”, que os mesmos correspondiam, ao longo dos anos de 2006 a 2015, à remuneração por trabalho suplementar e ao pagamento de deslocações, estadias e refeições.
Assim, se quanto aos valores constantes nos factos provados que se reportam às rubricas “Horas Extra 50%”, “Horas Extra 75%”, “Horas Extra 25%” e Horas Extra 37,5%” não há dúvida, em face do que se disse, que serão de considerar integrados na retribuição do autor – desde que recebidos de forma regular -, o mesmo já não acontece com a totalidade do valor inscrito na rubrica “ajudas de custo”, já que esta abarca prestações intimamente ligadas à compensação das despesas que o trabalhador realizava por estar, efectivamente, ao serviço, sendo claramente aleatórias – a saber, deslocações, estadias e refeições - e que, portanto, são de excluir do conceito de retribuição.
Assim, relativamente aos valores inscritos na rubrica “ajudas de custo”, temos apenas a considerar para os efeitos pretendidos pelo autor, as quantias que se destinavam a pagar o trabalho suplementar, que o tribunal desconhece quais são, por não ter sido possível decompor aquela rubrica nos vários itens que a compõe.
Neste âmbito, dispõe o n.º 2 do artigo 609.º do CPC que “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado (…)”.
Esta norma tem dado azo a diferentes interpretações.
Uns defendem que o tribunal apenas poderá condenar no que se liquidar em momento ulterior quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade por os respectivos factos não serem ainda conhecidos ou estarem ainda em evolução aquando da propositura da acção ou que como tal se apresentaram no momento da decisão de facto. Trata-se de uma interpretação restritiva.
Neste seguimento se na acção o autor especificar os danos e não os lograr provar, já não será possível lançar mão do expediente previsto no artigo 609.º, n.º 2.
Esta tese fundamenta-se, essencialmente, no argumento de que a letra da lei fala em “falta de elementos” e não em “falta de prova de elementos”, o que aponta para a falta de factos a provar e não para o fracasso da prova sobre eles.
Mais se propugna que, por razões de segurança e rapidez, o escopo da lei só pode ter querido permitir ao autor que liquidasse a indemnização ou fixasse o respectivo “quantum” em momento posterior à prolação da sentença nos casos em que o não pode fazer logo ao propor a acção ou até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
Em sentido contrário ao exposto segue uma outra interpretação mais ampla do preceito, na linha do defendido por Alberto dos Reis, que ensinava que esta norma “tanto se aplica ao caso de se ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico (...) como ao caso de se ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança o objecto ou a quantidade da condenação” - cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 71.
Também Vaz Serra, (RLJ, Ano 114, págs. 309 e 310) que defende que “A aplicabilidade do n.º 2 do art. 661º do CPC não depende de ter sido formulado pedido genérico; mesmo que o A. tenha deduzido na acção um pedido de determinada importância indemnizatória, se o tribunal não puder averiguar o valor exacto dos danos, deve relegar a fixação da indemnização, na parte que não considerar ainda provado, para execução de sentença.”) e Rodrigues Bastos (Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, págs. 232 e 233), referindo que “A condenação no que se liquidar em execução de sentença é de proferir tanto no caso de ter sido formulado pedido genérico, como no ter sido apresentado pedido específico e não ter sido possível determinar o objecto ou a quantidade da condenação.”).
Ora, afigura-se-me que nada na letra da lei permite fazer a restrição que acima se mencionou por forma a considerar-se que aí se visa a falta de factos a provar e não o fracasso da prova sobre eles. E, se a lei não restringe, também o intérprete não o deve fazer.
Por outro lado, em conformidade com a unidade do sistema jurídico, importa chamar à colação o disposto no artigo 566.º, n.º 3 do CC, que impõe que o Tribunal julgue equitativamente dentro dos limites que tiver por provados se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos.
Nesta medida, o tribunal deverá lançar mão deste preceito se se fizer a prova da existência de danos mas não puder ser averiguado o seu valor exacto.
Porém, antes de poder proceder a esse julgamento equitativo, o tribunal terá que verificar se existe possibilidade de recolher todos os elementos para fixar o valor exacto dos danos - designadamente em sede de incidente de liquidação.
Na verdade, como refere Vaz Serra, (RLJ, 114º, pág. 310), “A opção pela liquidação em execução de sentença pode ter lugar antes de utilizadas, na acção de indemnização, todas as possibilidades do juízo equitativo previsto no n.º 3 do art. 566º do CC”. Ou seja, o recurso a esse juízo só é permitido, no n.º 3 do artigo 566.º, quando “não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, parecendo, assim, que, se esse valor puder ser averiguado em execução de sentença, para liquidação nessa execução deverá o tribunal relegar a fixação da indemnização”.
Em conclusão, entendo que o escopo da lei não é impedir que se dê à parte duas oportunidades para fazer a prova do valor dos danos - uma na acção declarativa e outra no incidente de liquidação que se lhe seguir -, mas antes encontrar a solução justa ao caso concreto, reparando o lesado sempre que se justificar.
Donde, a falta de elementos que permitam fixar o valor do trabalho suplementar que era pago ao autor sob a rubrica “ajudas de custo” não deve conduzir à improcedência da acção - ou seja à sua não consideração como retribuição para os efeitos pretendidos pelo autor -, mas sim ao lançar mão da possibilidade prevista no dito artigo 609.º do CPC, ou, no caso de se entender que tal averiguação não é possível, fixá-lo com base num critério de equidade conforme imposto pelo artigo 566.º, n.º 3 do CC.
Ora, no caso dos autos, entendo que essa fixação deve ser, desde já, efectuada.
Na verdade, considerando que estão em causa prestações pagas desde 2006 a 2014 e que a audiência de julgamento foi reaberta com vista a tentar apurar, junto da pessoa que processava os pagamentos, com recurso a documentos, que valores estariam em causa, o que não se logrou apurar, não se vislumbra que seja possível, em momento ulterior, através da produção de outros meios complementares de prova – que não se vislumbra sequer quais são - a determinação daqueles concretos valores.
Importa, assim, recorrer a um critério de equidade, centrado directamente no caso concreto.
Como vem dado como provado, ao longo dos anos de 2006 a 2015, o autor fez uma média mensal de 80 horas de trabalho suplementar.
Nos recibos de vencimento junto aos autos consta o número de horas extra pagas a 25%, 37,50%, 50% e 75% - pelos valores referidos em G).
Assim, subtraindo o valor destas horas extra às 80 horas mensais que o autor fazia em média, apuramos o valor do trabalho suplementar que era pago na rubrica “ajudas de custo”, que multiplicamos pelo valor hora do respectivo mês.
Como resultado desta operação, temos as seguintes médias de trabalho suplementar que eram pagas na rubrica ajudas de custo, médias que se me afiguram justas e ponderadas:
(…)
Vejamos agora do carácter de regularidade das prestações complementares.
Como refere Motta Veiga (in Lições do Direito do Trabalho, 6ª edição, pág. 471) “As remunerações complementares somente podem fazer parte da retribuição “stricto sensu” ficando sujeitas à respectiva disciplina legal se, nos termos do contrato de trabalho ou dos usos, assumirem carácter regular ou habitual, e deverem portanto considerar-se como elemento integrante da remuneração do trabalhador, sobretudo se forem pagos por forma a criar no espírito deste a convicção de que constituem complemento normal do seu trabalho”.
Com a expressão “regular”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, constante.
Vinha a jurisprudência exigindo que o pagamento dessa prestação perdurasse, pelo menos, pelo período de seis meses, seguidos ou intercalados.
Porém, temos agora a considerar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2015, de 01 de Outubro de 2015, publicado no DR 1.ª série, de 29/10/15, que uniformizou jurisprudência no sentido de fixar à cláusula 12ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE/2006, publicado no BTE n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2006 (relativo à TAP), a seguinte interpretação “No cálculo das retribuições de férias e de subsídio de férias do tripulante de cabina deve atender-se à média das quantias auferidas pelo mesmo, a título de prestação retributiva especial a que alude a cláusula 5.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, nos doze meses que antecedem aquele em que é devido o seu pagamento, desde que, nesse período, o tripulante tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses”.
Como se decidiu no Acórdão da RP de 16/11/15 “[a]inda que o citado aresto se reporte à interpretação de cláusula constante de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que não é aplicável ao caso dos autos, afigura-se-nos, todavia, que não se deverá, face ao valor reforçado desse acórdão e à uniformização de jurisprudência que dele decorre e à similitude de situações a demandar tratamento análogo, deixar de se aplicar à situação em apreço nos autos a doutrina que decorre da interpretação sufragada em tal aresto. Com efeito, o que estava em causa no referido Acórdão, tal como nos autos, é a mesma questão jurídica, qual seja a interpretação do conceito de retribuição previsto na lei geral, conceito este que tem natureza indeterminada e sendo as considerações nele tecidas transponíveis para o caso dos CTT por identidade ou analogia de situações. Tanto num caso, como no outro, há que interpretar o que se deve considerar como regular e periódico para preenchimento do conceito de retribuição para os mesmos efeitos (integração da retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal). Ou seja, as considerações tecidas no ponto 6 do acórdão e vertidas na interpretação uniformizadora são, por identidade ou analogia, transponíveis para o caso dos CTT”.
De facto, não se vislumbra razão válida para não aceitar a concretização e uniformização levada a cabo neste Acórdão dos conceitos indeterminados de regularidade e periodicidade, pelo que aplicando o critério orientador do cariz regular e periódico das atribuições patrimoniais preconizado no citado Acórdão n.º 14/2015, considerar-se-ão para efeitos de retribuição a repercutir nas férias e subsídios de férias, as prestações complementares nos termos supra expostos, que hajam sido auferidas em todos os meses de actividade (11 meses) do período anual.
Voltemos ao caso dos autos.
Ora, como vem dado como provado, o autor auferiu, para além da retribuição base, os valores referidos em G) – trabalho suplementar - e H) – subsídio de risco, sendo que, quanto ao trabalho suplementar apenas em 2015 se não verificam que as características de regularidade e periodicidade que, como se expôs, se consideram exigíveis e, quanto ao subsídio de risco tal apenas aconteceu no ano de 2006.
Quanto aos valores pagos a título de trabalho suplementar que constam na rubrica “ajudas de custo”, cujos valores se alcançaram por equidade, temos que se verificam as características de regularidade e periodicidade em todos os anos referidos (de 2006 a 2015).
Tem, assim, o autor direito a ver repercutida a média de todos os complementos remuneratórios na retribuição de férias e subsídio de férias que lhe foram pagos no mínimo, onze meses no ano, pelo que tem a receber da ré a um total de 3.774,24€ (1.559,24€ + 746,45€ + 1.468,55€)”.
Nesta medida não nos merece qualquer censura nesta parte a sentença e nomeadamente no que concerne ao caracter de regularidade do recebimento da renumeração por trabalho suplementar que por seu turno a R questiona.
Com efeito, refere no seu recurso subordinado que “A prestação de trabalho suplementar não consiste num direito do trabalhador, mas numa obrigação que a empresa lhe impõe quando se mostre necessário. (…). Na verdade, os valores oscilam consideravelmente de mês para mês, precisamente em resultado da variação das horas de trabalho suplementar prestado. De maneira que, não é correto dizer-se que o Autor podia razoavelmente contar com determinado valor mensal relativo a trabalho suplementar”.
Mas, como se refere no parecer:
“Afigura-se-nos, também, que não merecem provimento as conclusões recursórias da RecorrentelRé quanto à não integração das médias anuais auferidas pelo Recorrido/Autor a título de trabalho suplementar nas retribuições de férias e de subsídio de férias dos anos de 2006 a 2014, em razão de alegadamente não comungar in casu tal complemento retributivo da característica da regularidade.
Com efeito, a esse propósito e no sentido da integração desse complemento retributivo nas aludidas retribuições de férias e de subsídio de férias merecem a nossa total concordância e adesão os fundamentos expendidos na sentença sob recurso, que aqui por brevidade e economia processual nos dispensamos de reiterar/reproduzir, fundamentos esses que estão em perfeita linha com a jurisprudência mais recente dos nossos tribunais superiores, maxime com o decidido no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 01.10.2015, proc.º n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1 citado na decisão recorrida”.
Ademais neste sentido já decidiu este tribunal nos acórdãos de 21.09.2017 (www.dgsi.pt) e de 21.09.2017, procº 7364/15.0T8VNF.G1, designadamente.
O A ainda se opõe à sentença relativamente ao não pagamento de descanso compensatório na sequência da realização de trabalho suplementar com a consequente absolvição da R.
No parecer emitiu-se pronúncia com a qual se concorda na íntegra tal como acontece nesta parte com a sentença:
“Na verdade, ao invés do defendido pelo Recorrente/Autor e na esteira da jurisprudência consolidada dos nossos tribunais superiores, competia ao mesmo, nos termos do art.º 342.º, n.º 1 do CC, alegar e provar, não só que prestou trabalho suplementar, mas também que não gozou os descansos compensatórios legalmente devidos (cfr. art.ºs 202.º do CT de 2003 e 229.º do CT de 2009) - vd. nesse sentido, para além do aresto citado na decisão recorrida, os recentes doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.03.2017, proc.º n.º 633/13.5TTVIS.C1.S1 e de 12.01.2017, proc.º n.º 12514/13.8T2SNT.L1.S1 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Ora, não tendo o Recorrente/Autor logrado provar o não gozo dos aludidos dias de descanso compensatório, nenhuma censura merece o segmento decisório ora em apreço ao ter julgado improcedente o correspondente pedido formulado na p.i. a esse propósito e, em consequência, absolvido do mesmo a Recorrida”.
E na sentença decidiu-se:
“A segunda questão que importa conhecer tem a ver com a falta do gozo de descanso compensatório.
Estabelecia o artigo 229.º, n.º 1 do C. Trabalho, revogado com a Lei 23/12, de 25/06, que “O trabalhador que presta trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado tem direito a descanso compensatório remunerado, correspondente a 25 % das horas de trabalho suplementar realizadas, sem prejuízo do disposto no n.º 3.”
Este descanso compensatório vence-se quando perfaça um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado nos 90 dias seguintes (n.º 2, também revogado pela referida lei).
A este respeito temos que o autor logrou provar que prestou as horas de trabalho suplementar referidas em I).
De resto, temos que resultou não provada a demais matéria alegada pelas partes a este respeito – pontos 1 e 2.
A este respeito, é pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que “o pedido de pagamento do descanso compensatório não gozado, entroncando embora na prestação de trabalho suplementar, pressupõe a alegação e prova, pelo demandante - enquanto facto constitutivo do direito exercitado, ut art. 342.º/1 do Cód. Civil -, não apenas de que prestou trabalho nessas circunstâncias, mas também de que, na sua decorrência, não lhe foram dados a gozar os descansos compensatórios devidos” – cfr. Acórdão de 3/07/2014, disponível em www.dgsi.pt.
Como na fundamentação daquele aresto se refere “embora o direito em causa … decorra da prestação de trabalho suplementar naquelas relatadas circunstâncias, sempre o A. teria de alegar (e provar), enquanto facto constitutivo do direito ao pretendido pagamento, que trabalhou nos dias em que o empregador lhe deveria ter concedido o correspondente descanso compensatório, não bastando para o efeito, e sem mais, a simples alegação de que prestou trabalho suplementar em determinados dias”.
Ora, no caso dos autos, como é manifesto, o autor não logrou provar que a ré não lhe permitiu que gozasse quaisquer dias de descansos compensatórios na sequência do trabalho suplementar prestado, pelo que, sem necessidade de mais considerações, nesta parte não assiste razão ao autor”.
Pelo exposto, atento à predita rectificação será julgado parcialmente procedente o recurso do A e improcedente o recurso subordinado.

Sumário, da única responsabilidade do relator

1- No julgamento da matéria de facto os poderes da 2ª instância estão delimitados pelo nº 1 do artº 662º do CPC, pelo que a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2- Por isso ainda se devem especificar não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas antes que imponham decisão diversa da impugnada.

3- Na retribuição de férias e respectivo subsídio deve incluir-se o valor médio por trabalho suplementar.

4- O não gozo do descanso compensatório é facto constitutivo do direito ao pretendido pagamento, competindo ao trabalhador o respectivo ónus de prova.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso do A e improcedente o recurso subordinado, pelo que confirmando-se no mais a sentença se tem por rectificada a mesma quanto à alª a) do seu dispositivo, no sentido “condeno a ré a pagar ao autor a quantia de 7.548,48€, referente à integração das médias do trabalho suplementar e do subsídio de risco nos meses de férias e no subsídio de férias dos anos de 2006 a 2015”.
Custas pelo A e R na proporção respectiva de 1/5 e 4/5.
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O acórdão compõe-se de 22 folhas, com os versos não impressos.
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19.10.2017