Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3966/18.0T8VNF.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
AJUDAS DE CUSTO
RETRIBUIÇÃO ANUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A LAT adota um conceito próprio de retribuição, com contornos mais abrangentes que o constante do artigo 258.º do CT, não se referindo como neste a expressão “prestação a que… o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”.
Para efeitos de ressarcimento por sinistro laboral, consideram-se todas as prestações com caráter regular, desde que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
Cabe ao empregador demonstrar que uma determinada prestação regular se destina a compensar custos aleatórios.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

B. M., representado pelo MP, intentou a presente ação especial de acidente de trabalho contra Seguradoras X, S.A. e Petro…, Lda., pedindo a condenação da 1ª ré a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia no valor de 1.732,86€, desde o dia 31/05/2018, a quantia de 345,20€ de diferenças na indemnização por incapacidade temporária e a quantia de 18€ a título de despesas em transportes nas deslocações ao GML e ao tribunal e a condenação da 2ª ré a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia no valor de 342,52€ devida desde o dia 31/05/2018 e a quantia de 394,13€, a título indemnização por incapacidades temporárias, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal.

Para tanto alega ser trabalhador da 2ª ré e ter sido vítima de um acidente de trabalho no dia 28/03/18 do qual resultaram lesões que lhe determinaram um período de impossibilidade absoluta e parcial para o trabalho e uma incapacidade permanente parcial. Demanda a 1ª ré em virtude do contrato de seguro celebrado entre esta e a 2ª ré, na sequência do qual foi transferido a responsabilidade pelos danos emergentes de acidente de trabalho, estando a retribuição do sinistrado apenas parcialmente transferida para a 1ª ré (16.503,40€ dos 19.765,48€ que correspondem à sua remuneração anual ilíquida).
A 1ª ré contestou, mantendo a posição assumida na tentativa de conciliação, ou seja, aceitando a existência do acidente e a sua caraterização como de trabalhado, as lesões e sequelas sofridas e a transferência da responsabilidade infortunística laboral pelo valor da retribuição invocada pelo autor, não aceitando, nem a IPP reclamada, nem os períodos de IT.
A 2ª ré também contestou, aceitando o acidente e a sua caraterização como de trabalha, as lesões e sequelas sofridas, mas já não a IPP invocada e os períodos de IT, nem a retribuição alegada pelo autor, alegando, em suma, que as quantias de 840€ e 4.175€ destinavam-se a compensar o sinistrado pelos custos aleatórios por ele suportados, pelo que não integram a retribuição do autor, concluindo que a retribuição se mostra transferida para a ré seguradora.

Realizado o julgamento e respondida a matéria de facto foi proferida decisão nos seguintes termos:

“Nestes termos e, pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente por provada, considerando que o autor sofreu um acidente de trabalho no dia 28/03/2018, quando se encontrava ao serviço da 2ª ré e, consequentemente:
a) condeno a 1ª ré a pagar ao sinistrado:
- A título da incapacidade parcial permanente (IPP), a pensão anual de 1.386,29€, com início em 31/05/2018, a que corresponde o capital de remição de 21.994,88€, acrescido de juros de mora desde 31/05/18 até efetivo e integral pagamento;
- A título de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta sofrida, a quantia de 345,20€, acrescida de juros de mora desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efetivo e integral pagamento;
- A título de despesas de deslocação a quantia de 18€, acrescida de juros de mora desde o desde a data da realização da diligência de não conciliação até efetivo e integral pagamento;
b) condeno a 2ª ré a pagar ao sinistrado:
- A título da incapacidade parcial permanente (IPP), a pensão anual de 274,01€, com início em 31/05/2018, a que corresponde o capital de remição de 4.347,44€, acrescido de juros de mora desde 31/05/2018 até efetivo e integral pagamento; e
- A título de incapacidade temporária uma indemnização no montante de 394,13€, acrescida de juros de mora desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efetivo e integral pagamento. …”

Inconformada a 2ª ré interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
i. Considera o Recorrente o Sr. Juiz «a quo» deveria ter dado como provado que «a quantia de 840 € com a designação “ajudas de custo no estrangeiro” corresponde ao somatório das quantias recebidas pelo autor ao longo dos 12 meses precedentes ao acidente destinadas a compensá-lo dos custos por aquele suportados com alimentação e dormida, quando deslocado no estrangeiro, por força atividade prestada à ré, nos dias de descanso semanal ou em feriados» e que «a quantia de 4.175€ com a designação “despesas de deslocação” corresponde ao somatório das quantias recebidas pelo autor ao longo dos 12 meses precedentes ao acidente, destinadas a compensá-lo dos custos por aquele suportados com alimentação e dormida, quando deslocado no estrangeiro, por força atividade prestada à ré, durante o período normal de trabalho».
ii. Impõe decisão diversa da recorrida, quanto aos referidos pontos 1 e 2, o depoimento de…
iv. Ainda que assim não se entenda, considera a Recorrente que os factos julgados provados não consentem a decisão proferida.
v. Dispõe o artigo 71.º, n.º 3, da LAT, que por retribuição anual entende-se o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
vi. Dos factos provados, ou da fundamentação da sentença, não é possível extrair que os montantes auferidos a título de ajudas de custo no estrangeiro, no valor de 840€, e a quantia de 4.175€, a título de despesas de deslocação, tenham caráter de regularidade, determinante para a sua qualificação como retribuição, pelo que deve a Recorrente ser absolvida do pedido.
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Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
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FACTOS PROVADOS

A) O autor nasceu em -/04/1980.
B) No dia -/03/18, cerca das 6h, em França, o autor prestava funções correspondente à sua categoria profissional de motorista de transporte internacional de mercadorias, sob as ordens, direção e fiscalização da 2ª ré e, quando estava a descer do camião, escorregou e caiu, embatendo com o braço esquerdo no solo, por força do que resultou, como consequência direta e necessária, trauma do ombro esquerdo, com rotura do bícepe.
C) As lesões causadas ao autor determinaram-lhe uma incapacidade absoluta para o trabalho de 29/03/2018 a 30/05/2018, estando desde esta data curado com uma incapacidade parcial permanente de 12%.
D) Nos 12 meses anteriores ao acidente, o autor auferiu o salário base mensal de 580€, subsídio de alimentação no valor mensal de 110€; subsídio TIR no valor mensal de 127,70€, cláusula 74ª no valor mensal de 289,26€, ajudas de custo no estrangeiro no valor de 840€ e a quantia de 4.175€ a título de despesas de deslocação (sendo que estas duas últimas componentes correspondem ao somatório das quantias recebidas pelo autor ao longo desses 12 meses).
E) À data o acidente, por força do contrato de seguro celebrado entre a 1ª e 2ª rés, encontrava-se transferida para a seguradora a retribuição de: 849,84€ x 14 (salário base) + 110€ x 11 (subsídio de alimentação) + 282,97 € x 12 (outras retribuições), perfazendo o total anual de 16.503,40 €.
F) A 1ª ré pagou ao autor a quantia de 1.648,77€ a título de indemnização por IT.
G) O autor suportou a quantia de 18€ em deslocações para o tribunal e o GML.
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Com relevância para a decisão, não resultou provado:

1) A quantia de 840€ com a designação “ajudas de custo no estrangeiro” corresponde ao somatório das quantias recebidas pelo autor ao longo dos 12 meses precedentes ao acidente destinadas a compensá-lo dos custos por aquele suportados com alimentação e dormida, quando deslocado no estrangeiro, por força atividade prestada à ré, nos dias de descanso semanal ou em feriados.
2) A quantia de 4.175€ com a designação “despesas de deslocação” corresponde ao somatório das quantias recebidas pelo autor ao longo dos 12 meses precedentes ao acidente, destinadas a compensá-lo dos custos por aquele suportados com alimentação e dormida, quando deslocado no estrangeiro, por força atividade prestada à ré, durante o período normal de trabalho.
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Pretende o recorrente a alteração da decisão relativa à matéria de facto, pretendendo seja considerada provada a matéria dada como não provada, e que tais verbas não devem ser consideradas para efeitos de cálculo, devendo ser absolvida.
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Para sustentar a sua posição quanto à matéria de facto invoca os depoimentos de E. G. e do próprio autor. A recorrente indica de forma suficiente os pontos a alterar com indicação dos pontos dos depoimentos a considerar, pelo que importa apreciar a questão.

Consta da fundamentação:
“(…) quanto à factualidade dada como não provada, não foi feita prova sobre a mesma, nomeadamente, não foi a mesma confirmada de forma segura por nenhuma das testemunhas inquiridas.
As testemunhas M. J. e C. D., que foram motoristas na 2ª ré, descreveram, de forma coincidente entre si, pelo menos no essencial, um esquema salarial que não incluía qualquer parcela para pagamento de despesas de alimentação e alojamento. O autor, nas declarações que prestou, também aludiu a essa forma de pagamento.
E. G., administrativa na ré que recolhe os elementos para o processamento de salários desde final do ano de 2019 (ou seja, já depois da data em causa nos autos) contrariou o uso do esquema salarial relatado pelas aludidas testemunhas e o autor, mas de forma pouco consistente, acabando por referir que aquelas rubricas incluíam o pagamento do trabalho prestado ao fim de semana e também as despesas com a alimentação e dormida, não sabendo, porém, explicar de que forma era alcançado o valor dessa despesas.
Não desconhece o tribunal os acordos que, em 2017 e 2018, eram normalmente celebrados com as empresas e os motoristas quanto ao pagamento da alimentação e das dormidas, nem o teor da CCT celebrada entre a ANTRAM e a FESTRU nesta matéria.
Não tem o tribunal quaisquer dúvidas de que o autor passava vários dias da semana e do fim de semana em viagens pela Europa, como por todas as testemunhas foi confirmado.
Mas, em face do relato feito pelas testemunhas e pelo autor quanto ao facto de os motoristas fazerem as suas refeições no camião, onde também dormiam, e de nada ter sido acordado com a 2ª ré quanto ao pagamento dessas despesas e, bem assim, considerando que a testemunha E. G. não foi capaz de precisar em concreto o que pagavam aquelas parcelas, nem a forma como era alcançado o valor das invocadas despesas, ficou o tribunal sem saber, de forma segura, o que a ré pretendia pagar com as rubricas “ajudas de custo no estrangeiro” e “despesas de deslocação” e por isso, deu como não provados os pontos 1 e 2”.
Vejamos os depoimentos. E. G. é funcionaria de escritório, faz as informações sobre salários que envia para a contabilidade. Referiu que em final de 2019 houve alterações no salário. Antes era um salário base, mais o subsídio TIR e a cláusula 74, agora substituída, um subsídio de alimentação e as ajudas de custa no estrangeiro. No recibo estas ajudas apareciam com duas denominações, ajudas custo e despesas de deslocação. Eram pagas apenas quando estavam no estrangeiro, referindo que era para os custos de alimentação, para dormir, para as “despesas por estar fora”. Referiu, contudo, que muitos trabalhadores levavam a alimentação de casa. O pagamento era efetuado com base nos dias fora e fins de semana fora. Referiu que era um valor dia, diferente para os fins de semana, não recordando os valores que eram pagos à data. Instada sobre o pagamento devido pelos fins de semana fora, referiu que os pagavam, dizendo que “provavelmente nesta rubrica”, referindo depois que sim, era nesta rubrica. Perguntada pela razão da diferenciação entre semana e fins de semana em termos de diferenciação não soube responder.
O autor, B. M., referiu que quando entrou para a empresa, eles falaram em salário de 1700 a 1750 mês. Referiu que recebiam em 3 parcelas. Na primeira parcela 900 euros, a segunda era variável e terceira também variável. Confirmou que dormia na cabine e levava alimentação de casa, e por vezes ia ao restaurante. Não entregava faturas. Referiu que nunca pagaram os fins semana. As ajudas de custo, disse, era o que vinha acima das cláusulas. Resultou dos esclarecimentos do depoente que pretendia significar que as cláusulas e o salário - pretendendo referir-se ao salário tabelar -, dava 900 euros, o que vinha acima até perfazer os 1700/1750 euros era pago naquelas verbas.
Resulta do depoimento do autor, tal como do depoimento das testemunhas M. J. e C. D., que a empresa não pagava despesas, as verbas que vinham além das cláusulas eram para preencher o ordenado, os tais 1700/1750 euros mensais.
Tendo em conta a prova produzida, e sabendo-se que, naturalmente, os vencimentos dos motoristas que fazem serviço no estrangeiro não são iguais aos que trabalham apenas no nacional, o vencimento referenciado pelo autor como acordado mostra-se credível, não resultando demonstrado que as ditas verbas, pagas em valor fixo embora considerando os dias no estrangeiro, se destinassem a custear despesas do trabalhador, como alimentação e dormidas. é de confirmar o decidido.
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Do direito

Consta do artigo art. 71º da Lei 98/2009, de 04/09:
Cálculo e pagamento das prestações
Artigo 71.º
Cálculo
1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.

11 - Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
É pacífico que a LAT adota um conceito próprio de retribuição, com contornos mais abrangente que o constante do artigo 258º do CT, não se referindo como neste a expressão “prestação a que… o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”. Para efeitos de ressarcimentos por sinistro laboral consideram-se todas as prestações com caráter regular, desde que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios. Cabe ao empregador demonstrar que uma determinada prestação regular se destina a compensar custos aleatórios.
O objetivo da LAT, ao consagrar este conceito mais amplo de retribuição, é garantir que o trabalhador que restou diminuído na sua capacidade de ganho, seja ressarcido do que efetivamente auferia, que que efetivamente levava para casa, independentemente do nome ou da razão da atribuição da verba. Integram-se nesse prejuízo todas as verbas que regularmente auferia, relativamente às quais tinha a legitima expetativa de recebimento. Não se incluem naturalmente as verbas que, e na estrita medida em que, se destinavam a suportar custos.
consequentemente, tendo em conta a factualidade, de que não resulta demonstrado que as aludidas verbas se destinassem a custear despesas, antes resultando que o trabalhador contava com elas para o seu dia a dia, é de aderir aos fundamentos constantes da decisão recorrida sendo de confirmar a mesma.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o decidido.
Custas pelo recorrente.
4/11/21

Antero Veiga
Alda Martins
Vera Sottomayor