Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4310/17.0T8GMR.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PROCESSO CRIME
CASO JULGADO
ADVOGADO
RESPONSABILIDADE CIVIL
FALSIDADE DO TERMO DE AUTENTICAÇÃO DE PROCURAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Sendo as presunções judicias ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, de acordo com as regras da experiência comum, só serão validamente contraditadas se o impugnante demonstrar a não prova do facto base da presunção, ou o carácter ilógico do facto presumido.
II - O despacho de arquivamento em processo crime, sendo da exclusiva competência do Ministério Público., não é jurisdicional pelo que não é recorrível (ainda que possa ser objecto de requerimento de abertura da instrução ou intervenção hierárquica) e não forma caso julgado (o que não invalida que tenha a força de “caso decidido”, apenas mutável e susceptível de reavaliação se surgirem novos elementos que ponham em causa os efeitos da decisão de abstenção, no âmbito do mesmo processo crime).
III - Não é aplicável a tal despacho o disposto nos art. 623º e 624º do C.P.C., que prevêem a oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória e a eficácia da decisão penal absolutória, nem o conceito de autoridade de caso julgado.
IV – Incorre em responsabilidade civil o advogado que procede à autenticação de uma procuração, mas que não logra provar que compareceu perante si pessoa que tinha semelhanças físicas com a fotografia constante do B.I. apresentado e que reconhece que essa mesma pessoa não assinou o termo na sua presença, sendo que tal procuração autenticada foi utilizada na alienação de imóvel, o que causou à sua proprietária ansiedade, angústia e receio de perder o bem.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

AA instaurou a presente acção declarativa comum contra BB, CC, T...– Unipessoal, Lda. e DD, pedindo que:

a) Seja declarada falsa e, por isso, inexistente e de nenhum efeito a procuração datada de 28/10/2014, pretensamente outorgada pela autora a favor da 1ª ré;
b) Seja declarado falso e, por isso, inexistente e de nenhum efeito o termo de autenticação lavrado pelo 2º réu, datado do dia 28/10/2014, referente à aludida procuração;
c) Seja ordenando o cancelamento do registo de autenticação efectuado pelo 2º réu no site de Registo de Actos dos Advogados da Ordem dos Advogados;
d) Seja declarada ineficaz em relação à autora a compra e venda do prédio misto sito em ... (actualmente Rua ...), da freguesia ..., do concelho ..., descrito na C.R.Predial ... sob o nº ...32 e inscrito na matriz urbana da dita freguesia sob os artigos ...25... e ...6º e na matriz rústica da mesma freguesia sob o artigo ...90º, celebrada por escritura pública outorgada no dia 30/10/2014, no Cartório Notarial sito na Rua ..., ..., na ..., perante o Notário Dr. EE;
e) Seja declarada ineficaz em relação à autora a constituição de hipoteca sobre o aludido prédio celebrada por escritura pública outorgada no dia 03/03/2017, no Cartório Notarial em ..., freguesia ..., do concelho ..., perante a Notária FF, em substituição do Notário titular, GG;
f) Seja declarado ineficaz em relação à autora qualquer negócio jurídico que venha a incidir sobre o aludido prédio desde a data de interposição desta acção até ao seu trânsito em julgado;
g) Seja ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor da 3ª ré do aludido prédio a que se refere a apresentação nº 2806 de 30/10/2014;
h) Seja ordenado o cancelamento do registo de hipoteca a favor da 4ª ré a que se refere a apresentação nº 2016 de 09/03/2017.
i) Seja ordenado o cancelamento de qualquer registo que venha a incidir sobre o aludido prédio da autora, desde a interposição da presente acção até ao seu trânsito em julgado;
j) Seja declarado que a autora é a proprietária do prédio misto sito em ... (actualmente sito na Rua ...), da freguesia ..., do concelho ..., descrito na C.R.Predial ... sob o nº ...32, e inscrito na matriz urbana da dita freguesia sob os artigos ...25... e ...6º e na matriz rústica da mesma freguesia sob o artigo ...90º;
k) Sejam a 1ª e o 2º réus condenados a pagar à autora a quantia de € 3.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a presente data até integral pagamento.

Subsidiariamente, para o caso de não se reconhecer a ineficácia,
l) Seja declarada nula e de nenhum efeito em relação à autora a compra e venda do prédio misto sito em ... (actualmente sito na Rua ...), da freguesia ..., do concelho ..., descrito na C.R.Predial ... sob o nº ...32, e inscrito na matriz urbana da dita freguesia sob os artigos ...25... e ...6º e na matriz rústica da mesma freguesia sob o artigo ...90º, celebrada por escritura pública outorgada no dia 30/10/2014, no Cartório Notarial sito na Rua ..., ..., na ..., perante o Notário Dr. EE;
m) Seja declarada nula e de nenhum efeito em relação à autora a hipoteca constituída sobre o aludido prédio, celebrada por escritura pública outorgada no dia 03/03/2017 no Cartório Notarial em ..., freguesia ..., do concelho ..., perante a Notária FF, em substituição do Notário titular, GG;
p) Seja declarado nulo em relação à autora qualquer negócio jurídico que venha futuramente a incidir sobre o aludido prédio até à data do trânsito em julgado da presente acção.
Alega, em síntese, que nasceu em .../.../1921 e que padece, pelo menos desde 2007, de uma doença degenerativa da área central da retina (mácula), a qual lhe provocou uma perda da visão. Além disso, desde há muitos anos que sofre de artrose, doença que lhe provocou graves limitações e dificuldade na realização dos movimentos.
Desde há mais de 23 anos (por referência ao ano de 2017, data da entrada da p.i.) que é proprietária do prédio misto sito em ... (actualmente Rua ...), da freguesia ..., do concelho ..., descrito na CRP ... sob o nº ...32, no qual reside.
A 1ª ré redigiu ou mandou alguém redigir um documento que designou de Procuração, datado de 28/10/2014, atribuindo-lhe poderes para, em seu nome e representação, prometer vender, vender ou por qualquer outra forma alienar o prédio supra referido pelo preço e condições que bem entendesse. Após tais dizeres foi inserta a assinatura manuscrita da autora, mas ali aposta pelo punho da 1ª ré ou por alguém a seu mando e com o conhecimento desta.
A autora não interveio na outorga da referida procuração sendo falso o teor, letra e assinatura dela constantes. Aliás, na data indicada no documento acima referido (28/10/2014) a autora, em consequência das doenças de que padece, não podia, nem sabia assinar.
A 1ª ré, por si ou alguém a seu mando e com o seu conhecimento, dirigiu-se ao domicílio profissional do 2º réu, no sentido de este, enquanto advogado, proceder à Autenticação do referido documento, o que este fez com data de 28/10/2014. A autora nunca se deslocou ao escritório do 2º réu, tal como nunca lhe foi lida ou sequer apresentada a supra indicada procuração ou o aludido termo de autenticação. Aliás, a autora nunca esteve na presença do 2º réu.
No dia 30/10/2014 foi celebrada a escritura pública de Compra e Venda através da qual a autora, representada pela 1ª ré, vendeu à 3ª ré o mencionado prédio, que o registou em seu nome. Mas, nunca a autora quis vender, vendeu ou recebeu qualquer preço.
Em 03/03/2017 foi celebrada a escritura pública de Confissão de Dívida e Hipoteca Voluntária através da qual a 3ª ré confessou-se devedora à 4ª ré da quantia de € 98.500,00 dando o referido imóvel da autora como garantia. A 4ª ré constituiu uma hipoteca voluntária a seu favor sobre o dito prédio pelo montante máximo assegurado de € 102.440,00, tendo vindo a registá-la pela apresentação nº 2016 de 2017.03.09.
A autora apresentou já queixa-crime pelos factos acima referidos correndo inquérito na 2ª Secção do DIAP ... sob o processo nº 1565/17.....
A partir da data em que tomou conhecimento dos factos descritos e em consequência directa e necessária dos mesmos, a autora tem sofrido ansiedade e receio de ver a sua casa invadida por estranhos e sente-se triste, angustiada e revoltada por saber que lhe falsificaram a sua assinatura nos sobreditos documentos, com o intuito de afectarem o seu património pessoal.
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Os 3º e 4º réus contestaram dizendo que a autora esteve sempre consciente do negócio que envolveu a sua neta, ora 1ª ré, e o marido desta. Terminam pedindo a improcedência da acção.
Em reconvenção pedem a condenação da autora no pagamento do valor mensal de € 750,00/mês por, com esta acção, ter inviabilizado o arrendamento do prédio.
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O 2º réu contestou impugnando o alegado pela autora e requereu a condenação da autora como litigante de má-fé no pagamento de indemnização não inferior a € 20.000,00 e em multa exemplar.
Para tanto alegou que a procuração e o termo de autenticação foram elaborados com base nos documentos identificativos que lhe foram entregues, designadamente o bilhete de identidade, e face às declarações presenciais da pessoa que se lhe apresentou como outorgante da procuração e que confirmou o teor e conteúdo daqueles documentos.
As declarações prestadas e documentos entregues foram suficientes para gerar confiança e boa-fé em quem os estava a declarar e a assumir.
Pede a improcedência da acção.
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A 1ª ré contestou dizendo que, algum tempo antes da data em que a procuração foi outorgada, foi proposto à ré e seu marido um investimento financeiro, com elevado retorno, por uma sua conhecida do casal. Como não dispunham do valor necessário para o investimento (€ 50.000,00), essa conhecida solicitou junto do legal representante da ré sociedade um empréstimo desse montante. Como garantia do empréstimo ficou decidido que o imóvel em causa nos autos passariam para a titularidade da ré sociedade depois de ser consultada a autora para o efeito, a qual anuiu. Seria em simultâneo outorgado um contrato de arrendamento em nome da ré e do seu marido com opção de compra do imóvel, o que efectivamente sucedeu. O prazo estabelecido no contrato de arrendamento foi de cinco anos uma vez que foi esse o prazo acordado para o pagamento do montante mutuado.
A 1ª ré e o seu marido estavam convencidos que em dois ou três meses teriam o retorno do investimento e que accionariam de imediato essa opção.
O rendimento que a sociedade comercial retiraria do empréstimo seria o valor mensal de renda consagrado no contrato de arrendamento, enquanto não fosse accionada a opção de compra.
Accionada a referida opção de compra, a ré e o marido registariam de novo os imóveis no nome da autora.
O negócio foi explicado à autora, a quem foi também dito que, pagando o montante mutuado, o imóvel voltaria a ficar registados em seu nome e que algum do retorno financeiro do investimento seria aplicado em obras no prédio urbano.
A procuração posta em causa nos presentes autos foi levada pelo marido da ré a casa da autora e alguns dias depois a filha da autora, mãe da primeira ré (AA), entregou ao marido da ré a procuração já com o devido termo de autenticação.
O processo de autenticação não foi acompanhado pela ré, nem pelo seu marido, que não presenciaram a assinatura. A ser falsa a assinatura há de ter sido efectuada pela sua mãe ou por alguém a seu mando, requerendo, por isso, a sua intervenção principal provocada.
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Procedeu-se a audiência prévia, na qual a requerida intervenção principal provocada de AA foi indeferida, não foi admitida a reconvenção, foi fixado o objecto do litigio, enunciados os temas da prova e admitidos os requerimentos probatórios.
Mais foi designada data para produção antecipada de prova com tomada de declarações de parte à autora
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Em 09/05/2018 a autora prestou declarações de parte em produção antecipada de prova.
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Em .../.../2021 a autora faleceu, tendo sido habilitados, por sentença proferida em .../.../2022, os seus herdeiros, AA e HH, que apresentaram procurações.
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Procedeu-se a audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos:

“Pelo exposto, vai a presente acção julgada parcialmente procedente e, em consequência:
i. Declaro falsa e inexistente a procuração datada de 28.10.2014, pretensamente outorgada pela autora a favor da primeira ré.
ii. Declaro falso e inexistente o termo de autenticação lavrado pelo segundo réu, datado do dia 28.10.2014, referente à aludida procuração.
iii. Determino o cancelamento do registo de autenticação efectuado pelo segundo réu no site de Registo de Atos dos Advogados da Ordem dos Advogados.
iv. Declaro ineficaz, em relação aos autores, a compra e venda do prédio misto sito em ... (actualmente e por força da toponímia atribuída, sito na Rua ...), da freguesia ..., do concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...32 e inscrito na matriz urbana da dita freguesia sob os artigos ...25 e ...6 e na matriz rústica da mesma freguesia sob o artigo ...90, celebrada por escritura pública outorgada no dia 30 de Outubro de 2014, no Cartório Notarial sito na Rua ..., ..., na ..., perante o Notário Dr. EE.
v. Declaro ineficaz, em relação aos autores, a constituição de hipoteca sobre o aludido prédio, celebrada por escritura pública outorgada no dia 3 de Março de 2017, no Cartório Notarial em ..., freguesia ..., do concelho ..., perante a Notária FF, em substituição do Notário titular, GG.
vi. Determino o cancelamento do registo de aquisição, a favor da terceira ré, do aludido prédio, a que se refere a apresentação nº 2806 de 30.10.2014.
vii. Determino o cancelamento do registo de hipoteca a favor da quarta ré, a que se refere a apresentação nº 2016 de 09.03.2017.
viii. Declaro a permanência do registo referido em 3), em nome de AA.
ix. Condeno BB e Dr. CC a pagarem aos autores a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a presente data até integral pagamento, sendo a primeira responsável, nas relações internas, por 80% desse valor (€ 2.400,00 – dois mil e quatrocentos euros). (…)”
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Não se conformando com esta sentença veio o 2º réu dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“A. O ora recorrente, advogado de profissão, foi procurado no seu escritório, por pessoa não concretamente apurada (nº7 da sentença) no sentido deste, enquanto advogado, proceder à autenticação duma procuração, que está referenciada nos nºs 4 e 5 dos factos da sentença. Neste mesmo acto, foram exibidos ao advogado (ora apelante) os documentos identificativos de AA, A. primitiva e agora falecida – nº 23 dos factos; As assinaturas constantes da procuração e do termo de autenticação foram apresentadas ao Dr. CC (ora recorrente), por pessoa cuja identidade a sentença não julgou provada, como tendo sido feitas pelo punho de “AA”, sendo idêntica à dos documentos identificativos referidos em 23 – (de AA) – nº24 dos factos.
B. Não se logrou produzir prova, nem determinar quem foi a pessoa que se dirigiu ao escritório do Dr. CC (ora recorrente), para fins de proceder a autenticação da procuração – nº7 dos factos da
sentença.
B.1. Face a esta factualidade, no âmbito do processo-crime instaurado pela falecida AA – (Proc. 1565/17.... – 2ª Secção DIAP ..., em que era denunciado o aqui Apelante, foi prolatado despacho de não pronuncia, datado de 21.04.2022 (Ref....79) junto aos autos e transitado em julgado, que em síntese referiu:
“No que concerne ao arguido II, não se logrou comprovar que tenha autenticado o documento denominado “procuração”, sem as devidas diligências de confirmação de identidade da outorgante/denunciante…” (sic).
B.2. A sentença em recurso, não atendeu, nem se conformou com o decidido no processo-crime, apesar de transitado em julgado, designadamente quanto ao aspecto do ali arguido e aqui recorrente, ter actuado com as “devidas diligencias” na autenticação da procuração, designadamente com a confirmação da identidade da outorgante/denunciante.
B.3. Mesmo que assim não se entenda, o processo penal é, como comummente se aceita, um processo investigatório, servido de meios de prova adequados e especializados, que escapam e não são utilizados
em processos civis. A prova, ou não prova, obtida num processo penal é, em princípio, muito mais relevante do que a adveniente num processo cível, quase sempre envolvido na falível prova testemunhal. Mal andou a sentença, em nosso entender, quando se afastou da decisão penal e não julgou que o Apelante actuou diligentemente na autenticação da procuração que lhe foi presente;
C. É certo que a sentença, por diversas formas e sentidos se pronunciou de que o ora requerente:
“Foi envolvido involuntariamente no engano perpetrado por BB”;
“A BB… urdiu o plano, tendo o autenticador sido também enganado” – vide sentença.
Não entendeu no entanto a sentença: Quem foi ao escritório do autenticador, e levou-lhe a procuração escrita e assinada;
Quem foi esse “alguém”. Pessoa nova, velha, de idade pouco ou muito avançada?;
Quem exibiu ao autenticador os documentos identificativos de AA;
Quem confirmou o conteúdo da procuração.
Estas são as “diligências devidas na autenticação”, a que se refere o despacho de arquivamento do processo-crime.
E, salvo o devido respeito, é muito pouco e quase naife, o descrito na sentença, quando pretende que o autenticador, pela fotografia constante no bilhete de identidade da falecida AA, concluísse sem mais, que esta não era a pessoa que estava no acto de autenticação e sua presença, com a procuração e documentos identificativos daquela.
Mas como pôde a sentença fazer tal afirmação, ou supôr tal factualidade, se não se provou qual foi a pessoa que esteve naquele acto.
Como se pode fazer ou supor uma comparação em tais circunstancias?
Errou a sentença no decidido.
D. No gabinete do autenticador – ora recorrente – alguém esteve da família AA da casa de .... Alguém de idade, que não foi possível apurar quem. Ou foi a falecida AA, ou foi alguém de idade, e que por ela se fez passar. Nas circunstancias já descritas, constantes desta sentença, e do despacho de arquivamento do processo-crime, o recorrente actuou com as diligências devidas ao lavrar o termo de autenticação. Nenhuma responsabilidade, de nenhuma espécie, lhe pode ser assacada.
Responsabilidade criminal já foi decidida pela sua inexistência; Nenhuma responsabilidade civil pode existir, por inexistência de responsabilidade criminal já decidida; e por, eventualmente, ter sido enganado e ludibriado, seja ele por quem for.
E. Ainda e no respeitante à responsabilidade civil, por compensação de danos morais: Se esse direito de compensação de danos, for transmissível, in casu, para os habilitados, e não nos parece que seja, os mesmos não têm qualquer relevância que requeira a tutela do direito. Não revela qualquer perturbação de ordem psíquica ou moral, designadamente pela forma descrita no nº22 dos factos da sentença, uma pessoa que, no ano da venda da Casa de ..., três meses depois, se desloca à passagem de fim de ano na ...;
E.1. E sobretudo, o acto de autenticação da procuração, é claramente instrumental em relação a esta, sem qualquer relevância substantiva nos poderes conferidos, ou não. A A. primitiva, alegou como causa de pedir da indemnização por danos morais peticionada, o facto de: Se sentir ansiosa, receosa, triste e angustiada, por ver a sua casa, eventualmente invadida por estranhos, tudo por causa de lhe falsificarem a assinatura – vide nº22 dos factos da sentença. Para além de tudo o mais já alegado, é claro e notório, que o acto de autenticação da procuração, feita pelo ora recorrente, nada tem a ver ou se relaciona com os poderes conferidos na procuração, nem com a assinatura (verdadeira ou falsa), aposta na mesma e no termo de autenticação. Não há claramente qualquer nexo de causalidade entre os factos julgados provados (nº22 da sentença) e a autenticação da procuração. Nunca o recorrente pode ser condenado em indemnização a esse título.
F. Aliás, nenhum requisito legal subsiste, nos termos do art.483º nº1 do C.C., que obrigue o Apelante a indemnizar: Não existe acção. Não foi o recorrente que assinou a procuração nem o termo de autenticação.
Não teve qualquer acção ou omissão ilícita, quanto ao facto e forma como foi assinada a procuração. Inexiste nexo de causalidade entre a autenticação da procuração e danos morais, referenciados no nº22 dos factos da sentença. O recorrente/Apelante deve ser absolvido do pedido de indemnização contra si apresentado.

QUANTO AO DEMAIS:
G. O contexto familiar da família “AA” com habitação em ..., se devidamente analisado e ponderado, só poderia apontar para que, se se quisesse individualizar pessoa com relevo na prática dos actos, essa pessoa só poderia ser alguém que viveu na mesma casa e habitação com a falecida AA, por muitos e muitos anos. Quem com ela tivesse uma relação filial, que no caso não é a 1ª Ré BB;
H. A prova pericial, in casu, torna-se indispensável e importantíssima para o apuramento da verdade dos factos. Além dela, está apenas a prova testemunhal. Testemunhas da mesma família, e com os mesmos interesses. E essa prova pericial, do instituto médico-legal da Polícia Científica, não afastou a hipótese de ser a falecida AA, que tivesse assinado a procuração e termo de autenticação; posição que foi assumida e seguida pelo M.P. Não pode esta prova ser posta em crise pelos familiares desta, em depoimento, sendo que todos viviam em comunhão de vida e habitação na mesma casa. Nesta medida, julgamos que os factos dos nºs 4 (primeira parte), 6-8-11 e 12 da sentença, não podem ser julgados como provados, designadamente face à prova pericial produzida.
I. A sentença sob censura afastou o acervo das provas especializadas, quer as produzidas no inquérito do processo-crime, valorizadas e analisadas criticamente no despacho de arquivamento; quer a prova pericial que dos autos consta e já referida e analisada. A estas provas e decisão, contrapôs a sentença a prova testemunhal, que valorizou e sobrepôs às atrás referidas, designadamente o depoimento testemunhal da habilitada AA – companheiro desta, filho e nora. Parece-os temerária esta decisão no mínimo, e em nosso entender não deve prevalecer.
J. A sentença ora impugnada viola, entre outros, os arts. 483º nº1, 496º e outros do Código Civil.
Pugna pela absolvição do pedido de indemnização quanto a si formulado.
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Foram apresentadas contra-alegações pela habilitada AA.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) Apurar se é admissível a reapreciação da matéria de facto e, na positiva, se ocorreu erro no julgamento de facto; 
B) E/ou erro na subsunção jurídica na parte referente à responsabilidade civil do 2º réu.
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II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:
1. AA nasceu em .../.../1921.
2. Padecia de complicação na visão, de diagnóstico não concretamente apurado, bem como, desde pelo menos 2007, artrose crónica, doença que lhe provocou uma degeneração e frouxidão total das articulações, concretamente ao nível dos membros superiores e inferiores, causando-lhe inchaço nas mãos e pernas, dor e rigidez nas juntas e graves limitações e dificuldade na realização dos seus movimentos diários.
3. Por averbamento de 04/07/1966 foi inscrita no nome de AA a propriedade do prédio misto sito em ..., da freguesia ..., do concelho ..., descrito na CRP ... sob o nº ...32, o qual é composto por uma parte urbana, formada por duas casas, uma de ... e andar, destinada a habitação, inscrita na matriz urbana da dita freguesia sob o artigo ...25º e outra de dois andares com dependência, cujo ... é destinado à habitação e que se encontra inscrita na matriz urbana da dita freguesia sob o artigo ...6º e uma parte rústica formada por dez leiras de terra culta, inscrita na matriz rústica da dita freguesia sob o artigo ...90º.
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4. BB redigiu ou encarregou alguém de redigir um documento a que designou de “procuração”, e nele inseriu os seguintes dizeres: “AA, C.F. nº ...07, viúva, titular do bilhete de identidade número ..., emitido em .../.../1973 pelo arquivo de identificação de Lisboa e vitalício, natural de ... – ..., residente na Rua ... – ... – Guimarães, constitui sua procuradora BB, casada, titular do cartão de cidadão número ..., válido até 26 de Fevereiro de 2016, e residente na Rua ... – ... – ..., a quem atribui poderes para, em seu nome e representação, prometer vender ou por qualquer outra forma alienar, e efectivamente vender ou alienar, o seguinte prédio: - Um prédio misto, composto por duas casas: - Uma de ... e andar, e outra com dois andares, com dependência e terra culta, que confronta a norte com herdeiros de JJ, a Sul com herdeiros de KK, a nascente com caminho público e a poente com herdeiros de LL, sito na freguesia ..., inscrito na matriz sob os arts. ...25 e ...6 urbanos e ...90 rustico, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o numero ...32/freguesia ...; pelo preço e condições que bem entender, podendo receber os respectivos preços e deles dar quitação. Para tanto são-lhe atribuídos poderes para outorgar e assinar contratos promessas, e escrituras públicas, obter certidões nas Conservatórias do registo predial, repartições de Finanças ou Câmaras Municipais, pagar taxas ou impostos, proceder a actos de registos provisórios ou definitivos e tudo praticar nas instituições públicas que necessário seja aos objectivos do mandato aqui outorgado. Assim o disse e outorgou. Guimarães, ... de 2014”.
5. Após os mencionados dizeres, foi inserta no descrito documento a assinatura manuscrita de AA.
6. A assinatura manuscrita aposta naquele documento designado de “procuração”, atribuída à autora AA, não foi feita pelo seu punho, mas sim por terceira pessoa, não concretamente apurada.
7. Pessoa não concretamente apurada dirigiu-se ao domicílio profissional do Dr. CC, no sentido de este, enquanto advogado, proceder à autenticação da procuração referida em 5 e 6.
8. A pessoa que compareceu no escritório referido em 7 não era AA.
9. O segundo réu lavrou um documento por si designado de termo de autenticação, inserindo-lhe os seguintes dizeres: “No dia ... de dois mil e catorze, no meu escritório situado na Av. – ... – Guimarães, perante mim – II – que também usa o nome abreviado de CC – advogado com a cédula profissional numero 1635p, emitida pela Ordem dos Advogados, Conselho Distrital ... em 07.08.1973, compareceu – AA, residente na Rua ... – ... – Guimarães. Verifiquei a identidade da outorgante pela exibição do seu cartão de identidade vitalício n.º ..., emitido em .../.../1973, pelo arquivo de Lisboa. A outorgante, para fim de autenticação, apresentou-me documento que antecede, que é uma procuração, outorgada a BB, datada de ... de 2014, que declara ter lido e vai por ela assinada, a qual exprime a sua vontade. Autentico esse documento e respectiva procuração”.
10. No documento referido em 9 encontra-se ainda aposto um carimbo com os dizeres “CC, Advogado, contribuinte n.º ..., escritório Av.ª ..., ... Telef./fax ...32, ... Guimarães”, seguido da assinatura manuscrita do advogado e de AA e acompanhado do “Registo Online dos Atos dos Advogados”, onde consta, para além do mais, “Autenticação de documentos particulares (…) Registado A: 2014-10-28 12:01 com o nº ...”.
11. O documento de autenticação referido em 10 não foi assinado pelo punho de AA.
12. A procuração referida em 4 não foi apresentada a AA.
13. No dia 30/10/2014 no Cartório Notarial sito na Rua ..., ..., na ..., perante o Notário Dr. EE, foi celebrada a escritura pública de compra e venda da qual constam, para além do mais, os seguintes dizeres: “(…) compareceram como outorgantes”: Primeiro - BB (…), que, na qualidade de procuradora, intervém em representação de: AA (…) e Segundo - MM, (…) que, na qualidade de gerente, intervém em representação da sociedade comercial unipessoal por quotas com a firma: “T...– Unipessoal, Ld.ª”, com sede na rua ..., ..., ..., ... (...), ..., (…). Que, pela presente escritura, em sua representada, mediante o preço global de cinquenta mil euros, que já recebeu, vende à sociedade que o segundo outorgante representa, livre de quaisquer ónus ou encargos (…)” [o prédio referido em 3)].
14. Concomitantemente ao referido em 13, por escrito particular datado de 30/10/2014, denominado “Contrato de arrendamento urbano com prazo certo e opção de compra” junto a fls. 56 verso ss., a sociedade “T...” declarou ceder o gozo dos prédios mencionados em 12 a NN e BB, pelo prazo de 5 anos, tendo ficado exarado que o locado se destinava à habitação daqueles, mediante o pagamento de uma renda de € 750,00.
15. Na Cl. 9ª do escrito particular referido em 14 ficou exarado o seguinte: “A senhoria confere aos arrendatários o direito de adquirirem os prédios urbanos e rústico” “nos termos e condições constantes dos anexos 1 e 2”.
16. Do anexo 1 referido em 15 consta a seguinte menção: “Opção de compra”: “A senhoria apresenta uma proposta de venda aos arrendatários dos prédios urbanos e rústico (…)”. “A proposta apresentada poderá ser aceite pelos arrendatários pelo prazo de cinco anos (…)”. “Cessa o direito de opção de compra por parte dos arrendatários nos seguintes casos: (…) se (…) incumprirem a obrigação de pagamento de uma renda por um período superior a dois meses”. (…) Se os arrendatários não comparecerem no dia, hora e local para outorga do contrato definitivo. (…) Em caso de resolução do presente contrato e ainda por qualquer outra forma de cessação desde que imputada aos arrendatários”. (…) O valor global da alienação, para efeitos do exercício do direito de opção de compra, é de € 50.000,00 (…). São da conta dos arrendatários, ou de quem eles indicarem, todas as despesas e encargos com a formalização da escritura de aquisição pelo exercício deste direito relativo ao prédio objecto do presente contrato, nomeadamente registos provisórios ou definitivos, Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas, Impostos de Selos, despesas emolumentares de Cartório, Conservatória do Registo Predial ou de Documento Particular Autenticado, e toda a documentação necessária à formalização da mesma, que seja da sua responsabilidade”.
17. O anexo 2 referido em 15 contém uma “minuta de carta de exercício do direito de opção de compra”.
18. Nunca AA quis vender ou recebeu qualquer preço.
19. A 3ª ré, pela apresentação nº 2806 de 2014.10.30, registou a aquisição a seu favor.
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20. No dia 03/03/2017, no Cartório Notarial em ..., freguesia ..., do concelho ..., foi celebrada a escritura pública de confissão de dívida e hipoteca voluntária unilateral constante do Livro ...00... de fls. 142 a 143V, onde a 3ª ré (T...) se confessou devedora à 4ª ré (DD) da quantia de € 98.500,00, quantia essa que não venceria juros e seria a pagar no prazo de 6 meses, dando o prédio referido em 13 como garantia de cumprimento dessa obrigação.
21. Constituindo a 4ª ré uma hipoteca voluntária a seu favor sobre o dito prédio referido em 13, pelo montante máximo assegurado de € 102.440,00, a qual veio a registar essa hipoteca pela apresentação nº 2016 de 2017.03.09.
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22. AA sentiu ansiedade e receio de ver a casa referida em 3 e 13, onde vivia, ser invadida por estranhos, e sentiu-se triste, angustiada e revoltada por saber que lhe falsificaram a sua assinatura.
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23. Aquando da autenticação, foram exibidos os documentos identificativos de AA ao Dr. CC.
24. As assinaturas constantes da procuração e do termo de autenticação foram apresentadas ao Dr. CC como tendo sido apostas pelo punho de “AA”, sendo idênticas à dos documentos identificativos referidos em 23.
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25. Uma pessoa de nome OO propôs à ré BB e ao seu marido um investimento financeiro, com elevado retorno.
26. Como o casal não dispunha do valor necessário para o investimento (€ 50.000,00), a referida OO propôs ao legal representante da ré sociedade o empréstimo desse valor à ré BB, garantindo-o com a transmissão para a T..., do prédio misto pertencente à avó desta, consignando-se a opção de compra, o que aquele aceitou, procedendo assim ao negócio referido em 13 a 17.
27. Seria em simultâneo outorgado um contrato de arrendamento em nome da ré e do seu marido, o que efectivamente sucedeu.
28. O prazo estabelecido no contrato de arrendamento foi de 5 anos, e a renda correspondeu ao rendimento que a sociedade comercial retiraria do negócio, enquanto não fosse accionada a opção de compra.
29. A intenção da ré BB e cônjuge era a de accionarem a opção de compra com os proventos que o investimento apresentado por OO geraria.
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Não se provou:

a) Que AA tenha sido consultada e anuído ao referido em 21 e/ou que tenha alguma vez autorizado a sua neta BB a entregar o prédio como garantia do empréstimo efectuado pela 3ª ré e/ou a colocar a sua assinatura na procuração e no termo de autenticação.
b) Que o referido em a) tenha sucedido porquanto havia a convicção por parte de AA e de AA de que a ré BB teria, a curto prazo, o retorno do investimento do dinheiro que havia pedido de empréstimo.
c) Que aquando do referido em 23 tenha comparecido no escritório pessoa assemelhada com AA, assumindo a autoria das assinaturas da procuração e do termo de autenticação.
d) Que o problema de visão de AA, isoladamente considerado, a impedisse de escrever.
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A) Reapreciação da matéria de facto

No seu recurso o apelante insurge-se contra a matéria dada como provada sob os nº 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12 e 22.
Defende a apelada habilitada que o recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser rejeitado por incumprimento do disposto no art. 640º do C.P.C.. Refere que são feitas considerações nas conclusões que não constam das alegações e, nem numas, nem noutras, se indicam os pontos da matéria de facto considerados incorrectamente julgados (excepto na conclusão H, mas nesta parte não foi requerida a reapreciação da prova gravada) e/ou a redacção que sobre os mesmos deverá recair e/ou a relevância dos meios probatórios para tal.
Decidindo.
Nos termos do art. 662º nº 1 do C.P.C., diploma a que pertencerão os preceitos a citar sem menção de origem, A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Antes de mais, o Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação, (…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (art. 607º nº 4) e O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (art. 607º nº 5).
Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência.
A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpôr recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância. Contudo, o recorrente deve cumprir os ónus previstos na lei processual.

Dispõe o nº 2 do art. 637º:
“(…) O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; (…)”.

Dispõe o art. 639º sob a epígrafe Ónus de alegar e formular conclusões:
1 – O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre a matéria de direito, as conclusões devem indicar: (…)
3 – Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas não se tenha procedido às especificidades a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada (…)”.

Assim, o requerimento de interposição de recurso deve satisfazer determinadas condições formais, apresentar a respectiva fundamentação (ónus de alegação dos fundamentos do recurso e de formulação de conclusões, que são o resumo das alegações) e o pedido (de revogação, total ou parcial, da decisão).
A este propósito refere Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, reimpressão, Coimbra, 1984, p. 359: “(…) no contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusão, no final da minuta”. E “Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação”
E Rui Pinto, in Manual do Recurso Civil; Vol. I, AAFDL, Lisboa, 2020 p. 293, refere: “Dentro das alegações, há uma função lógica que apenas cabe às conclusões: individualizar o objeto do recurso, ao indicar o(s) fundamento(s) específico(s) da recorribilidade (cf. artigo 637.º nº 2) e, sendo o caso, o segmento decisório concretamente impugnado (cf. o artigo 635º nº 4). Daí ser pacífico o entendimento da jurisprudência de que é pelas conclusões que o recorrente delimita, efetivamente, o objeto do recurso. Simetricamente, a presença das conclusões permite a “viabilização do exercício do contraditório, de modo a não criar dificuldades acrescidas à posição da outra parte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações” (STJ 26-5-2015/Proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1 (HÉLDER ROQUE)”.

Dispõe o art. 640º sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugna a matéria de facto:

1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2– No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…).   

Acompanhando de perto o Ac. do S.T.J. de 29/10/2015 (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt, endereço a que pertencerão os acórdãos a citar sem menção de origem, que, em sede de pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, distingue dois ónus:
- um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação minimamente concludente da impugnação, que se traduz na indicação dos pontos de facto questionados, dos meios probatórios que impõem decisão diversa sobre eles e do sentido decisório que decorreria da correcta apreciação destes meios de prova – a), b) e c) do nº 1 do art. 640º. A falta de cumprimento deste ónus conduz à imediata rejeição do recurso por indiciar uma falta de consistência e seriedade na impugnação da matéria de facto;
- e um ónus secundário tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida, que se traduz na indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso – a) do nº 2 do art. 640º. A falta desta indicação conduz à imediata rejeição do recurso, contudo esta falha da parte deve ser avaliada de forma mais cautelosa e casuisticamente tanto mais que o conteúdo prático deste ónus tem oscilado ao longo dos anos e das várias reformas. Com efeito, a jurisprudência do S.T.J. tem entendido, face ao carácter algo equívoco da expressão “exacta indicação”, em nome do princípio da proporcionalidade e da adequação e ainda da prevalência do mérito sobre os requisitos puramente formais, que não se justifica a liminar rejeição do recurso quando não existe dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado. No mesmo sentido vide, entre outros, Ac. do S.T.J. de 19/01/2016 (Sebastião Póvoas), 28/04/2016 (Abrantes Geraldes), 31/05/2016 (Roque Nogueira), 08/11/2016 (Fonseca Ramos).
Tem-se entendido, designadamente Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª ed., Almedina, p. 158-159, que o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto será, total ou parcialmente, rejeitado quando se verificar alguma das seguintes situações:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º nº 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.”
Não havendo motivo de rejeição procede este Tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos procedendo ao controlo da convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Assim, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas. Contudo, não poderá deixar-se de ter presente que, por força da imediação, o tribunal da primeira instância é o que se encontra melhor colocado para apreciar a prova, designadamente a testemunhal.
Revertendo ao caso em apreço verificamos que a presente apelação não está isenta de reparos.
Sendo certo que as conclusões devem ser o resumo das alegações e que têm como função primordial individualizar o objecto do recurso, entendemos que é irrelevante que naquelas se façam críticas e desabafos, usando as expressões da apelada, que não constem das alegações. É um facto que os preceitos invocados na conclusão J não constam expressamente das alegações, mas os mesmos referem-se a uma das questões aí tratadas, a saber, a responsabilidade civil e aos danos não patrimoniais. Assim, afigura-se-nos que não há nesta parte fundamento para rejeitar o recurso.
No que concerne ao invocado erro no julgamento de facto não existe exacta coincidência entre os pontos da matéria de facto considerados incorrectamente julgados nas alegações (4, 5, 6, 7, 8 e 22) e nas conclusões (4-primeira parte, 6 a 8, 11 e 12, 22) pelo que, tendo uma vez mais presente que estas delimitam o objecto do recurso, apenas a estes pontos se pode debruçar a presente apelação.
E quanto a estes, das conclusões, ao se referir que “não podem ser julgados como provados”, retira-se que tal matéria deve passar para os factos não provados.
Por fim, da motivação, e em relação aos concretos meios probatórios apresentados, verificamos que quanto ao facto provado nº 4 alude-se à presunção judicial e quanto aos factos provados nº 6, 7 e 8, 11 e 12 ao despacho do M.P. proferido no processo crime e o relatório pericial pelo que inexiste fundamento para rejeição da reapreciação da matéria de facto nesta parte-
Contudo, é de rejeitar a reapreciação do facto provado nº 22 porquanto a mesma se baseia na prova testemunhal aliada à presunção judicial e o apelante não indica com exatidão as passagens da gravação em que se funda (sendo certo que, ainda que o tivesse feito, alude a matéria de facto não dada como provada ou não provada e não pugna pela sua inclusão nestes).
*
Desde já se adianta que a sentença recorrida se mostra muitíssimo bem fundamentada nesta parte e que não vislumbramos qualquer erro de julgamento. Mas, vejamos.
- Ponto 4 primeira parte dos Factos Provados
Este facto provado assenta numa presunção judicial prevista nos art. 349º e 351º do C.C. e não numa “escolha por palpite ou feeling” ou “suposição” como refere o apelante.
“(…) O uso de presunções não se reconduz a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcança do art.º 349º do Cód. Civil, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos). (…) A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351º do Cód. Civil).” – Ac. do S.T.J. de 19/01/2017 (António Joaquim Piçarra).
E “(…) Sendo as presunções judicias ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, de acordo com as regras da experiência comum, só serão validamente contraditadas se o impugnante demonstrar a não prova do facto base da presunção, ou o carácter ilógico do facto presumido (isto é, o não se mostrar o mesmo sufragado pelas ditas regras da experiência).” – Ac. desta Relação de 10/01/2019 (Maria João Matos).
No caso em apreço, foram provado os seguintes “factos base”: a proposta à 1ª ré e marido de um investimento financeiro, com elevado retorno (nº 25), como não tinham liquidez foi solicitado um empréstimo ao legal representante da ré sociedade e como garantia o imóvel em causa nestes autos passaria para a titularidade desta (nº 26) e que simultaneamente foi celebrado um contrato de arrendamento do mesmo com opção de compra, o que permitiria que o mesmo regressasse à titularidade da autora (nº 27 a 29).
Ora, destes factos pode inferir-se logicamente que a procuração em análise – instrumento jurídico necessário para que acima referido tivesse sido possível – apenas interessava à 1º ré e ao marido e a mais nenhum membro da família. Não interessava, de modo nenhum, à sua avó, pessoa muito doente e de avançada idade, que nada tinha que ver com o mencionado investimento e que nada lucrava com o eventual êxito do mesmo.
Assim sendo, nenhuma censura pode ser feita ao “facto presumido” de que foi a 1ª ré quem redigiu a procuração ou encarregou alguém de o fazer. Aliás, a este propósito veja-se inclusive o teor da contestação do apelante onde este admite ter sido contactado pelo marido da 1ª ré, seu conhecido, que este “entregou às funcionárias do escritório do R. documentos próprios e adequados para a procuração ser feita.”, “foi buscar os documentos que haviam sido elaborados (…) – procuração e termo de autenticação”…
Pelo exposto, é de manter este facto provado.
- Factos provados nº 6, 7 e 8, 11 e 12
Também não nos merece qualquer censura estes factos provados.
Entendemos que o despacho de arquivamento proferido em 20/04/2022 no âmbito do processo crime, que teve origem na denúncia apresentada pela autora contra a 1ª ré, marido, 2º, 3º réus e MM em 11/07/2017 (doc. junto com o requerimento de 04/08/2017), não tem a virtualidade de provar a matéria de facto supra referida ou o seu contrário.
Se atentarmos no teor do mesmo verificamos que, havendo duas versões dos factos – acerca de quem apôs a assinatura na procuração e no termo de autenticação e acerca do conhecimento e concordância da autora acerca do contrato de compra e venda -, e não tendo o Ministério Público, em face da prova produzida naquele inquérito, concluído pela existência de indícios suficientes da prática dos imputados crimes de falsificação de documento e de burla qualificada, proferiu despacho de arquivamento (art. 277º nº 2 do C.P.P.).
Este despacho, sendo da exclusiva competência do M.P., não é jurisdicional pelo que não é recorrível (ainda que possa ser objecto de requerimento de abertura da instrução ou intervenção hierárquica) e não transita em julgado (o que não invalida que tenha a força de “caso decidido”, apenas mutável e susceptível de reavaliação se surgirem novos elementos que ponham em causa os efeitos da decisão de abstenção, no âmbito do mesmo processo crime). Neste sentido vide Ac. da R.G. de 12/09/2022 (Cândida Martinho).
Sendo um despacho do M.P. não forma caso julgado, não lhe aplicável o disposto nos art. 623º e 624º do C.P.C., que prevêem a oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória e a eficácia da decisão penal absolutória, nem o conceito de autoridade de caso julgado.
Acresce que, tendo a responsabilidade penal e a responsabilidade civil pressupostos distintos, a decisão de arquivamento não impede que nestes autos cíveis se possa fazer prova de factos susceptíveis de conduzir à responsabilidade civil.
O relatório pericial elaborado pelo Laboratório da Polícia Cientifica da Polícia Judiciária também não tem a virtualidade de por em causa a matéria de facto aqui em causa.
Com efeito, da análise do mesmo (junto a 31/03/2022) verificamos que a perícia teve por base de comparação três documentos – escritura de compra e venda de 13/06/1966 (requerimento de 04/08/2017), bilhete de entidade emitido em .../.../1973 e habilitação de herdeiros de 03/05/2007 (requerimento de 16/04/2018) – e ao L.P.C. da P.J. não foi comunicado que a autora padecia de artrose crónica, que se foi agravando ao longo dos anos. Acresce que o mesmo relatório concluiu apenas pela ausência de resultados conclusivos em face da “qualidade e quantidade das semelhanças e diferenças registadas (…), bem como as limitações referidas em Nota, (…)”.
Tendo em atenção o teor do testamento de 07/12/09, onde a caligrafia da autora aparece já muito irregular e em plano obliquo, e o testamento de 18/10/2012, onde se consignou que não podia assinar, não é necessária qualquer perícia para concluir que as assinaturas da procuração e do termo de autenticação aqui em análise não foram apostas pelo punho da autora.
Por todo o exposto, é de manter estes factos provados.
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B) Subsunção jurídica

Insurge-se o apelante contra a sua condenação defendendo que não se mostram reunidos os requisitos da responsabilidade civil.

Quid iuris?

Os pressupostos da responsabilidade civil fundada na culpa retiram-se do nº 1 do art. 483º do C.C., a saber, o facto (a conduta humana dominada ou dominável pela vontade), a ilicitude (violação de um direito de outrem ou violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios), culpa (na forma de dolo ou de negligência), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

No caso em apreço, estando em causa, quanto ao 2º réu, a autenticação de uma procuração usada para a alienação de imóvel, importa ter presente o seguinte:
Nos termos do art. 262º nº 2 do C.C. Salvo disposição em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.
Assim, destinando-se a procuração à venda de um imóvel a mesma, nos termos do art. 875º do C.C., pode ser outorgada por:
- escritura pública (documento autêntico, i.e., documento exarado, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública – art. 363º, nº 2 do C.C., art. 35º, nº 2 do Código do Notariado (C.N.), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 207/95, de 14 de Agosto) ou
- documento particular autenticado (documentos particulares (…) confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais - art. 363º nº 3 do C.C., art. 35º nº 3, 150º, nº 1 do C.N.).
Neste ultimo caso o notário deve reduzir a autenticação a termo a elaborar no próprio documento apresentado ou em folha anexa (art. 36º, nº 4 e 150º, nº 2 do C.N.), o qual deve obedecer a determinados requisitos.
Como requisitos especiais deve conter A declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade e A ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados – art. 151º nº 1 a) e b) do C.N..
E como requisitos gerais, na parte aplicável e com as necessárias adaptações os previstos no art. 46º nº 1 a) a n). Entre estes requisitos tal instrumento deve conter O nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes (…) (c)); A referência à forma como foi verificada a identidade dos outorgantes (…) (d)); A menção de haver sido feita a leitura do instrumento lavrado, ou de ter sido dispensada a leitura pelos intervenientes, bem como a menção da explicação do seu conteúdo (l)); As assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar (…) (n)).
Esta autenticação pode ser efectuada por advogado ao abrigo do disposto no art. 38º nº 1 do Dec,-Lei nº 76-A/2006 de 29 de Março, diploma que adoptou medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos registrais e notariais, tais como O alargamento das entidades que podem reconhecer assinaturas em documentos e autenticar e traduzir documentos, permitindo que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias possam fazê-lo (art. 1º nº 1 f)).
A autenticação nestes termos confere ao documento a mesma força probatória que teria se tal acto tivesse sido realizado com intervenção notarial (art. 38º, nº 2), i.e., confere prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (art. 371º, nº 1 do C.C.) pelo que esta força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade (art. 372º, 347º do C.C., art. 446º e ss do C.P.C.).
Este acto, por força do nº 3 do citado art. 38º, apenas pode ser validamente praticado mediante registo em sistema informático, o qual se mostra regulamentado na Portaria nº 657-B/2006 de 29 de Junho.
No caso em apreço provou-se que pessoa não concretamente apurada, mas não a falecida autora, dirigiu-se ao escritório do 2º réu, advogado de profissão, solicitando a autenticação da procuração que apresentou, o que este fez.
Ora, mais se apurou que a falecida autora não apôs, nem podia ter aposto, a sua assinatura, quer na procuração, quer no termo de autenticação, pelo que é patente a sua falsidade.
Afigura-se-nos que se mostram verificados os pressupostos da responsabilidade civil quanto ao 2º réu.           
O facto é a intervenção do 2º réu ao lavrar o termo de autenticação em causa.
A conduta do 2º réu é ilícita uma vez que este não observou o disposto nos art. 46º nº 1 d) e n) e 151º nº 1 a) do C.N.. Com efeito, no termo consignou que perante ele compareceu como outorgante a falecida autora, que a sua identidade foi por ele verificada pela exibição do seu bilhete de identidade vitalício, que esta declarou ter lido a procuração que apresentou e que confirmou o seu teor por exprimir a sua vontade, contudo, não logrou provar que compareceu perante si pessoa que tivesse semelhanças físicas com a fotografia constante do B.I. e não alegou sequer que essa mesma pessoa tenha assinado o termo na sua presença (pelo contrário, no art. 6º da sua contestação admite que tal procuração e termo já estavam assinados no acto de autenticação).
Ora, atentas as razões de segurança, certeza jurídica e salvaguarda da fé pública associadas a este documento, afigura-se-nos que a declaração confirmatória a que alude o art. 151º nº 1 a) do C.N. é efectuada através da assinatura do termo pelo outorgante nos termos do art. 46º nº 1 n) do C.N. na presença do advogado. Neste sentido vide Ac. desta Relação de 22/09/2022 (Elisabete Coelho de Moura Alves), de 17/12/2020 (Maria dos Anjos Nogueira), da R.C. de 06/11/2018 (António Carvalho Martins) e 18/01/2022 (Cristina Neves) e, entre outros, Parecer do Conselho Consultivo do Instituto dos Registos e do Notariado RP 233/2009 SJC-CT (não desconhecemos a existência de Acórdãos no sentido contrário, como o da R.E. de 22/02/2018 (Paulo Amaral) e da R.P. de 25/05/2021 (Ana Lucinda Cabral), mas cuja argumentação não acompanhamos).
Esta conduta, além de desconforme com a lei, é censurável na medida em que as suas funções, de indiscutível interesse público, exigiam que tivesse verificado a identidade da pessoa presente com a fotografia do bilhete de identidade (ainda que esta fosse antiga) e que a assinatura fosse aposta na sua presença. O mesmo, de modo algum, agiu com a diligência que se impugna.
Os danos traduziram-se na ansiedade, tristeza, angústia e revolta sentidos pela falecida autora ao tomar conhecimento que a sua assinatura havia sido falsificada e usada na alienação de um prédio seu, alienação essa que nunca quis. Acresceu igualmente o receio de perder a sua habitação através desta venda. Estes danos não patrimoniais são de tal modo graves que merecem a tutela do direito e são transmissíveis aos filhos, aqui habilitados (art. 496º nº 1 e 2 do C.C.).
Existe um claro nexo causal entre a autenticação da procuração e a alienação do prédio da falecida autora uma vez que esta não era possível sem aquela. Como se referiu supra, a autenticação confere a mesma força probatória que teria se tal acto tivesse sido realizado pelo notário. Assim, não tem qualquer razão o apelante quando afirma que “(…) o acto de autenticação da procuração, é claramente instrumental em relação a esta, sem qualquer relevância substantiva nos poderes conferidos (…)”.
Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, é de manter a condenação do 2º réu improcedendo a apelação.
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As custas da apelação são da responsabilidade do apelante face ao seu decaimento (art. 527º, nº 1 e 2 do C.P.C.).
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
A presente decisão é elaborada conforme grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
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Guimarães, 09/03/2023

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues