Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3814/19.4T8GMR.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DE CONTRATO DE TRABALHO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1 – A insuficiência de fundamentos de facto da sentença, ainda que decorra de o juiz não ter considerado factos alegados pelas partes nos articulados, não constitui causa de nulidade da mesma por omissão de pronúncia, na medida em que não é apreensível sem um juízo sobre a sua relevância jurídica para a decisão do mérito da causa, ou seja, supõe sempre a reapreciação da correcção da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância, e determina em última análise, quando efectivamente relevante, a anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto por aquele, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil.
2 – Ainda que a prolação de sentença antes de decidido incidente de suspeição do juiz seja configurável como nulidade da mesma por excesso de pronúncia, a mesma não se verifica em concreto se transitou em julgado despacho a indeferir o pedido de suspensão da instância com tal fundamento, e, de qualquer modo, se está em causa um incidente de suspeição apresentado em acção distinta.
3 – Sendo o Ministério Público o titular da acção de reconhecimento de contrato de trabalho, como parte principal, é claro, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 55/2017, de 17 de Julho, que não pode ser aceite qualquer transacção judicial que o não tenha como outorgante, e, assim, por identidade de razões, que qualquer acordo extrajudicial entre o prestador e o beneficiário da actividade só é susceptível de inutilizar aquela acção se for reconhecida pelos outorgantes a existência dum contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, isto é, desde a data indicada na petição inicial.
4 – Operando a presunção de laboralidade nos termos do art. 12.º do Código do Trabalho de 2003, na versão inicial, e competindo à beneficiária da actividade fazer a prova do contrário, ou seja, de que se verificam outros indícios que, pela sua quantidade e impressividade, impõem a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica, designadamente um contrato de prestação de serviço, é de entender que a mesma não o logrou fazer se, de substancial, apenas demonstrou que a prestadora da actividade também auferia rendimentos doutras entidades, não estando adstrita à obrigação de exclusividade.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Através de participação remetida no dia 26 de Junho de 2019 ao Ministério Público junto do tribunal recorrido, na sequência de acção inspectiva, a Autoridade para as Condições do Trabalho deu conta da existência de indícios de utilização indevida do contrato de prestação de serviço por parte de Associação Empresarial de X, Y e W, relativamente a A. C..
Na sequência do recebimento da aludida participação, o Ministério Público instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos do disposto nos arts. 5.º-A, al. c) e 186.º-K, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, pedindo a declaração de existência de contrato de trabalho, relativamente à pessoa acima referida, desde o ano lectivo 2005/2006(1).
A R. apresentou contestação, invocando a impossibilidade originária da lide, a falta de interesse em agir por parte do A. e o uso inadequado da forma de processo, em consequência do que pede a absolvição da instância. Assim não se entendendo, pede a absolvição do pedido, por dever ser dada como não provada a factualidade alegada, em virtude de terem sido celebrados contratos de prestação de serviços entre as partes.
A prestadora da actividade A. C. foi notificada dos articulados e nada disse.

Procedeu-se a audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julgo a presente acção provada e procedente nos termos sobreditos e, em consequência:
Condeno a ré, “Associação Empresarial de X, Y e W”, a reconhecer a existência de contrato de trabalho com início desde o ano lectivo de 2005/2006 em diante, relativamente à trabalhadora A. C..
Custas a cargo da ré, tendo a acção o valor de € 30.000,01.»

A R. veio interpor recurso da sentença, formulando conclusões, designadamente:
«(…)
DA NULIDADE DA SENTENÇA A QUO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
(…)
XII. O Tribunal a quo não apreciou grande parte da factualidade descrita pela Recorrente na sua Contestação, onde constavam factos essenciais à boa e justa composição do litígio, ao apuramento da verdade material e, inerentemente, à decisão da causa.
XIII. Agiu como se o contraditório exercido pela Recorrente fosse inexistente e letra-morta para a boa apreciação da causa, desconsiderando-o de forma atroz, atropelando para esse efeito os mais basilares princípios do Direito.
XIV. No que tange à omissão de pronúncia invocada, e na esteira do estabelecido no n.º 2 do artigo 608.º C.P.C., o Tribunal a quo «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação», impondo-se-lhe uma pronúncia acerca das pretensões deduzidas pelas partes que representam as controvérsias centrais que este deverá dirimir.
(…)
XVI. Tendo em conta as considerações expostas supra nas Alegações, facilmente se conclui que ocorreu nulidade por omissão de pronúncia sobre a vasta factualidade invocada e trazida aos autos pela Recorrente através da sua Contestação, tendo a decisão recorrida violado o disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d) CPC, impondo-se a declaração desta nulidade e a reabertura da audiência para julgamento e decisão da matéria controvertida e relevante para a boa decisão da causa.

DA NULIDADE DE DECISÃO POR SUSPEIÇÃO

XVII. Pela Recorrente foi apresentado em 12 de Dezembro de 2019, no seio do processo 3642/19.7T8GMR, que corre termos no mesmo Juiz 2 do Juízo de Trabalho de Guimarães – Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, incidente de suspeição da Meritíssima Juiz a quo (cfr. Documento n.º 1).
XVIII. Em tal incidente, foi também suscitada a suspeição da Meritíssima Juiz a quo para os presentes autos, bem como para todos os processos nos quais existia identidade de sujeitos [Ministério Público (Autor) e Associação Empresarial de X, Y e W (Ré)], e identidade de mandatários da Ré.
XIX. Estando esse incidente de suspeição a correr termos, e revestindo uma causa prejudicial à prolação de sentença final dos presentes autos, por estar em causa a independência e imparcialidade da Meritíssima Juiz a quo, foi requerido nos presentes autos pela Recorrente a suspensão da instância, nos termos e ao abrigo do artigo 272.º C.P.C. e 125.º C.P.C., enquanto não fosse proferida decisão final do incidente de suspeição arguido pela Ré e pelo seu Mandatário.
XX. Além de não ordenar a suspensão da instância, a Meritíssima Juiz a quo proferiu sentença enquanto se encontrava a decorrer o incidente da sua suspeição promovido pela Recorrente e pelo seu Mandatário, cujo resultado visaria o afastamento fundamentado dos presentes autos, atenta a falta de imparcialidade e de isenção revelada e sustentada por uma vasta factualidade já exposta junto do Tribunal da Relação.
(…)
XXIV. Ao fazê-lo, o Tribunal a quo enfermou a sua decisão final de nulidade, enveredando por um excesso de pronúncia, violando dessa forma o disposto no art.º 615º, n.º 1, al. d) CPC, violando igualmente o artigo 125.º C.P.C.. e, ainda, o n.º 4 do artigo 20.º e do artigo 203.º, ambos da C.R.P., redundando numa incurável inconstitucionalidade, a qual se deixa arguida para todos os efeitos tidos por convenientes.

DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
(…)
XXVIII. Da leitura da presente motivação, não se encontra qualquer fundamentação relativa a muitos dos factos provados, desconhecendo-se a que factos se referem os documentos invocados nessa motivação, qual o sentido da decisão que determinaram e o que levou efectivamente a que viessem a ser considerados
XXIX. In casu, a fórmula utilizada pelo Tribunal a quo para fundamentar a decisão da matéria de facto não é, tal como supra se referiu, a correcta, porquanto essencialmente se limita a identificar as testemunhas que concorreram para a formação da convicção, não consignando o sentido dos respectivos depoimentos, não conexionando cada facto ou cada grupo de factos com os concretos meios de prova que nela se invocam.
XXX. Não pode o Tribunal de primeira instância extrair conclusões de carácter genérico, abstracto e indeterminado, como sucede no caso em apreço, e que a serem válidas, serviriam para fundamentar qualquer tipo de decisão. Ora, é clarividente que em momento algum a Mm.ª Juiz demonstra, in concretum, a(s) testemunha(s) em cujo(s) depoimento(s) as respostas assentaram.
XXXI. O procedimento adoptado pela Meritíssima Juíz a quo apresenta uma manifesta insuficiência de fundamentação.
XXXII. Desde logo, há que levar em consideração que os factos dados como provados nos pontos 5, 6, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 18 condicionaram a sentença proferida, pelo que a sua alteração, no que àqueles factos diz respeito, assume crucial importância.
XXXIII. É apodíctico que a fundamentação deve ser adequada à necessidade que se imponha em cada caso concreto e, no caso em apreço, afigura-se-nos que a fórmula utilizada é insuficiente no sentido de se entender a razão do decidido, havendo razões (mais que) suficientes para determinar a baixa dos autos à 1ª instância para melhor fundamentação.

DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
(…)
XLV. São vários os concretos pontos dos Factos Provados que a Recorrente considera incorrectamente julgados, sendo que no seu entender impunha-se que os mesmos constassem antes do elenco de Factos Não Provados, designadamente os pontos 8, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18.
(…)
XLVIII. Primeiro de tudo, deve ser realçado que as testemunhas da Recorrente são as únicas testemunhas que, além da própria trabalhadora, têm conhecimento directo da organização da Recorrente, da relação mantida entre Recorrente e a trabalhadora/prestadora em causa, e que podem atestar com razão, conhecimento e ciência o comportamento da trabalhadora/prestadora e a forma como a mesma se integrava, ou não, no seio da Recorrente.
XLIX. Depois, é incompreensível a forma como o Tribunal a quo aprecia o depoimento da própria trabalhadora A. C.. Desde logo, é notório que a mesma mais não é do que a verdadeira interessada no resultado da presente acção judicial e que, atenta a sua posição, pelo que deveria ser sempre aferido pelo Tribunal a quo se esse interesse no resultado da lide não poderia retirar credibilidade ao seu depoimento. Veja-se que esta já tem contrato de trabalho, pelo que o reconhecimento da sua existência num período anterior à sua efectiva celebração, aproveitaria apenas à própria.
L. Note-se nos longos minutos dos depoimentos apresentados pelas testemunhas arroladas pela Recorrente e que nunca se contradisseram e demonstraram ter um conhecimento directo dos factos, ao invés dos dos depoimentos apresentados pelas testemunhas arroladas pelo Recorrido, apresentando depoimentos totalmente inócuos para a presente lide e privados de qualquer conhecimento directo da factualidade aqui em discussão. Não viram, não identificaram, não reconheceram de forma directa e sem intermediários os factos aqui em discussão, limitando-se a fazer um depoimento na terceira pessoa, enquanto iam lendo e relendo documentos.
LI. Enfim, todo o seu depoimento se restringiu à leitura do auto constante do processo, bastando-se tal instância do Recorrido pela leitura de tal auto em conjunto, e de um questionário com anotações que nem consta dos autos, sem qualquer conhecimento directo dos factos que ia erroneamente afirmando, o que só acentua o gravíssimo erro de julgamento com que nos deparamos.
(…)
de outra banda,
CVI. Do elenco de factos não provados, e atenta a sua relevância para a justa apreciação do mérito da causa, deveriam forçosamente – atenta a prova testemunhal e documental produzida nos autos – ter sido considerados como provados os factos descritos nos pontos A a V.
(…)

DAS EXCEPÇÕES
I - DA IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA DA LIDE E VALIDADE DA ACÇÃO
(…)
CLXIII. Apesar de verificada a existência deste vínculo laboral, veio, na decorrência da participação da ACT, o Ministério Público suscitar, mediante proposição de Acção Especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, a necessidade de, literalmente, reconhecer a existência de um contrato – que já existia...
CLXIV. Perante o que antecede não se verifica, como é claro e líquido, a inexistência do contrato e, por conseguinte, não se encontra preenchido o requisito, objecto e objectivo primordial da presente acção: a declaração da existência do contrato de trabalho.
CLXV. Resulta que a letra da lei é clara, expressando no n.º 8 do artigo 186.º-O que “A sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral.”, sendo incontestável e jurisprudência assente que o objectivo da Acção Especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho é o reconhecimento de uma relação laboral!
CLXVI. Decorre, também, do citado preceito legal, por um lado, a natureza principal do reconhecimento do contrato de trabalho e, por outro lado, o carácter acessório e subsidiário da aferição da antiguidade do contrato.
CLXVII. Nestes termos, jamais a estatuição de qualquer obrigação relativa ao contrato de trabalho (tal como a antiguidade…) poderá ser fundamento único para a determinação e existência da referida acção especial, sob pena de uso ilegítimo e inapropriado de um meio processual que impõe severas restrições quanto às garantias do réu, nomeadamente no tocante à marcha do processo e à prova.
CLXVIII. Assim, não se verificando a inexistência de contrato de trabalho, falta à acção um pressuposto essencial para que esta possa prosseguir. Com efeito, inexistindo o referido pressuposto, inexiste causa de pedir, devendo, em consequência, ter sido julgada procedente a exceptio inominada para qual se remete e que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

II – MEIO PROCESSUAL INADEQUADO

CLXIX. Na senda do exposto, verificando-se a existência de um contrato de trabalho a acção não estará adequada a prosseguir o seu fim fundamental e legitimador, ou seja, a declaração da existência do contrato de trabalho, não se afigurando como o meio processual adequado para aferir apenas e só da antiguidade do contrato de trabalho.
(…)
CLXXX. Esquece, contudo, o Tribunal de observar o cumprimento das exigências do princípio da legalidade e do princípio da adequação formal, que exigem o respeito pela tramitação adequada dos processos. Ora, nos termos dos artigos 547.º e 193.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPT, o Tribunal deveria, verificado o uso de meio processual desadequado, pois apenas se discute in casu a antiguidade do contrato de trabalho, ter oficiosamente procedido à convolação do pedido para a forma processual adequada, com todas as consequências legais.
CLXXXI. Contudo, não sendo aproveitáveis os actos praticados por falta de legitimidade de uma das partes para intervir e por se preencher o disposto no artigo 193.º n. º2, dado que o aproveitamento dos actos redundaria numa diminuição das garantias da Recorrente, devia ter o tribunal, oficiosamente, conhecido da nulidade do processo, convidando o trabalhador a, querendo, propor acção comum, pois outro caminho não se afigura possível prosseguir.

III – DA FALTA DE INTERESSE EM AGIR - INTERESSE PÚBLICO INSUFICIENTE
CLXXXII. Facto é que o Ministério Público ao tramitar a presente acção usa de um meio processual inadequado para se substituir ao trabalhador, único sujeito com legitimidade para suscitar a apreciação da sua antiguidade, pois apenas esse será capaz de aferir e definir, com o empregador, os concretos termos da sua prestação, não se podendo olvidar que a relação de trabalho é uma relação de raiz privada e conformada pela vontade das partes.
(…)
CLXXXV. Reveste-se da maior importância aferir se o interesse público subjacente à determinação da antiguidade do contrato de trabalho é questão justificativa da intervenção do Ministério Público, ou se será esse um interesse público insuficiente.
CLXXXVI. Acontece que o interesse público na determinação da antiguidade e, eventualmente, no pagamento de contribuições à Segurança Social, não é suficiente para fazer surgir na esfera do Ministério Público o direito de propor a Acção Especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, sendo perigoso um raciocínio, no seio de uma relação privada, que usando o fito de proteger o trabalhador, o prejudica, não lhe dando liberdade de conformação, e não permitindo disponha dos seus direitos.
(…)
CXC. existe, claramente, uma clara desigualdade entre o pretenso trabalhador e o trabalhador dito comum que terá que recorrer a uma acção de processo comum para aferir da sua antiguidade. Deste modo, a aceitar-se o recurso à acção especial apenas e tão só para discutir a antiguidade, entende-se que existe uma diferenciação injustificada e (porque não dizer) desproporcional entre os regimes destes dois tipos de acção, cuja finalidade é exactamente a mesma,
CXCI. acrescendo o facto de se conferir uma protecção e tutela jurídica/processual maior e mais favorável a uma situação em que não existe conflito entre as partes (impulsionada pela ACT e judicialmente intentada pelo Ministério Público), em confrontação com a protecção conferida na situação em que tal conflito existe e é real e que, por isso, seria mais urgente solucionar (casos em que o Trabalhador requer que seja reconhecida a antiguidade do contrato de trabalho através do processo comum).
CXCII. A entender-se o contrário, está-se a violar o direito à igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e, como tal, fará incorrer o artigo 186.º- O do Código de Processo do Trabalho, à luz de tal interpretação, em inconstitucionalidade, a qual se deixa para todos os legais efeitos arguida.
(…)
DA EXISTÊNCIA DE UM CONTRATO DE TRABALHO
I - DA DISTINÇÃO ENTRE CONTRATO DE TRABALHO E CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
(…)
in casu,
CCV. e ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o contrato sub judice consubstancia um contrato de prestação de serviços.
CCVI. De facto, no que ao objecto contratual respeita, sobre o devedor recaía a obrigação de apresentar um resultado ao credor: ser leccionado um Módulo de Formação constituído por um concreto e determinado número de horas.
CCVII. E, no que tange ao relacionamento inter partes, o devedor agia com completa autonomia no modo como prestava a sua actividade a favor do credor.

II - DA AUTONOMIA PRIVADA E DA LIBERDADE CONTRATUAL
(…)
CCXII. Uma das manifestações da liberdade contratual é a liberdade de fixação do conteúdo do contrato, expressamente prevista no artigo 405.º do Código Civil, que estabelece que «(...) as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver» (n.º 1) e que «as partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei» (n.º 2).
CCXIII. A liberdade de celebração do contrato é outra manifestação da liberdade contratual e consiste na faculdade conferida às partes de, no momento e nas condições em que entenderem, utilizar (ou não utilizar) a figura do contrato para regular os seus interesses.
CCXIV. Constitui igualmente uma manifestação da liberdade contratual a liberdade de negociação (e de não negociação) com vista à celebração de um contrato, encontrando-se subentendida nas liberdades de fixação do conteúdo do contrato e de celebração do contrato.
CCXV. Ora, no Direito Português, é indubitável até que a liberdade contratual tem a natureza de direito fundamental e, verdadeiramente, nos presentes autos, o que está em causa é este princípio estruturante do Direito Privado e a própria liberdade das partes.
CCXVI. Na prossecução e na regulamentação dos seus legítimos interesses, as partes celebraram o contrato que produzia os efeitos jurídico-privados por estas pretendidos. E, ao abrigo da sua liberdade contratual, o tipo contratual celebrado pelas partes foi o contrato de prestação de serviços, que foi escolhido e tido pelas partes como o mais adequado para a regulamentação dos seus interesses, até decidirem de livre e autodeterminada vontade alterarem a sua relação jurídica passando-a a uma efectiva relação laboral em Abril de 2019.
CCXVII. No caso sub judice, perante a factualidade dada como provada, e tendo em consideração que o que se discute é a qualificação contratual do contrato celebrado entre a Ré e a interessada, impõe-se a conclusão de que estamos perante um contrato de prestação de serviços.
CCXVIII. Foi esse o contrato efectivamente celebrado, qualificado e pretendido pelas partes, ao abrigo da sua autonomia privada, afirmada, entre nós, no art. 405.º do CC. Tanto assim é que, durante toda a vigência do contrato de prestação de serviços, a interessada sempre se mostrou concordante com a relação jurídica estabelecida e nunca demonstrou intenção ou vontade de proceder à sua alteração.
CCXIX. Outra evidência dessa anuência da interessada é o facto de, tendo o Ministério Público proposto a presente acção de reconhecimento e existência de contrato de trabalho, a mesma não ter vindo aderir a esta, não sendo sequer parte da mesma e tendo intervindo como testemunha.
(…)
CCXXIII. De facto, qualquer tentativa de coarctar a liberdade de contratar da Recorrente e da prestadora A. C. que, a ocorrer como pretende impor o Tribunal a quo, redunda igualmente numa violação gritante do consagrado no artigo artigos 13.º, 26.º n.º1, 27.º n.º1, 47.º, 58.º n.º 2, alínea b), 61.º, n.º1 e 62.º, n.º1 da C.R.P., padecendo de incurável inconstitucionalidade, a qual se deixa arguida para todos os efeitos tidos por convenientes.
CCXXIV. Com efeito, tal inconstitucionalidade é resultante da violação do princípio da autonomia privada por coarctação da sua vontade da sua liberdade de contratar, do princípio da igualdade, violação do seu direito de escolha livre do género de trabalho e violação da livre iniciativa económica privada, direitos fundamentais que tem agora a incumbência o Tribunal ad quem de proteger e salvaguardar.

III - DA PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE

(…)
CCXXVIII. É com base na presunção de laboralidade ínsita no art. 12.º do Código de Trabalho de 2009 que o Tribunal a quo entende que entre a Ré e a formadora A. C. vigorou um contrato de trabalho entre o início do ano lectivo 2005/2006 e 31 de Dezembro de 2018.
CCXXIX. Entende a Ré que, ao fazê-lo, o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento da matéria de direito, como se passa a demonstrar.

IV - DA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CCXXX. De facto, no presente caso, há uma questão prévia que o Tribunal a quo desconsiderou por completo: a aplicação da lei no tempo. Como ficou provado, o contrato entre a Ré e a formadora A. C. foi celebrado no início do ano lectivo de 2005/2006, ou seja, Setembro de 2005.
CCXXXI. Estando-se perante uma relação jurídica constituída em 2005, data anterior à entrada em vigor da primeira alteração introduzida ao Código do Trabalho de 2003 pela Lei n.º 9/2006 de 20 de Março, e não resultando da matéria de facto uma mudança essencial na configuração desta relação antes e depois desta data, a sua qualificação jurídica há-de operar-se à luz do regime do Código de Trabalho de 2003, na sua redacção originária.
CCXXXII. Pois embora o novo regime se aplique aos contratos de trabalho anteriormente celebrados, tal não acontece em relação às condições de validade nem aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.
(…)
CCXXXVI. Por conseguinte, tendo sido invocado pelo Ministério Público (e pela própria ACT) ter sido celebrado e vigorado entre a Ré e a formadora um contrato de trabalho, sobre aquele impende o ónus de provar os factos conducentes à subsunção da relação jurídica em causa ao contrato de trabalho e respectivo regime legal (art. 342.º do CC).
CCXXXVII. Operada a apreciação global dos factos-índice provados, não se pode concluir que a relação contratual estabelecida entre a formadora e a Ré se deva qualificar como um contrato de trabalho.
CCXXXVIII. Pelo contrário, os aludidos factos-índice ou são incaracterísticos ou apontam em sentido diverso, sendo que o ónus da prova relativo aos factos de que se pudesse concluir pela existência de tal contrato impendia sobre o Ministério Público, o qual não logrou cumprir.
(…)
CCXLVIII. Face ao exposto, não tendo sido provada pelo Ministério Público a verificação cumulativa dos indícios elencados pela presunção de laboralidade consagrada pelo Código de Trabalho de 2003, na sua redacção originária, tal presunção não pode operar e, consequentemente, atenta a falta de produção de prova por parte do Autor, só poderá o contrato celebrado entre a Ré e a formadora A. C. ser declarado e reconhecido como um contrato de prestação de serviços, jamais se considerando provada a existência de um contrato de trabalho entre a trabalhadora A. C. e a Recorrente.
sem prescindir, mesmo que assim não fosse e por hipótese meramente teórica fosse aplicável a presunção de laboralidade consagrada no art. 12.º do actual código do trabalho, o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se equaciona,
CCXLIX. Diga-se que a presunção de laboralidade, consagrada no artigo 12.º do Código do Trabalho, ter-se-ia sempre por ilidida pela Ré.
CCL. De facto, tratando-se de uma presunção iuris tantum, nada impede a parte contrária de a ilidir, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC.
CCLI. Atenta toda a produção de prova e matéria carreada para os autos, sempre deve ser considerada tal presunção totalmente ilidida pela Ré.
CCLII. A verdade é que, ponderados os indícios no seu conjunto e avaliados no caso concreto, torna-se evidente a existência de um contrato de prestação de serviços.
CCLIII. De facto, não só a vontade das partes foi no sentido de afirmar que entre elas existia um contrato de prestação de serviços, como também a realidade concreta demonstra que era essa a relação concreta e factual que se verificava entre as partes.
CCLIV. Existe, assim, uma correspondência real e efectiva entre a realidade concreta e a qualificação da relação jurídica existente entre o prestador e o beneficiário da actividade.
(…)
V - DA INEXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO JURÍDICA DE TRABALHO SUBORDINADO
CCLXXIX. Como visto supra, a factualidade apurada evidencia uma clara demonstração da inexistência de subordinação jurídica, o que determina a ilisão da presunção legal de existência de contrato de trabalho.
CCLXXX. Assim, o Ministério Público não logrou provar factualidade donde resulte que a formadora se vinculou à Ré através de contrato de trabalho.
CCLXXXI. Pelo contrário, os factos provados mais se afeiçoam ao contrato de prestação de serviços, tal como a lei o define no art. 1154.º do CC: «Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».
(…)
sem prescindir, e ainda que se considere a existência de uma relação de trabalho subordinada entre a ré e o formador, o que não se concede e apenas por mero dever de patrocínio se equaciona,
CCXCIV. Sempre se diga que entre a Ré e a formadora não vigorou uma relação laboral contínua, já que, na verdade, o contrato celebrado entre as partes era apenas referente a um concreto ano lectivo.
CCXCV. A Ré não sabia se, no ano subsequente, aquele concreto curso de formação seria aberto e, consequentemente, se iria precisar dos serviços da formadora. Nesta medida, a formadora sempre teve consciência que o contrato que celebrava conhecia o seu termo com o encerrar daquele ano lectivo.
CCXCVI. Significa isto que, entre Ré e formadora, ocorreram tantos contratos de trabalho quantos anos lectivos. Com efeito, o contrato de trabalho cessava no termo do ano lectivo e, de meados Julho a meados de Setembro, não existia qualquer relação jurídica entre as partes.
CCXCVII. No final do ano lectivo, o contrato de trabalho cessava; e no início do ano lectivo subsequente, poderia ser celebrado um novo contrato de trabalho.
CCXCVIII. Perante esta factualidade, sempre se diga que, a considerar-se a relação existente entre a Ré e a formadora como de trabalho subordinado – o que, repete-se, não se concede e apenas por dever de patrocínio se equaciona – estamos na presença de vários contratos de trabalho, tantos quantos os anos lectivos em que a formadora prestou serviços a favor da Ré, sendo liminar que cada um dos contratos se extinguiu em Julho do ano subsequente, deixando de produzir quaisquer efeitos jurídicos, razão pela qual, para efeitos de antiguidade, apenas poderá ser considerada a existência da última relação jurídica constituída, a saber a constituída em Setembro de 2018.
CCXCIX. Mesmo que assim não se entenda, então será sempre manifesto que seria imperativo que fosse demonstrado para cada um dos referidos contratos (vigentes durante cada ano lectivo) a existência de indícios e da factualidade tendente à qualificação da relação jurídica como contrato de trabalho em cada um deles, e não tendo em consideração a relação jurídica “como um todo”, como se fosse una apenas. O que, salvo melhor entendimento, não ocorreu nos presentes autos, razão pela qual – no limite – apenas se poderá reconhecer a existência de um contrato de trabalho a partir de Setembro de 2018.

face ao supra exposto:
CCC. É perfeitamente notório que o Tribunal a quo não fez a melhor interpretação do Direito aplicável, violando, entre outros, os artigos 219.º, 236.º, 405.º, 1152.º e 1154.º do Código Civil, os artigos 10.º e 12.º do Código do Trabalho, e ainda os artigos 13.º, 26.º/1, 27.º/1, 47.º, 58.º/2, 61.º/1, 62.º/1 e 85.º/1 da Constituição da República Portuguesa.
CCCI. Termos em que, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a Sentença proferida, dando-se assim provimento ao recurso que ora se interpõe.»

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, as questões que se colocam a este tribunal, por ordem da sua precedência lógica, são as seguintes:

1 - nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre factos alegados pela ré e por excesso de pronúncia em virtude de estar pendente incidente de suspeição;
2 - excepções dilatórias de impossibilidade originária da lide, meio processual inadequado e falta de interesse em agir;
3 - impugnação da decisão sobre a matéria de facto por falta de fundamentação e por erro de julgamento quanto a diversos pontos;
4 - qualificação do acordo celebrado pelas partes como contrato de trabalho, com início no ano lectivo 2005/2006.

3. Fundamentação de facto

Estão provados os seguintes factos:

1 - A ré (Associação Empresarial de X, Y e W), MPC ……, NISS ……, com sede na Rua …,X, exerce como actividade principal organizações económicas e patronais, à qual corresponde o CAE ….
2 - No desenvolvimento dessa sua actividade é proprietária da Escola Profissional de X, titular da autorização prévia de funcionamento n.º 140, emitida em 9 de maio de 2000, pelo Ministério da Educação/Direcção Regional da Educação Norte.
3 - Os locais de trabalho onde se desenvolve esta actividade são geridos pela ré e situam-se na Praça …, X, na Rua ..., X, e no Pavilhão Gimnodesportivo, na Travessa ..., …, X.
4 - A ré tem como Presidente da Direcção J. H..
5 - A trabalhadora A. C. foi admitida ao serviço da ré, como docente profissionalizada (nomeadamente de Francês, de Inglês), orientadora educativa de turma/directora de turma (em cursos de técnicas de informática-sistemas) ou orientadora educativa de turma (em cursos de técnico de gestão de equipamentos informáticos), por contratos celebrados entre ela e a ré, no ano lectivo de 2005/2006 e nos demais anos lectivos em diante (2006/2007, 2007/2008, 2008/2009, 2009/2010, 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014, 2014/2015, 2015/2016, 2016/2017, 2017/2018 e 2018/2019), que a ré intitulou, respectivamente, como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”.
6 – Esses contratos eram interrompidos no mês de Agosto do ano respectivo, conforme decorria daqueles, que referem como fim de vigência a data de 31 de Julho de cada ano, e conforme decorre do Regulamento Interno da Escola Profissional de X 2017-2020, aprovado pela ré: na Secção VI (Calendário Escolar), do Capítulo III (Direitos e Deveres da Comunidade Escolar), define (no art. 128.º, n.º 1) que "o ano escolar é o período compreendido entre o dia 1 de Setembro de cada ano e o dia 31 de Agosto seguinte”, e estabelecendo, de seguida (nos n.ºs 2, 3 e 5 do mesmo artigo) que o calendário escolar anual é definido por despacho do Ministério da Educação; que se organiza em 3 períodos lectivos, ocorrendo a avaliação sumativa no final de cada um deles; e que o mês de Agosto é reservado para as férias de Verão.
7 - E conforme o mesmo Regulamento (art. 129.º, cuja epígrafe é "Períodos de interrupção lectiva”) estabelece: o ano escolar é organizado de modo que sejam cumpridas, no mínimo, 3 interrupções das actividades escolares, coincidentes com o Natal, Carnaval e a Páscoa; e uma quarta, por um período nunca inferior a 22 dias úteis seguidos, a ocorrer, em cada ano escolar, entre 1 de Agosto e 1 de Setembro.
8 - A trabalhadora, ao longo de todos esses anos lectivos, desenvolveu a sua actividade para a ré sujeita aos deveres estabelecidos para si e aos direitos previstos para a ré nas normas constantes dos denominados «contratos de prestação de serviços», do «Regulamento Interno» e da «Caderneta Informativa do Docente/Formador», nas instalações da ré e/ou por si geridas referidas no item 3, nomeadamente, nas instalações sitas na Praça ... e na Rua .... (alterado nos termos do ponto 4.3.2. infra)
9 - A trabalhadora dava as aulas que estavam previamente estabelecidas pela ré, de acordo com horário por esta previamente definido para a trabalhadora e demais docentes, para cada um dos anos lectivos e no seu início, de acordo com as turmas e disciplinas que a trabalhadora ministrava, e que a ré afixava nas instalações.
10 - Para além disso, a trabalhadora comparecia às reuniões de trabalho e de organização da ré, se fosse caso disso também como directora de turma, participava como orientadora, apreciava os desempenhos escolares dos alunos e notava-os.
11 - Como directora de turma, a trabalhadora registava as faltas, elaborava a reposição de aulas aos alunos, mapas das faltas, atendia semanalmente os encarregados de educação dos alunos, reunia com os encarregados de educação, pelo menos, 2 vezes por período escolar, procedia ao registo dos sumários pedagógicos, elaborava um dossiê de direcção de turma segundo índice determinado pela Directora Pedagógica e elaborava todo o processo de matrícula inerente ao processo individual de cada aluno em formato de papel e digital, ocupava-se da preparação e elaboração de toda a documentação inerente às reuniões de avaliação formativa e sumativa e transmitia aos encarregados de educação as informações relativas aos seus educandos.
12 - Para o desempenho das suas funções, a trabalhadora sempre utilizou - para além do seu computador pessoal - instrumentos e equipamentos pertencentes à ré, nomeadamente: mobiliário nos locais de trabalho (mesa, cadeira e quadro interactivo), videoprojector, fotocópias, colunas, canetas. E trabalhava, ainda, com os softwares específicos para o exercício das suas funções, nomeadamente: os programas informáticos (e-schooling) onde escrevia os sumários, as presenças dos alunos e o registo de ocorrências e plataforma (moodle) para interagir com os alunos, nomeadamente entrega de trabalhos e testes e fornecimento de material.
13 - A trabalhadora registava as aulas dadas com os respectivos sumários e as presenças dos respectivos alunos através da plataforma informática “e-schooling” existente na ré. (alterado nos termos do ponto 4.3.2. infra)
14 - A trabalhadora estava obrigada, de acordo com o respectivo Regulamento Interno (art. 208.º), a comunicar e justificar, em impresso próprio dirigido ao director executivo da ré, as faltas referentes às aulas e reuniões, assim como, em caso de permutas entre si e outros docentes.
15 - A trabalhadora estava sujeita a avaliação de desempenho e aos demais deveres elencados no Regulamento, designadamente os previstos nos arts. 104.º (ex. dever de pontualidade e assiduidade no cumprimento dos horários, de estar presente em todas as actividades para que seja convocada, de apresentação atempada de toda a documentação exigida, nomeadamente planificações, avaliações, planos de recuperação, proposta e relatório de visitas de estudo e actividades, colaboração com orientadores/directores de turma ou de curso, de ser a primeira a entrar e a última a sair da sala de aulas, de desligar o telemóvel durante as aulas, de solicitar autorização, sempre que julgue necessário, da ocorrência de aulas fora da escola, assim como aulas extra à planificação, de participar no seu próprio processo de avaliação, fazendo a sua auto-avaliação com relatório crítico de desempenho) e 196.º a 208.º (em especial obrigatoriedade de presença em todas as reuniões previstas/convocadas devendo a não participação ser justificada, dever de sumariar e assinar o livro de ponto e de registo de aula na plataforma informática, deveres a observar em caso de falta/substituição, incluindo comunicação em impresso próprio, dever de justificar faltas e de submeter a autorização da ré as permutas que devem ser entendidas como extraordinárias), sob pena de poder sofrer sanções pela ré em caso de incumprimento dos deveres. (alterado nos termos do ponto 4.3.2. infra)
16 - A trabalhadora trabalhou na ré com as seguintes funções, pelo menos, nas seguintes horas dos anos lectivos respectivos: 463 em 2006/2007 como docente; 100 em 2007/2008 como formadora; 912 em 2008/2009 como docente; 1056 em 2009/2010 como docente; 1012 em 2010/2011 como docente; 1056 em 2011/2012 como docente; 1056 em 2012/2013 como docente; 960 em 2013/2014 como docente; 912 em 2014/2015 como docente; 1056 em 2015/2016 como docente; 686 em 2016/2017 como docente; e 900 em 2017/2018 como docente.
17 - Segundo o registo biográfico desta trabalhadora no Ministério da Educação, consta como dias do seu tempo de serviço na ré o seguinte: 141 no ano lectivo de 2005/2006; 233 no ano lectivo de 2006/2007; 234 no ano lectivo de 2007/2008; 276 no ano lectivo 2008/2009; 336 no ano lectivo de 2009/2010; 322 no ano lectivo de 2010/2011; 337 no ano lectivo de 2011/2012; 336 no ano lectivo de 2012/2013; 306 no ano lectivo de 2013/2014; 290 no ano lectivo de 2014/2015; 337 no ano lectivo de 2015/2016; 297 no ano lectivo de 2016/2017; 327 no ano lectivo de 2017/2018, sendo que nesses três últimos também fora em acumulação com a Escola ... – cfr. fls. 29 a 30 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido.
18 - Como contrapartida dos trabalhos que prestava sob as directrizes e orientações da ré e dos seus corpos directivos, nos termos referidos no ponto 8, a trabalhadora recebia da ré o respectivo valor/hora de € 12,50, acrescido de IVA – salvo no ano lectivo de 2012/2013, em que a partir de 1 de Dezembro passou para € 12/hora, no ano lectivo de 2011/2012 o valor/hora foi de € 15 e nos anos lectivos de 2010/2011 e 2009/2010 o valor hora foi € 20 - cujo cálculo das horas de docência era feito em função das aulas registadas no e-schooling e cujo pagamento era efectuado após a trabalhadora emitir o respectivo recibo verde. (alterado nos termos do ponto 4.3.2. infra)
19 - No final de cada um de todos esses anos lectivos (que antecederam a celebração do contrato de trabalho a seguir mencionado), a ré não garantia à trabalhadora a sua contratação para o ano lectivo seguinte, alegando depender da aprovação dos cursos e da respectiva inscrição de alunos.
20 - Após a instauração do processo pela Autoridade para as Condições no Trabalho, a ré comunicou à Segurança Social a admissão desta trabalhadora (A. C.) a 21 de Junho de 2019 como trabalhadora por conta de outrem (ré), mediante contrato de trabalho sem termo, mas apenas com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2019.
21 - A trabalhadora está inscrita na Segurança Social e declarou auferir rendimentos como trabalhadora independente entre Janeiro de 2015 e Julho de 2018 e como trabalhadora por conta de outrem, sendo para “K. Tecnologia e Serviços Informáticos, Lda.” entre Novembro de 2018 e Agosto de 2019, e sendo para a ré desde Janeiro de 2019 em diante, nos termos constantes de fls. 209-210 verso dos autos, aqui dados por reproduzidos.
22 - O Conselho Intermunicipal de Educação da …, reunido em 23/02/2016, aprovou a proposta intermunicipal de cursos profissionais, incluindo da Escola da ré, nos termos e para os efeitos constantes de fls. 187 verso-197 verso, aqui dadas por reproduzidas.
23 - Nos anos de 2017 e 2019, a propósito das autorizações de funcionamento dos cursos na Escola da ré, houve as comunicações constantes de fls. 180 verso-187, aqui dadas por reproduzidas.
24 - Após apresentação dos horários de leccionação ou alterações dos mesmos, a ré fazia ajustes a pedido da formadora A. C., se possível. (aditado nos termos do ponto 4.3.2. infra)
25 - A ré nunca marcou qualquer falta à formadora A. C. porque a mesma nunca faltou sem avisar e assegurar os módulos em causa. (aditado nos termos do ponto 4.3.2. infra)
26 - A ré nunca aplicou qualquer sanção à formadora A. C.. (aditado nos termos do ponto 4.3.2. infra)
27 - A homologação dos cursos pelos órgãos de tutela depende da adequação das instalações e equipamentos disponibilizados pela ré para a ministração dos mesmos. (aditado nos termos do ponto 4.3.2. infra)
28 - A ré tinha 13 formadores com contrato de prestação de serviço e 3 formadores com contrato de trabalho. (aditado nos termos do ponto 4.3.2. infra)

4. Apreciação do recurso

4.1. Cabe apreciar, em 1.º lugar, a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre factos alegados pela ré e por excesso de pronúncia em virtude de estar pendente incidente de suspeição.
Antes de mais, cumpre salientar que os termos em que é colocada a questão pela Apelante são em tudo semelhantes aos formulados no recurso que a mesma interpôs da sentença proferida no Processo n.º 3644/19.3T8GMR.G1, que tem por objecto situação idêntica relativa a um outro seu formador, pelo que a resposta à mesma não pode deixar de ser similar à que foi dada por este Tribunal no Acórdão de 7 de Maio de 2020, ali proferido, em que foi Relatora a ora 2.ª Adjunta e a ora Relatora interveio como 2.ª Adjunta (disponível em www.dgsi.pt).

Nos termos do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Esta norma está relacionada com os arts. 607.º a 612.º do mesmo diploma, relativos à estrutura e limites da sentença, sendo que para a causa de nulidade a que se refere a alínea d) releva em particular o art. 608.º, que tem a seguinte redacção:

Artigo 608.º
Questões a resolver - Ordem do julgamento
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Do exposto resulta, em 1.º lugar, que o n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil indica taxativamente as causas de nulidade da sentença, deixando de fora outros vícios que não se lhes subsumam, ainda que possam decorrer da inobservância dos arts. 607.º a 612.º do mesmo diploma ou de outras normas.
E, em 2.º lugar, que apenas estão em causa vícios de forma, constatáveis pelos termos que formalmente foram observados na elaboração da sentença, não dependendo a apreciação da sua verificação ou não verificação do conhecimento, ainda que parcial, do mérito da causa.
Ora, sustenta a Recorrente, primeiramente, que ocorre a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre diversos factos alegados pela ré na sua contestação, que não foram tidos como provados ou não provados.
Não obstante, como decorre do que acabou de se dizer e do cotejo das normas acima transcritas, só é relevante como causa de nulidade da sentença a omissão de pronúncia sobre questões colocadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, ou seja, quanto àquelas, os pedidos formulados e respectivas causas de pedir e as excepções que lhes sejam opostas, o mesmo não sucedendo com a falta de consideração de linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (2).
Assim, em sede de nulidade da sentença, a omissão de pronúncia quanto a simples fundamentos, sob pena de contradição, só releva na medida em que traduza falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos da alínea b) do n.º 1 do citado art. 615.º, sendo certo que, como diz Fernando Amâncio Ferreira (3), “[a] falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos, quer estes respeitem aos factos, quer ao direito (…)”.
No mesmo sentido, pronunciou-se Artur Anselmo de Castro (4), afirmando que “[t]ambém a falta de fundamentação constitui causa de nulidade da sentença, quer a omissão respeite aos fundamentos de facto, quer aos de direito. Da falta absoluta de motivação jurídica ou factual – única que a lei considera como causa de nulidade – há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade (…)”.
E, ainda, Antunes Varela (5), referindo que, “[p]ara que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito. (...) Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na decisão.”
Em suma, a insuficiência de fundamentos de facto da sentença, ainda que decorra de o juiz não ter considerado factos alegados pelas partes nos articulados, não constitui causa de nulidade da mesma, na medida em que não é apreensível sem um juízo sobre a sua relevância jurídica para a decisão do mérito da causa, ou seja, supõe sempre a reapreciação da correcção da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância, e determina em última análise, quando efectivamente relevante, a anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto por aquele, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil.
Improcede, pois, a arguição da nulidade da sentença com este fundamento, sem prejuízo da aludida apreciação em sede própria.
Relativamente à pretensão de nulidade da sentença por excesso de pronúncia, em virtude de estar pendente incidente de suspeição, teria de ser entendida no sentido de a prolação não poder legalmente ocorrer no momento em que ocorreu, em termos semelhantes aos defendidos por alguma doutrina e jurisprudência quando a sentença é proferida antes de observado o contraditório que se impunha relativamente a determinada questão (6).
Não obstante, ainda que se afigure aceitável tal entendimento, constata-se que nos presentes autos, após o encerramento da audiência, a ora Recorrente requereu expressamente a suspensão da instância com o mencionado fundamento de pendência de incidente de suspeição, através de requerimento de 17/12/2019, o qual foi indeferido por despacho de 18/12/2019, pelo que, ainda que este fosse insusceptível de interposição de recurso de apelação, por força do art. 79.º-A, n.º 2, a contrario do Código de Processo do Trabalho, deveria ter sido impugnado no recurso em apreço, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal, sob pena de se considerar transitado em julgado.
Ora, a Apelante não impugnou tal despacho expressa e autonomamente, conforme resulta, designadamente, do requerimento de interposição do recurso e das respectivas conclusões, limitando-se a esgrimir a mesma argumentação mas como alegada causa de nulidade da sentença.
De qualquer modo, ainda que não devesse entender-se que aquele despacho tem força de caso julgado impeditivo da apreciação da nulidade da sentença com o mesmo fundamento – como efectivamente tem –, o certo é que a pretensão da Apelante é completamente destituída de razão.
Com efeito, como se diz no mencionado despacho, o incidente de suspeição aludido pela Recorrente foi apresentado no processo n.º 3642/19.7T8GMR, e não nos presentes autos, onde nenhum incidente de suspeição foi requerido, o que, por si só, é bastante para que seja inaplicável o disposto no art. 125.º do Código de Processo Civil.
Improcede, pois, a pretensão da Recorrente também nesta parte.

4.2. Cabe, então, apreciar as excepções dilatórias de impossibilidade originária da lide, meio processual inadequado e falta de interesse em agir, suscitadas pela Apelante no seu recurso.
A Recorrente fundamenta estas excepções, essencialmente, no facto de ter celebrado contrato de trabalho sem termo com a formadora A. C. em 21 de Junho de 2019, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2019, ou seja, antes da propositura da acção.
E fá-lo em termos semelhantes aos que formulou no referido Processo n.º 3644/19.3T8GMR.G1, merecendo solução idêntica, com as devidas adaptações, à que lhes foi dada no Acórdão ali proferido.
Segundo a Apelante, a impossibilidade originária da lide derivaria precisamente da circunstância de, tendo sido celebrado contrato de trabalho entre a formadora em causa e a ré, a acção não ter objecto.
O uso de meio processual inadequado derivaria do facto de estar exclusivamente em causa a antiguidade do contrato de trabalho, o que deveria ser aferido através de acção comum.
A falta de interesse em agir ou de interesse público suficiente derivaria de o Ministério Público não ter razão válida para se substituir ao prestador da actividade, porquanto está unicamente em causa o reconhecimento de antiguidade laboral, e, a defender-se o contrário, haveria violação do princípio da igualdade relativamente ao trabalhador subordinado em que esta qualidade não seja controvertida.
Vejamos.
Na decisão das excepções dilatórias em apreço deve ter-se em conta que a acção para reconhecimento da existência de contrato de trabalho foi introduzida com a finalidade de combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviço em relações de trabalho subordinado. No essencial, pretendeu-se combater a precariedade laboral, dissimulada pela utilização da figura do contrato de prestação de serviço em situações que correspondem a verdadeiros contratos de trabalho, situação vulgarmente designada como de «falsos recibos verdes».
Esta finalidade vai além do mero interesse particular dos trabalhadores na celebração de um contrato de trabalho. Está em causa igualmente uma vertente pública que consiste na concretização efectiva do princípio do acesso ao trabalho, no direito a um trabalho digno ou decent work e na regulação do mercado de trabalho. Numa perspectiva mais vasta, está em causa também a regulação da economia e o combate à concorrência desleal, impedindo o exercício de actividades económicas com recurso a formas de utilização de mão-de-obra que visam exclusivamente escapar ao vinculismo próprio do contrato individual de trabalho e à regulamentação legal das relações laborais, designadamente no que respeita às obrigações fiscais e relativas à segurança social.
A conclusão de que não está em causa apenas o mero interesse particular dos trabalhadores é confirmada pela forma como a acção para reconhecimento da existência de contrato de trabalho foi concebida, sem a intervenção directa daqueles, sendo consequência da acção inspectiva da Autoridade para as Condições do Trabalho, nos termos do art. 15.º-A do regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e cabendo a legitimidade para o respectivo impulso junto do tribunal ao Ministério Público, nos termos dos arts. 5.º-A, al. c) e 186.º-K, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho. E o interesse preponderante é de tal modo de ordem pública que o n.º 2 desta norma acrescenta que, caso o Ministério Público tenha conhecimento, por qualquer meio, da existência de uma situação análoga à referida no n.º 3 do art. 2.º da Lei n.º 107/2009, comunica-a à Autoridade para as Condições do Trabalho, no prazo de 20 dias, para instauração do procedimento previsto no art. 15.º-A daquela lei.
Concretizando, de acordo com o n.º 1 daquele art. 186.º-K, após a recepção da participação prevista no n.º 3 do citado art. 15.º-A, o Ministério Público dispõe de 20 dias para propor a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho; nos termos do n.º 2 do art. 186.º-L, o empregador é citado para contestar no prazo de 10 dias; acrescenta o n.º 4 desta norma que os duplicados da petição inicial e da contestação são remetidos ao trabalhador simultaneamente com a notificação da data da audiência final, com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário. A final, conforme resulta do art. 186.º-O, n.ºs 8 e 9, a sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral e é comunicada oficiosamente pelo tribunal ao trabalhador, à ACT e ao Instituto da Segurança Social, I. P., com vista à regularização das contribuições desde aquela data.
Trata-se, pois, de uma acção que tem como partes principais o Ministério Público e o beneficiário da actividade, com a finalidade de ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho e fixada a data do início da relação laboral, designadamente com vista à regularização desde então das contribuições para a Segurança Social.
A intervenção do prestador da actividade é meramente facultativa e não está hoje previsto que a sua vontade possa influenciar de qualquer modo o desfecho da acção.
Com efeito, não obstante a vertente pública da acção, discutiu-se a possibilidade de celebração de transacção entre o beneficiário da actividade e o prestador da actividade na acção para reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Esta discussão surgiu porque a versão inicial da regulamentação da tramitação desta acção, ou seja, a anterior às alterações que foram introduzidas pela Lei n.º 55/2017, de 17 de Julho, previa a realização de uma tentativa de conciliação no início da audiência de julgamento, desde que estivessem presentes o beneficiário e o prestador da actividade, colocando-se por isso a questão de saber em que termos podia ser admitida uma transacção que então fosse outorgada por aqueles.
O entendimento maioritário era que apenas era admissível a celebração de uma transacção em que fosse reconhecida pelos intervenientes a existência dum contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, isto é, desde a data indicada na petição inicial.
Este Tribunal da Relação de Guimarães, porém, acolheu uma posição mais flexível, explicitada, v.g., no Acórdão de 22 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 445/16.4T8BRG.G1 (disponível em www.dgsi.pt), e no Acórdão de 20 de Outubro de 2016, proferido no processo n.º 1209/16.0T8BRG.G1.
A mesmo assentava, essencialmente, no pressuposto de que, se a redacção inicial do art. 186.º-O, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho previa que, se o empregador e o trabalhador estivessem presentes ou representados, o juiz realizava a audiência de partes, procurando conciliá-los, antes do início da audiência de julgamento, havia que lhe dar um sentido útil conforme com o disposto nos arts. 51.º a 53.º e 55.º do mesmo diploma, nos termos dos quais, no início da audiência de partes, o autor expõe sucintamente os fundamentos de facto e de direito da sua pretensão, seguindo-se a resposta do réu, e a tentativa de conciliação subsequente destina-se prima facie a pôr termo ao litígio mediante acordo equitativo, sem prejuízo de resultar em desistência, confissão ou transacção, desde que conforme à lei.
Efectivamente, prevendo a lei a realização de audiência de partes, com tentativa de conciliação do prestador e do beneficiário da actividade pelo juiz, não fazia muito sentido que a mesma só pudesse terminar por confissão do pedido formulado pelo Ministério Público e não também mediante um acordo equitativo que tivesse em conta a antecedente exposição de fundamentos de facto e de direito por aqueles.
Não obstante, sendo a finalidade da transacção pôr termo ao litígio mediante recíprocas concessões, não podendo as partes, contudo, transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor (arts. 1248.º e 1249.º do Código Civil), entendeu-se, em face das considerações acima expendidas acerca das motivações políticas, económicas e sociais subjacentes à acção em epígrafe, que ao prestador e ao beneficiário da actividade não era lícito afastar a pretensão de reconhecimento da existência de contrato de trabalho formulada pelo Ministério Público, sustentada em elementos de facto constatados directamente pela Autoridade para as Condições de Trabalho na data da inspecção realizada, mas apenas indicar data diferente para o respectivo início, desde que anterior àquela, sendo certo que os inspectores indicam uma data mediante conhecimento necessariamente indirecto.
Sucede, no entanto, que a Lei n.º 55/2017, de 17 de Julho, veio revogar o acima citado n.º 1 do art. 186.º-O do Código de Processo do Trabalho, que, como se disse, era a base de justificação da admissão, com razoabilidade, dum acordo equitativo entre o prestador e o beneficiário da actividade quanto aos termos da pretensão formulada pelo Ministério Público, pelo que não é mais sustentável tal entendimento nas acções em que – como é o caso da presente – é aplicável a nova redacção.
Com efeito, sendo o Ministério Público o titular da acção de reconhecimento de contrato de trabalho, como parte principal, não pode ser aceite qualquer transacção judicial que o não tenha como outorgante, agora que já não consta da lei a aludida norma, e assim, por identidade de razões, qualquer acordo extrajudicial entre o prestador e o beneficiário da actividade só é susceptível de inutilizar a acção se for reconhecida pelos outorgantes a existência dum contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, isto é, desde a data indicada na petição inicial.
Aliás, se assim não fosse, seria uma maneira fácil de os empregadores se verem livres dos encargos decorrentes da existência de contrato de trabalho até à intervenção da Autoridade para as Condições de Trabalho ou instauração pelo Ministério Público da subsequente acção com vista ao seu reconhecimento, pois destas não resultaria qualquer desvantagem pelo facto de a situação não ser regularizada desde a altura devida.
Neste sentido, veja-se o Acórdão deste Tribunal de 18 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 545/18.6T8BRG.G1 (disponível em www.dgsi.pt).
Ora, tendo presentes estes pressupostos, as excepções arguidas pela Apelante não podem deixar de improceder.
Com efeito, assim como a impossibilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância, nos termos do art. 277.º, al. e) do Código de Processo Civil, a impossibilidade originária da lide deve ser considerada uma excepção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º do mesmo diploma. Em ambas as situações está em causa a impossibilidade de atingir o resultado visado com a acção, em virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, depois ou antes, respectivamente, da instauração da acção.

Ora, no caso em apreço, o objecto do processo é a qualificação como contrato de trabalho da relação jurídica que desde o ano lectivo 2005/2006 foi estabelecida entre a ré e a sua formadora A. C., o que de modo algum está prejudicado pela celebração entre ambas de um contrato de trabalho com efeitos a 1 de Janeiro de 2019, o qual, a proceder a acção, não poderá deixar de ser considerado um mero acordo de modificação do contrato de trabalho já vigente.
Aliás, o desfecho da acção releva, além do mais, para efeitos de regularização das contribuições para a Segurança Social desde a data de início da relação laboral fixada na sentença, bem como, de prosseguimento do processo de apuramento da responsabilidade contra-ordenacional do beneficiário da actividade, que fica suspenso até à conclusão da mesma, nos termos do n.º 4 do art. 15º-A da Lei n.º 107/2009.
Ou seja, conforme se deixou exposto, a acção de reconhecimento de contrato de trabalho tutela, antes de mais, os acima referidos interesses de ordem pública, competindo ao Ministério Público a sua instauração e prossecução, a título principal, e, assim como não é aceitável qualquer transacção judicial que o não tenha como outorgante, também qualquer acordo extrajudicial entre o prestador e o beneficiário da actividade só é susceptível de inutilizar a acção se for reconhecida pelos outorgantes a existência dum contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, isto é, desde a data indicada na petição inicial.
Não sendo isso que ocorreu na situação dos autos, improcede a excepção em análise.
Acresce que, entendendo-se que a lide não é impossível, por não estar esgotado o seu objecto, a saber, a pretensão do Ministério Público de qualificação como contrato de trabalho da relação jurídica que desde o ano lectivo 2005/2006 se estabeleceu entre a ré e a identificada formadora, designadamente para os mencionados fins de ordem pública, a forma de processo a utilizar é a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho regulada no Capítulo VIII do Título VI do Código de Processo do Trabalho, por ser a expressamente prevista, nos termos do art. 48.º, n.º 3 do mesmo diploma, para o caso de se verificarem os pressupostos a que aludem o art. 15.º-A do regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e os arts. 5.º-A, al. c) e 186.º-K, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho – que efectivamente se verificam no caso em apreço.
Ao invés do sustentado pela Apelante, cometer à disponibilidade da identificada formadora da ré o eventual recurso ao processo comum para reconhecimento da sua antiguidade, deixaria de fora a tutela de todos ou alguns dos interesses que se visam assegurar com a atribuição de legitimidade ao Ministério Público para a instauração da acção especial em referência.
Improcede, assim, também a excepção de inadequação da forma processual utilizada.
Finalmente, a Recorrente defende que se verifica falta de interesse em agir ou de interesse público suficiente do Ministério Público para se substituir ao prestador da actividade, porquanto está unicamente em causa o reconhecimento de antiguidade laboral, e, a defender-se o contrário, haveria violação do princípio da igualdade relativamente ao trabalhador subordinado em que esta qualidade não seja controvertida.
Também o interesse em agir ou interesse processual é entendido como uma excepção dilatória inominada que impede que se conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º do Código de Processo Civil. Traduz-se na necessidade ou utilidade de recorrer aos tribunais para solucionar um conflito existente ou tutelar um interesse material que, em face de algum tipo de incerteza, careça de intervenção judicial.
Ora, como se disse, a acção para reconhecimento da existência de contrato de trabalho foi introduzida, além do mais, com a finalidade de combater a precariedade laboral, indo muito além do mero interesse particular do concreto trabalhador na celebração de um contrato de trabalho.
A legitimidade para a sua instauração compete exclusivamente ao Ministério Público e através dela pretende-se que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho e fixada a data do início da relação laboral, designadamente com vista à regularização desde então das contribuições para a Segurança Social, tendo também influência no processo de apuramento da responsabilidade contra-ordenacional do beneficiário da actividade.
A intervenção no processo do prestador da actividade é meramente facultativa e aquele não admite que a vontade deste possa influenciar de qualquer modo o desfecho da acção.
Em face do exposto, dúvidas não há de que o interesse que se visa tutelar com a acção só se mostra alcançado com o reconhecimento dum contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, isto é, desde a data indicada na petição inicial, e que até que tal aconteça a acção mantém inteira utilidade.
O Ministério Público intervém como parte principal, em nome próprio, na defesa de interesses de ordem pública, e não em representação ou no patrocínio do trabalhador, que pode nem aderir à pretensão daquele, pelo que, pela substancial diferença de situações, não ocorre qualquer violação do princípio da igualdade relativamente ao trabalhador subordinado, cuja qualidade não seja controvertida, que tem de recorrer à acção comum para ver reconhecida a sua antiguidade, visto que este o faz para daí extrair a satisfação de interesses exclusivamente seus.
Improcede, pois, também esta excepção.
4.3. A Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, quer por falta de fundamentação que deve determinar a baixa do processo à 1.ª instância para suprimento da omissão, quer por erro de julgamento quanto a diversos pontos que deve determinar a sua alteração.

Estabelece o art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto»:

1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;
b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
4 - Das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por sua vez, o art. 640.º do mesmo diploma, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe do seguinte modo:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Vejamos.

4.3.1. A Recorrente invoca falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, sustentando, em síntese, que o tribunal recorrido não explicou as razões de julgar certos factos como provados ou não provados e, quanto a outros, não o fez concretizadamente, por referência aos documentos e testemunhas que foram indicados.
Nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. d), acima transcrito, a Relação deve determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Por outro lado, estabelece o art. 607.º, n.ºs 4 e 5 do mesmo diploma que, na sentença, o tribunal deve declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, sendo que aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, embora a livre apreciação não abranja os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Sem prejuízo, o n.º 7 do art. 186.º-O do Código de Processo do Trabalho dispõe que, na acção de reconhecimento de contrato de trabalho, a sentença é sucintamente fundamentada, regendo-se a sua gravação e transcrição para a acta pelo disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil, ou seja, como na generalidade das matérias processuais do foro laboral, mas ainda de modo mais acentuado (confronte-se com o art. 73.º do mesmo Código), é dada particular relevância à celeridade e simplificação dos actos.

Como refere Lopes do Rego (7), “(…) a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, provada e não provada, deverá fazer-se por indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, o que compreenderá não só a especificação dos concretos meios de prova, mas também a enunciação das razões ou motivos substanciais porque eles relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador – só assim se realizando verdadeiramente uma “análise crítica das provas”.”

Quanto ao standard de prova, isto é, a regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira, refere Luís Filipe Pires de Sousa (8) que, no processo civil é, em regra, “(…) o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:

(i) Entre as varias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.

Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.
Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis”.
E se, após a produção das provas, acontecer que duas ou mais hipóteses contraditórias sobre os factos em discussão estão suficientemente fundadas, têm sido propostos vários critérios conjuntos de escolha entre as hipóteses alternativas excludentes, como sejam o da simplicidade, o da coerência narrativa, o da coerência lógica, o da congruência da narração dos factos e o da correspondência entre os factos e a norma jurídica substantiva (9).

Retomando o caso dos autos, verifica-se que o tribunal a quo se pronunciou nos seguintes termos:

«Motivação: A convicção do tribunal, relativamente àquela matéria dada como provada com interesse para a decisão da causa, resultou da apreciação conjugada do acordo parcial das partes nos articulados, do teor da presunção legal contida no art. 12º, nº 1, do Código do Trabalho, do teor quer de todos os sobreditos documentos quer de todos os demais constantes dos autos e dos seguintes depoimentos prestados em audiência que incidiu sobre essa factualidade, nos termos a seguir indicados. Sendo de salientar que o auto da ACT com documentos anexos (nos termos constantes de fls. 2 a 121) faz fé em juízo e cujo valor probatório não foi infirmado e, aliás, o seu teor foi corroborado em audiência pelas seguintes pessoas inquiridas: F. A. e A. S. (inspectores da ACT – revelaram conhecimento dos factos respectivos de uma forma isenta, sincera, segura, coerente e merecedora de credibilidade, confirmando e explicitando de forma detalhada toda a matéria constante do auto e todos seus documentos anexos bem como do documento junto durante a audiência – tendo ainda a propósito desta último constante de fls. 211-213 sido explicado em que termos foram colhidas tais respostas livres e espontâneas da trabalhadora assim como as assinaturas, tudo em tempo real e após a leitura integral do seu teor, tendo depois este esse formulário sido completado pelo auto de declarações da trabalhadora, constante de fls. 20-21 verso, também colhidas de forma livre e esclarecida à trabalhadora assim como a sua assinatura, tudo em tempo real, após a leitura integral do seu teor, sem que a trabalhadora tivesse feito qualquer ressalva, a mesma o assinou); J. L. (director geral da ré há mais de 20 anos – apenas na parte a seguir indicada depôs de forma coerente e credível, à luz da sobredita apreciação conjugada, quando confirmou a contratação desta trabalhadora desde o ano lectivo de 2006 em diante com as respectivas funções e horas constantes das declarações da ré constantes de fls. 32 a 42, a utilização pela trabalhadora de instrumentos e equipamentos da ré, a docência daquela também numa outra escola, o pagamento à trabalhadora do número de horas em função das aulas registadas no e-schooling e só após esta emitir os recibos verdes); N. M. (directora pedagógica da ré desde 2014 e antes disso docente desde 2001 – apenas na parte a seguir indicada depôs de forma coerente e credível, à luz da sobredita apreciação conjugada, quando confirmou a contratação desta trabalhadora desde o ano lectivo de 2006 em diante com as respectivas funções e horas constantes das declarações da ré constantes de fls. 32 a 42, a docência daquela também numa outra escola desde há cerca de 3 anos, a utilização pela trabalhadora de instrumentos e equipamentos da ré e o registo pela trabalhadora no e-schooling); e A. C. (a trabalhadora em apreço – depôs de uma forma sincera, espontânea, segura, coerente e merecedora de credibilidade e a qual confirmou trabalhar para a ré desde o ano lectivo de 2005 em diante, confirmou na totalidade e explicitou o teor do auto das suas declarações a fls. 20-21 verso dos autos, reiterou o cariz livre, esclarecido e sem erro ou vício da sua própria vontade, que desde 2015 em diante também deu aulas numa outra escola, descreveu diferenças entre a ré e essa outra escola, que foi por proposta da ré que o contrato de trabalho retroagiu a Janeiro de 2019, que só após a emissão dos seus recibos verdes a ré lhe pagava as respectivas horas, descreveu a reunião dos professores na ré antes do início das actividades lectivas em cada ano lectivo nomeadamente, sem imposição pela trabalhadora a fixação pela ré das respectivas disciplinas, turmas e horários, sem prejuízo de poder haver ajustes posteriores por parte da ré, que estava ciente das suas obrigações constantes daqueles contratos intitulados pela ré de prestação de serviços, confirmou que no final de cada ano lectivo a trabalhadora ficava a aguardar pelo contacto da ré para o ano lectivo seguinte por esta não lhe garantir de antemão tal sob a alegação de depender de aprovação dos curso e de inscrição dos respectivos alunos e admitiu não ter referido à ACT nem à ré que, desde 2018 trabalhava e fazia descontos por conta de uma outra empresa, tendo ressalvado que por se tratar de outras funções (elaboração de traduções) não achara importante dizê-lo antes).
Contrariamente ao demais depoimento em audiência da testemunha J. L. (director geral da ré) que não mereceu credibilidade na restante parte por ter sido manifestamente parcial, comprometido, não espontâneo e incoerente, à luz das regras de experiência comum e verosimilhança e da apreciação crítica e conjugada com todos os sobreditos elementos probatórios – nomeadamente ao referir (que durante esses mais de 13 anos lectivos) que aquela trabalhadora sempre fora mera prestadora de serviços, que ela nunca pedira contrato de trabalho, que os horários só eram elaborados em função da disponibilidade da trabalhadora e sua afixação era por mera organização da ré, sem que a trabalhadora devesse obediência à ré nem estivesse sujeita a sanções por esta em caso de incumprimento, que a ré só celebrara o contrato de trabalho com esta trabalhadora nesse 14º ano lectivo por ter sido pressionada pela ACT a ré e que só posteriormente a trabalhadora aceitou tal contratação sem aceitar retroagir ao início do ano lectivo).
Contrariamente ao demais depoimento em audiência da testemunha N. M. (directora pedagógica da ré) que não mereceu credibilidade na restante parte por ter sido manifestamente parcial, comprometida, não espontânea e incoerente, à luz das regras de experiência comum e verosimilhança e da apreciação crítica e conjugada com todos os sobreditos elementos probatórios – nomeadamente ao referir (que durante esses mais de 13 anos lectivos) que esta docente e directora de turma era mera prestadora de serviços, que só fazia os horários dela em função da prévia disponibilidade, que nunca lhe dera instruções e que não controlava se ela cumpria o plano curricular nem se faltava ao serviço e que a ré só celebrara o contrato de trabalho com a mesma devido à ACT.
Quando é certo que a contratação por tempo indeterminado em 21/6/2019, apesar de ter sido retroagida a período anterior ou com efeitos desde 1/1/2019, incongruentemente, nem sequer coincidiu com o início do respectivo ano lectivo (2018-2019), deixando de fora o período de Setembro até Dezembro de 2018 e quando tal contratação correspondia já à realidade dos factos existentes nesse mesmo trimestre e até desde data ainda muito mais anterior e consecutivamente nos de 13 anos lectivos anteriores (desde 2005-2006 até então).
E, aliás, o conteúdo desses anteriores contratos de prestação de serviços e declarações anexas constantes dos autos (fls. 17-19 e 168vº-177), por si só, desmentia a denominação dada aos mesmos, assim como o teor quer do regulamento interno da ré quer da caderneta informativa do docente/formados (a fls. 43-104), sendo de salientar que as regras e os deveres quer para o docente quer para o orientador educativo quer para o director de curso e em todos eles consignados são idênticos e em todos eles constam detalhadamente, tais como a obrigação de preparação de cada ano lectivo, a obrigação de cumprir o plano de curso, a obrigação de avaliação dos alunos no final de cada um dos 3 períodos lectivos de cada ano lectivo, da comparência nas reuniões marcadas pela ré, a obrigação de comunicação e justificação de faltas e permutas, a incumbência de esclarecer os alunos sobre os regulamentos e normas seguidos pela escola, de planificar e acompanhar a avaliação formativa e sumativa, visitas de estudo e actividades extracurriculares, de organizar e manter actualizado o dossier de curso, de atender os alunos e de alertar os colegas para o cumprimento das planificações dos módulos e disciplinas. Sendo de salientar que o facto de não constar dos autos nenhum desses formulários (de fls. 107 e 109) para justificação de faltas e/ou permutas assinados pela trabalhadora não significa que, ao longo desses mais de 13 anos lectivos, esta nunca o tivesse feito e sem ficar com cópia e, aliás, o teor das comunicações (de fls. 105 e 108) por e-mail das directora da ré aos docentes, incluindo esta trabalhadora, faz menção expressa das obrigações a esse propósito.
Sendo que tão pouco os documentos juntos pela ré (a fls. 168-203) foram de molde a desvirtuar a realidade dos sobreditos factos assentes com base nos sobreditos elementos probatórios, desde logo porque a alegada dependência da oferta formativa e da inscrição de alunos para cada ano lectivo, por si só, não descaracterizou a prestação da trabalhadora em apreço, nem justificou sequer uma contratação a termo e/ou a tempo parcial em qualquer desses anos lectivos anteriores. Para além disso, o alegado histórico de turmas desde 2000 a 2018 não tem qualquer comprovação documental pela ré das aludidas disciplinas em termos das respectivas turmas e carga horária. Por outro lado, o facto de poder haver ajustes ao horário base fixado pela ré para cada ano lectivo (como o de fls. 31) não retira o poder determinativo da ré a esse propósito, aliás o próprio teor das declarações em anexo aos aludidos contratos (a fls. 178-179) salienta que haveria necessidade desses ajustes face ao aumento de disciplinas e turmas a cargo desta trabalhadora, mas devido às respectivas necessidades da ré e sua estrutura organizativa, na qual tinha de atentar aos demais docentes dessas e das demais turmas e aos alunos, necessidades aquelas que se impunham à trabalhadora (conforme esta referiu) e não sendo a vontade desta a impor-se, prévia ou posteriormente, àquelas necessidades da ré. Por outro lado, tão pouco a ré juntou sequer os respectivos registos das aulas ou livro de ponto informático (e-schooling) que permitiria conferir as diferenças dos números constantes de fls. 28 relativamente aos de fls. 30 e 32-42. Nem tão pouco a ré juntou recibos-facturas emitidos pela trabalhadora relativamente aos alegados serviços, nem eventual extracto bancário ou outro documento discriminativo e comprovativo dos exactos montantes pecuniários alegados por esta a favor da trabalhadora.
E nunca sendo por demais salientar o princípio geral do nosso Direito segundo o qual «Os contratos são o que são, não o que as partes dizem que são». E (por maioria de razão direi eu) que não, necessariamente, os contratos são o que as partes pensam que são, nem as partes são, necessariamente, aquilo que se inscrevem ser. Por outras palavras, a pretensa autonomia privada ou liberdade contratual das partes (aquando da escolha da forma e modo de prestação da actividade laboral e da qualificação do contrato celebrado, dentro dos limites da lei, esgota-se aí) não pode impôr ao mundo jurídico uma qualificação que não esteja de acordo com os parâmetros reais e legais. E, por outro lado, a existência de alguma autonomia técnica inerente a este tipo de actividade profissional de docência e de direcção de curso não é incompatível com a subordinação jurídica correspectiva ao poder de direcção e fiscalização do estabelecimento de ensino da ré relativamente àquela sua docente e directora de turma durante mais de 13 anos lectivos consecutivos. E a existência do poder disciplinar por parte do estabelecimento de ensino da ré não depende do seu exercício efectivo por parte desta sua titular e, muito menos, depende do registo, ou não, de alguma sanção disciplinar relativamente àquela sua docente e directora de turma durante mais de 13 anos lectivos consecutivos.»

Verifica-se, assim, que, ao contrário do referido pela Apelante, para além da indicação especificada de documentos juntamente com a enunciação dos factos provados, na motivação em apreço eles são também referidos amiúde por referência a temas concretos, o mesmo sucedendo com os depoimentos de testemunhas, invocados com indicação das respectivas qualidades e referência bastante às questões de facto sobre que incidiram e sentido essencial que tomaram.
Posto isto, e perante as duas hipóteses contraditórias sobre alguns dos factos, uma correspondente à versão apresentada nos autos pelo autor e outra à versão apresentada nos autos pela ré, a Mma. Juíza recorrida explica suficientemente porque considerou prevalecente uma delas, apelando essencialmente à credibilidade decorrente da qualidade, situação ou conhecimento das testemunhas, bem como corroboração mútua de depoimentos ou por documentos, o que se traduz num critério idóneo e relevante, nos termos das considerações acima delineadas.
Em face do exposto, considerando as normas legais que regem a fundamentação da decisão da matéria de facto, enformadas pelos princípios específicos do processo laboral, e, em particular, da acção especial em apreço, designadamente os da simplificação e celeridade, julgamos que a decisão recorrida não padece do vício da falta ou insuficiência de motivação, pois dá a conhecer, descrevendo suficientemente – muito mais do sucintamente, como bastava – os elementos probatórios que teve em conta e, de entre esses, aqueles a que deu prevalência, explicando, também sinteticamente, as razões objectivas que presidiram a tal desígnio, em termos que permitem adequadamente – tanto mais que os depoimentos estão gravados – o exercício dos direitos processuais das partes, nomeadamente o de impugnação.
Isto é, pode não se concordar com a decisão e respectiva motivação, sustentando erro de julgamento, mas não se pode legitimamente entender que a mesma está deficientemente fundamentada.
Por todo o exposto, considera-se desnecessário que seja determinado ao tribunal recorrido que desenvolva e aprofunde a fundamentação que apresentou para a decisão da matéria de facto, ao abrigo do disposto no mencionado art. 662.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Civil.

4.3.2. A Recorrente diz ainda que pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova, designadamente dos depoimentos testemunhais gravados, bem como dos documentos juntos.

Do regime constante do Código de Processo Civil acima delineado resulta que, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões, nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, e acrescendo que há específicos ónus a cumprir no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por força do art. 640.º, o recorrente deve:

- especificar inequivocamente no corpo das alegações os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham uma decisão diversa, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, bem como, tratando-se de depoimentos, as passagens da gravação respectivas;
- e indicar sinteticamente nas conclusões, pelo menos, os pontos da matéria de facto que pretende ver alterados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Retornando ao caso dos autos, verifica-se que a Recorrente considera incorrectamente julgados, impondo-se que sejam considerados como não provados, os factos dados como provados sob os pontos 8, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18.
A Apelante insurge-se contra a factualidade constante dos pontos 8 e 18 na parte em que se considera assente que a formadora A. C. prestava a sua actividade sob as ordens e fiscalização da ré, invocando para tanto os depoimentos da própria e de N. M. e J. L..
Ora, independentemente do sentido da prova, tem-se por adquirido que não é correcto utilizar tais expressões num litígio como o presente.
Com efeito, dispunha o n.º 4 do art. 646.º do Código de Processo Civil de 1961 que se têm por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, assim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. E, embora não se contemplassem directamente as respostas sobre a matéria de facto vagas, genéricas e conclusivas, foi-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que aquela disposição era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendum, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova.
Ora, não obstante a eliminação do preceito mencionado no Código de Processo Civil de 2013, é de considerar que se deve manter aquele entendimento, interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados.
Isto é, o que o tribunal pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida são os factos e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, que é uma operação intelectual distinta (10).
Posto isto, não pode deixar de se entender que a expressão «sob as ordens e fiscalização da ré», utilizada no contexto duma acção que tem por objecto a qualificação dum contrato como sendo de trabalho, é manifestamente conclusiva, pela sua similitude com os termos utilizados na definição legal de contrato de trabalho, contendo em si mesma, basicamente, a solução jurídica do caso, o que é inadmissível.
Ora, nesta matéria, inequívoco é que, com a assinatura dos denominados «contratos de prestação de serviço» a que se referem os autos (Documento n.º 2 anexo ao Auto da ACT e Documentos anexos à contestação), relativamente aos quais não foram arguidos quaisquer vícios da vontade, a formadora se obrigou a desenvolver a sua actividade para a ré nos termos das respectivas cláusulas, sujeita, por isso, aos deveres aí estabelecidos para si e aos direitos aí previstos para a ré.

Por outro lado, logo na cláusula 1.ª consta que lhe competia, além do mais, fazer cumprir as normas emanadas pelos órgãos de direcção da escola, co-responsabilizando-se com estes pelo bom funcionamento e imagem interna/externa da escola e da respectiva entidade proprietária, o que nos remete para o «Regulamento Interno» junto como Documento n.º 7 anexo ao Auto da ACT, onde consta na sua introdução:

«O presente Regulamento Interno tem como principal objectivo: Definir a regulação da organização e funcionamento da Escola, nomeadamente, no estabelecimento de regras e normas que marcam a convivência entre os diferentes actores da acção educativa e estabelecem a estrutura organizacional da comunidade escolar.
A Direcção Geral da Escola, em 6 de novembro de 2017, promulga as disposições contidas neste documento e reafirma que compete a todos os Colaboradores, a todos os níveis, o cumprimento das determinações que dele constam.»
A aplicação deste regulamento (e das versões anteriores) à formadora A. C., por força da aludida cláusula do contrato que assinou e desta introdução, é reiterada pelo seu conteúdo, nomeadamente: o art. 190.º, n.º 2, onde se refere que a atribuição a um docente/formador de um cargo de orientador educativo de turma é formalizada através de assinatura de anexo ao contrato de prestação de serviços, também anual, que vincula o docente à Escola; o art. 193.º, n.º 2, onde se refere que a atribuição a um docente/formador de um cargo de director de curso é formalizada através de assinatura de anexo ao contrato de prestação de serviços, também anual, que vincula o docente à Escola; o art. 206.º, n.º 1, que refere que todo o tipo de colaboração será reduzido a um contrato escrito, com menção das condições da sua realização e respectivo prazo de duração; e o art. 209.º, que estabelece:

«1 - No caso de os docentes/formadores não cumprirem os deveres que têm para com a Escola enunciados em todo o presente regulamento, ser-lhes-ão aplicadas as seguintes sanções de acordo com a gravidade da infracção:
a) Rescisão do contrato de prestação de serviços, nos termos enunciados no mesmo;
b) Impossibilidade de o docente/formador celebrar novo contrato de prestação de serviços com a Escola nos anos lectivos seguintes.»

Acresce que o «Regulamento Interno» tem em anexo um Organigrama, onde está previsto precisamente o corpo docente, na base da Direcção Técnico-Pedagógica. Ora, a ré tinha 13 docentes com os denominados «contratos de prestação de serviços» e apenas 3 docentes com assumido contrato de trabalho, pelo que seria absurdo que tal normativo, incluindo na parte das actividades lectivas, se aplicasse apenas a menos de 1/5 dos docentes, deixando de fora os restantes.
Este «Regulamento Interno», por seu turno, prevê no seu art. 104.º, n.º 3, al. c) que o docente tem direito a receber no início do ano lectivo uma «Caderneta Informativa do Docente».
Essa «Caderneta Informativa do Docente/Formador» (Documento n.º 8 anexo ao Auto da ACT) contém um ponto n.º 5 que integra exclusivamente normas dirigidas ao docente/formador, destacando-se o ponto 5.3 referente aos deveres do docente, incluindo o dever de assiduidade e pontualidade no cumprimento dos horários (al a), de conhecimento dos regulamentos (al. d), da necessidade de estar presente em todas as reuniões, provas e exames para que seja convocado (al. e), de não entrar na aula 10m depois no caso do início do 1.º bloco da manhã/tarde e após 5m nos restantes casos (al. k), de colaboração com várias entidades (als. f, h e i, com directores de turma, orientadores, directores de curso…), de cuidar do equipamento e materiais (al. r), de disponibilidade para uma actuação permanente extra fora da sala de aulas (al. v), só para citar alguns exemplos. Veja-se ainda o ponto 5.5 quanto a regras a observar em caso de faltas/substituições e justificação, a fazer em 48h, com menção ao impresso/formulário destinado a justificar faltas (Documento n.º 9 anexo ao Auto da ACT).
Em suma, logo da conjugação de toda a documentação anexa ao Auto da ACT resulta que a formadora A. C. estava sujeita às normas plasmadas nos denominados «contratos de prestação de serviços», no «Regulamento Interno» e na «Caderneta Informativa do Docente/Formador».
Sublinha-se, a propósito da invocação pela Apelante dos depoimentos da formadora A. C., de J. L., Director Geral, e de N. M., Directora Pedagógica, que os mesmos não podem ser atendidos, por força dos arts. 392.º, 393.º, n.º 2 e 394.º do Código Civil, para provar que as partes no contrato não se obrigaram nos termos que aí declararam, nem para provar que convencionaram termos diferentes, contrários ou adicionais.
De qualquer modo, a formadora A. C. confirmou a factualidade em apreço no «Auto de Declarações» datado de 24/04/2019 por si assinado (Documento n.º 3 anexo ao Auto da ACT) e no «Questionário ao Prestador da Atividade» datado de 9/11/2018 por si assinado (documento junto em audiência de julgamento), conforme confirmou no seu depoimento. A testemunha inicia o seu depoimento esclarecendo precisamente que os Senhores Inspectores da ACT começaram por indagar e averiguar qual o modo como a depoente exercia a sua actividade e que foi em resultado e em conformidade com isso que aqueles documentos foram elaborados e por si assinados. E termina o seu depoimento reiterando-o e acrescentando que os assinou de livre vontade e ciente do seu conteúdo.

Pelo exposto, determina-se a alteração dos pontos 8 e 18 da factualidade provada nos seguintes termos (alteração introduzida supra no local próprio):

8 - A trabalhadora, ao longo de todos esses anos lectivos, desenvolveu a sua actividade para a ré sujeita aos deveres estabelecidos para si e aos direitos previstos para a ré nas normas constantes dos denominados «contratos de prestação de serviços», do «Regulamento Interno» e da «Caderneta Informativa do Docente/Formador», nas instalações da ré e/ou por si geridas referidas no item 3, nomeadamente, nas instalações sitas na Praça ... e na Rua ....
18 - Como contrapartida dos trabalhos que prestava sob as directrizes e orientações da ré e dos seus corpos directivos, nos termos referidos no ponto 8, a trabalhadora recebia da ré o respectivo valor/hora de € 12,50, acrescido de IVA – salvo no ano lectivo de 2012/2013, em que a partir de 1 de Dezembro passou para € 12/hora, no ano lectivo de 2011/2012 o valor/hora foi de € 15 e nos anos lectivos de 2010/2011 e 2009/2010 o valor hora foi € 20 - cujo cálculo das horas de docência era feito em função das aulas registadas no e-schooling e cujo pagamento era efectuado após a trabalhadora emitir o respectivo recibo verde.
A Recorrente impugna a factualidade do ponto 9, sustentando que resultou dos depoimentos de A. C., J. L. e N. M. que os horários eram elaborados depois de a primeira fornecer as suas disponibilidades e em função delas, indicando ainda uma comunicação da mesma nesses termos junta com a sua contestação.
Ora, da cláusula 1.ª, al. i) do «contrato de prestação de serviços» resulta que competia à formadora desenvolver o seu trabalho na escola da ré de acordo com o horário atribuído pela Direcção, o qual podia ser alterado por esta sempre que necessário, pelo que, nos termos sobreditos, os depoimentos testemunhais invocados são inoperantes para demonstrar que a ré não tinha esse direito e a formadora não estava sujeita ao mesmo.
De qualquer modo, a formadora A. C. confirmou a factualidade em apreço no «Auto de Declarações» datado de 24/04/2019 por si assinado (Documento n.º 3 anexo ao Auto da ACT) e no «Questionário ao Prestador da Atividade» datado de 9/11/2018 por si assinado (documento junto em audiência de julgamento), conforme reiterou no seu depoimento.
Acresce que dos depoimentos indicados não resulta de modo algum que os horários da formadora e dos colegas não fossem feitos e atribuídos pela ré, ou que fossem impostos a esta pelas disponibilidades daqueles, mas apenas que a ré tinha em conta tais disponibilidades (cfr. a apreciação infra de factos não provados), se possível – o que nada tem de estranho numa relação jurídica saudável. Não pode confundir-se o exercício dos direitos das partes, no dia a dia, de acordo com princípios de colaboração, consenso e boa fé, com a inexistência ou renúncia àqueles direitos.
Isso mesmo é confirmado pelo invocado e-mail da formadora junto com a contestação e pelo depoimento da mesma, em que esclarece que os horários lhe eram apresentados já feitos e uma vez em que houve incompatibilidade com o horário que tinha na Escola ... teve de pedir a alteração deste e se não a tivesse conseguido teria de ter renunciado a tal contrato para assegurar o contrato com a ré.
Improcede, assim, a pretensão da Recorrente nesta parte.
A Recorrente impugna a factualidade do ponto 12 na medida em que, compulsados todos e quaisquer depoimentos prestados, bem como o questionário preenchido pela formadora junto da ACT em 29/10/2018, só foi referido que a formadora utilizava mesas e cadeiras pertencentes à ré.
Todavia, o direito da formadora a utilizar todos os aludidos equipamentos e instrumentos de trabalho resulta dos arts. 104.º, n.º 3, als. f) e g) e 223.º, n.º 2 do «Regulamento Interno» e dos pontos 5.4, al. i) e 5.6 da «Caderneta Informativa do Docente/Formador».
De qualquer modo, a formadora A. C. confirmou a factualidade em apreço no «Auto de Declarações» datado de 24/04/2019 por si assinado (Documento n.º 3 anexo ao Auto da ACT) e no «Questionário ao Prestador da Atividade» datado de 9/11/2018 por si assinado (documento junto em audiência de julgamento), conforme reiterou no seu depoimento. O primeiro documento é exaustivo na descrição e no segundo responde-se afirmativamente à questão de o mobiliário, as matérias-primas, equipamentos e instrumentos de trabalho serem da ré, concretizando-se o quadro interactivo e esclarecendo-se que se usa o computador próprio e não o da ré por este estar avariado.
Improcede, assim, a pretensão da Recorrente nesta parte.
A Apelante impugna a factualidade do ponto 13, no sentido de ser dado como não provado na parte em que considera que a formadora A. C. entrava através do seu “login” no programa/plataforma “e-schooling”, uma vez que tal não resultou de qualquer meio probatório.

Ora, compulsada a prova produzida, constata-se que assim é, pelo que determina-se a alteração de tal ponto nos seguintes termos (alteração introduzida supra no local próprio):

13 - A trabalhadora registava as aulas dadas com os respectivos sumários e as presenças dos respectivos alunos através da plataforma informática “e-schooling” existente na ré.
A Apelante impugna a factualidade dos pontos 14 e 15, sustentando que resultou dos depoimentos de A. C., J. L. e N. M. que o «Regulamento Interno» não era aplicável à formadora e que a mesma nunca sofreu qualquer sanção disciplinar nem justificou faltas.
Já acima se explicou que estes depoimentos testemunhais são inadmissíveis legalmente como prova de que os outorgantes dos denominados «contratos de prestação de serviço» não se obrigaram nos termos que aí declararam expressamente, ou de que convencionaram termos contrários ou adicionais, assim como se explicou porque é inequívoco que aquele contrato remete para o normativo constante do «Regulamento Interno».
Acresce que não pode confundir-se o facto de não terem acontecido situações concretas de aplicação de sanções ou de justificação formal de faltas (cfr. a apreciação infra de factos não provados) – algo que tantas vezes ocorre durante a vigência de contratos de trabalho – com a inexistência das inerentes obrigações.
Ora, os pontos 14 e 15 limitam-se a reproduzir o que resulta das normas que mencionam, estando o primeiro corroborado pelo teor da cláusula 1.ª, al. m) do «contrato de prestação de serviço» e pelos pontos 5.3 e 5.5 da «Caderneta Informativa do Docente/Formador».
De qualquer modo, a formadora A. C. confirmou a factualidade em apreço no «Auto de Declarações» datado de 24/04/2019 por si assinado (Documento n.º 3 anexo ao Auto da ACT) e no «Questionário ao Prestador da Atividade» datado de 9/11/2018 por si assinado (documento junto em audiência de julgamento), conforme reiterou no seu depoimento, apenas demonstrando não estar a par do conteúdo do Regulamento.
A obrigação de justificação de faltas e permutas e o controlo das aulas dadas através dos sumários respectivos está ainda comprovada pelo Documento n.º 9 anexo ao Auto da ACT (e-mail da Directora Pedagógica N. M. de 19/11/2014, e-mail da Directora Executiva Alice Soares de 3/10/2017 e impresso/formulário para justificação de faltas).
Concede-se, porém, que se impõe eliminar do ponto 15 a referência a “poder disciplinar”, que não consta da norma mencionada e é uma expressão conclusiva e inadequada no presente caso, pelas razões acima aduzidas.

Assim, desatendendo-se a pretensão da recorrente no restante, determina-se a alteração daquele ponto nos seguintes termos (alteração introduzida supra no local próprio):

15 - A trabalhadora estava sujeita a avaliação de desempenho e aos demais deveres elencados no Regulamento, designadamente os previstos nos arts. 104.º (ex. dever de pontualidade e assiduidade no cumprimento dos horários, de estar presente em todas as actividades para que seja convocada, de apresentação atempada de toda a documentação exigida, nomeadamente planificações, avaliações, planos de recuperação, proposta e relatório de visitas de estudo e actividades, colaboração com orientadores/directores de turma ou de curso, de ser a primeira a entrar e a última a sair da sala de aulas, de desligar o telemóvel durante as aulas, de solicitar autorização, sempre que julgue necessário, da ocorrência de aulas fora da escola, assim como aulas extra à planificação, de participar no seu próprio processo de avaliação, fazendo a sua auto-avaliação com relatório crítico de desempenho) e 196.º a 208.º (em especial obrigatoriedade de presença em todas as reuniões previstas/convocadas devendo a não participação ser justificada, dever de sumariar e assinar o livro de ponto e de registo de aula na plataforma informática, deveres a observar em caso de falta/substituição, incluindo comunicação em impresso próprio, dever de justificar faltas e de submeter a autorização da ré as permutas que devem ser entendidas como extraordinárias), sob pena de poder sofrer sanções pela ré em caso de incumprimento dos deveres.
Finalmente, a Apelante impugna a factualidade provada sob os pontos 16 e 17, alegando que o tribunal recorrido não indicou os meios de prova em que se fundamentou e que o seu teor não foi confirmado pela formadora A. C. ou outros depoimentos.
Ora, relativamente ao ponto 16, na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal recorrido refere expressamente que teve em conta os depoimentos de J. L., Director Geral da ré, e de N. M., Directora Pedagógica, na parte em que confirmaram a contratação da trabalhadora desde o ano lectivo de 2005/2006 em diante com as respectivas funções e horas constantes das declarações da ré de fls. 32 a 42. Trata-se de declarações anuais detalhadas, assinadas pela Directora Executiva ou pela Directora Pedagógica, em nome da ré, que integram o Documento n.º 6 anexo ao Auto da ACT, merecendo inteira credibilidade.
Por outro lado, o ponto 17 limita-se a reproduzir o que consta do registo biográfico da trabalhadora no Ministério da Educação (Documento n.º 5 anexo ao Auto da ACT), como ali é expressamente mencionado, podendo a conformidade constatar-se pela sua leitura. Trata-se de documento oficial, cuja genuinidade não foi questionada nem suscita dúvidas ao tribunal.
Improcede, pois, a pretensão da Apelante nesta parte.

A Apelante pretende ainda (conclusões CVI. e seguintes) que sejam dados como provados determinados factos constantes da contestação, a saber:

«A) A Formadora não tinha qualquer dependência económica da Recorrente durante o período de vigência dos contratos de prestação de serviços, obtendo outros rendimentos.
B) A Formadora A. C. recusou inicialmente a celebração de um contrato de trabalho que lhe foi oferecido pela Ré, porque pretendia manter um contrato de prestação de serviços.
C) Os cursos de formação que a Ré promove não são sempre os mesmos, sendo mutável todos os anos, e variando em função das carências dos profissionais da região que é necessário suprir, e em função da aprovação externa (de candidatura pedagógica e de candidatura ao seu financiamento).
D) São as entidades externas que tutelam a actuação da Ré que dão orientações de quantas turmas/cursos podem ser aprovados para cada Comunidade Intermunicipal, e posteriormente são definidos pela ANQEP (Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional) os critérios para ordenamento da rede de cursos a aprovar, para o ano lectivo em causa, o número mínimo e máximo de turmas.
E) Só depois de aprovada a rede de oferta formativa é que a Ré fica em condições de divulgar a sua oferta de cursos de formação e “angariar” alunos para os cursos aprovados, no entanto nem sempre se consegue, por falta de alunos, abrir os cursos pretendidos.
F) A oferta formativa da Ré fica igualmente dependente da concessão, ou não, de financiamento de determinadas instituições à Ré, de forma a permitir-lhe avançar com a leccionação daqueles Cursos de Formação.
G) Dos Cursos de Formação oferecidos em 2018 (num total de 6), apenas 3 haviam figurado também da Oferta Formativa da Ré em 2017, e dos 7 cursos de formação oferecidos em 2017 pela Ré, apenas 3 também haviam feito parte da Oferta Formativa do ano de 2016, havendo 4 Cursos de Formação novos naquele ano.
H) O horário da leccionação dos módulos pela trabalhadora era elaborado em função das suas disponibilidades, sendo alvo de alterações subsequentes por força da (in)disponibilidade superveniente dos Formadores.
I) A trabalhadora podia ausentar-se logo que concluídas as tarefas, sem obrigatoriedade de permanecer nas instalações da Ré a cumprir qualquer horário.
J) As ausências da Formadora são insusceptíveis de sancionamento disciplinar.
L) A Formadora não comparecia sequer nas instalações da Ré quando não tinha serviços para prestar, onde sobressai os períodos de interrupção lectivas (como Natal, Carnaval ou Páscoa) uma vez que com os Formandos ausentes não tinha quaisquer serviços a serem prestados.
M) A Ré não efectua qualquer controlo ou fiscalização da assiduidade ou pontualidade da trabalhadora, não fazendo a Autora quaisquer registos de entrada e saída.
N) A Ré nunca marcou qualquer falta à Formadora, seja justificada ou injustificada, ou sequer advertiu a Formadora por qualquer ausência, ou sequer intentou qualquer procedimento disciplinar, nem nunca exigiu qualquer justificação de falta.
O) O Regulamento Interno que a Ré dispõe não é aplicável à trabalhadora.
P) A trabalhadora prestava os seus serviços durante um número de horas semanais inferior a metade do período normal de um trabalhador a tempo inteiro.
Q) Entre Ré e a trabalhadora não existia qualquer exclusividade na prestação da actividade pela trabalhadora, ao contrário do que acontece desde a celebração do contrato de trabalho.
R) Os pagamentos efectuados à Formadora variavam em função da respectiva disponibilidade de prestar serviços à Ré, não sendo um pagamento periódico ou efectuado todos os meses do ano.
S) A actividade exercida pela Formadora tem obrigatoriamente de ser desenvolvida em local pertencente à Ré, o qual tem de ser obrigatoriamente autorizados/homologados pelo Ministério da Educação.
T) A Ré é obrigada por imposição legal a ter/disponibilizar equipamentos/instrumentos nas salas de aulas, sem os quais os cursos não homologados e financiados.
U) Enquanto a trabalhadora mantinha um contrato de prestação de serviços, a Ré mantinha relação laboral com outros Formadores, os quais desempenhavam outras tarefas além de também leccionarem cursos de formação.
V) Em 31 de Maio de 2019, a Ré e a Formadora A. C. celebram um contrato de trabalho sem termo em, com efeitos reportados a 01/01/2019.»

Antes de mais, sublinha-se, na sequência do acima decidido sob o ponto 4.1., que o tribunal recorrido se pronunciou sobre tal factualidade, considerando-a não provada, nos seguintes termos:

«Factos não provados: Não se provaram os demais factos alegados por ambas as partes nos articulados, nomeadamente, as demais horas alegadas pelo autor, os alegados montantes e respectivas datas de alegados pagamentos pela ré e por alegada transferência bancária para a trabalhadora, que tivesse sido a trabalhadora a recusar a celebração de contrato de trabalho durante esses mesmos anos lectivos, que os cursos da ré e respectivas horas não sejam sempre os mesmos e que estejam dependentes da concessão de financiamento de determinadas instituições à ré, que a ré nunca tivesse marcado qualquer falta à trabalhadora, que a ré nunca tivesse sancionado esta trabalhadora e que só após muita insistência da ré a trabalhadora acabou por celebrar o contrato de trabalho. Para além disso não foram atendidos os factos meramente conclusivos e os demais que estejam em contradição e/ou prejudicados pela factualidade acima dada como assente.»
Não cabe, pois, determinar a anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto pelo tribunal recorrido, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil, mas reapreciar a decisão do tribunal recorrido em função dos meios de prova indicados pela Recorrente.
Vejamos, então.
Relativamente ao ponto A), está em causa uma mera conclusão relacionada com factualidade dada como provada sob o ponto 21.
Quanto ao ponto B), o segmento do depoimento da formadora A. C. que é invocado refere-se à negociação para conclusão do contrato de 31/05/2019 e o que a mesma afirma é que recusou a proposta inicial porque as horas não lhe interessavam, e não porque queria manter um contrato de prestação de serviços. E os restantes depoimentos por si sós não permitem afastar a versão da própria.
Relativamente aos pontos C), D), E), F) e G), sem prejuízo do que se mostra provado sob os pontos 19, 22 e 23, remete-se para a fundamentação do tribunal recorrido a respeito da insuficiência de prova da demais matéria, com que se concorda inteiramente, sendo certo que, na verdade, se trata de factualidade irrelevante, pois a instabilidade das necessidades das empresas autoriza-as, quando muito, a celebrar contratos de prestação de serviços que o sejam substancialmente ou contratos de trabalho a termo certo ou incerto, mas não as autoriza a celebrar pretensos contratos de prestação de serviços que encobrem verdadeiros contratos de trabalho – e é só isto que está em causa.
Os pontos H), I), J), L), M), N), O), Q) e R), na parte em que se referem aos termos em que a formadora A. C. e a ré estavam obrigadas, estão prejudicados pela factualidade considerada como provada, quer a expressamente enunciada, quer a resultante dos instrumentos normativos aplicáveis aí mencionados.

No mais, compulsada a prova indicada, em especial o depoimento de A. C., entende-se que a mesma determina os seguintes aditamentos (introduzidos acima no local próprio):

24 - Após apresentação dos horários de leccionação ou alterações dos mesmos, a ré fazia ajustes a pedido da formadora A. C., se possível.
25 - A ré nunca marcou qualquer falta à formadora A. C. porque a mesma nunca faltou sem avisar e assegurar os módulos em causa.
26 - A ré nunca aplicou qualquer sanção à formadora A. C..

Quanto ao ponto P), não foi confirmado por prova documental nem por depoimentos precisos, pois os mesmos referiram-se a tal matéria apenas por aproximação, quer no que respeita à formadora A. C., quer no que respeita aos supostos formadores a tempo inteiro. De qualquer modo, o horário da formadora em 2018/2019 foi de 29 horas lectivas semanais e nos anos anteriores raramente foi inferior a 22 horas lectivas semanais (Documento n.º 6 anexo ao Auto da ACT), estando provado que a mesma tinha ainda tarefas não lectivas.

Relativamente aos pontos S) e T), ouvidos os depoimentos de J. L. e N. M., entende-se que comprovam o seguinte (aditamento supra no local próprio):

27 - A homologação dos cursos pelos órgãos de tutela depende da adequação das instalações e equipamentos disponibilizados pela ré para a ministração dos mesmos.

Quanto ao ponto U), ouvida a prova produzida, entende-se que confirma o seguinte, sendo o restante enunciado manifestamente conclusivo (aditamento supra no local próprio):
28 – A ré tinha 13 formadores com contrato de prestação de serviço e 3 formadores com contrato de trabalho.

A matéria do ponto V) foi dada como assente sob o ponto 20.

4.4. Assente a factualidade a ter em conta, cabe apreciar se, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido, não é de qualificar o acordo celebrado pelas partes como contrato de trabalho, com início no ano lectivo 2005/2006.
Considerando tal termo inicial da relação jurídica estabelecida entre as partes, e que a mesma apenas foi reconhecida como sendo de trabalho com efeitos a 1 de Janeiro de 2019, são relevantes o Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto de 2003, entrado em vigor em 1 de Dezembro do mesmo ano, e o Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro de 2009, entrado em vigor em 17 desses mês e ano.
Nos termos do art. 1154.º do Código Civil, contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
O Código do Trabalho, no art. 11.º, dispõe que contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.
Assim, a diferenciação entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço centra-se, essencialmente, em dois elementos distintivos: no objecto do contrato (no contrato de trabalho existe uma obrigação de meios, de prestação de uma actividade intelectual ou manual, e no contrato de prestação de serviço existe uma obrigação de apresentar um resultado); e no relacionamento entre as partes (a subordinação jurídica caracteriza o contrato de trabalho e a autonomia caracteriza o contrato de prestação de serviço).
Mas o elemento decisivo é o da subordinação jurídica, que consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.
Contudo, como se refere no citado Acórdão deste Tribunal de 7 de Maio de 2020, está “definitivamente ultrapassada a ideia da subordinação associada à emissão de ordens claras, directas e sistemáticas, dada a crescente autonomia técnica dos trabalhadores e actuais formas de organização e de interacção laboral. O traço decisivo é o chamado elemento organizatório, opção aliás espelhada na lei que utiliza a expressão “no âmbito de organização” – art. 11º do CT.
Donde, o fulcro da subordinação consistirá no facto de o prestador não trabalhar segundo a sua própria organização, mas sim inserido numa ciclo produtivo de trabalho alheio e em proveito de outrem, estando adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário.”
Não obstante, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de recorrer à averiguação de indícios da sua existência ou inexistência: denominação atribuída ao contrato, local onde é exercida a actividade, sujeição ou não a horário de trabalho fixo, utilização de bens ou utensílios próprios ou fornecidos pelo destinatário da actividade, fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, concessão ou não de férias pela contraparte, pagamento ou não de retribuição nas férias, bem como de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da actividade sobre o trabalhador ou sobre o beneficiário, inserção ou não do trabalhador na organização produtiva, possibilidade ou impossibilidade de recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, sujeição ou não às ordens e disciplina da parte contrária, tipo de actividade declarada aos serviços de finanças e de Segurança Social, exclusividade ou não da actividade prestada e dos rendimentos económicos provenientes da mesma, etc..
No recurso a tal método indiciário, como diz Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Almedina, 2012, p. 124), “[c]ada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade. O juízo a fazer, nos termos expostos, é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta e comparação dela com o tipo trabalho subordinado.”
Nos termos do regime geral de repartição do ónus da prova, cabe ao autor fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil), tendo os Códigos do Trabalho, contudo, vindo introduzir uma presunção de existência de contrato de trabalho nas condições aí indicadas.
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz e apenas tem de provar o facto que lhe serve de base, cabendo à parte contrária ilidir a presunção legal mediante prova em contrário, salvo se a lei o proibir (art. 350.º do Código Civil). Isto é, a presunção legal que pode ser ilidida por prova em contrário – presunção juris tantum –, como é o caso da estabelecida pelos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, importa a inversão do ónus da prova (art. 344.º, n.º 1 do Código Civil). Já se o autor não demonstrar o preenchimento dos requisitos ali previstos, de modo a beneficiar da presunção de existência dum contrato de trabalho, terá de, nos termos do citado art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, fazer a prova cabal dos seus elementos constitutivos, designadamente através do tradicional método indiciário acima aludido.
Acresce que, atenta a sucessão de regimes jurídicos, importa ainda ter em conta que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido constante a afirmar que, numa situação em que se discuta a qualificação duma relação jurídica constituída antes da entrada em vigor da versão inicial do Código do Trabalho de 2003, da sua versão introduzida pela Lei n.º 9/2006 ou do Código do Trabalho de 2009, e que subsistiu sem alteração substancial a partir de então, se aplica o regime jurídico em vigor na data da constituição do vínculo, não tendo aplicação a presunção de contrato de trabalho nos moldes legais posteriormente reconhecidos.

Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2010, proferido no processo n.º 996/07.1TTMTS.P1.S1 (11), cujo sumário refere:

“I - O art. 12.º do Código do Trabalho de 2003 estabelece uma presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de determinados requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção, pelo que esse preceito só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003.
II - Caso não funcione a referida presunção, por não preenchimento de algum dos seus requisitos cumulativos, pode o trabalhador provar que estão preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho, através da demonstração a efectuar dos pertinentes índices de laboralidade, mediante factos que os integrem.”

Assim, considerando que no caso dos autos a relação jurídica em apreço remonta ao início do ano lectivo de 2005/2006, conclui-se que é de ter em conta a presunção de laboralidade nos termos que constavam da versão inicial do Código de Trabalho de 2003, a saber:

Artigo 12.º
Presunção
Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:
a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;
b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da actividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;
c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da actividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da actividade;
d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da actividade;
e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias.

Ora, apesar do grau de exigência da norma, dificilmente compatível com o fim visado pelo estabelecimento duma presunção legal, o que é certo é que o autor logrou demonstrar cabalmente o preenchimento cumulativo dos requisitos em referência.

Se não, vejamos.

Em 1.º lugar, a formadora A. C. estava inserida na estrutura organizativa da ré e realizava a sua prestação sob as orientações desta.
Com efeito, a mencionada A. C. foi admitida ao serviço da ré, não só como docente profissionalizada (nomeadamente de Francês, de Inglês), como também como orientadora educativa de turma/directora de turma (em cursos de técnicas de informática-sistemas) ou orientadora educativa de turma (em cursos de técnico de gestão de equipamentos informáticos), desde o ano lectivo de 2005/2006 em diante, isto é, quando a ré a reconheceu como trabalhadora subordinada com efeitos a 1 de Janeiro de 2019, já a mesma contribuía com o seu trabalho para a normal actividade da ré há mais de 13 anos.
A trabalhadora, ao longo de todos esses anos lectivos, desenvolveu a sua actividade para a ré sujeita aos deveres estabelecidos para si e aos direitos previstos para a ré nas normas constantes dos denominados «contratos de prestação de serviços», do «Regulamento Interno» e da «Caderneta Informativa do Docente/Formador».

Nos termos da cláusula 1.ª do contrato, competia-lhe:

a) Fazer cumprir as normas emanadas pelos órgãos de direcção da escola, co-responsabilizando-se com estes pelo bom funcionamento e imagem interna/externa da escola e da respectiva entidade proprietária;
b) Colaborar com a direcção técnico-pedagógica da escola na elaboração de programas e orientações metadológicas, sempre que para tal for solicitado;
c) Leccionar os conteúdos programáticos da (s) respectiva (s) disciplina, segundo os programas e orientações metodológicas aprovados;
d) Assegurar a implementação do sistema de estrutura modelar;
e) Proceder a registo sumário das actividades lectivas e não lectivas, assim como a de todo o processo de acompanhamento e assiduidade do aluno;
f) Reunir sempre que necessário com o conselho de turma, Orientador Educativo de Turma/Director de Turma e com o Director de Curso;
g) Propor a aquisição de bibliografia, material e equipamento didáctico indispensável ou conveniente para a leccionação da disciplina respectiva;
f) Assegurar o acompanhamento dos projectos pessoais (PAP) a elaborar pelos alunos do 3.º ano, co-responsabilizando-se com os Orientadores dos Projectos;
i) Desenvolver o seu trabalho nesta Escola de acordo com o horário atribuído pela Direcção, o qual poderá ser alterado pela Entidade Proprietária, sempre que necessário;
j) Disponibilizar-se, na medida das suas possibilidades, para substituir outro docente que tenha anunciado a sua intenção de faltar, leccionando a sua própria disciplina;
k) Comunicar ao Orientador Educativo de Turma/Director de Turma qualquer problema do foro disciplinar, ou outro que seja do seu conhecimento, relativamente a qualquer aluno. Deverá faze-lo por escrito, sempre que se trate de assunto disciplinar;
l) Propor aos Directores de Curso, alterações aos conteúdos e metodologias de cada disciplina;
m) Justificar, junto da primeira outorgante, todas as faltas referentes às aulas e reuniões, utilizando para tal o impresso próprio para o efeito disponível nos serviços administrativos.

Sendo certo que, como orientadora educativa de turma e directora de turma, tinha ainda competências de planeamento, organização e supervisão, nos termos dos respectivos contratos juntos aos autos.
Assim, para além de dar as aulas, a trabalhadora comparecia às reuniões de trabalho e de organização da ré, se fosse caso disso também como directora de turma, participava como orientadora, apreciava os desempenhos escolares dos alunos e notava-os.
Como directora de turma, a trabalhadora registava as faltas, elaborava a reposição de aulas aos alunos, mapas das faltas, atendia semanalmente os encarregados de educação dos alunos, reunia com os encarregados de educação, pelo menos, 2 vezes por período escolar, procedia ao registo dos sumários pedagógicos, elaborava um dossiê de direcção de turma segundo índice determinado pela Directora Pedagógica e elaborava todo o processo de matrícula inerente ao processo individual de cada aluno em formato de papel e digital, ocupava-se da preparação e elaboração de toda a documentação inerente às reuniões de avaliação formativa e sumativa e transmitia aos encarregados de educação as informações relativas aos seus educandos.
Como simples docente ou como orientadora de curso ou directora de curso, a A. C. prestava a sua actividade sob as directrizes e orientações da ré e dos seus corpos directivos, sujeita, também, ao «Regulamento Interno», que regula exaustivamente a organização e actividade da ré, devendo observá-lo sob pena de aplicação de sanções, nos termos do seu art. 209.º.
Assim, a formadora estava sujeita a avaliação de desempenho e aos demais deveres elencados no Regulamento, designadamente os previstos nos arts. 104.º (ex. dever de pontualidade e assiduidade no cumprimento dos horários, de estar presente em todas as actividades para que seja convocada, de apresentação atempada de toda a documentação exigida, nomeadamente planificações, avaliações, planos de recuperação, proposta e relatório de visitas de estudo e actividades, colaboração com orientadores/directores de turma ou de curso, de ser a primeira a entrar e a última a sair da sala de aulas, de desligar o telemóvel durante as aulas, de solicitar autorização, sempre que julgue necessário, da ocorrência de aulas fora da escola, assim como aulas extra à planificação, de participar no seu próprio processo de avaliação, fazendo a sua auto-avaliação com relatório crítico de desempenho) e 196.º a 208.º (em especial obrigatoriedade de presença em todas as reuniões previstas/convocadas devendo a não participação ser justificada, dever de sumariar e assinar o livro de ponto e de registo de aula na plataforma informática, deveres a observar em caso de falta/substituição, incluindo comunicação em impresso próprio, dever de justificar faltas e de submeter a autorização da ré as permutas que devem ser entendidas como extraordinárias), sob pena de poder sofrer sanções pela ré em caso de incumprimento dos deveres.
A A. C. integrava também o Organigrama incluído no «Regulamento Interno» a que estava sujeita, como membro do corpo docente que constitui a base da Direcção Técnico-Pedagógica. Note-se que a ré tinha apenas 16 formadores, 13 com contrato de prestação de serviço e 3 com contrato de trabalho, pelo que a manutenção da formadora em apreço ao serviço daquela durante tantos anos foi seguramente um factor de estabilidade e continuidade.
Em suma, a formadora A. C. estava inequivocamente inserida na estrutura organizativa da ré e realizava a sua prestação sob as orientações desta.
Em 2.º lugar, o trabalho era realizado em instalações da ré ou geridas pela mesma e respeitando um horário previamente definido.
Quanto ao local, veja-se a parte final da factualidade provada sob o ponto 8.
Quanto ao horário, está provado sob o ponto 9 que a trabalhadora dava as aulas que estavam previamente estabelecidas pela ré, de acordo com horário por esta previamente definido para a trabalhadora e demais docentes, para cada um dos anos lectivos e no seu início, de acordo com as turmas e disciplinas que a trabalhadora ministrava, e que a ré afixava nas instalações.
O que está de acordo com a cláusula 1.ª, al. i) do contrato celebrado, nos termos da qual competia à formadora desenvolver o seu trabalho na escola da ré de acordo com o horário atribuído pela Direcção, o qual podia ser alterado por esta sempre que necessário.
Mais, conforme provado sob o ponto 14, a trabalhadora estava obrigada, de acordo com o respectivo Regulamento Interno (art. 208.º), a comunicar e justificar, em impresso próprio dirigido ao director executivo da ré, as faltas referentes às aulas e reuniões, assim como, em caso de permutas entre si e outros docentes.
O que, aliás, já resultava inteiramente da al. m) da cláusula 1.ª do contrato celebrado.
Em 3.º lugar, a formadora A. C. era retribuída em função do tempo despendido na execução da actividade.
Com efeito, está assente sob o ponto 18 que, como contrapartida dos trabalhos prestados, a trabalhadora recebia da ré o respectivo valor/hora de € 12,50, acrescido de IVA – salvo no ano lectivo de 2012/2013, em que a partir de 1 de Dezembro passou para € 12/hora, no ano lectivo de 2011/2012 em que o valor/hora foi de € 15 e nos anos lectivos de 2010/2011 e 2009/2010 em que o valor hora foi € 20 –, sendo o cálculo das horas de docência feito em função das aulas registadas no e-schooling e cujo pagamento era efectuado após a trabalhadora emitir o respectivo recibo verde.
Não apresenta dúvidas que a formadora era retribuída em função do tempo despendido na execução da actividade, mais precisamente em função do número de horas de docência, o que, nos termos do art. 261.º do Código do Trabalho, é qualificado como «retribuição certa», sendo irrelevante que, por força do diferente número de dias úteis de trabalho, o montante global mensal variasse, não sendo nesse sentido que é utilizado pela lei o conceito de retribuição variável, que se refere antes à que resulta do uso de outro critério de determinação, geralmente “à peça”, por exemplo se a formadora fosse remunerada em função do número de alunos que se inscrevessem nas disciplinas por ela leccionadas ou do número de testes ou trabalhos que avaliasse.
Em 4.º lugar, os instrumentos de trabalho utilizados pela formadora eram essencialmente fornecidos pela ré.
Na verdade, está assente sob o n.º 12 que, para o desempenho das suas funções, a trabalhadora sempre utilizou - para além do seu computador pessoal - instrumentos e equipamentos pertencentes à ré, nomeadamente: mobiliário nos locais de trabalho (mesa, cadeira e quadro interactivo), videoprojector, fotocópias, colunas, canetas. E trabalhava, ainda, com os softwares específicos para o exercício das suas funções, nomeadamente: os programas informáticos (e-schooling) onde escrevia os sumários, as presenças dos alunos e o registo de ocorrências e plataforma (moodle) para interagir com os alunos, nomeadamente entrega de trabalhos e testes e fornecimento de material.
Aliás, a formadora tinha direito a que a ré lhe facultasse todos os aludidos equipamentos e instrumentos de trabalho, nos termos dos arts. 104.º, n.º 3, als. f) e g) e 223.º, n.º 2 do «Regulamento Interno» e dos pontos 5.4, al. i) e 5.6 da «Caderneta Informativa do Docente/Formador».
Em 5.º e último lugar, a prestação de trabalho foi executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias.
Posto isto, operando a presunção de laboralidade, nos sobreditos termos, competia à ora Recorrente a prova do contrário, ou seja, de que se verificam outros indícios que, pela sua quantidade e impressividade, impõem a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica, designadamente um contrato de prestação de serviço.
Ora, com vista a tal desiderato, a Apelante logrou provar que no final de cada um de todos os anos lectivos de 2005/2006 a 2017/2018 a ré não garantia à trabalhadora a sua contratação para o ano lectivo seguinte, alegando depender da aprovação dos cursos e da respectiva inscrição de alunos, conforme documentação mencionada nos pontos 22 e 23.
Contudo, tal circunstancialismo, só por si, não é indício da celebração de contrato de prestação de serviço, já que na sua essência é a base legal da celebração de contrato de trabalho a termo certo ou incerto (como, aliás, a Apelante pretende, a título subsidiário), pelo que acaba por se revelar um elemento neutro para este efeito.
A ré provou também que, após apresentação dos horários de leccionação ou alterações dos mesmos, a ré fazia ajustes a pedido da formadora A. C., se possível; que a ré nunca marcou qualquer falta à formadora A. C. porque a mesma nunca faltou sem avisar e assegurar os módulos em causa; e que a ré nunca aplicou qualquer sanção à formadora A. C..
Como é por demais evidente, todas estas vicissitudes são compatíveis com a existência de contrato de trabalho, ou seja, os trabalhadores subordinados podem trabalhar décadas e nunca terem faltas marcadas e sanções aplicadas se não houver motivo para isso, ou, mesmo que o haja, o empregador o relevar. De igual modo, é comum que o trabalhador solicite o ajuste ou mesmo alteração de horário e o empregador aceda, se possível (cfr. arts. 212.º e 217.º do Código do Trabalho).
Finalmente, a ré provou que a formadora auferia rendimentos de outras entidades nos termos constantes do ponto 21, não estando, como, aliás, decorre do normativo interno aplicável à relação jurídica, adstrita à obrigação de exclusividade, o que acaba por ser o único indício de trabalho autónomo.
Nesta conformidade, conclui-se que a ré não efectuou prova suficiente e significativa em sentido contrário à laboralidade presumida, designadamente indícios de carácter substancial com peso evidente, não sendo relevantes os indícios eminentemente formais atinentes à denominação do contrato, à emissão dos designados “recibos verdes”, ao regime fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores independentes, à não previsão de sanções disciplinares em sentido próprio, etc..
Com efeito, tais índices são obviamente consentâneos com a aparência jurídica que – precisamente – se pretende ajuizar se tem correspondência na efectiva relação jurídica querida e executada pelos outorgantes dos denominados «contratos de prestação de serviços».
Neste enquadramento, e sendo certo que todas as relações jurídicas contratuais, em concreto, podem suportar elementos típicos de vários contratos, importando, pois, atentar na feição que predominantemente apresentam, julga-se que no caso em apreço a factualidade apurada, no seu conjunto, evidencia através dos factores mencionados a inserção da formadora A. C. na organização da Recorrente e a sujeição da mesma a esta na execução do contrato, desde o ano lectivo de 2005/2006.
E, assim sendo, soçobra a pretensão da Apelante de violação do princípio da autonomia privada e da liberdade de contratar, com tutela constitucional, na medida em que o tribunal se limita a reconhecer a qualificação jurídica adequada ao acordo querido e executado pelas partes do denominado «contrato de prestação de serviço», como lhe incumbe.
De igual modo, falece a pretensão da Recorrente de que se considere que existiram tantos contratos de trabalho, distintos, quantos os «contratos de prestação de serviços» celebrados, na medida em que a tanto obsta a inobservância das formalidades e comprovada motivação subjacentes à admissão de celebração de contratos de trabalho a termo, não podendo considerar-se lícita a alegada cessação de cada um dos contratos.
Essa pretensão, aliás, é incompatível com a alegação da Apelante de que a relação jurídica entre as partes nunca se alterou ao longo do tempo, para efeitos da sua não sujeição à presunção de laboralidade nos termos do art. 12.º do Código do Trabalho de 2009.
Por todo o exposto, improcede o recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Em 21-05-2020

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso

Sumário (elaborado pela Relatora):

1 – A insuficiência de fundamentos de facto da sentença, ainda que decorra de o juiz não ter considerado factos alegados pelas partes nos articulados, não constitui causa de nulidade da mesma por omissão de pronúncia, na medida em que não é apreensível sem um juízo sobre a sua relevância jurídica para a decisão do mérito da causa, ou seja, supõe sempre a reapreciação da correcção da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância, e determina em última análise, quando efectivamente relevante, a anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto por aquele, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil.
2 – Ainda que a prolação de sentença antes de decidido incidente de suspeição do juiz seja configurável como nulidade da mesma por excesso de pronúncia, a mesma não se verifica em concreto se transitou em julgado despacho a indeferir o pedido de suspensão da instância com tal fundamento, e, de qualquer modo, se está em causa um incidente de suspeição apresentado em acção distinta.
3 – Sendo o Ministério Público o titular da acção de reconhecimento de contrato de trabalho, como parte principal, é claro, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 55/2017, de 17 de Julho, que não pode ser aceite qualquer transacção judicial que o não tenha como outorgante, e, assim, por identidade de razões, que qualquer acordo extrajudicial entre o prestador e o beneficiário da actividade só é susceptível de inutilizar aquela acção se for reconhecida pelos outorgantes a existência dum contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, isto é, desde a data indicada na petição inicial.
4 – Operando a presunção de laboralidade nos termos do art. 12.º do Código do Trabalho de 2003, na versão inicial, e competindo à beneficiária da actividade fazer a prova do contrário, ou seja, de que se verificam outros indícios que, pela sua quantidade e impressividade, impõem a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica, designadamente um contrato de prestação de serviço, é de entender que a mesma não o logrou fazer se, de substancial, apenas demonstrou que a prestadora da actividade também auferia rendimentos doutras entidades, não estando adstrita à obrigação de exclusividade.

Alda Martins


1. Cfr. rectificação requerida e deferida na audiência de julgamento.
2. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 2017, p. 737.
3. Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª edição, p. 52.
4. Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pp. 141-142.
5. Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, p. 667.
6. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pp. 739-740. Neste sentido, cfr. o Acórdão de 19 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 1451/15.1T8BRG.G1 (sentença fundamentada essencialmente em documento requisitado pelo tribunal após encerramento da audiência, não notificado às partes), e a Decisão Singular de 25 de Novembro de 2015, proferida no processo n.º 12/14.7TTBCL.G1 (sentença subsequente a auto de junta médica não notificado às partes), ambos da ora Relatora, não publicados, bem como a doutrina e arestos aí citados.
7. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, Almedina, 2004, p. 545.
8. Prova Testemunhal, Almedina, 2013, p. 378.
9. Aut. cit., op. cit., pp. 370 e ss..
10. Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt).
11. Disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sítio, em sentido semelhante, entre muitos outros, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2018, proferido no processo n.º 1272/16.4T8SNT.L1.S1.