Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5083/17.1T8GMR-A.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
EXTINÇÃO
INSOLVÊNCIA
IMPOSSIBILIDADE DA LIDE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Cabe à parte que requerer a realização da segunda perícia cumprir o ónus de alegação fundamentada imposto pelo artigo 487.º, n.º 1, do CPC;

II - É de admitir pedido de realização de segunda perícia, formulado pela recorrente, se esta apresentou as razões da sua discordância relativamente aos resultados da primeira perícia, de forma especificada, apta a suscitar uma situação de dúvida pertinente relativamente a alguns aspectos do relatório apresentado e ao resultado da perícia, de forma a consubstanciar a necessidade ou conveniência de submeter à apreciação de outro perito ou peritos os factos em apreciação.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

M. P. intentou contra os réus F. A. e A. P., em 21-09-2017, ação declarativa de investigação de paternidade, com processo comum, com o n.º 5083/17.1T8GMR pedindo que: a) Se declare que é filha do réu; b) Se determine o averbamento da filiação no assento do seu nascimento, bem como da avoenga paterna.

Alegou factos que, em seu entender, demonstram que é filha do réu, requerendo, entre outras, prova pericial mediante exames de ADN ou hematológicos por peritos do Instituto de Medicina Legal, tendo formulado quesitos.

O réu contestou, requerendo a realização de exames de ADN, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.
Dispensada a audiência prévia, foi então proferido despacho saneador, julgando verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da ré A. P. e, em consequência, absolveu a mesma da instância.

Procedeu-se à identificação do objeto do litígio e à delimitação dos temas da prova, admitindo-se os meios de prova apresentados.
Solicitou-se a realização da perícia médico-legal junto do Instituto Medicina Legal do Porto, I. P.

Após apresentação do relatório pericial, veio a autora apresentar requerimento de realização de segunda perícia, com o seguinte teor:

1. De acordo com o relatório pericial o Réu, F. A., apresenta incompatibilidades com a Autora nos marcadores genéticos (…) e é excluído da paternidade desta.
2. Ora, com estas conclusões não pode a Autora concordar,

Senão Vejamos:

3. Da análise dos resultados constata-se que, relativamente aos marcadores genéticos (…), mencionados nas conclusões do relatório, a Autora tem, em cada um destes marcadores, um alelo coincidente com o do Réu F. A..
4. Para além disso, nos marcadores genéticos (…), a Autora e o Réu F. A. têm os alelos totalmente coincidentes, sendo de referir que, quanto a este último alelo, não há coincidência entre a Autora e a mãe A. P..
5. Por último, nos marcadores genéticos (…), a Autora e o Réu F. A. têm um alelo coincidente.
6. Ou seja, para além de não se verificar a incompatibilidade no marcador genético (…), mencionada nas conclusões do relatório,
7. Dos vinte e quatro marcadores genéticos, doze apresentam coincidências entre os alelos da Autora e do Réu F. A..
8. Face ao exposto, a Autora entende que não pode estar excluída a paternidade do Réu F. A.,
9. Porquanto, os peritos analisaram erradamente os factos, emitindo juízos e conclusões que não reflectem a verdade.
10. Assim, e porque discorda com as conclusões do relatório pericial, requer a realização de uma segunda perícia, nos termos do artigo 487º e 488º do C.P.Civ.
11. A qual deverá ter por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destinando-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta.
12. Requer-se, ainda, que a segunda perícia seja feita por peritos diferentes daqueles que participaram na primeira”.

Foi, então, proferido despacho, nos seguintes termos:

“Considerando o disposto no art. 478º, n.º3, do CPC, onde se fixa a finalidade da segunda perícia, determino, antes de mais, que, com cópia do requerimento em referência, se notifiquem os peritos subscritores do relatório de fls. 91 e ss. para, em 10 dias, virem aos autos esclarecer se os argumentos invocados pela Autora são relevantes para as conclusões apresentadas, se foram, ou não, ponderados no relatório apresentado e se mantém a conclusão constante do mesmo relatório, devendo, em caso negativo, esclarecer qual a conclusão que têm por ajustada.
Notifiquem-se as partes do presente despacho”.

Foram apresentados os esclarecimentos pelo INMLCF, após o que veio a autora apresentar novo requerimento, nos seguintes termos:

1. Os esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos não dissipam as dúvidas da Autora,
2. Uma vez que não permitem excluir, com exatidão, a paternidade de F. A. como pai biológica da Autora.
3. Pois que, se por um lado, nas conclusões, excluem a paternidade de F. A., por outro lado, nos pontos 3. e 4. dos esclarecimentos, não excluem o pretenso pai como pai biológico da Autora,
4. Assim sendo, e por que urge descobrir a verdade biológica, vem a Autora reiterar o seu anterior requerimento com a referência 29439610.
5. Requerendo, assim, a realização da segunda perícia a qual deverá ter por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta.
6. Requer-se, ainda, que a segunda perícia seja feita por peritos diferentes daqueles que participaram na primeira.
7. Pois que, só assim, podemos, com certeza, aferir da paternidade de F. A. como pai biológica da Autora”.

Foi então proferido despacho, em 4-10-2018, com o seguinte teor:

“Após ter sido notificada do relatório pericial de fls. 91 e ss., a Autora, M. P., veio, a fls. 98 e ss., requerer a realização de segunda perícia, nos termos do art. 487º e 488º do CPC.

Dão-se aqui por reproduzidas as alegações da Autora para sustento do seu pedido de segunda perícia, que se resumem a não ocorrer a incompatibilidade no marcador genético (…) referida no relatório, além do que, dos vinte e quatro marcadores genéticos, doze apresentam coincidência entre os alelos da Autora e os alelos do Réu, pelo que os Senhores Peritos analisaram erradamente os factos, emitindo juízos e conclusões que não reflectem a verdade os factos.

Por despacho de fls. 101, convocando-se o disposto no art. 487º, n.º3, do CPC (por lapso de escrita refere-se art. 478º, n.º3), determinou-se a notificação dos Senhores Peritos para esclarecer se os argumentos invocados pela Autora são relevantes para as conclusões apresentadas, se foram ou não ponderados no relatório apresentado e se mantêm a conclusão constante no mesmo relatório, devendo, em caso negativo, esclarecer qual a conclusão que têm por ajustada.

Os Senhores Peritos apresentaram a resposta que se encontra a fls. 102 e ss., onde esclareceram a sua posição sobre as alegações da Autora e concluíram que, com o número de incompatibilidades observadas (ainda que com algumas compatibilidades verificadas), mantêm a conclusão de que o Réu não é pai da Autora.

Esta última, a fls. 107 e ss., reiterou a realização da segunda perícia, alegando que os esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos não dissiparam as suas dúvidas, posto que não permitem excluir com exactidão a paternidade do Réu.

II.
Apreciando o pedido de realização da segunda perícia.

No caso em apreço, nem mesmo após os esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos, a Autora ficou satisfeita, tendo reiterado o pedido de realização de segunda perícia.

O objectivo da segunda perícia é, por força do disposto no art. 487º, n.º3, do CPC, o de corrigir a eventual inexactidão dos resultados da primeira perícia A parte interessada na segunda perícia deve, assim, explicitar, de modo fundado, os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente (art. 487º, n.º1, do CPC.

Resulta, pois, do que se acaba de referir, que não basta a mera discordância das conclusões apresentadas pelos Senhores Peritos, havendo que convocar argumentação que as coloque em causa.

Ora, ressalvando o devido respeito por opinião diversa, entende-se que a Autora limita-se a invocar a sua discordância em relação as conclusões apresentadas pelos Senhores Peritos, face à análise comparativa que os mesmos fizeram, não convocando, pois, de modo fundado, qualquer inexactidão de tais conclusões, sendo certo que, nos esclarecimentos apresentados, os mesmos mantiveram todo o conteúdo do anterior relatório, refutando a argumentação expendida pela Autora.

Não se encontra motivo para colocar em causa a exactidão da perícia junta aos autos.
Conclui-se, assim, pela ausência de fundamento para a realização da segunda perícia e, consequentemente, pelo indeferimento do pedido formulado nesse sentido pela Autora.

III.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir o pedido de realização de segunda perícia formulado pela Autora a fls. 91 e ss. e 107 e ss..
Custas do incidente pela Autora, fixando-se a respectiva taxa de justiça em 1 UC – arts. 527º, n.º1, do CPC, 7º, n.º 4, do RCJ, e tabela II anexa ao mesmo.
Notifique”.

Inconformada, veio a autora interpor recurso da decisão, pugnando no sentido de ser revogado o despacho recorrido e, consequentemente, ser substituído por outro que defira a realização da segunda perícia.

Terminou as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

III. CONCLUSÕES:

1. Nos termos do artigo 487º, n.º 1 do C.P.Civ., qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
2. Assim, é exigido ao requerente da segunda perícia que explicite as razões da discordância em relação à primeira perícia e que alegue fundadamente as razões da sua discordância em relação ao resultado apresentado.
3. Ou seja, não basta requerê-la, é necessário que se explicite os pontos em que se manifesta discordância em relação aos resultados obtidos com a primeira perícia.
4. O requerimento de realização de segunda perícia da Apelante e o requerimento de resposta aos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos, cumpriram o ónus de alegação fundamentada.
5. A Apelante justificou de forma completa e especificada as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial e aos esclarecimentos dos peritos, conforme o disposto no artigo 487º, nº 1 do C.P.Civ.
6. Assim, a Apelante discordou das conclusões do relatório pericial e justificou ao dizer que: nos marcadores genéticos (…) a Autora tem em cada um dos marcadores um alelo coincidente com o Réu; nos marcadores genéticos (…), a Autora e o Réu têm alelos totalmente coincidentes, sendo que, quanto a este último alelo, não há coincidência entre a Autora e a mãe biológica e, por último, nos marcadores genéticos (…), a Autora e o Réu F. A. têm um alelo coincidente.
7. O tribunal a quo notificou os peritos para virem aos autos esclarecer se os argumentos invocados pela Autora eram relevantes para as conclusões apresentadas.
8. Os peritos, apesar de afirmarem que relativamente aos marcadores genéticos mencionados em 4. e relativamente ao ponto 5. do requerimento da Autora não se poder excluir o pretenso pai como pai biológico da Autora, mantiveram as suas conclusões.
9. A Apelante, manteve o pedido de realização de segunda perícia e justificou referindo que os esclarecimentos não dissiparam as suas dúvidas uma vez que não permitem excluir, com exactidão, a paternidade do Réu como pai biológico da Autora pois que, se por um lado, excluem a paternidade, por outro lado, nos marcadores genéticos mencionados em 4. e relativamente ao ponto 5. do requerimento da Autora, não a excluem.
10. Ora, não são exigíveis à Apelante o recurso a argumentos técnicos apenas alcançáveis a outros peritos.
11. Só a realização de uma segunda perícia segunda perícia é capaz de esclarecer a Apelante e ajudar à descoberta da verdade biológica.
12. O tribunal a quo, ao indeferir a realização da segunda perícia, violou o artigo 487º, n.º 1 do C.P.Civ.

Nestes termos, deve o presente Recurso ser julgado totalmente procedente, sendo revogado o despacho recorrido e, consequentemente, ser substituído por outro que defira a realização da segunda perícia, assim se fazendo,
JUSTIÇA!”

Não foram apresentadas contra-alegações.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso- artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto do presente recurso circunscreve-se a aferir da admissibilidade da requerida realização da segunda perícia.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos que resultam dos autos:

1.1.1. Por despacho proferido em 04-04-2018 na ação declarativa de investigação de paternidade, com processo comum, com o n.º 5083/17.1T8GMR, procedeu-se à identificação do objeto do litígio e à delimitação dos temas da prova, nos seguintes termos:
“(…)
- Identificação do objecto do litígio

Através da presente acção, a Autora pretende que a sua paternidade seja estabelecida a favor do Réu F. A..
O aludido Réu não reconheceu tal pretensão, assumindo ter dúvidas de que a Autora seja sua filha.
Assim, o litígio reconduz-se à questão de saber se os factos alegados pela Autora constituem fundamento para o estabelecimento da aludida paternidade.
***
- Temas da prova
I
Considerando os documentos autênticos juntos aos autos, estão assentes os seguintes factos:

A) A Autora, M. P., nasceu no dia … - cf. certidão do assento de nascimento de fls. 13-14, que aqui é dada por integralmente reproduzida;
B) O nascimento referido em A) encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Civil mediante o assento de nascimento n.º …, realizado a …, que, após sua informatização, passou a ter o n.º … - cf. certidão do assento de nascimento de fls. 13-14, que aqui é dada por integralmente reproduzida;
C) No assento referido em B), consta, como mãe da Autora, M. P., a Ré A. P. e avoenga materna - cf. certidão do assento de nascimento de fls. 13-14, que aqui é dada por integralmente reproduzida;
D) No assento referido em B) nada consta sobre a identificação do pai da Autora, M. P. - cf. certidão do assento de nascimento de fls. 13-14, que aqui é dada por integralmente reproduzida;
E) O Réu, F. A., é filho de … e … - cf. certidão do assento de nascimento de fls. 17-18, que aqui é dada por integralmente reproduzida;

II
Na sequência do que antecede, estão em discussão os factos relativos às seguintes questões que se enunciam como temas da prova:

1. Nos 180 primeiros dias dos 300 que precederam o nascimento da Autora, ocorreram relações sexuais de cópula completa entre a Ré, A. P., e o Réu, F. A.;
2. A Autora foi concebida na sequência de tais relações.
1.1.2. No despacho aludido em 1.1.1. foi determinada a realização de perícia médico-legal, com o seguinte objeto:

“A Autora, M. P., é filha do Réu, F. A.?”.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Reapreciação do despacho proferido em 4-10-2018 que indeferiu a realização da segunda perícia.

Está em causa a aferição dos pressupostos da admissibilidade da realização da segunda perícia, requerida pela autora, ora recorrente, através dos requerimentos apresentados em 15 de junho de 2018 e 5 de setembro de 2018.

Em síntese, entende a recorrente que a realização da segunda perícia não deve ser recusada, porquanto só a mesma é capaz de esclarecer a apelante e ajudar à descoberta da verdade biológica. Sustenta não lhe ser exigível o recurso a argumentos técnicos apenas alcançáveis a outros peritos e que justificou de forma completa e especificada as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial e aos esclarecimentos dos peritos.

Com relevo para a apreciação da questão suscitada, entendeu o Tribunal recorrido que a autora se limita a invocar a sua discordância em relação as conclusões apresentadas pelos peritos, face à análise comparativa que os mesmos fizeram, não convocando, pois, de modo fundado, qualquer inexactidão de tais conclusões, e que, nos esclarecimentos apresentados, os mesmos mantiveram todo o conteúdo do anterior relatório, refutando a argumentação expendida pela Autora. Concluiu pela ausência de fundamento para a realização da segunda perícia.

No que ao caso respeita, dispõe o artigo 487.º do CPC, com a epígrafe Realização de segunda perícia:

“1 - Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
2 - O Tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade.
3 - A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta”.

Neste domínio, importa ainda considerar o artigo 489.º do CPC o qual dispõe que, “a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal”.

Por último, quanto ao regime da segunda perícia, prevê o artigo 488.º do citado Código: “A segunda perícia rege-se pelas disposições aplicáveis à primeira, com as ressalvas seguintes:

a) Não pode intervir na segunda perícia perito que tenha participado na primeira;
b) Quando a primeira o tenha sido, a segunda perícia será colegial, tendo o mesmo número de peritos daquela”.

Ponderando o âmbito e a finalidade da segunda perícia, esclarecem José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (1) que, “a segunda perícia não constitui uma instância de recurso. Visa, sim, fornecer ao Tribunal novos elementos relativamente aos factos que foram objecto da primeira, cuja indagação e apreciação técnica por outros peritos (art. 488-a) pode contribuir para a formação duma mais adequada convicção judicial”. Daí que o objecto da segunda perícia coincida com o da primeira, sendo, contudo, exigido às partes que a requeiram que aleguem fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.

Resulta da análise do enunciado regime legal que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas pela parte, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia, devendo substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma diligência com fins dilatórios (2).

Neste domínio, considerou o Ac. do TRG de 22-06-2010 (relator: Maria Luísa Ramos), p. 1282/06.0TBVCT-A.G1, disponível em http://www.dgsi.pt o seguinte: é hoje condição de deferimento do pedido de realização de 2ª perícia a alegação fundamentada das razões de discordância relativamente aos resultados da 1ª perícia, e, ainda, que tal alegação especificada é o único requisito legal do requerimento em causa a formular (…).
Com efeito, a lei processual, nas normas em causa, apenas se reporta a “alegação fundamentada das razões da discordância” do requerente, não impondo que estas sejam, ainda, razões de “convencimento” do próprio Tribunal.

Por conseguinte, desde que o requerente fundamente as razões da sua discordância face ao resultado da primeira perícia, a lei não permite ao Juiz uma avaliação de mérito da argumentação apresentada como base da divergência, devendo determinar a realização da segunda perícia, desde que conclua que a mesma não tem carácter impertinente ou dilatório (3).

Em síntese, cabe à parte que requerer a realização da segunda perícia cumprir o ónus de alegação fundamentada imposto pelo citado artigo 487.º, n.º 1, do CPC, ou seja, deve especificar os pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia, indicando os motivos pelos quais discorda e que justificam ou tornam conveniente uma outra apreciação de natureza técnica, mas saber se os fundamentos e razões invocados pelo requerente da segunda perícia têm razão de ser, é assunto que só depois da realização da nova perícia se pode colocar (4).

À luz deste enquadramento, e revertendo ao caso dos autos, verifica-se que a autora apresentou requerimento para realização de segunda perícia, no qual apresentou as razões da sua discordância relativamente às conclusões do relatório pericial apresentado pelo INMLCF, invocando, além do mais, que: “3. Da análise dos resultados constata-se que, relativamente aos marcadores genéticos (…), mencionados nas conclusões do relatório, a Autora tem, em cada um destes marcadores, um alelo coincidente com o do Réu F. A.. 4. Para além disso, nos marcadores genéticos (…), a Autora e o Réu F. A. têm os alelos totalmente coincidentes, sendo de referir que, quanto a este último alelo, não há coincidência entre a Autora e a mãe A. P.. 5. Por último, nos marcadores genéticos (…), a Autora e o Réu F. A. têm um alelo coincidente. 6. Ou seja, para além de não se verificar a incompatibilidade no marcador genético (…), mencionada nas conclusões do relatório, 7. Dos vinte e quatro marcadores genéticos, doze apresentam coincidências entre os alelos da Autora e do Réu F. A.. 8. Face ao exposto, a Autora entende que não pode estar excluída a paternidade do Réu F. A.”. Mais se verifica que, mesmo após os esclarecimentos solicitados pelo Tribunal recorrido e prestados pelos peritos, veio a autora/recorrente reiterar o pedido de realização de segunda perícia, que justificou, referindo que “os esclarecimentos não dissiparam as suas dúvidas uma vez que não permitem excluir, com exactidão, a paternidade do Réu como pai biológico da Autora pois que, se por um lado, excluem a paternidade, por outro lado, nos marcadores genéticos mencionados em 4. e relativamente ao ponto 5. do requerimento da Autora, não a excluem”.

Interpretando os requerimentos apresentados pela autora quando em confronto com o relatório pericial e os esclarecimentos subsequentes dos peritos, julgamos que a recorrente fundamentou de forma completa e especificada as razões da sua discordância relativamente aos resultados da primeira perícia.

Por outro lado, as razões apresentadas revelam-se sérias, aptas a suscitar uma situação de dúvida pertinente relativamente a alguns aspectos do relatório pericial apresentado e ao resultado da perícia, permitindo consubstanciar a necessidade ou conveniência de submeter à apreciação de outro perito ou peritos os factos em apreciação, de molde a dotar o Tribunal de todos os elementos relevantes para a apreciação dos factos que relevantes para o objecto da acção, atendendo à natureza desta e considerando que a prova pericial deve ser apreciada livremente pelo Tribunal (artigos 389.º do CC e 489.º do CPC).

Daqui resulta que a autora, ora recorrente, cumpriu o ónus de alegação fundamentada, imposto pelo artigo 487.º, n.º 1, do CPC.

Assim sendo, a única questão que subsiste prende-se com a confirmação das razões invocadas ou o sucesso do resultado que a recorrente pretende obter, circunstâncias que não configuram fundamento de indeferimento da segunda perícia.

Nestes termos, procedem as conclusões da apelante, devendo os autos prosseguir com a realização da segunda perícia, a qual não invalidará a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo Tribunal, nos termos previstos no artigo 489.º do CPC.

Sumário:

I - Cabe à parte que requerer a realização da segunda perícia cumprir o ónus de alegação fundamentada imposto pelo artigo 487.º, n.º 1, do CPC;

II - É de admitir pedido de realização de segunda perícia, formulado pela recorrente, se esta apresentou as razões da sua discordância relativamente aos resultados da primeira perícia, de forma especificada, apta a suscitar uma situação de dúvida pertinente relativamente a alguns aspectos do relatório apresentado e ao resultado da perícia, de forma a consubstanciar a necessidade ou conveniência de submeter à apreciação de outro perito ou peritos os factos em apreciação.

IV. Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos com a realização de segunda perícia, nos termos do artigo 488.º do CPC.
Sem custas.
Guimarães, 17 de dezembro de 2018
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Eva Almeida (2.º adjunto)


1. Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 342
2. Ac. do STJ de 25-11-2004 (relator: Ferreira de Almeida), p. 04B3648 disponível em http://www.dgsi.pt
3. Cf., o Ac. TRP de 11-01-2016 (relator: Carlos Querido), p. 4135/14.4TBMAI-A.P1, disponível em http://www.dgsi.pt.
4. Neste sentido, cf. os acórdãos do TRG de 27-09-2018 (relator: José Dias Cravo), p. 293/14.6TBAVV-A.G1; de 14-04-2016 (relator: Maria Cristina Cerdeira), p. 2258/14.9T8BRG-B.G1; de 6-02-2014 (relator: Conceição Bucho), p. 2847/05.2TBFAF-A.G1; de 17-01-2013 (relator: Conceição Bucho), p. 785/06.0TBVLN-A.G1; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt