Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2224/17.2T8GMR-A.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
JUROS DE MORA
LIQUIDAÇÃO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
REDUÇÃO DA PENHORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
"I - Os embargos de executado, no que respeita ao seu valor, devem ser equiparados aos incidentes da instância, sendo-lhes aplicável o disposto nos artºs 304°, n°1, e 307º do CPC.

II – A sentença que condena em juros de mora contados da citação, é título executivo bastante no tocante a esta prestação. Ao exequente compete apenas especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido. É a final que a dívida de juros será liquidada pelo solicitador de execução. Não concordando com essa liquidação a efectuar oportunamente pelo agente de execução, poderá então reclamar desse acto do solicitador de execução para o juiz – art.º 723º nº 1 al. c) do CPC.

III – A sanção pecuniária compulsória prevista no nº4 do art.º 829º-A do CPC é de funcionamento automático, independentemente de requerimento do credor e de qualquer decisão judicial a estabelecê-la, na acção executiva. Verificados os seus pressupostos – sentença transitada em julgado e não cumprimento voluntário pela executada a partir dessa data ­– deverá ser liquidada pelo agente de execução a final, juntamente com os juros de mora, pois cremos que a previsão do nº 3 do art.º 716º (liquidação mensal) se refere às sanções pecuniárias compulsórias “impostas” (pela decisão exequenda) e não à que decorre directa e automaticamente da lei.

IV - Nos termos do disposto no artigo 735.º, n.º 3, do C.P.C., a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respectivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do Tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.
Não sendo ilidida esta presunção, a penhora deve ser reduzida ao referido valor, sem prejuízo de, caso se venha a mostrar necessário, se proceder oportunamente e um reforço da penhora [art.º 751º nº 4 al. b) do CPC]."
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

SUMÁRIO:

I - Os embargos de executado, no que respeita ao seu valor, devem ser equiparados aos incidentes da instância, sendo-lhes aplicável o disposto nos artºs 304°, n°1, e 307º do CPC.
II – A sentença que condena em juros de mora contados da citação, é título executivo bastante no tocante a esta prestação. Ao exequente compete apenas especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido. É a final que a dívida de juros será liquidada pelo solicitador de execução. Não concordando com essa liquidação a efectuar oportunamente pelo agente de execução, poderá então reclamar desse acto do solicitador de execução para o juiz – art.º 723º nº 1 al. c) do CPC.
III – A sanção pecuniária compulsória prevista no nº4 do art.º 829º-A do CPC é de funcionamento automático, independentemente de requerimento do credor e de qualquer decisão judicial a estabelecê-la, na acção executiva. Verificados os seus pressupostos – sentença transitada em julgado e não cumprimento voluntário pela executada a partir dessa data ­– deverá ser liquidada pelo agente de execução a final, juntamente com os juros de mora, pois cremos que a previsão do nº 3 do art.º 716º (liquidação mensal) se refere às sanções pecuniárias compulsórias “impostas” (pela decisão exequenda) e não à que decorre directa e automaticamente da lei.
IV - Nos termos do disposto no artigo 735.º, n.º 3, do C.P.C., a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respectivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do Tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.
Não sendo ilidida esta presunção, a penhora deve ser reduzida ao referido valor, sem prejuízo de, caso se venha a mostrar necessário, se proceder oportunamente e um reforço da penhora [art.º 751º nº 4 al. b) do CPC].

I – RELATÓRIO

S. S. E I. S., instauraram contra X – EMPREENDIMENTOS E GESTÃO DE IMÓVEIS, S.A., execução para pagamento de quantia certa, com base na sentença proferida no dia 3 de Fevereiro de 2017, no processo nº 1148/04.8TGGMR-A da 2ª Secção Cível - J5, da Instância Central de Guimarães da comarca de Braga, que liquidou a indemnização, que aquela fora condenada a pagar aos exequentes, na quantia de €283.824,93, acrescida de juros de mora, contados da citação, à taxa legal, até integral pagamento.

No requerimento executivo, além dessa quantia de €283.824,93, os exequentes incluíram:

a) A quantia de €139.284,17, que liquidaram e que alegaram ser atinente a juros de mora calculados à taxa legal aplicável (4%) desde a citação;
b) A quantia de €174.105,21, que liquidaram e que alegaram ser devida como sanção pecuniária compulsória (5%), nos termos do art.º 829º-A, nº 4 do Código Civil.
*
A executada deduziu embargos à execução, neles cumulando oposição à penhora, alegando, no tocante àquela, que a sentença, dada à execução, ainda sob recurso, apenas constitui título executivo, relativamente, à quantia de €283.824,93, a cujo valor a execução tem de ser reduzida, por inexistir título executivo relativamente às quantias de €139.284,17 (juros de mora) e de €174.105,21 (sanção pecuniária compulsória legal). Daí também a sua oposição à extensão da penhora, que incidiu sobre várias fracções prediais, por cuja redução pugna.
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Os exequentes contestaram, sustentando serem devidas tais quantias liquidadas a título de juros de mora e de sanção pecuniária compulsória e as penhoras efectuadas não pecarem por excesso.
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Foi elaborado despacho saneador, no qual foi afirmada a validade e regularidade da instância, fixando-se o valor da causa no indicado no requerimento executivo, seguindo-se a apreciação do mérito dos embargos, uma vez que os documentos juntos já o permitiam.
Proferiu-se sentença em que se decidiu:

8.1.- julgar os presentes embargos improcedentes e, em consequência, determino o prosseguimento da instância executiva, dento das limitações previstas no artigo 704.º, do C.P.C., supra evidenciadas.
8.2.- julgar a presente oposição à penhora improcedente e, em consequência, determino a manutenção da penhora.
8.3.- Custas pela embargante.
8.4.- Registe e notifique.
8.5.- Informe o AE do teor da presente sentença.
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Inconformada, a executada embargante interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

- Por causa dos fundamentos especificados desde a página 2 à página 5 do corpo das alegações, a decisão, que fixou o valor de 597.214,31 € à causa, violou o disposto no nº 1 do artigo 296º e no nº 4 do artigo 305º, ambos do Código de Processo Civil, pelo que se impõe que seja revogada e que à causa seja fixado o valor de 313.389,58 €.
- Por causa dos fundamentos especificados desde a página 5 à página 12 do corpo das alegações, a fundamentação da decisão da matéria de facto violou o disposto no nº 1 do artigo 5º, na parte final do artigo 412º e no nº 4 do artigo 607º, todos do Código de Processo Civil, e, ainda, o disposto nos artigos 342º nº 1, 362º, 364º nº 1, e no artigo 363º, todos do Código Civil, pelo que se impõe que seja toda refeita, e que, em substituição dos factos que declarou provados, antes se declare provado:

1. A execução, instaurada pelos exequentes no dia 16 de Março de 2017, tem como título executivo a sentença proferida no dia 3 de Fevereiro de 2017 no processo nº 1148/04.8TCGMR- A da 2ª Secção Cível – J5 da Instância Central de Guimarães da Comarca de Braga, cuja decisão liquidou a indemnização, cujo montante havia sido relegado para incidente de liquidação de sentença do processo nº1148/04.8TCGMR, na quantia de €283.824,93, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.
2. No requerimento da execução, os exequentes liquidaram o valor líquido de 283.824,93 €, resultante da sentença de 3 de Fevereiro de 2017, referida em 1.; a quantia de 139.284,17 €, atinente a juros de mora calculados à taxa legal, desde a citação; e a quantia de 174.105,21 €, nos termos do artigo 829º-A, nº 4 do Código Civil.
3. Da sentença executada, referida em 1., foram interpostos pela embargante e pelos embargados recursos de apelação com efeitos meramente devolutivos, admitidos por despacho de 9 de Junho de 2017.
4. No dia 27 de Março de 2017, no âmbito da execução, foram penhorados à embargante 32 bens imóveis, com o valor patrimonial total atribuído de 671.467,64 € para garantir o pagamento da quantia exequenda de 597.214,31 € e das despesas prováveis de 29.860,72 €.
5. Os valores patrimoniais atribuídos aos bens imóveis das verbas 32, 31, 30, 29, 26, 25 e 20 perfazem o valor patrimonial total de 373.287,17 €.

E que se declare não provado:

1. O dia da citação da executada para os termos da acção do processo nº 1148/04.8TCGMR.
2. O dia do trânsito em julgada da sentença executada.

- Por causa dos fundamentos especificados desde a página 13 à página 16 do corpo das alegações, a sentença executada não constitui título exequível quanto à quantia de 139.284,17 €, e a sentença recorrida violou o disposto no nº 5 do artigo 10º e na alínea a) do artigo 729º, ambos do Código de Processo Civil e, em consequência, impõe-se que seja revogada e se julgue extinta a execução, relativa a essa quantia de 139.184,17 €.
- Por causa dos fundamentos especificados desde a página 16 à página 17 do corpo das alegações, a sentença executada não constitui título exequível quanto à quantia de 174.105,21 €, e a sentença recorrida violou o disposto no nº 5 do artigo 10º e na alínea a) do artigo 729º, ambos do Código de Processo Civil, e, ainda, o disposto no nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil, e, em consequência, impõe-se que seja revogada e se julgue extinta a execução, relativa a essa quantia de 174.105,21 €. 5ª- Por causa dos fundamentos especificados desde a página 17 à página 20 do corpo das alegações, a sentença recorrida violou o disposto no nº 3 do artigo 735º do Código de Processo Civil, e na decorrência da procedência das anteriores terceira e quarta conclusões impõe-se que seja revogada e determinado o levantamento da penhora, que incidiu sobre os bens imóveis das verbas 20, 25, 26, 29, 30, 31 e 32 do auto de penhora,
JULGANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, TOTALMENTE PROCEDENTES OS EMBARGOS DEDUZIDOS PELA EMBARGANTE.
*
Os apelados responderam às alegações da recorrente.
*
O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Factos considerados provados na sentença recorrida:

1.- Os aqui Exequentes intentaram contra a aqui Executada, em vinte e cinco de Novembro de dois mil e quatro, acção declarativa de condenação que correu termos na então 1.ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Guimarães, sob o processo n.º 1148/04.8TCGMR.
2.- Por decorrência da procedência da sua pretensão, deduziram, a dezanove de Dezembro de dois mil e catorze, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358.º e seguintes do Código do Processo Civil, Incidente de Liquidação da Sentença proferida, que correu termos na Comarca de Braga – Inst. Central de Guimarães, 2.ª Secção Cível – J5, sob o processo n.º 1148/04.8TCGMR - A, tendo visto os Exequentes, após anos de demanda, ser julgado parcialmente procedente o pedido de liquidação da indemnização pela Executada.
3.- Assim, foi a Executada condenada a pagar aos Exequentes a quantia de € 283.824,93 (Duzentos e oitenta e três mil oitocentos e vinte e quatro euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
4.- Dessa decisão judicial foi apresentado recurso de apelação com efeito devolutivo, tendo o V.T.R.G. proferido o douto acórdão junto com o requerimento datado de 15-03-2018, o qual ainda não transitou em julgado.
5.- Até ao momento, a Executada não procedeu a qualquer pagamento.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

A) DO VALOR DA CAUSA

Em primeiro lugar cumpre apreciar a impugnação da decisão que, no saneador, fixou o valor dos presentes embargos no “valor indicado no requerimento executivo”.
Embora o despacho não concretize esse valor, nem o mesmo conste deste apenso, depreende-se, do teor dos embargos, que o valor da execução é de €597.214,31 (€ 283.824,93 + € 283.824,93 + €174.105,21).

No requerimento de embargos a embargante indicou o valor de €313.389,38, correspondente à soma de duas parcelas liquidadas pelos exequentes, concretamente:

a) A quantia de €139.284,17, atinente a juros de mora contados da citação e calculados à taxa legal aplicável (4%).
b) A quantia de €174.105,21, a título de sanção pecuniária compulsória, nos termos do art.º 829º-A, nº 4 do Código Civil (5%).
Quantias relativamente às quais a embargante defende que a sentença, dada à execução, não constitui título executivo, pugnando assim pela redução da quantia exequenda ao montante de €283.824,93, liquidado na sentença exequenda.

Pugna ainda pela redução da penhora ao montante necessário a assegurar o pagamento da quantia para a qual aceita existir título executivo (“seja ordenado o levantamento da penhora incidente sobre os bens imóveis das verbas 32, 31, 30, 29, 26, 25 e 20, cujos valores patrimoniais, atribuídos no auto de penhora, perfazem o valor patrimonial total de 373.287,17 €, e porque os valores patrimoniais, atribuídos aos restantes bens penhorados, perfazem o valor de 298.180,47 €, que é suficiente para garantir os fins da execução, ou seja o pagamento de 298.016,17 €, da quantia exequenda e das despesas prováveis”).
Os exequentes embargados, na respectiva contestação, não se opuseram ao valor indicado pela embargante, com ele se conformando.

Apreciando.

O Código de Processo Civil, no seu art.º 296.º, n.ºs 1 e 2, determina que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, que representa a utilidade económica imediata do pedido, e ao qual se atende para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.

Para efeitos de determinação do valor da causa a lei oferece um critério geral, segundo o qual aquele corresponde ao valor da quantia certa em dinheiro que se pretende obter ou, quando se pretende obter um benefício diverso, o valor da quantia em dinheiro que lhe corresponda (art.º 297 n.º 1 do CPC), princípio fundamental que corresponde ao seguinte enunciado: “valor da causa igual a valor do pedido expresso em moeda legal” [Alberto dos Reis, “Comentário ao Código do Processo Civil”, vol. 3.º, Coimbra 1946, pág. 591].

Sobre o “momento a que se atende para a determinação do valor”, determina o art.º 299.º do CPC que é aquele em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal, se o reconvinte ou interveniente principal formularem pedidos distintos do formulado pelo autor.

A oposição à execução mediante embargos, diversamente da contestação da acção declarativa, constitui, “do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executiva e (ou) da acção que nele se baseia, daí que o requerimento de oposição equivalha à petição inicial da acção declarativa, a que deve aplicar-se o art.º 467° do Código de Processo Civil, [actual art.º 552º nº 1 al.f)] devidamente adaptado, devendo conter menção do valor da causa”( Acórdão do TRP de 22.2.2007 (Processo nº 0730569) publicado em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, mas já no âmbito do actual CPC, o acórdão do TRL de 3.12.2015 (processo nº 4287/14.3YYLSB-A.L1-6) no mesmo local).
Assim, os embargos de executado, no que respeita ao seu valor, devem ser equiparados aos incidentes da instância, sendo-lhes aplicável o disposto nos artºs 304°, n°1, e 307º do CPC.

O art.º 304º nº1 (art.º 313º do CPC de 1961) sobre o valor dos incidentes estabelece:

1 – O valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa, porque neste caso o valor é determinado em conformidade com os artigos anteriores.

Por seu turno, diz-nos o art.º307.º (art.º 316.º CPC 1961):

1 - Se a parte que deduzir qualquer incidente não indicar o respectivo valor, entende-se que aceita o valor dado à causa; a parte contrária pode, porém, impugnar o valor com fundamento em que o incidente tem valor diverso do da causa, observando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 306.º, 308.º e 309.º.
2 - A impugnação é igualmente admitida quando se haja indicado para o incidente valor diverso do da causa e a parte contrária se não conforme com esse valor.

Actualmente a fixação do valor da causa deixou de estar na disponibilidade das partes, competindo ao juiz fixar sempre o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes (art.º 306º do CPC).
Atento o disposto no citado art.º 307º do CPC, se a embargante não tivesse indicado valor e inexistisse oposição, este deveria ter sido fixado no correspondente ao valor da execução.
Mas não é o caso, a embargante indicou valor diverso e justificou-o em face dos “pedidos” formulados nos embargos, isto é, com o valor relativamente ao qual pretende ver a execução extinguir-se, por carecer de título.
Ora, o despacho recorrido fixou o valor em montante diverso do indicado pela embargante e aceite pelos embargados, sem qualquer fundamentação de facto ou de direito, que justifique tal divergência.

Nem fundamento foi invocado, nem ele existe, pois é evidente que “a utilidade económica imediata do pedido”, no caso, destes embargos à execução e à penhora, não corresponde ao valor da execução, mas apenas à diferença entre esse valor e aquele a que se pretende ver reduzida a quantia exequenda e consequentemente a penhora, isto é, exactamente o indicado pela embargante na P.I. dos embargos.

Procede assim o recurso desta decisão intercalar, impondo-se a alteração do despacho recorrido, com a consequente fixação do valor dos embargos em €313.389,38.

B) DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Nas conclusões do presente recurso pretende a apelante:

– “Por causa dos fundamentos especificados desde a página 5 à página 12 do corpo das alegações, a fundamentação da decisão da matéria de facto violou o disposto no nº 1 do artigo 5º, na parte final do artigo 412º e no nº 4 do artigo 607º, todos do Código de Processo Civil, e, ainda, o disposto nos artigos 342º nº 1, 362º, 364º nº 1, e no artigo 363º, todos do Código Civil, pelo que se impõe que seja toda refeita, e que, em substituição dos factos que declarou provados, antes se declare provado:

1. A execução, instaurada pelos exequentes no dia 16 de Março de 2017, tem como título executivo a sentença proferida no dia 3 de Fevereiro de 2017 no processo nº 1148/04.8TCGMR- A da 2ª Secção Cível – J5 da Instância Central de Guimarães da Comarca de Braga, cuja decisão liquidou a indemnização, cujo montante havia sido relegado para incidente de liquidação de sentença do processo nº1148/04.8TCGMR, na quantia de €283.824,93, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.
2. No requerimento da execução, os exequentes liquidaram o valor líquido de 283.824,93 €, resultante da sentença de 3 de Fevereiro de 2017, referida em 1.; a quantia de 139.284,17 €, atinente a juros de mora calculados à taxa legal, desde a citação; e a quantia de 174.105,21 €, nos termos do artigo 829º-A, nº 4 do Código Civil.
3. Da sentença executada, referida em 1., foram interpostos pela embargante e pelos embargados recursos de apelação com efeitos meramente devolutivos, admitidos por despacho de 9 de Junho de 2017.
4. No dia 27 de Março de 2017, no âmbito da execução, foram penhorados à embargante 32 bens imóveis, com o valor patrimonial total atribuído de 671.467,64 € para garantir o pagamento da quantia exequenda de 597.214,31 € e das despesas prováveis de 29.860,72 €.
5. Os valores patrimoniais atribuídos aos bens imóveis das verbas 32, 31, 30, 29, 26, 25 e 20 perfazem o valor patrimonial total de 373.287,17 €.

E que se declare não provado:

1. O dia da citação da executada para os termos da acção do processo nº 1148/04.8TCGMR.
2. O dia do trânsito em julgada da sentença executada.”
Embora, efectivamente, não se especifiquem na matéria de facto os factos não provados e se tenha usado uma fórmula genérica e escusada, no essencial os factos dados como provados correspondem ao que efectivamente, em face dos documentos juntos aos autos, se encontra assente.

Todos os factos com interesse para a decisão dos embargos à execução e oposição à penhora, estão documentalmente provados, constando a prova documental dos autos da acção onde foi proferida a sentença exequenda ou dos autos de execução a que os presentes estão apensos, e foram levados à matéria de facto provada, excepto os supra referidos pela apelante factos nºs 4 e 5.

Efectivamente constam dos autos de execução os bens imóveis penhorados e respectivo valor. A redução da penhora será consequência da eventual procedência dos embargos à execução e na sua justa medida.

Por isso, estes factos deverão ser aditados por interessarem à decisão da oposição à extensão da penhora, cumulada, como previsto no art.º 856º nº4 do CPC, com a oposição à execução.

Resulta evidente da factualidade julgada provada, que a sentença não transitou em julgado, sendo desnecessário alterar a matéria de facto provada apenas por uma questão de redacção do facto, mais do que assente. Condescendemos em que dela fique a constar que dessa sentença foram interpostos recursos de apelação por autores e ré.
A data da citação só tem interesse para a liquidação final, a efectuar pelo agente da execução, como adiante veremos, mas resulta do documento junto (cópia do aviso de recepção), que o aviso foi assinado em 29.6.2004. A cópia não foi validamente posta em causa (art.º 368º do Código Civil e 144º nº 5 do CPC) e é a lei que estabelece a data em que a citação se considera efectuada (art.º 230º nº 1 e 246º nº 1 do CPC).
Consequentemente mantém-se a factualidade julgada provada na sentença aditando-se apenas os factos relativos às penhoras efectuadas na execução, como proposto pela embargante.

A matéria que se considera assente é a seguinte:

1.- Os aqui Exequentes intentaram contra a aqui Executada, em vinte e cinco de Novembro de dois mil e quatro, acção declarativa de condenação que correu termos na então 1.ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Guimarães, sob o processo n.º 1148/04.8TCGMR.
2.- Por decorrência da procedência da sua pretensão, deduziram, a dezanove de Dezembro de dois mil e catorze, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 358.º e seguintes do Código do Processo Civil, Incidente de Liquidação da Sentença proferida, que correu termos na Comarca de Braga – Inst. Central de Guimarães, 2.ª Secção Cível – J5, sob o n.º 1148/04.8TCGMR – A..
3.- A liquidação foi julgada parcialmente procedente, sendo a Executada condenada a pagar aos Exequentes a quantia de € 283.824,93 (Duzentos e oitenta e três mil oitocentos e vinte e quatro euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros de mora, contados da citação, à taxa legal, até integral pagamento.
4.- Desta sentença de liquidação recorreram para a Relação autores e ré, apelações a que foi atribuído efeito meramente devolutivo, tendo este Tribunal da Relação de Guimarães, proferido o acórdão junto com o requerimento datado de 15-03-2018, o qual ainda não transitou em julgado, por ter sido interposto recurso pela ré para o STJ, ainda não decidido (1).
5.- Até ao momento, a Executada não procedeu a qualquer pagamento.
6. No dia 27 de Março de 2017, no âmbito da execução, foram penhorados à embargante 32 bens imóveis, com o valor patrimonial total atribuído de 671.467,64 € para garantir o pagamento da quantia exequenda de 597.214,31 € e das despesas prováveis de 29.860,72 €.
7. Os valores patrimoniais atribuídos aos bens imóveis das verbas 32, 31, 30, 29, 26, 25 e 20 perfazem o valor patrimonial total de 373.287,17 €.

C) DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS

Juros de mora

o art.º 716.º (art.º 805.º CPC de 1961) estabelece: “Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis”. Nessa altura e sendo necessário, apresentarão os exequentes ao agente da execução os documentos necessários a tal liquidação”.
Ao exequente compete apenas especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido.
A certidão da data da citação na acção declarativa não é título executivo. Título executivo é a sentença que condena no pagamento de juros contados da citação.
Quando a execução corra por apenso ao processo onde foi proferida a sentença exequenda, ao solicitador de execução (como antes à secretaria) bastará consultar os autos.
Correndo termos noutro Tribunal, como é o caso, o agente da execução poderá solicitar tais elementos ao exequente ou ao Tribunal, para efeitos da liquidação que a ele compete. Tal só ocorrerá a final, nos termos dos artºs 719º e 849º nº 1 al. b) do CPC e RCP.
Não concordando com essa liquidação a efectuar oportunamente pelo agente de execução, poderá então reclamar desse acto do solicitador de execução para o juiz – art.º 723º nº 1 al. c) do CPC.

Improcede assim um dos fundamentos dos embargos, pois que a execução é titulada no tocante à quantia relativa a juros de mora contados da citação. Mesmo que existisse erro de cálculo no montante de juros vencidos, indicado pelos exequentes no requerimento inicial, é a final que a dívida de juros será liquidada pelo solicitador de execução e só então dela poderão reclamar.

Sanção pecuniária compulsória legal

Diferente é a questão relativa à quantia liquidada a título de sanção pecuniária compulsória legal (art.º 829º A nº 4 do CPC).

Estabelece o citado normativo que, “quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar (2).

Assim, como se constata no Ac. do STJ de 14.7.2009 (630-A/1996.S1) a sanção pecuniária compulsória prevista no art.º 829º-A, nº4, do Código Civil é uma sanção automática nas obrigações pecuniárias, não carecendo de ser pedida na acção declarativa – “são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado”.

Contudo, no caso em apreço, não tendo a sentença transitado em julgado, o exequente apenas pode – e deve (3) – requerer que seja oportunamente liquidada a quantia que a este título se vier a vencer.
Efectivamente a este título (art.º 829º nº 4 do CC) ainda não é exigível nem se venceu qualquer quantia.

Assim, em face do título executivo, que é uma sentença, que condena num pagamento em dinheiro corrente, mas ainda não transitada em julgado, e da norma que aplica de forma automática tal sanção (art.º 829º nº 4 do CC), a dívida relativa à sanção pecuniária compulsória não é certa (dependerá de ser ou não cumprida a obrigação exequenda até ao trânsito), nem, por isso, mesmo exigível. Não poderia por isso ser liquidada no requerimento executivo.

Como a sanção pecuniária compulsória prevista no nº4 do art.º 829º-A do CPC é de funcionamento automático, independentemente de requerimento do credor e de qualquer decisão judicial a estabelecê-la, na acção executiva, verificando-se os seus pressupostos – sentença transitada em julgado e não cumprimento voluntário pela executada a partir dessa data ­– deverá ser liquidada pelo agente de execução a final, juntamente com os juros de mora, pois cremos que a previsão do nº 3 do art.º 716º (liquidação mensal) se refere às sanções pecuniárias compulsórias “impostas” (pela decisão exequenda) e não à que decorre directa e automaticamente da lei.
Pelo exposto, considera-se já requerida a oportuna liquidação a efectuar, verificados os seus pressupostos, pelo solicitador de execução. Mas a quantia exequenda, liquidada no requerimento executivo, deve ser deduzida da parcela de €174.105,21, mantendo-se o pedido de aplicação da sanção pecuniária do nº4 do art.º 829º do CC, mas não a liquidação efectuada, por não ser ainda devida tal quantia.

Redução da penhora

O valor provisoriamente (4) liquidado da execução é assim reduzido a €423.109,10, deduzida a parcela de €174.105,21, correspondente ao montante indicado de sanção pecuniária compulsória, que ainda não é devida.
Foram penhorados imóveis (fracções prediais) cujo valor patrimonial totaliza €671.467,64.

Nos termos do disposto no artigo 735.º, n.º 3, do C.P.C., a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respectivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do Tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.
Assim, deveriam ter sido penhorados bens no valor de €423.109,10, acrescido de 5% (não se ilidiu a presunção), isto é, no valor de €444.264,55.
Ora as várias fracções penhoradas totalizam valor bem superior (€671.467,64).

Não se compreende a afirmação contida na sentença e com que se pretende desvalorizar o eventual excesso da penhora, de que: “esses bens nunca poderão ser vendidos antes de ser fixado o valor a pagar pela embargante aos embargados”.

Efectivamente os bens podem ser vendidos antes do trânsito em julgado da sentença exequenda, apenas não podem os exequentes obter pagamento sem prestarem caução (704º nº 3 do CPC).

Só se o bem penhorado for a casa de habitação do executado, pode este requerer a suspensão da venda, invocando que esta é susceptível de lhe causar prejuízo grave e dificilmente reparável. O que manifestamente não é o caso pois a executada é uma sociedade.
Se com tal expressão se referia o Mmº juiz “a quo” à liquidação a efectuar pelo solicitador de execução, lembramos que as eventuais correcções em relação ao valor indicado no requerimento executivo só têm lugar a final, isto é, na fase de pagamentos, posterior à venda.

Assim, embora se estejam a vencer juros de mora à taxa de 4% ao ano, certo é que estão penhoradas fracções cujo valor patrimonial excede em €227.203 o previsto no citado artigo 735º nº 3, e os juros correspondentes a um ano, sobre o montante liquidado na sentença, correspondem apenas a €11.352,99.
Sendo que, se vier a ser necessário, sempre se poderá efectuar um reforço da penhora [art.º 751º nº 4 al. b) do CPC].

Pelo exposto, procede parcialmente a oposição à penhora, fundada na sua extensão.

Em consequência deverá ser levantada a penhora que recaiu sobre imóveis acima do valor previsto no art.º 735º nº 3 do CPC (no caso €444.264,55), sem prejuízo do disposto no art.º 751º nº 3 do CPC, se eventualmente, para perfazer aquele valor for necessário manter a penhora de uma fracção que conduza a eventual excesso.
*
V – DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

a) Revogam a decisão que fixou o valor dos embargos no valor da execução e, em sua substituição fixam o valor dos embargos em €313.389,38.
b) Revogam parcialmente a sentença recorrida e, em sua substituição:

– Julgam parcialmente procedentes os embargos reduzindo a quantia exequenda liquidada ao montante de €423.109,10, nos termos acima expostos.
– Julgam parcialmente procedente a oposição à penhora, reduzindo a sua extensão aos bens necessários a perfazer o valor de €444.264,55, nos termos acima expostos.
Custas por apelante e apelados na proporção do respectivo decaimento.
Guimarães, 10-7-2018


Eva Almeida
António Beça Pereira
Maria Amália Santos




1. Destes factos há conhecimento nos autos e também nós temos acesso aos apensos através da plataforma CITIUS, tal como as partes, que são as mesmas, sendo por isso dispensável a certidão a que se refere a 2ª parte do nº 2 do art.º 412º do CPC, que, obviamente, se refere a outros processos e não ao próprio processo, ainda que com diferentes apensos.
2. Nas palavras do Professor António Pinto Monteiro (Cláusula Penal e indemnização – Almedina, 1990, págs. 126 e segs.), a sanção pecuniária compulsória (qua tale) prevista no art.º 829ºA do CC, termina no seu nº3. A medida prevista no seu nº 4, apresenta uma certa finalidade compulsória, mas a sua metodologia é outra, o funcionamento de cada uma delas é diverso. A sanção compulsória prevista no nº 4 não diverge de uma vulgar sanção pecuniária estabelecida por lei para qualquer hipótese de comportamento ilícito, não constituindo uma ameaça personalizada, antes uma ameaça geral, que só após a violação se revela, não sendo antes disso, um estímulo especial e específico ao cumprimento – [síntese da nossa autoria]. Por isso mesmo, este autor defende que o montante da sanção prevista no nº 4, contrariamente às previstas nos restantes números, reverte exclusivamente para o credor (último parágrafo de pág. 131).
3. Seguindo o entendimento perfilhado, entre outros, nos acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.6.1997 (97B156) e de 23.1.2003 (02B4173) de que, para ser atendida na execução, tem se ser pedida no requerimento executivo. Ver também o acórdão do TRL de 14.5.2013 (4579/10.0YYLSB-B.L1-7), todos publicados em www.dgsi.pt.
4. Provisoriamente porque a sentença está sob recurso (art.º 704º nº 2 do CPC).