Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
48/21.1T8BGC.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ERRO NA FORMA DO PROCESSO
CONVOLAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
- Pretendendo o trabalhador impugnar o seu despedimento, comunicado por escrito, com alegação de extinção do posto de trabalho, terá, sob pena de erro na forma de processo, de intentar a ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento prevista nos artigos 98.º-C e seguintes do C.P.T.
-Verificando-se erro na forma de processo, deve proceder-se a convolação para a forma adequada, se possível, nos termos do artigo 193.º do C.P.C.
- Tendo o trabalhador intentado uma ação declarativa com processo comum, incorrendo em erro na forma de processo, se a petição apresentada contiver todos os elementos previstos no formulário de declaração de oposição ao despedimento que dá inicio ao processo especial previsto nos artigos 98.º-C e seguintes do C.P.T., deverá aquela aproveitar-se nesses estritos termos.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

A. R. intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra F. M., pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento e que a R. seja condenada a pagar-lhe diversos créditos emergentes desse despedimento ilícito e da cessação de contrato de trabalho.

Invoca, para tanto, ter celebrado com a R. um contrato de trabalho a termo certo de seis meses e a tempo parcial, e ter sido por esta despedida em 20/09/2020, mediante comunicação escrita, por meio da qual a R. lhe comunicou o seu despedimento por extinção do posto de trabalho.

Foi proferido despacho liminar decidindo-se:

“ Do exposto decorre que a forma processual escolhida pela A. é inadequada à pretensão deduzida, pelo que se verifica erro na forma de processo, nos termos do art. 193º do Cod. Proc. Civil. Porque a petição inicial não pode ser aproveitada, já que o processo especial suprarreferido tem início mediante a entrega pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, de modelo aprovado por Portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e do trabalho (art. 98º-C), o erro na forma de processo implica a nulidade de todo o processo, o que constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que conduz ao indeferimento liminar (arts. 54º nº 1 do Código de Processo do Trabalho e 590º nº 1 do Cod. Proc. Civil).
Perante o exposto, indefiro liminarmente a presente petição inicial.
Custas pela A., sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia…”

Inconformado recorreu o autor apresentando as seguintes conclusões:

2. A forma de processo é legítima.
3. Resulta da primeira missiva, enviada pela Ré em 26 de agosto de 2020, a intenção de proceder ao despedimento da Autora, em consequência da extinção do posto de trabalho, nos termos do artigo 369.º, n.º 1 do Código do Trabalho – Cfr. Doc. n.º 2 junto à Petição Inicial.
4. Mais tarde, através de uma segunda missiva enviada em 06 de setembro de 2020 já veio a aí Ré comunicar a aí Autora a caducidade do contrato de trabalho a termo certo, nos termos do artigo 344.º, n.º 2 do Código do Trabalho – Cfr. Doc. n.º 3 junto com a Petição Inicial
5. A ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento regulado no artigo 98.º - B e seguintes do Código de Processo do Trabalho, aplica-se expressamente aos casos em que o trabalhador vem impugnar uma decisão de despedimento que lhe tenha sido comunicado por escrito e que seja fundada em despedimento disciplinar, inadaptação ou extinção do posto de trabalho, conforme o disposto no artigo 98.º - C, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
6. Conforme tem sido entendido maioritariamente pela doutrina e pela jurisprudência, a ação prevista no artigo 98.º - B e seguintes do já referido código, apenas tem aplicação aos casos inequívocos de despedimento, formalmente assumido como tal, pela entidade empregadora – nesse sentido ver o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/01/2001 (Relator: Ramalho Pinto), e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30/05/2018 (Relator: Jerónimo Freitas), disponível em dgsi.pt, assim como, ver também, Albino Mendes Batista, in “ A nova ação de impugnação do despedimento e a revisão do código de Processo do Trabalho”, páginas 73 e 74 da Coimbra Editora, Janeiro de 2010.
7. No presente caso, da segunda missiva suprarreferida, não resulta uma intenção clara e inequívoca de despedimento por extinção do posto de trabalho, caso assim fosse a aí Ré não teria invocado, como fez, o artigo 344.º, n.º 2 do Código do Trabalho, referente à caducidade do contrato de trabalho.
8. Assim e em consequência dos motivos acima explanados, não é a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento a adequada à pretensão da aí Autora, mas antes, a ação declarativa em processo comum, prevista no artigo 51.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho.
9. Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo a forma processual escolhida pela aí Autora é a adequada à pretensão deduzida, pelo que não se verifica qualquer erro na forma de processo, nos termos do artigo 193 do Código de Processo Civil, a contrario, e em consequência não há qualquer nulidade do processo nem se constituiu assim exceção dilatória que conduziria ao indeferimento liminar da Petição Inicial, nos termos do disposto nos artigos 54.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e 590.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ambos a contrario.
*
Sem contra-alegações.
O Exmº PGA deu parecer no sentido da improcedência.

Factualidade com interesse para a questão:
A autora invoca na petição:
1.º
Em 29 de Maio de 2020, foi celebrado e reciprocamente aceite, entre a Autora e a Ré, contrato de trabalho a termo certo, a tempo parcial, pelo prazo de 6 meses, tendo o seu início em 01 de junho de 2020 até 30 de novembro de 2020, renovável por iguais períodos e com uma remuneração mensal ilíquida de € 317,50 (trezentos e dezassete euros e cinquenta cêntimos) – conforme Doc. n.º 1, que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
2.º
Contrato esse que teve o seu término em 20 de setembro de 2020, por iniciativa da Ré – Conforme Doc.s n.º 2 e 3, que se juntam e se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
6.º
Ora resulta da primeira missiva, enviada pela Ré em 26 de agosto de 2020, a intenção de proceder ao despedimento da Autora, em consequência da extinção do posto de trabalho - conforme Doc. n.º 2 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
7.º
Porém, mais tarde, já veio a Ré comunicar a caducidade do contrato de trabalho a termo certo – conforme Doc. n.º 3 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
16.º
Ora, resulta das cartas enviadas pela Ré à Autora, que se dão por inteiramente reproduzida, para todos os efeitos legais, que o seu posto de trabalho se extinguia por motivos de mercado. - Conforme Doc.s n.ºs 2 e 3.
17.º
Porém e para que o despedimento por extinção de posto de trabalho se verifique é necessário o preenchimento cumulativo dos requisitos previstos no artigo 368.º, n.º 1 do Código do Trabalho
18.º
Mas, no caso dos autos e salvo melhor opinião, face à matéria factual apurada, impõe-se concluir que os motivos de mercado que motivam a decisão de despedir não se verificam.

Das missivas enviadas consta:
Missiva de 26/8/2020.
Venho pelo presente, comunicar a intenção de proceder ao seu despedimento, em consequência da necessidade de extinguir o seu posto de trabalho, nos termos do nº 1 do artº 369º do Código do trabalho.
A extinção do posto de trabalho é justificada por motivos de mercado, nomeadamente, a redução das vendas, decorrente da crise económica e financeira quer afeta a atividade comercial da empresa.
Mais informamos que poderá emitir o seu parecer fundamentado no prazo de 10 dias a contar …”
Missiva de 6/9/2020:
Nos termos do nº 2 do art. 344º da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro no caso de contratos a termo, venho pelo presente, comunicar a intenção de proceder ao seu despedimento com efeitos a partir de 20 de setembro do corrente ano, em consequência da necessidade de extinguir o seu posto de trabalho, nos termos do nº 1 do art. 369º do Código do Trabalho.
Sendo assim, e uma vez que existem 8 dias de férias para gozar, deixará de exercer funções, a partir do dia 12de setembro do corrente ano, inclusive…”
***
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa saber se ocorre erro na forma de processo, e, oficiosamente, se o tribunal apreciando o erro na forma de processo deveria ter procedido à convolação para a forma adequada, com aproveitamento de todos os atos praticados, ou de alguns deles.
“A forma de processo escolhida pelo autor deve ser adequada à pretensão que deduz e deve determinar-se pelo pedido que é formulado e, adjuvantemente, pela causa de pedir. É em face da pretensão de tutela jurisdicional deduzida pelo autor que deve apreciar-se a propriedade da forma de processo, a qual não é afetada pelas razões que se ligam ao fundo da causa” - Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil - 1 - Princípios Fundamentais. 2 - Fase Inicial do Processo Declarativo.”, Volume I, 2.ª Edição Revista e Atualizada, janeiro de 2003, páginas 280 e 281. Deve ocorrer uma adequação entre o pedido formulado e as razões pelas quais a lei criou determinada forma de processo.
Do artigo 387º do CT resulta que ao trabalhador não é dada a faculdade de optar, tratando-se de despedimento individual com comunicação de despedimento na forma escrita, (modalidades do artigo 340º, als. c) e) e f)), a ação apropriada é esta (especial). O erro na forma de processo é de conhecimento oficioso, como resulta claro dos artigos 196º, 198º e 200º, nº 2 do C.P.C., que, a não ser possível a convolação importa absolvição da instância nos termos do artigo 278º, 576º, e 577º do CPC.
Na decisão considerou-se que “a impugnação de um despedimento promovido pelo empregador e comunicado ao trabalhador por escrito está adstrita a um processo especial previsto no capítulo I do Título VI do Código de Processo do Trabalho revisto pelo D.L. 295/2009 de 13/10. Com efeito resulta do art. 98º-C do Código de Processo do Trabalho que tal forma de processo tem aplicação exclusiva nas situações de impugnação do despedimento previstas no art. 387º do Código do Trabalho na revisto pela Lei 7/2009 de 12/2.”
Trata-se dos casos em que, como se refere na decisão recorrida, o despedimento é indiscutível, resultando de uma declaração de vontade escrita por parte da empregadora.
A recorrente não contesta este entendimento, referindo apenas que não estamos em face de um claro e inequívoco despedimento por extinção do posto de trabalho, invocando que na segunda missiva enviada a empregadora alude a caducidade”.

Vejamos.
A autora na sua petição invoca o seu despedimento ilícito por extinção do posto de trabalho. Resulta claro do seu articulado que assim é, designadamente dos artigos 16 a 18, bem como do pedido formulado, aludindo a ilicitude do despedimento. Esgrime agora a recorrente com o teor da segunda missiva, falando na caducidade, mas sem razão.
Note-se que na segunda missiva a empregadora não refere o termo “caducidade”, limitando-se a referir o artigo a esta respeitante, o 344º do CT. Contudo resulta desta, não obstante esta indicação, que a vontade declarada é no sentido do despedimento por extinção do posto de trabalho. A empregadora refere em termos genéricos, aquele normativo, adiantando, “no caso de contratos a termo”. Não refere que o contrato da autora é a termo, pois pode bem ser que a empregadora entenda que tal contrato, por qualquer razão, até de forma, não é contrato a termo. Logo de seguida a mesma refere que “comunica a intenção de proceder ao seu despedimento… em consequência da necessidade de extinguir o seu posto de trabalho nos termos do nº 1 do artigo 369º do Código do Trabalho”. Conjugada com a anterior missiva, no sentido de dar ao trabalhador prazo para se pronunciar quanto à intenção de despedimento por extinção do posto de trabalho, não pode senão concordar-se com a decisão recorrida no que a este particular respeita. A autora foi despedida por extinção do posto de trabalho, e ela assim o entendeu e nesses termos introduziu a ação.
Já quanto ao não aproveitamento do articulado como requerimento a que alude o artigo 98-C do CPT a questão não é tão liquida. Vejamos da possibilidade de convolação.
Importa referir que as normas processuais têm uma função instrumental. Da sua aplicação não pode resultar uma diminuição ou impedimento ao acesso aos tribunais, quer na vertente ativa como passiva, quer enquanto direito de demanda quer enquanto direito de defesa. A CRP consagra o direito de acesos à justiça e aos tribunais no artigo 20º, como um garante da dignidade da pessoa humana, base da república, e dos seus direitos como resulta dos artigos 2º e 3º.
Nos termos do artigo 193º do CPC, em caso de erro na forma de processo deve verificar-se qual a forma adequada, e se podem ser aproveitados atos praticados.

Consta do normativo:
Erro na forma do processo ou no meio processual
1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.
Assim, o erro só determina a absolvição da instância nos casos em que a petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada (artºs. 193º; 278º, nº 1, al. b); 576º, nº 2, e 577º, al. b), do CPC).
No caso estamos no início do processo, tendo apenas sido apresentada a petição.
Resulta do artigo 98.º-C nº 1 que o processo especial se inicia com a entrega, pelo trabalhador ou por mandatário judicial por este constituído, junto do juízo do trabalho competente, de requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
Desde que a petição inicial apresentada contenha todos os elementos que deve conter o formulário a que alude o artigo 98º – C nº 1 do CPT (portaria 1460-C/2009 de 31/12), não há obstáculo à convolação. Nenhum prejuízo advém para a ré, desde que o aproveitamento se atenha a esses termos. Vd. Ac. RP de 27/2/2012, www.dgsi.pt, processo nº 884/11.7TTMTS.P1; RL de 26/3/2014, www.dgsi.pt, processo nº 28303/12.4T2SNT.L1-4, e RG de 12.3.2015, processo nº 1107/13.0TTGMR.G1.
Consequentemente, embora por razão diversa, procede a apelação, devendo a ação prosseguir na forma adequada, por convolação.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, determinando-se oficiosamente a sua convolação, devendo os autos prosseguir na forma adequada, nos termos atrás referenciados.
Custas pelo vencido a final.
16/12/2021

Antero Veiga
Alda Martins
Vera Sottomayor