Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2454/20.0T8BCL.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: ESTUDOS E PROJETOS DE ARQUITETURA
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
MEDIDA DA RETRIBUIÇÃO
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)

I - Num contrato de elaboração de estudos e projetos de arquitetura, as prestações típicas são o resultado ou produto de um trabalho intelectual, e não uma obra ou resultado material, configurando, por isso, um contrato de prestação de serviços, mas atípico ou inominado, ao qual se aplicam, supletivamente, as regras do mandato (artigo 1156.º do Código Civil)
II - Sendo a prestação onerosa, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade.
III – A equidade traduz a expressão da justiça num dado caso concreto e sendo exatamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um momento essencial na jurisdicidade.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

R. F. intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra A. G., pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 20.000, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para o efeito, que o Réu contratou os seus serviços de arquitetura para a elaboração de um projeto de arquitetura de reabilitação de um prédio urbano, tendo o autor apresentado o orçamento no valor de € 44.556,11, a ser pago em duas fases, o que foi aceite pelo Réu, no seguimento do que deu ordens ao Autor para desenvolver os trabalhos contratados. Posteriormente, o Réu comunicou-lhe que já não queria os seus serviços, tendo dito àquele que, naquela fase, já lhe era devida a quantia de € 20.000, quantia essa que o Réu não liquidou.
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O Réu contestou, impugnando a factualidade alegada pelo Autor.
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Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 7.500 (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
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Inconformado com a sentença, o Réu interpôs recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

1. O Autor não concebe, nem se conforma, como é que foi dado como provado que: “7 – No seguimento de tal visita, o Réu solicitou ao Autor a execução de um estudo prévio para aferir da capacidade construtiva do dito imóvel, trabalho que este realizou.”.
2. Pois, de acordo com a prova produzida em julgamento, e bastando-se exclusivamente com os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Réu, o douto Julgador a quo deveria ter dado como provado o seguinte:
a. “7 – No seguimento de tal visita, o Réu solicitou ao Autor a execução de um pedido de informação prévia para aferir da capacidade construtiva do dito imóvel quer em termos volumétricos quer em termos de disposição quer em termos de número de pisos e, ainda, número de fogos, trabalho que este realizou.”.

Ou alternativamente,
b. “7 – No seguimento de tal visita, o Réu solicitou ao Autor a execução de um estudo prévio para aferir da capacidade construtiva do dito imóvel quer em termos volumétricos quer em termos de disposição quer em termos de número de pisos e, ainda, número de fogos, que permitisse aferir com certeza e de forma vinculativa junto das entidades competentes, trabalho que este realizou.”.
3. os trabalhos encomendados pelo Réu, apesar de este o denominar por estudo ou estudo prévio, é na verdade um P.I.P..
4. O Autor, enquanto arquiteto, tal como qualquer outro profissional de uma determinada área, quando lhe é encomendado um determinado trabalho, executa o mesmo de acordo com as pretensões e objectivos reais dos seus clientes, não podendo fazer depender os trabalhos que irá executar da terminologia adequada, certa ou errada, que clientes utilizam aquando da encomenda dos referidos trabalhos, visto que os mesmos não são, nem podem ser obrigados a dominar a terminologia.
5. Assim, quando o Réu encomendou um “estudo” ao Autor, com o propósito de saber com certezas e de forma vinculativa o que poderia construir naquele prédio, o Autor elaborou um P.I.P., pois só esse “estudo” poderia satisfazer as pretensões do seu cliente.
6. Mas ainda que tais testemunhas não o explicassem, tal resulta cristalino do DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na sua redação actual
7. Aliás, nesse sentido, vão também os depoimentos do desenhador e engenheiro arrolados pelo Réu
8. A elaboração e execução de projetos de arquitetura, presume-se legalmente a retribuição do contrato de prestação de serviço, nos termos do disposto no art. 1158.º, n.º 1, do Código Civil (CC), por remissão do art. 1156.º do mesmo Código.
9. É inquestionável, face aos factos provados, que a relação jurídica estabelecida entre as partes reconduz-se ao contrato de prestação de serviço, tipificado no art.º 1154.º do CC;
10. Tratando de um contrato de prestação de serviço com retribuição, como se viu, a Recorrida/Ré, que encomendou a elaboração de um P.I.P., está obrigada a pagar à outra parte a retribuição por essa prestação de serviço;
11. O Autor elaborou o referido estudo prédio/P.I.P. nos termos requeridos pelo Réu;
12. Deste facto resulta que os trabalhos executados pelo Autor não foram pagos;
13. Não ficou provado que as partes tivessem acordado um valor;
14. Mas ficou provado a elaboração dos trabalhos, bem como a obrigação da de pagar a retribuição ficou provada e, por isso, mantendo-se a prestação do devedor, não podia a Recorrida ter sido absolvida de parte do pagamento.
15. A circunstância de não se ter provado o valor da retribuição não permite tirar, como na sentença recorrida, essa consequência, sabendo-se que a obrigação de pagar a retribuição não fora cumprida, como, aliás, se reconhece também a sentença recorrida;
16. Na verdade, existem todos os elementos necessários para fixar sem recurso à equidade o valor devido ao Autor pelos trabalhos executados.
17. Assim, antes de recorrer ao critério da equidade, que não garante a justiça do caso, para a determinação do valor exato da retribuição, o Tribunal a quo deveria atender ao laudo de honorários do Sr. Arq.º S. M. na medida que o mesmo foi elaborado com observação plena dos critérios da Ordem dos Arquitetos.
18. Por isso, o Tribunal a quo não esgotou as possibilidades legais de prova antes de recorrer aos juízos de equidade.
19. Na medida que, só então, confrontado com a sua falta, poderia determinar a retribuição com a aplicação do critério da equidade, a que faz apelo o disposto no art. 1158.º, n.º 2, do CC.
20. Neste contexto, apresenta-se mais justo recorrer, prioritariamente, ao laudo de honorários, que teve em conta os usos e costumes do foro e ainda os critérios fixados pela ordem dos arquitetos, e, só depois, não sendo possível a averiguação do valor exato e para evitar uma situação de non liquet, utilizar, na determinação do valor, o critério da equidade.
21. Assim, sendo certa a obrigação de retribuição pelo estudo prédio (P.I.P.) elaborado, deve a Recorrida ser condenada, na ação, a pagar a quantia de €20.000,00.
22. Sem prescindir, ainda que assim não se entenda o que apenas se admite por mera hipótese académica, caso se entenda da necessidade de recorrer ao juízo equitativo sempre terá de ser em consideração o valor peticionado pelo Autor na medida em que com o trabalho desenvolvido e executado pelo o Autor nada impedia o Réu (recorrido) de utilizar os trabalhos para executar a empreitada no prédio ou alternativamente vender o prédio por valor muito superior ao que comprou.
23. Na medida que, o Réu venderá o prédio com o P.I.P. que lhe permite aumentar um andar ao prédio, aumentar o número de fogos, o que desde logo possibilita ele vender o prédio em valor superior ao dobro que ele comprou.
24. Tal mais valia é resultado exclusivo do trabalho desenvolvido pelo Autor.
25. Assim, ainda se entenda o recurso a juízos de equidade sempre terá de ser considerado como devido ao Autor o valor de €20.000,00.
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Foram apresentadas contra-alegações defendendo o Recorrido a improcedência do recurso e a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

São as seguintes as questões jurídicas a apreciar:
- A impugnação da matéria de facto;
- qualificação do acordo celebrado entre as partes;
- critério para a fixação do valor da prestação do serviço não previamente acordado.
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III-FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.1.1. Factos Provados

Foram dados como assentes na primeira instância os seguintes factos:
1 – O Autor é arquiteto, com cédula profissional nº …, com domicílio profissional na Avenida …, Barcelos.
2 – O Autor remeteu ao Réu uma missiva datada de 7 de Outubro de 2020 com o seguinte conteúdo:
“Assunto – Interpelação Admonitória – fatura 1000000
Exmo(s) Senhor(es)
Com os melhores cumprimentos.
Venho pelo presente interpelar V. Exas para proceder ao pagamento da fatura referente à nota de honorários entregue presencialmente a V. Exa. no dia 22 de agosto de 2020, no prazo de 8 dias seguidos a contar da receção da presente. Caso contrário, ver-me-ei a intentar a correspondente acção judicial, imputando a V. Exas. despesas e custas judiciais.
Relembro que o valor constante da nota é o valor pré acordado e orçamentado antes do início dos trabalhos efetuados, tendo sido todos os trabalhos efetuados e atingidos os objetivos pretendidos por V. Exas., assim a presente missiva é a última tentativa de resolução extrajudicial.
Assim, remeto junto com esta missiva os seguintes documentos:
- Fatura nº 1000000 – 1 página
- Nota de honorários – 6 páginas
- IBAN …, para pagamento da respectiva fatura – 1 página (….).”
3 – Em resposta a tal carta, o Réu remeteu ao Autor uma missiva com o seguinte teor:
“(…)
Assunto: Resposta à vossa missiva de 7 de Outubro de 2020
(…)
Exmo. Sr.
O signatário mostra-se deveras estupefacto com o teor da missiva que V. Exa. lhe dirige. De qualquer forma a tentativa de cobrança do valor apresentado é extorsão, na medida em que o mesmo é exorbitante, absolutamente exagerado e portanto não devido.
Mais, contrariamente ao V. exa. refere na sua carta, não existiu, infelizmente, qualquer acordo prévio ou orçamento sobre o valor ora apresentado, razão pela qual não me reconheço devedor do mesmo e como tal não farei pagamento.
Pese embora a referida não existência de orçamento prévio, colhi alguns pareceres junto de técnicos da área sobre o valor justo e adequado ao trabalho prestado por V. Exa. sendo que obtive opiniões unânimes no sentido de que o valor que V. Exa. pretende cobrar é exageradíssimo, de todo impensável para o trabalho prestado.
Tenho perfeita consciência que o seu trabalho tem que ser pago, como aliás será, quando V. Exa. bem pretender, pois sou uma pessoa de digna e cumpridora dos meus compromissos, facto sobejamente conhecido da sociedade em geral, contudo somente estou disponível para pagar o valor que reputo como justo, razão pela qual entendo que deverá V. Exa. repensar o valor apresentado e voltar ao meu contacto, ou ao contacto do meu advogado (…) no sentido de lograrmos pôr termo o presente conflito.
Por fim, tenha em consideração que o serviço que lhe foi solicitado foi um estudo prévio, na medida em que seria com base no mesmo que eu tomaria a decisão de avançar ou não com a obra, sendo aliás, que as condicionantes existentes, de que serve de exemplo uma das fracções pertencer a terceiros e inviabilizar o projecto, fizeram com que tomasse a decisão de não avançar com o mesmo. (…)”.
4 – O Réu, como investidor, adquiriu duas frações de um prédio, em estado degradado, sito em Vila Nova de Gaia, mais precisamente o … e o .. andar, pertencendo a fração correspondente ao 1º andar a outra pessoa.
5 - O interesse do Réu era adquirir a fração daquele terceiro e se o conseguisse fazer, aí pensaria numa obra estrutural em todo prédio.
6 – Para aferir qual a capacidade construtiva do referido imóvel, o Réu solicitou ao pai do Autor, seu conhecido e construtor de profissão, se o podia acompanhar ao local do prédio, tendo aquele sugerido que o Autor também fosse e poderia ter uma ideia mais clara do que seria possível realizar no prédio.
7 – No seguimento de tal visita, o Réu solicitou ao Autor a execução de um estudo prévio para aferir da capacidade construtiva do dito imóvel, trabalho que este realizou.
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3.1.2. Factos Não Provados

a) O Réu contratou os serviços de arquitetura do requerente para a elaboração de projeto de arquitetura de reabilitação de um prédio em Vila Nova de Gaia.
b) Em razão dos serviços contratados, o Autor informou o Réu do orçamento no valor de €44.556,11 (quarenta e quatro mil, quinhentos e cinquenta e seis euros e onze cêntimos), a ser pago pelo requerido em duas fases, sendo pago € 31.189,27 no dia da entrega do projeto de arquitetura e especialidades na Câmara Municipal de … e os remanescentes € 13.366,84 com a conclusão da obra.
c) Orçamento esse que o Réu imediatamente concordou, dando ordens expressas para o Autor desenvolver os trabalhos contratados.
d) Em 22 de agosto de 2020, Autor e Réu reuniram-se presencialmente na denominada Quinta da …, pelas 10:20, tendo o requerido informado o Autor que não pretendia continuar mais com o processo de reabilitação do edifício.
e) Na mesma data, o Autor informou que nessa data já lhe eram devidos €20.000,00, pelos trabalhos desenvolvidos.
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3.2. O Direito

3.2.1. Da impugnação da matéria de facto

Existem requisitos específicos para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, os quais, se não observados conduzem à sua rejeição.

Assim, o artigo 640º, CPC impõe ao recorrente o ónus de:

a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Impõe-se que nas conclusões o recorrente indique concretamente os pontos da matéria de facto que impugna e o que entende que deve ser assente, apresentando a sua pretensão de forma inequívoca, de forma a que se possa, com clareza, separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da reivindicação da alteração da matéria de facto, e saber claramente em que sentido pretende que a matéria de facto provada seja alterada.
No caso, considera o Recorrente que deveria ter sido dada outra redação ao facto 7 dos factos provados.

O facto tem a seguinte redação:
“7 – No seguimento de tal visita, o Réu solicitou ao Autor a execução de um estudo prévio para aferir da capacidade construtiva do dito imóvel, trabalho que este realizou.”.

O recorrente considera que deveria ter a seguinte redação:
a. “7 – No seguimento de tal visita, o Réu solicitou ao Autor a execução de um pedido de informação prévia para aferir da capacidade construtiva do dito imóvel quer em termos volumétricos quer em termos de disposição quer em termos de número de pisos e, ainda, número de fogos, trabalho que este realizou.”.
Ou alternativamente,
b. “7 – No seguimento de tal visita, o Réu solicitou ao Autor a execução de um estudo prévio para aferir da capacidade construtiva do dito imóvel quer em termos volumétricos quer em termos de disposição quer em termos de número de pisos e, ainda, número de fogos, que permitisse aferir com certeza e de forma vinculativa junto das entidades competentes, trabalho que este realizou.”.
Ora, salvo o devido respeito, contrariamente ao defendido pelo Recorrente nem a prova documental, nem a prova testemunhal permitem que se firme a redação por si pretendida.
Convém lembrar que o Autor, aqui Recorrente, veio reclamar os honorários referentes a um projeto de arquitetura. Assente que em causa não está um projeto de arquitetura, pelo próprio reconhecido, na audiência a questão girou em torno da qualificação do trabalho realizado, apelidando uns de estudo prévio, outros de ante-projeto. Pretende agora o Recorrente subsumir o seu trabalho a um PIP (Pedido de Informação Prévia), mas não só a sua pretensão de retribuição não assentou num PIP como que a prova não foi suficiente nesse sentido. Mesmo as testemunhas arroladas pelo Réu se afastam dessa classificação por entender que um PIP tem memória descritiva, tem calendarização, tem estimativa, tem termo de responsabilidade (Engenheiro V. J.), como se referem a outras denominações como estudo prévio e ante-projeto (arquiteto S. M.).
Do conjunto da prova produzida, o que com segurança resultou é que o Réu, nas circunstâncias por si descritas, solicitou ao Autor a execução de um estudo prévio para determinar a capacidade construtiva do imóvel e, assim, definir o destino a dar ao mesmo. O que se distancia em muito da versão (inicialmente) apresentada pelo Autor de que o Réu lhe encomendou a execução de um projeto de arquitetura para reabilitação de um imóvel sito em Vila Nova de Gaia.
Em face do exposto, improcede a impugnação, mantendo-se inalterada a decisão da matéria de facto.
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3.2.2. Qualificação do acordo celebrado entre as partes e regime aplicável

Os contratos devem ser analisados e qualificados, não apenas com base na sua configuração formal, mas também em função das circunstâncias em que se enquadram e dos objetivos que visam realizar. Nos dizeres de Pedro Pais de Vasconcelos “os tipos contratuais são simplesmente modelos e não esgotam de modo algum a matéria contratual.” (1)
Como ensina Antunes Varela “em lugar de realizarem um ou mais dos tipos ou modelos de convenção contratual incluídos no catálogo da lei (contratos típicos ou nominados), as partes, porque os seus interesses o impõem a cada passo, celebram por vezes contratos com prestações de natureza diversa ou com uma articulação de prestações diferentes da prevista na lei, mas encontrando-se ambas as prestações ou todas elas compreendidas em espécies típicas directamente reguladas na lei.” (2)
Portanto, as partes dentro dos limites da lei podem celebrar contratos diferentes dos típicos, modificar os tipos legais incluindo neles as cláusulas que lhes aprouver e misturarem no mesmo contrato regras de dois ou mais tipos. A autonomia contratual é um princípio formalmente reconhecido - artigo 405º, do Código Civil.
No caso, dentro do quadro factual apura-se o propósito das partes, conducente a uma delas proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual.
Os trabalhos de arquitetura embora exteriorizados num suporte material, constituem o produto de um trabalho intelectual, sendo uma criação do espírito, e que goza, por isso, da proteção própria do regime do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos – v. artigos 2.º n.º 1, alíneas g) e l), 10.º n.º 1, 25.º, 60.º, 159.º e 161.º do Decreto-Lei nº 63/85, de 14 de Maio e alterações subsequentes.
Por isso, consideramos em sintonia com o ensinamento de Batista Machado e seguido pela maioria da jurisprudência que no contrato de elaboração de estudos e projetos de arquitetura, as prestações típicas são o resultado ou produto de um trabalho intelectual, e não uma obra ou resultado material, configurando, por isso, um contrato de prestação de serviços, mas atípico ou inominado. (3)
A relação contratual estabelecida entre as partes do processo reconduz-se, pois, a um contrato de prestação de serviço inominado (artigos 1154.º do Código Civil).
E na falta de regras supletivas fixadas pelos contraentes são-lhe aplicáveis as normas do mandato "ex vi" do artigo 1156.º do Código Civil.
A prestação de serviço pode ser gratuita ou remunerada, valendo aqui a presunção de gratuitidade (n.º 1 do artigo 1158.º) ou de onerosidade, se o mandatário o praticar por profissão, o que é o caso, por se tratar de trabalho de arquitetura efetuado por quem pratica a profissão.
Tratando-se de um negócio jurídico bilateral, rectius, um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual, dele emergem reciprocamente direitos e deveres, consubstanciados numa relação jurídica complexa. O principal direito traduz-se no direito de exigir do Autor a obtenção do resultado a que este se obrigou e como contrapolo a sua obrigação principal consubstanciada no pagamento do preço.
Concretizando, para o Autor emerge do contrato a obrigação de elaboração de um estudo prévio para aferir da capacidade construtiva de um imóvel, para o Réu resulta a obrigação de pagamento do preço do serviço prestado.
O Recorrente insurgiu-se com a classificação do trabalho por si realizado operada na sentença recorrida, pois que não se trata de um estudo prévio, mas sim de um PIP (pedido de informação prévia) cuja estrutura e complexidade quer em termos volumétricos quer em termos de disposição quer em termos de número de pisos e, ainda, número de fogos, demanda o pagamento do valor por si reclamado.
O Recorrente começou por alegar ter sido contratado para a elaboração de um projeto de arquitetura de reabilitação de um prédio em Vila Nova de Gaia, cujo orçamento ascendia ao valor de € 44.556,11, tendo em sede de recurso alterado para pedido de informação prévia, de que não ficou provado que as partes tivessem acordado um valor.
Sucede que, o que temos por assente é que o Réu solicitou ao Autor a execução de um estudo prévio para aferir da capacidade construtiva de um imóvel, trabalho que este realizou, e sobre o qual não foi acordado o preço.
Ultrapassada a classificação do trabalho, o cumprimento não está em causa, antes o pagamento.

3.2.3. Critério para a fixação do valor da prestação não previamente acordado.

O Autor pede o pagamento dos seus honorários pelo serviço que prestou. O Réu aceitando a prestação discorda do preço exigido.
Face à natureza onerosa do contrato, importa, pois, determinar o quantum devido pelo Réu.
As partes não ajustaram o preço do trabalho.
Diz-nos a lei que a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade – artigo 1158º, do Código Civil.
A 1.ª instância, reafirmando a falta de outros elementos, lançou mão do critério supletivo da equidade para determinar a retribuição.

Escreveu-se na sentença que:
«Afirmou o Autor que o valor dos serviços por si prestado é de € 20.000, tendo por base a nota de honorários por si elaborada e remetida ao Réu, cuja cópia se encontra junta a fls. 10 a 12. O Réu não concordou com tal valor, que considera manifestamente excessivo.
Os presentes autos são parcos a nível factual, o que dificulta a decisão a proferir.
Na verdade, o Tribunal não dispõe de grandes elementos para determinar o valor devido pelos serviços efectivamente prestados pelo Autor ao Réu. Pelo que, tem de alicerçar-se no disposto no artigo 1158º, nº 2, do Código Civil, que nos diz que “Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade.”.
Em situação semelhante à agora em apreço diz-nos o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 5 de Março de 2015:
“(…) no que diz respeito à fixação de honorários, não há neste momento tarifas profissionais, dado que estas são contrárias à concorrência, tendo as tabelas remuneratórias previstas na Portaria de 07/02/1972 sido entretanto revogadas pela Portaria nº 701-H/2008, de 29 de Julho.
Também o autor nem sequer alegou a existência de quaisquer usos – nem, de resto, qualquer facto relativo à complexidade, técnica ou outra, do projecto, ao tempo gasto no seu estudo e execução, etc, nos termos referidos pela recorrente. E sendo a existência e o uso – qualquer uso - matéria de facto, a sua alegação e prova deve ser feita por aquele que desse uso se quer prevalecer (art.º 342 nº 1 do Código Civil).
Depois, o objecto da causa e do recurso, é uma prestação de serviço de direito privado e não de direito público uma vez que nenhuma das partes é contraente público. Não se lhe são, por isso, aplicáveis, directamente, ou sequer por via subsidiária, as normas que regulam o cálculo de honorários devidos pela execução de projectos de obras públicas: os parâmetros relevantes.
Resta-nos pois fixar os honorários com o recurso à equidade. (…)”.
Igual decisão se impõe no caso em apreço, porquanto o aqui Autor não alegou a existência de quaisquer usos, nem qualquer facto relativo à complexidade, técnica ou outra, do projecto, ao tempo gasto no seu estudo e execução, como se lhe impunha, atentas as regras de distribuição do ónus da prova.

Neste particular temos nos autos os seguintes elementos:
– O Réu, como investidor, adquiriu duas fracções de um prédio, em estado degradado, sito em Vila Nova de Gaia, mais precisamente o rés-do-chão e o 2º andar, pertencendo a fração correspondente ao 1º andar a outra pessoa.
- O interesse do Réu era adquirir a fração daquele terceiro e se o conseguisse fazer, aí pensaria numa obra estrutural em todo prédio.
– Para aferir qual a capacidade construtiva do referido imóvel, o Réu solicitou ao pai do Autor, seu conhecido e construtor de profissão, se o podia acompanhar ao local do prédio, tendo aquele sugerido que o Autor também fosse e poderia ter uma ideia mais clara do que seria possível realizar no prédio.
– No seguimento de tal visita, o Réu solicitou ao Autor a execução de um estudo prévio para aferir da capacidade construtiva do dito imóvel, trabalho que este realizou.
O tribunal pode julgar através do recurso à equidade, por razões de conveniência, de oportunidade e, principalmente, de justiça concreta, mesmo que não se torne viável averiguar o valor exacto dos danos, desde que se obtenha o mínimo de elementos de facto certos sobre a natureza daqueles e sobre a sua extensão, que orientem um cálculo objectivamente sindicável e, por via disso, o menos arbitrário possível e permitam a sua computação em valores próximos daqueles que realmente lhe correspondem. (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.01.2015 proferido no processo 69/13.8 TBLSA.C1).
Considerando os factos apurados nos autos, o Tribunal considera justo e equitativo fixar em € 7.500 (sete mil e quinhentos mil euros) o custo dos trabalhos executados pelo Autor».
Dissente o Recorrente deste entendimento, considerando que antes de recorrer ao critério da equidade, que não garante a justiça do caso, para a determinação do valor exato da retribuição, o Tribunal a quo deveria atender ao laudo de honorários do Sr. Arq.º S. M. na medida que o mesmo foi elaborado com observância dos critérios da Ordem dos Arquitetos.
Cremos, salvo o devido respeito, não assistir razão ao Recorrente.
O laudo de honorários corresponde a um parecer técnico e juízo sobre a qualificação e valorização dos serviços prestados pelos arquitetos emitido pela respetiva Ordem dos Arquitetos.
O parecer que se encontra junto aos autos, foi pedido a título particular pelo Recorrente, com a informação por este fornecida, baseando-se o arquiteto que o emitiu nessa informação, e não em função do que realmente foi solicitado pelo cliente ou tratado pelas partes – dispondo o artigo 9º do Regulamento de Deontologia da Ordem dos Arquitetos que a remuneração do arquiteto deve ser calculada em função das tarefas que lhe são confiadas, especificando-se detalhadamente os serviços nelas englobados.
Portanto, a remuneração devida ao Recorrente pela prestação do serviço não se mostra fixada administrativamente (tarifas) e desconhece-se a remuneração normalmente praticada por este à data da conclusão do contrato, ou o preço comummente praticado para a realização de um estudo prévio para aferir da capacidade construtiva de um imóvel (usos).
Donde, a fixação da remuneração não havendo tarifas profissionais e não se tendo determinado os usos (não se vislumbrando que outras provas pudessem obter-se para além das adquiridas), deve operar-se segundo um critério não normativo - o da equidade.
Encontrando-se esgotada a possibilidade de determinar com precisão o exato “quantum” indemnizatório, com assento numa norma jurídica ou regra pré-estabelecida, haverá que dar ao conflito a solução que se entende ser a mais justa, atendendo às características da situação.
A propósito escreveu-se no Acórdão do STJ de 21 de Novembro de 2006 que a equidade destina-se a encontrar a solução mais justa no caso concreto (4), ou por outras palavras, a expressão da justiça num dado caso concreto.
Também Castanheira Neves, referindo-se a este critério dizia que "a equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um momento essencial na jurisdicidade" (5).
E prossegue o aresto citado na referência à equidade que “é uma justiça de proporção, ou de equilíbrio, fora das regras rígidas da norma. É uma forma de justiça a que modera o rigor da norma legal, deixando larga margem de apreciação subjectiva ao julgador”.
Na situação em análise, e ponderando os fatores postos em relevo pela primeira instância, apresenta-se equilibrado e equitativo, e por isso de manter, o montante fixado na sentença.
Pelo exposto, improcede a apelação.
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 16 de Dezembro de 2021

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Elisabete Coelho de Moura Alves
2º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes


1. In Contratos Atípicos, Almedina, pag. 226.
2. In Das obrigações em geral”, Vol. I, 8.ª edição, Almedina, pag. 281.
3. RLJ 118º (Nº 3738), 271-2282 e (Nº 3739), 317-320.
4. Disponível em www.dgsi.pt.
5. "Questão de facto - Questão de direito", 1967, pag. 351.