Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
20/15.0GDMDL.G1
Relator: ALDA CASIMIRO
Descritores: RECONSTITUIÇÃO DE FACTO
DECLARAÇÕES DE ARGUIDO
VALORAÇÃO
ERRO NOTÓRIO
REENVIO
ARTºS 357º
410º
Nº 2
C) E 426º
1
DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REENVIO PARA NOVO JULGAMENTO
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A reconstituição do facto, como meio de prova autónomo, não pode ser confundida com declarações prestadas nos autos pelo arguido, as quais se encontram expressamente previstas na lei processual penal como "não permitidas" se não se contiverem dentro do âmbito previsto no artº 357º do CPP.

II) No caso dos autos, não houve nem reprodução das condições do facto, nem repetição do modo de realização. Apenas declarações do arguido enquanto se deslocava aos vários locais (onde confessava ter praticado furtos) acompanhado pelo OPC.

III) Por isso forçoso é concluir que, ao dar relevância a tal meio de prova, como se de um auto de reconstituição se tratasse, o tribunal recorrido valorou como válido, um meio de prova que não podia utilizar, o que redundou em necessário erro de julgamento, porquanto resulta evidente da motivação que se para os factos denunciados em determinados autos, o tribunal a quo se socorreu de outros indícios para alicerçar a sua convicção relativamente à prática dos factos por algum(ns) dos arguidos, nos restantes autos, nada de concludente terá sido trazido, para a audiência de julgamento com vista a apurar o(s) autor(es) dos factos denunciados.
III) De qualquer modo, ao valorar como válido um meio de prova que não podia utilizar, o tribunal recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova, prevenido no artº 410º, nº 2, c) do CPP.

IV) Verificado tal vício, torna-se necessário o reenvio do processo à primeira instância para novo julgamento, nos termos do artº 426º, nº 1, do CPP.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

Relatório

No âmbito do processo comum (Tribunal Colectivo) com o nº 20/15.0GDMDL que corre termos no Juízo Central Criminal (J3) de Bragança, do Tribunal de Comarca de Bragança, foi, entre outros, o arguido,
H. A., casado, nascido a 31.10.1990, na freguesia de …, concelho de Bragança, filho de F. P. e M. A., residente na Rua … Agrochão, condenado, como co-autor de seis crimes de furto qualificado, todos p. e p. pelo art. 204º, nº 2, al. e) do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão para cada um deles; como co-autor de um crime de furto simples p. e p. pelos arts. 204º, nº 2, al. e) e nº 4 e 203º, nº 1, ambos do Cód. Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
*
Não se conformando com a decisão, o arguido H. A. interpôs o presente recurso em que pede a sua absolvição ou que seja o acórdão revogado, sem os vícios invocados, subsumidos nos artigos 410º e 412º do CPP, sendo alterada a pena aplicada.

Para tanto formula as conclusões que se transcrevem:

1) Atento o disposto na alínea a) do nº2 do artigo 412º do C.P.Penal, considera o arguido, H. A., ora recorrente, que foram violadas as seguintes normas:
- O artigo 150º, nº 1 e 2 do Código de Processo Penal, “Pressupostos e Procedimento” da reconstituição dos factos;
- O artigo 30º, nº 1 e 2 do Código Penal, “Concurso de Crimes e Crime Continuado”;
- O artigo 71º, nº 1 e 2 do Código Penal, “Determinação da medida da pena”;
2) A "diligência externa" levado a cabo no PCC 17/15.0GAMDL da iniciativa do OPC, não foi precedido e devia ter sido, de um despacho superior (MP) a ordenar a reconstituição dos factos;
3) Ou seja, a diligência externa em que o Tribunal a quo alicerçou a sua convicção deve ser considerada nula e sem qualquer efeito, atento o disposto nos artigos 119º alínea b) e 120º nº 2 alínea d) do Código de Processo Penal, nulidade esta que expressamente se invoca,
4) Atento o disposto no artigo 122º nº 1, devem os atos então praticados pelo OPC, ser considerados inválidos, tudo com os demais efeitos probatórios daí advenientes.
5) Violado, o disposto no nº 1 e 2 do artigo 150º do C.P.P., impõe-se que a prova produzida seja considerada nula/inválida e consequentemente, que o arguido ora recorrente e os demais co-arguidos, sejam absolvidos da prática dos crimes em que foram condenados.
6) No caso em apreço, verificam-se preenchidos os requisitos do disposto no artigo 30º, nº 2 do Código Penal, pelo que, estamos perante um crime continuado em relação aos seis crimes de furto qualificado, os quais constituiriam um só crime.
7) Na verdade, trata-se do mesmo tipo de crime em ambos os casos, protegendo, necessariamente o mesmo bem jurídico, a propriedade havendo, igualmente uma conexão temporal e identidade de "vítimas lesadas".
8) Foram igualmente os crimes executados de forma essencialmente homogénea e no quadro de uma solicitação exterior que diminui a culpa do recorrente.
9) Deveria o arguido, ora recorrente ter sido condenado por um crime de furto qualificado, na forma continuada.
10) Desadequação da medida da pena, em violação do disposto no artigo 71.º, n.º 1 e 3 do Código Penal, porquanto, as características que à actuação criminosa são apontadas, permitem concluir, com suficiente segurança, que deve o arguido, atenta a sua jovem idade (26 anos), a não ser absolvido, nos termos sobreditos, dos crimes de que vem condenado, não deve a pena aplicada ultrapassar o limite mínimo da moldura penal, suspensa por igual período, ou suspensa com regras de conduta, ou, ainda, sujeita a regime de prova uma vez que, quer do ponto de vista da prevenção geral, quer do ponto de vista da prevenção especial, acreditamos que, a ser condenado, a pena de prisão aplicada deverá ser suspensa na sua execução, em virtude de as exigências de prevenção resultarem melhor acauteladas, permitindo quer a restauração da confiança da comunidade na norma violada, quer a ressocialização do Sr. H. A., através de um acompanhamento personalizado por parte de funcionários de justiça que têm como função promover a reinserção social, evitando assim recidivas.
11) O conjunto de circunstâncias aludidas, sendo consignado de forma expressa, mas genérica, em sede de acórdão recorrido, não parece valorado sob a forma de circunstâncias atenuantes, ao mesmo tempo que contrariam o dolo e ilicitude elevados com que é fundamentada a determinação do tipo e medida da pena.
12) Se utilizados fossem os fundamentos justificativos das penas aplicadas (e confirmadas) por muitos dos Acórdãos mais recentes do S.T.J., chegava-se à conclusão certa de que a pena aplicada é desproporcional à medida da satisfação do sentimento jurídico da comunidade e às exigências de prevenção.
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O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido e concluindo que deve:

1)- Ser indeferida a arguição da nulidade da “reconstituição do facto”;
2)- De qualquer forma, se o Tribunal “ad quem” assim o entender, oficiosamente, declarar o vício de “erro notório na apreciação da prova” – salvo quanto à prática dos crimes referidos em II, 7.2 –, com os efeitos referidos em II, 8 e III;
3)- Ser desatendida a invocação do “crime continuado”, por inexistência dos seus pressupostos fáctico-normativos;
4)- A não ser declarado o vício referido em 3)-, ser mantida a condenação proferida pelo Colectivo.
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Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer em que defende que o “Relatório de Diligência Externa” que o recorrente impugna, não pode ser considerado como uma Reconstituição do Facto, como fez o Tribunal recorrido, mas mero auto de declarações que não podem ser utilizadas como meio de prova. Propende, assim, para que os autos sejam reenviados para novo julgamento em que a decisão tenha em consideração as proibições de prova.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação

No acórdão recorrido, e no que à presente decisão importa, deram-se como provados os seguintes factos:
Os arguidos, quando actuaram em comunhão de esforços e davam execução ao plano que previamente haviam delineado e acordado, deslocaram-se aos locais infra descriminados para aí se apoderarem de objectos e/ou valores, mediante arrombamento/quebra das fechaduras e/ou portas, para o que utilizavam sempre, para além da lanterna, uma chave de fendas e um desmonta pneus, sendo que os arguidos T. F., H. A. e V. P. usavam luvas (a Ianterna, a chave de fendas, o desmonta pneus, foram apreendidos no âmbito do Processo nº 17/15.0GAMDL, a correr termos neste Tribunal).
A arguida E. C., apesar de não ser a titular inscrita, é a proprietária do «jipe» de marca Opel Frontera, de cor verde, com a matrícula HN.
A) 1) P. 20/15.0GDMDL
No período compreendido entre as 03h00 e as 03h30 do dia 31.03.2015, os arguidos T. F., H. A., V. P. e E. C. deslocaram-se no veículo referido, à Associação Cultural e Recreativa, sita no Largo …, em Mirandela.
A arguida E. C., ficou junto à viatura, com as portas abertas, enquanto os arguidos T. F., H. A. e V. P., deslocaram-se à porta da Associação.
Os arguidos, munidos das ferramentas supra referidas, quebraram a porta para entraram.
Já no interior da Associação, o arguido T. F. dirigiu-se à gaveta da caixa registadora, e retirou o dinheiro que ali existia.
O arguido H. A., partiu no chão uma máquina de brindes e retirou o dinheiro que estava no seu interior.
E o arguido V. P., deslocou-se para uma arrecadação, ali existente.
Retiraram a quantia de € 150,00 em dinheiro, pacotes de batatas fritas no valor de €17,00, vários maços de tabaco no valor de €165,00 tendo ainda provocado estragos no valor de €400,00.
Os arguidos na posse dos objectos, abandonaram o local, com os mesmos.
A) 2) P. 21/15.9GDMDL
Ainda na mesma noite, no período compreendido entre as 03h30 e as 09h00 do dia 31.03.2015, depois de saírem da Associação, todos os arguidos deslocaram-se no mesmo veículo, propriedade da arguida E. C., para a localidade de Guide.
Concretamente, dirigiram-se à Associação Amigos de …, sita na Rua …, em Mirandela.
A arguida E. C., mais uma vez, ficou junto ao jipe de vigilante.
Enquanto os arguidos, T. F., H. A. e V. P., deslocaram-se à porta da Associação e utilizando as referidas ferramentas, forçaram e quebraram a porta de entrada para acederem ao seu interior, o que lograram conseguir.
Já no interior da Associação romperam a caixa dos matrecos de onde retiraram a quantia de €70,00 em moedas de 0,20 cêntimos e causaram danos no valor de €150,00.
Os arguidos na posse do dinheiro, abandonaram o local.
A) 3) P. 78/15.2GBMDL
No período compreendido entre as 22h00 do dia 03.04.2015 e as 08h00 do dia 04.04.2015, os arguidos T. F., H. A. e E. C., deslocaram-se no veículo referido, à Junta de Freguesia, sita na Rua …, em Mirandela.
A arguida E. C., ficou junto ao veículo vigilante.
Os arguidos T. F. e o H. A., munidos das ferramentas, deslocaram-se à porta da Junta de Freguesia, onde os utilizaram para forçar e quebrar a porta de entrada para acederem ao seu interior, o que lograram conseguir.
Já no seu interior, o arguido T. F. vasculhou as gavetas das secretárias enquanto o arguido H. A. quebrou um armário que naquelas instalações se encontrava, e do seu interior retirou um cofre.
Depois de o partir, retirou do seu interior a quantia de €700,00 em dinheiro/numerário.
Também os arguidos levaram consigo, quatro chaves e um rádio de marca Sony no valor de €77,00, tendo provocado estragos, no valor €220,00.
Os arguidos na posse dos objectos, abandonaram o local com os mesmos.
A) 4) P. 76/15.6GBMDL
Ainda na mesma noite (no período compreendido entre o dia 03.04.2015 e as 13h00 do dia 04.04.2015), depois de saírem da Junta de Freguesia, os arguidos T. F., H. A. e E. C., deslocaram-se no mesmo veículo, propriedade da arguida E. C. para a localidade de …, Mirandela, onde estacionaram junto à sede da respectiva Junta de Freguesia.
A arguida E. C. ficou junto ao veículo, vigilante.
Enquanto os arguidos T. F. e o H. A., munidos dos objectos referidos, deslocaram-se à porta de entrada da Junta de Freguesia onde, utilizando as ferramentas, Iograram forçar e quebrar a porta de entrada para acederem ao seu interior.
Já no seu interior, e depois de o vasculharem, o arguido T. F. encontrou um cofre cinzento em metal numa das gavetas das secretárias.
Os arguidos na posse do cofre, no valor de €32,50, abandonaram o local.
Os arguidos fizeram seus os objectos.
O arguido H. A. quebrou o cofre e retirou do seu interior parte da quantia de 150 € que nele se encontrava.
A) 5)
Entretanto, a arguida E. C. deslocou-se à residência da sua sobrinha, a testemunha C. C., e pediu-lhe para guardar uns sacos, com a desculpa que ia mudar de casa.
No âmbito de uma busca realizada pelo OPC e autorizada pela testemunha C. C., no dia 16.04.2015, ao camião desta com a matrícula LL, na localidade de …, foi apreendido o cofre que tinha sido retirado da Junta de Freguesia …, bem como alguns maços de tabaco.
No cofre foram apreendidas 113 moedas de €0,10, 114 moedas de €0,20, 6 moedas de €0,05, 7 moedas de €0,02, 11 moedas de €0,01, 8 moedas de €50,00 e 3 moedas de €1,00, que perfazem um total de €41,65.
A) 6) P. 77/15.4GBMDL
Na mesma altura, quando os arguidos, T. F. e H. A., saíram da sede da Junta de Freguesia .., circundaram o edifício e quebraram com as referidas ferramentas, a porta de entrada da Associação Cultural Recreativa e Desportiva, sita na Rua … e introduziram-se no seu interior.
Depois de vasculharem o interior, retiraram uma máquina de brindes com bolas, que tinha dinheiro no interior da mesma num valor não inferior a €130,00, e um computador portátil preto da marca Acer, no valor de €399,00 e levaram ainda o dinheiro da caixa registadora, a quantia de
€40,00 e o dinheiro da gaveta dos matraquilhos, com o valor de €3,00.

Os arguidos, causaram ainda estragos no valor €80,00 (oitenta euros).
Os arguidos na posse dos objectos, abandonaram o local levando os objectos.
A máquina de brindes foi recuperada e apreendida no dia 15.04.2015 pelo OPC, com colaboração do arguido T. F., que indicou o Iocal, na Estrada Nacional 206 perto do Km 181, no sentido Bouça - Torre Dona Chama, em Mirandela.
O computador de marca Acer, foi apreendido no decurso de uma busca domiciliária à residência do arguido H. A..
A) 7) P. 24/15.3GDMDL
No período compreendido entre as 18h00 do dia 06.04.2015 e as 08h30 do dia 07.04.2015, os arguidos T. F., H. A. e E. C., pelo menos, deslocaram-se no veículo referido, à Junta de Freguesia F., sita na Rua .., em Mirandela.
A arguida E. C. ficou junto ao veículo, vigilante.
Enquanto os arguidos T. F. e o H. A., munidos das ferramentas, deslocaram-se à porta de entrada da Junta de Freguesia, bem como do Posto médico da Iocalidade - anexo á junta onde, utilizando-as, estroncaram as portas de madeira de entrada para acederem ao seu interior, o que lograram conseguir.
Já no interior da Junta de Freguesia F., e depois de o vasculharem, os arguidos retiraram a quantia de €150,00 que estava dentro de uma gaveta fechada, que também estroncaram.
Do Posto Médico (anexo à Junta de Freguesia F.) não retiraram nada.
Provocaram ainda danos no valor de €50,00.
Os arguidos na posse do cofre, no valor de €32,50, abandonaram o local.
A) 8) P. 23/15.3GDMBL
Depois de saírem da Junta de Freguesia F., no mesmo período, os arguidos deslocaram-se para a Junta de Freguesia de S., sita na Rua da …, Mirandela.
A arguida, ficou junto ao jipe a vigiar.
Enquanto os arguidos T. F. e o H. A., seguidos do arguido V. P., deslocaram-se à porta de entrada da Junta de Freguesia.
Utilizaram os objectos para estroncarem a porta de entrada em alumínio para acederem ao seu interior, o que lograram conseguir.
Já no seu interior, os arguidos vasculharam a sede da Junta, e como no interior havia uma porta trancada, os arguidos H. A. e o V. P. estroncaram-na.
Do interior da Junta levaram consigo a quantia de €350,00 em dinheiro que estava dentro das gavetas.
Causaram ainda danos no valor de €250,00.
Os arguidos na posse dos objectos, abandonaram o local.
A) 9)
Os arguidos, quando e na medida em que agiram em conjunto, fizeram-no em conjugação de esforços e identidade de fins, na sequência do que previamente combinaram, utilizando o auxílio mútuo para melhor concretizarem os seus objectivos, através da divisão de tarefas.
Os arguidos, em execução de tal desígnio, utilizaram sempre como meio de transporte o veículo, propriedade da arguida E. C. e com o auxílio dos objectos descritos forçaram e estroncaram as fechaduras das portas das portas principais para acederam ao interior das instalações.
A arguida, em todas as ocasiões, ficou junto ao jipe, meio de transporte, a vigiar.
Á data dos factos, os arguidos T. F., H. A. e E. C. não trabalhavam.
Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, actuando sempre, os arguidos T., H. A., E. C., e por vezes o arguido V. P., em conjugação de esforços e intentos, com o propósito, concretizado, de se apropriarem, do modo como o fizeram, dos referidos bens que se encontravam no seu interior, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que deles se apropriavam contra a vontade e sem o consentimento dos seus legítimos donos.
Tinham consciência que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente puníveis.
A) 10)
O arguido T. (…)
A) 11)
A arguida E. C. (…)
A) 12)
H. A. nasceu em Bragança, no seio de uma família de modesta condição.
O processo de desenvolvimento e socialização do arguido decorreu desde os sete meses de idade, junto dos avós maternos, na sequência da instabilidade do agregado familiar e da ruptura entre progenitores, cabendo aos avós o papel educativo dos dois filhos do casal, uma vez que a mãe por dificuldades financeiras emigrou para o estrangeiro.
Ao nível escolar, o arguido frequentou a escola da aldeia onde residia com os avós e onde concluiu o 1º ciclo, e depois transferiu-se para a Escola …, localizada em Bragança, para onde se deslocava diariamente, obtendo aproveitamento até ao 6º ano.
Porém, a partir dos seus 13/14 anos, mudou o seu comportamento, abandonando a escola e passando a trabalhar nas obras, e depois noutras áreas, apresentando, sempre, uma actividade laboral regular até aos seus 19 anos, altura em que vai para o desemprego, afasta-se da família de origem e passa a viver com a namorada, envolvendo-se, com o grupo de pares, em problemas com a Justiça.
Com 19 anos de idade, passa a encontrar-se numa situação de desemprego e acompanhar com um grupo de pares, os quais registavam alguns problemas com a Justiça Penal.
Nesta fase de progressiva instabilidade, afasta-se da família de origem e passa a viver com a namorada, em apartamento que arrendou para o efeito.
À data dos factos, o arguido partilhava o seu quotidiano com a companheira, uma filha menor de 3 anos e o avô materno (da companheira), numa habitação propriedade deste último, situada na aldeia rural de ...
Presentemente, e com vista a afastar-se do grupo de pares, a sua família, aconselhou-o a sair da zona de Bragança, tendo H. A. e o seu agregado familiar (mulher e filha) passado a integrar o agregado familiar do irmão.
Presentemente o H. A. mantem-se a residir com o irmão temporariamente, encontrando-se presentemente a exercer uma atividade profissional, enquanto Serralheiro, numa empresa denominada “SF”, à experiência.
A conduta do arguido fragilizou a relação com a esposa e restantes familiares, contudo H. A. continua a beneficiar do seu apoio.
Sofreu já as seguintes condenações:
- pena única de 4 anos de prisão, suspensa, por igual prazo, com regime de prova, por crime de tráfico de estupefacientes e por crime de condução sem habilitação legal, cometidos em 15/9/2009, por acórdão transitado a 7/2/11;
- pena de multa por crime de condução sem habilitação legal, cometido em 20/1/2009;
- pena de 6 meses de prisão, substituídos por 180 dias de multa, por crime de falsidade de testemunho cometido em 22/3/2012;
- pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual prazo, por crime de furto qualificado.
A) 13)
O arguido V. P. (…)

No acórdão recorrido deram-se como não provados os seguintes factos:
a) os arguidos faziam da prática da actividade descrita o seu modo de vida quotidiano e era dela que viviam;
b) foi por causa da detenção dos arguidos T. e H. A. que a arguida E. C. pediu à sobrinha C. C. para lhe guardar o saco;
c) o arguido H. A. retirou de dentro do cofre subtraído na JF de .. a quantia de €146,17;
d) a quantia que se encontrava na máquina de brindes na JF F. ascendia a 150€;
e) o arguido V. P. não trabalhava.

O acórdão recorrido motivou como segue a decisão sobre a matéria de facto:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise e ponderação da prova produzida e examinada em audiência, conjugada com as regras da experiência comum e da lógica.
Como os arguidos não prestaram (mesmo a arguida E. C., só respondeu a uma pergunta) declarações em audiência, remetendo-se ao silêncio, e como a autoria dos factos não foi objecto de prova testemunhal directa (genericamente; há uma excepção, como veremos), no processo de formação da sua convicção, o tribunal fez apelo, essencialmente, à prova por reconstituição e à prova indirecta conjugada e iluminada pelas regras da experiência comum.
A prova indirecta é referente a factos diversos do tema da prova mas que permitem, se provados (por prova directa) e conjugados com a experiência comum (lato sensu – englobando as regras da ciência, as máximas da experiência, as regras de sentido comum), retirar ilações quanto ao tema da prova (cfr., por todos, o estudo do Sr. Conselheiro Santos Cabral, Prova Indiciária e as Novas Formas de Criminalidade, na Revista Julgar, nº 17, 13 a 33).
Na verdade, vigora entre nós o sistema da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º CPP (“...a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”), que se reconduz ao poder-dever de decidir segundo o bom senso e a experiência de vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e de ponderação, para usar as palavras do Supremo Tribunal de Justiça (cfr., entre muitos outros, e por muito desenvolvido, o Ac. do Supremo de 2/9/2012 – P. 233/08.1PBGDM.P3.S1, na dgsi).
Dizemos “poder-dever” porque se, por um lado, a livre convicção deve cessar perante a dúvida razoável (in dubio pro reo), por outro, a dúvida não pode aceitar-se quando não for razoável (sob pena de acabar postergado o ius puniendi do Estado) – sobre o ponto, cfr., Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie et de Culture Juridique, Vol. 2), pág. 25) – tendo sempre em mente que a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, sendo antes uma certeza empírica.
No caso concreto, temos um meio de prova que é transversal a todos os crimes imputados na acusação, pelo que, logicamente, há que começar por ele.
Referimo-nos ao auto de “diligência externa” levado a cabo no Pcc 17/15.OGAMDL mas cuja certidão está nos autos, p. ex., está a fls. 27 e ss. do apenso 24/15.3GDMDL.
Daquele auto resulta com clareza que, não obstante a referência a “diligência externa”, o que o OPC quis foi saber a indicação dos “locais” dos furtos, que o arguido mostrasse como os praticou e com quem, o que, materialmente, consiste numa prova por reconstituição – justamente, repetir o «como» da actuação e as «condições» em que ocorreu, o que corresponde à definição dada pelo art. 150º/1 CPP – e isto, independentemente do “nomen juris” escolhido pelo OPC; que foi esta prova que os OPC quiseram realizar resulta, de resto, claramente do depoimento de F. S., Sargento da GNR, e de fls. 380 (“...no sentido de se proceder à reconstituição...”)
O T. já tinha sido constituído arguido, nos referidos autos 17/15.0GAMDL, como resulta da certidão junta em audiência (sobretudo a fls. 428), e prescindiu de Defensor, o que podia fazer, pois que, à data, já tinha 21 anos feitos, e não se trata de um acto processual que obrigasse à sua constituição/nomeação, até porque e designadamente não se trata de prova por declarações. Sem que com isso se possa argumentar com uma suposta sujeição a uma maior pressão para participar na diligência, bastando ver que o co-arguido H. A., nas mesmíssimas condições do T., recusou colaborar, em total liberdade (cfr. fls. 380).
É necessário ter presente que a prova por reconstituição “autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações que tenha co-determinado os termos e o resultado da reconstituição, e as declarações «rectius» as informações prévias ou contemporâneas, possibilitando ou contribuindo para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como meio de prova processualmente adquirido” – na expressão do STJ, Ac. de 5/1/05, P.04P3276 www.dgsi.pt.
Daí que a reconstituição, prevista como meio de prova autonomizado por referência aos demais meios de prova típicos, uma vez realizada e documentada em auto vale como meio de prova, processualmente admissível, sobre os factos a que se refere, ou seja, como meio válido de demonstração da existência de certos factos, a valorar, como os demais meios, segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente – art. 127º CPP.
E, no caso, temos que no referido auto, e excluindo por ora as referências «declaratórias», ainda assim podemos encontrar um lastro suficiente de encenação ou representação da realidade suposta – veja-se que é o arguido / quem, de cada vez, Ieva os OPC aos locais assaltados e quem indica o lugar onde se encontrava a máquina de brindes subtraída da Associação R. Cultural (como se verá), o que mostra bem tratar-se de um meio de prova que combina várias contribuições de diversa natureza, não podendo reconduzir-se a uma dessas contribuições, antes consubstanciando um meio de prova “a se”, válido e submetido à livre convicção do tribunal.
É claro que, no caso, poderá questionar-se a valoração desse meio de prova, no qual o arguido participou e feito de acordo com as suas indicações, quando, em sede de audiência, optou por não prestar declarações, exercendo o seu direito ao silêncio.
Cremos bem, todavia, que a resposta não poderá deixar de ser positiva, sob pena de se ter de considerar que a reconstituição não é afinal um meio de prova autónomo mas subordinado, conclusão que a lei não permite.
Ao contrário, tal valoração deverá ocorrer e de modo particular, quando é o arguido a participar nesse acto, traduzindo ou as condições em que se afirma ter ocorrido ou numa sua repetição do modo de realização do mesmo.
De resto, nada impede o arguido de em cada momento prestar a sua colaboração processual ou de a denegar, não se podendo ficcionar que uma ausência de colaboração (exercício do direito ao silêncio) exercido num dado momento processual venha a inquinar um momento de colaboração, em que o exercício desse direito não foi exercido – daí que fazer sentido a valoração da actuação do arguido no acto de reconstituição do crime em que participou, como expressa a Relação do Porto no ac. 26110/2011 (proc. 104/10.1GCVPA.P1, in www.dgsi.pt) que decidiu que o contributo que, durante a reconstituição do facto, o arguido preste, por se incorporar num meio de prova autónomo, fica fora do âmbito de protecção do direito ao silêncio (“nemo tenetur...”) que venha posteriormente a exercer durante a audiência de julgamento; cfr., ainda, o ac. da mesma Relação de 13/06/2012, proc. 1222/11.4JAPRT.P in www.dgsi.pt).
Igual entendimento expressa a Relação de Coimbra no seu ac. de 15/5/2013 (Sr. Desembargador Osório Vasques) www.dgsi.pt “J.- A reconstituição do facto é um meio de prova distinto e autónomo das declarações de arguido e que com elas se não confunde mesmo quando nele participa um arguido que presta informações e/ou apresenta uma versão dos factos que ficam registadas no respectivo auto, pelo que, mesmo nesta concreta situação, a reconstituição do facto não está sujeita ao regime do art. 357º do C. Processo Penal”.
Podemos assim concluir que a reconstituição de facto constitui prova válida, mesmo na ausência de declarações do arguido em audiência que nela participou e de acordo com as suas indicações e a valorar de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
E quanto aos co-arguidos que, não tendo intervindo na reconstituição, se remetem ao silêncio em audiência?
A resposta não pode deixar, quanto a nós, de ser positiva, salientando-se, de resto, que até as declarações incriminatórias são livremente valoráveis, e só o não são (art. 345º CPP) “as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos nºs 1 e 2” - como o TC e o STJ já vinham decidindo, de resto, mesmo antes da sua consagração expressa (cf. Acs. do TC nº 524/97, de 14/07/1997, DR II, de 27-11-1997, e do STJ de 25-02-1999, CJ STJ, VII, tomo 1, pág. 229) - sendo certo que vem caindo a exigência da corroboração, abstractamente erigida em requisito de valoração das declarações (portanto, das declarações valoráveis) por alguma doutrina, avultando a Professora Teresa Beleza, “Tão Amigos que Nós Éramos”: o valor probatório do depoimento do co-arguido no processo penal português”, e para quem a prova por essa via obtida, padeceria de uma debilidade congénita, por ser uma prova de diminuta credibilidade, que mereceria reservas e cuidados muito especiais de admissibilidade e valoração.
Como se disse, a doutrina da corroboração, e como observado no ac. RP de 16/9/2015, P. 252/11.0JAAVR.P1, Sr. Desembargador Vaz Carreto, “já teve o seu tempo, e compreendia-se, aliás, à luz da anterior legislação (que não contemplava a actual redacção do nº 4 - introduzida com a Reforma de 2007) - ora, o certo é que as declarações do co arguido fora do caso expresso no nº 4 do art. 345º CPP não podem deixar de estar sujeitas à regra geral de apreciação da prova: a livre apreciação tal como lhe é imposto pelo art. 127ª CPP - pelo que tudo se resume a uma questão de credibilidade do seu valor probatório, sem prejuízo de se exigir ao tribunal estar ou se manter alerta sobre as razões e motivação de tal depoimento incriminatório, sendo nessa apreciação que incide sempre a actividade do tribunal na apreciação de qualquer prova” (dgsi).
De outro modo, a exigir-se uma especial corroboração, estar-se-ia perante uma conduta que a lei não consente, tal como expressa o STJ no seu ac. de 12/3/2008 www.dgsi.pt: “As declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125º do CPP, podem e devem ser valoradas no processo. Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos, mas essa análise só em concreto, e face às circunstâncias em que os mesmos são produzidos, pode ser realizada. Por isso, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei.”
Sem que, com isso se caia numa qualquer inconstitucionalidade, conforme já decidiu o Tribunal Constitucional no ac. nº 133/2010, ao “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 345º, nº 4, do Código de Processo Penal, conjugada com os artigos 133º, 126º e 344º, quando interpretados no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do co-arguido que entenda não prestar declarações sobre o objecto do processo” (DR, II Série de 18-05-2010).
É claro que a doutrina das declarações incriminatórias do co arguido não é aqui directamente aplicável, quer porque no caso dos autos não estamos perante prova por declarações, mas sim perante uma prova autónoma, quer porque, no caso, os arguidos, em audiência de julgamento, exerceram o seu direito ao silêncio.
Mas não deixa de se poder estabelecer um paralelo entre as declarações incriminatórias do co-arguido que responde a todas as perguntas e a reconstituição do facto, em que o arguido, na sua representação da realidade, assume a sua comparticipação, a par da dos outros.
Uma coisa é certa: como meio de prova que é, a reconstituição deve ser valorado, como qualquer meio de prova e por isso submetido à livre apreciação do tribunal.
E, sendo assim, importa analisar qual o «grau» de valoração a atribuir-lhe, para o que devemos olhar quer para o seu lado intrínseco (vale dizer, em si mesmo considerado, na sua própria racionalidade) e quer para o seu lado extrínseco (vale dizer, conjugando-a com a demais prova, ainda que indirecta), tudo à luz das regras da experiência comum.
No que toca ao lado intrínseco, ou seja, aos termos como o arguido representou a realidade do acontecido, é inegável a sua verosimilhança, pois, para além de ter indicado e conduzido os OPC aos locais assaltados, aos quais se referiu de forma pormenorizada, descreveu minuciosamente a actuação de cada co-arguido, o que fizeram e como, mencionando objectos que lá se encontravam - a título de mero exemplo, poderemos aludir ao cofre que estava na JF, indicando o sítio preciso onde estava; para o modus operandi do arrombamento, pois o arguido referiu-se ao uso duma chave de fendas e dum desmonta pneus, em todos os casos, o que está de acordo com a prova pericial, como se verá; para o cofre da JFV; para os matraquilhos na associação... - em termos tais que, evidentemente, conferem um alto grau de credibilidade e persuasão a tal meio de prova.
Essa coerência intrínseca está claramente espelhada, do Iado externo, por outros meios de prova que, conjugados com as regras da experiência, mostram que a reconstituição corresponde não apenas ao que o co-arguido T. indica mas ao que efectivamente ocorreu, sendo coincidentes as provas, ou seja estas tornam a reconstituição credível, pelo que a participação do T. ajustou-se aos conhecimentos trazidos pelas restantes provas.
Assim, há elementos probatórios que respeitam a todos os «assaltos» e outros que respeitam a alguns.
Quanto aos primeiros:
Todos os arguidos se conheciam, e se frequentavam e mais do que isso, por vezes, o H. A. pernoitava em casa do V. P. (cfr. relatório social, a fls. 330 do arguido V. P.: “V. P. mantinha contactos com os coarguidos T. e H. A., em particular com este último que chegou a pernoitar na casa do casal”) e o T. por seu turno, à data dos factos, vivia em casa da coarguida E. C. (cfr. relatório social do arguido T., a fls. 284: “à data dos factos, T. F. residia com a amiga E. C.”).
Na reconstituição, o arguido T. representou sempre a presença do jipe marca Opel modelo Frontera e a verdade é que a E. C. é dona de um jipe dessa marca e modelo (como ela admitiu em sede de julgamento, ao responder à pergunta «quantas portas tem o seu jipe», tendo sido essas as únicas declarações prestadas, e resultaria sempre da informação de fls. 17 - embora, não seja a titular inscrita conforme resulta de fls. 37/38) e de cor verde (cfr. fls. 37/38).
O arguido, na reconstituição, mostrou como arrombavam as portas, sempre com o auxílio de uma “chave de fendas e um desmonta pneus”, o que significa que era sempre o mesmo o modus operandi. Pois bem, tais ferramentas foram, de facto, apreendidas, na mala do veículo onde seguiam os arguidos T. e H. A., aquando da perseguição movida em Cabanelas (cfr. o auto de notícia constante da certidão junta em audiência - fls. 379 e ss.; cfr. auto de apreensão de fls. 382, explicando o Sargento F. S. que se encontravam numa mochila, na mala do carro do arguido H. A.), e trata-se de chaves de fendas e de um desmonta pneus, ambos aptos a servirem de «alavanca» - pois foi assim que ocorreu o assalto à JF de S., como consta do relatório pericial de fls. 166 e ss. Sabemos, ainda, pelo OPC L. P., que foram encontrados sempre os mesmos rastos/marcas de arrombamento, iguais às encontradas na JF de P., o que significa que foram sempre estas as ferramentas utilizadas o que, de resto está de acordo com as regras da experiência (veja-se que na detenção em flagrante, em Cabanelas, os arguidos H. A. e T. que tinham já arrombado a porta traziam, precisamente, estas ferramentas).
Quase seria escusado dizê-lo, mas “quoad abundant non nocet” é evidente que a detenção em flagrante delito, a 15 de Abril, de dois dos arguidos, já referidos (T. e I. só vem, reforçar a conclusão a que se chegou.
Outro elemento a ponderar (e para além de serem sempre visadas JF ou Associações Culturais/Recreativas, o que não é indiferente, antes dá conta de uma coerência de actuação e portanto de uma planificação) prende-se com a circunstância de ter ocorrido, e sempre, mais do que um assalto na mesma noite, num total de 3 noites (noite de 30 para 31 de Março: 2 assaltos; noite de 3 para 4 de Abril: 3 assaltos; 6 para 7 de Abril: 2 assaltos), sendo certo que todos ocorreram no concelho de Mirandela, e, portanto, já longe de Bragança, onde, porém, todos os arguidos moravam, de maneira que, tendo em conta que o arguido T. só se referiu a um veículo, da comparticipação de um arguido num assalto é razoável inferir, porque de acordo com as regras da experiência comum, que também comparticipou no outro da mesma noite.
Para além destes elementos, que respeitam a todos os factos, meios de prova há que incidem sobre determinados assaltos.
Assim:
Quanto aos factos do 20/15.0GDMDL, ponderaram-se outrossim os seguintes meios de prova: o auto de notícia de fls. 3, quanto ao dia e hora do assalto, ao que foi furtado, corroborado pelo depoimento de F. V., Presidente da Associação; o relatório de inspecção judiciária, quanto ao modus operandi (designadamente referência ao recurso a uma chave de fendas); o depoimento de M. M. (a tal excepção à inexistência de prova testemunhal directa), que, por volta das 3 h da manhã se levantou (explicou porquê) e olhou pela janela e viu um jipe Opel Frontera verde (e já se disse que o jipe da arguida E. C. é verde), com uma mulher a andar, junto dele, parecendo-lhe nervosa, e que a testemunha, se é certo que não conseguiu cabalmente reconhecê-Ia em sede de inquérito através de prova por reconhecimento (fls. 140: «parece-lhe»; embora o OPC L. P. tenha explicado que tal se teria ficado a dever, essencialmente, ao facto da testemunha não ter querido «dar a cara»), não deixou de a identificar suficientemente em sede de depoimento (sobre a distinção entre a prova por reconhecimento e a identificação em audiência, cfr., v.g., ac. RC de 10/9/14, Sra. Desembargadora Alcina Ribeiro, dgsi: “acto de reconhecimento não se confunde com o acto de declarações orais prestadas no âmbito do processo-crime. O primeiro, apura-se a identificação do arguido, da pessoa que foi vista a praticar o ilícito, enquanto que no segundo, perante uma pessoa já identificada, a testemunha e/ou declarante aponta-a, identifica-a, como autora dos factos em discussão. Assim, a prova por reconhecimento propriamente dita é autónoma, sujeita ao formalismo especial do art. 147º e seguintes, do CPP, enquanto que a identificação realizada por uma testemunha e/ou declarante, no decurso da suas declarações, no decorrer da audiência de julgamento, integra depoimento oral, que obedece à regra geral da livre convicção e apreciação da prova”) pois deixou escapar que a mulher que viu («parece-lhe muito» ser a E. C., não tendo passado despercebido ao Colectivo (e por isso ficou gravado) que o depoente, assim que entrou na sala de audiência, olhou imediatamente para a arguida E. C..
O depoente referiu, ainda, e com enorme interesse, ter visto «três homens» a sair da associação e a correrem para o jipe, onde entraram todos, E. C. incluída.
Quanto aos factos do 21/15.9GDMDL, temos o auto de notícia de fl.s 3 do apenso respectivo (data e faixa horária do assalto, o que foi subtraído com referência ao dinheiro da mesa de «matraquilhos»), o que foi confirmado pelo A. P. (Pres. Ass. Amigos de Guide), o relatório de inspecção judiciária (arrombamento com uma chave de fendas).
Quanto aos factos do 78/15.2GBMDL, temos o auto de notícia de fls. 3/4 (data e hora do arrombamento, o que foi subtraído, arrombamento do armário metálico e do cofre que estava dentro - sendo particularmente de notar a total correspondência com a representação feita pelo arguido T. em sede de reconstituição), confirmado por J. M. (Presidente JF ..).
Quanto aos factos do 76/15.6GBMDL, para além do auto de notícia de fls. 3 /4 (apenso respectivo; data e hora do assalto, o que foi retirado, avultando a subtracção do cofre) devidamente corroborado por C. A., Presidente JF de V., incluindo a subtracção do cofre e por José secretário da mesma JF, temos, com enorme importância, que o mesmo cofre veio a ser apreendido na carrinha de uma tal C. C., sobrinha da arguida E. C., como explicaram os 2 OPC já referenciados e, foi, de resto, confirmado pela própria C. C., que explicou o circunstancialismo em que tal ocorreu (a tia, E. C., entregou-lhe o saco, dizendo-lhe que ia mudar de casa; que o cofre foi o subtraído na JF de V. resulta outrossim do termo de entrega de fls. 85, pois que foi aí objecto de reconhecimento).
Quanto aos factos do 77/15.4GBMDL, ponderaram-se o auto de notícia (data e faixa horária do cometimento dos factos, o que foi subtraído com ênfase para o PC e a máquina de bolas e quantias em dinheiro), confirmados por A. C. (Pres. Ass. V.; referiu outrossim o valor do PC; quanto às quantias em dinheiro, dado que a testemunha se mostrou hesitante, sem certezas, e dado que a queixa foi feita no próprio dia dos factos, o tribunal, evidentemente, deu primazia à relação de bens e valores constantes do auto de notícia por mencionados logo a seguir aos factos e portanto com maior «frescura»), e com enorme relevância, o facto do PC subtraído ter sido apreendido ao arguido H. A., conforme referiu o OPC P., que foi quem realizou a diligência e quem procedeu à entrega do PC ao Pres. da Ass. de V. (que o reconheceu). Ademais e como já tivemos ocasião de sublinhar, o próprio T. indicou o sítio onde tinham abandonado a máquinas de brindes, a qual veio a ser reconhecida e entregue ao mesmo A. C. (fls. 79).
Quanto aos factos do 24/15.3GDMDL) temos o auto de notícia de fls. 3/4 (data e faixa horária durante a qual ocorreu o assalto à JF F., o que foi subtraído) e 4 e ss.,do apenso respectivo (modus operandi), confirmado por J. S. (Pres. JF F., que confirmou o auto, tendo apenas uma hesitação, quanto ao montante que estava dentro da gaveta, entre 130 € a 150 € explicou - por isso se reteve a mais baixa).
De realçar que o assalto em Fradizela ocorreu (como resulta da reconstituição, de resto) imediatamente antes, mas na mesma noite, do que o assalto à JF de S. - sucede que, lendo-se a acusação, vê-se que o V. P. teria comparticipado, apenas, no assalto a esta última mas não já àquela, o que contrariaria o supra por nós referido - mas sem razão, porque, lendo a reconstituição vê-se que o T. colocou o V. P. em Fradizela, pelo que a sua não inclusão deveu-se a mero lapso do MP no Iibelo acusatório.
Quanto aos factos do 23/15.3GDMDL, ponderou-se o auto de notícia de fls. 3 e 4 (data e faixa horária em que ocorreu o assalto, o que foi subtraído), no relatório de inspecção judiciária de fls. 6 e ss (modus operandi), do apenso respectivo, nos vestígios encontrados, salientando-se, como resulta de fls. 50 e ss., uma pegada, deixada nos mosaicos do chão - tendo C. P., Pres. JF de S., para além de confirmar o auto de notícia, explicado que as instalações não são Iimpas diariamente, e por isso acumula-se o pó e daí ter ficado a pegada - a qual foi produzida (di-lo o relatório pericial, de fls. 166 e ss.) por um modelo de sapatilhas da Adidas, visível e descrito no referido relatório (especialmente a fls. 169) e vê-se que se trata de uma sapatilha (ténis) muito característica (em tecido) porque tem uma sola de cor branca sendo que na foto 4 de fls. 169 tem listas cor de rosa; pois bem, um par de sapatilhas foi apreendida ao arguido T. (fls. 19 apenso do respectivo), da marca Adidas, com “sola branca” e Iistas cor de rosa, com um tamanho 40 (e F. S., OPC, referiu que a pegada andaria por volta do nº 40), o que se, de per si, não seria concludente, ganha outra relevância enquanto «coincidência» a somar aos restantes elementos probatórios.
Uma nota: pese embora os vestígios encontrados, apenas num caso (relatório pericial de fls. 189 - mas respeitante ao Pc 17/15.0GAMDL e não aos presentes), foi possível identificar uma impressão atribuível a um arguido, o T., o que, diga-se, nem deve surpreender, visto o uso de luvas, claramente demonstrado porque apreendidas, juntamente com as ferramentas e isto, note-se, no dia da detenção em flagrante delito.
Posto isto.
Olhando para a globalidade da prova referida e esmiuçada, só pode concluir-se que a reconstituição se adapta aos conhecimentos trazidos pelas restantes provas, directas ou indirectas, já referidas (apreensões...) tornando, pois, altamente verosímil a referida reconstituição, e aquelas, por seu turno, adquirem uma outra (inte)legibilidade com a reconstituição.
Uma nota deve fazer-se quanto ao arguido V. P., porque inexiste prova directa, para além da prova por reconstituição, quanto ao seu envolvimento. Porém, concatenada a prova produzida, na sua globalidade, a imagem que fica é a da sua comparticipação, essencialmente pelo seguinte:
- Primeiro, o arguido convivia com os restantes e de forma muito chegada com o H. A., que pernoitou em casa dele;
- Segundo, o arguido T., na reconstituição, indica, em alguns dos factos, a presença do V. P. e respectiva actuação, devendo notar-se que o faz em termos credíveis, como se viu, porque se ajusta á restante prova;
- Terceiro, o arguido T., se é certo que coloca o arguido V. P. no local dos assaltos, não o faz em relação a todos os assaltos, pois alguns há em que não representou a presença do V. P., o que permite retirar uma conclusão de extrema importância: o T. não quis, a todo o custo, incriminar o arguido V. P. e tanto assim é que o «deixou de fora» de alguns dos assaltos.
Neste conspecto, e vista a demais prova que, como se viu, confere alto grau de credibilidade à versão do arguido, em termos tais que conduzem á certeza prática, não se vislumbra, se tal não fosse verdade, que motivo poderia ter o arguido T. em colocar o arguido V. P. nuns assaltos mas já não nos outros.
Dir-se-á que é sempre possível que haja um motivo, sério mas desconhecido, que poderia inquinar a versão do arguido.
Mas, essa era, precisamente, a parte que competia ao arguido - é dizer, e na expressão do Professor Costa Andrade (Sobre as proibições de prova em processo penal, pág. 129) o arguido que se remete ao silêncio “renuncia (faculdade que lhe é reconhecida) a oferecer o seu ponto de vista sobre a matéria em discussão, nessa medida vinculando o Tribunal à valoração exclusiva dos demais meios de prova disponíveis no processo”, pois o silêncio, ainda que parcial, não pode impedir o tribunal de avaliar toda a prova produzida em julgamento e decidir de acordo com ela.
É por isso que se considera que não pode o recorrente, que podia dar explicações ou prestar declarações e não o fez, vir em sede de recurso impugnar a convicção do tribunal baseado em explicações que não quis oportunamente prestar e sobre as quais não foi produzida prova em audiência, ou como escreve o Sr. Conselheiro Henrique Gaspar et alli (Cód. Proc. Penal Comentado 2014, pág. 214) “Do que o arguido disser ou não disser (...), ou sobretudo do que não disser, não pode impedir que se retirem as inferências que as regras da experiência permitam ou imponham, principalmente quando princípios de evidência justificarem ou exigirem mesmo a probabilidade de uma explicação”.
Quanto às condições sociais, pessoais, económicas, profissionais, antecedentes criminais, o tribunal baseou-se nos relatórios sociais e CRC’s.
A matéria de facto não provada adveio, para além do que já se referiu, da insuficiência da prova produzida (b), d)) ou da prova do contrário (e) e, ainda da impossibilidade prática da sua afirmação (a): pois ocorrendo os factos em 3 noites, muito próximas entre si, é impossível extrair-se daí um «modo de vida»; c): é impossível, face à quantia que ainda se encontrava no cofre e ao total subtraído).
* * *

Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
Assim, o recorrente alega:
- nulidade da prova;
- errada qualificação jurídica;
- desadequação da medida da pena.
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Da nulidade da prova
Alega o recorrente que o Tribunal recorrido fundou a sua convicção em prova que deve ser considerada nula e de nenhum efeito em face do disposto nos arts. 119º, alínea b), e 120º, nº 2, alínea d) do Cód. Proc. Penal, pois que a "diligência externa" levado a cabo no Proc. 17/15.0GAMDL, da iniciativa do OPC, não foi precedida de despacho do Ministério Público a ordenar a reconstituição dos factos – com violação do estipulado nos nºs 1 e 2 do art. 150º do Cód. Proc. Penal – devendo ser considerados inválidos os actos praticados pelo OPC nos termos do art. 122º nº 1 do Código que se tem vindo a citar.
Refere-se o recorrente ao segmento da motivação da decisão de facto onde o Tribunal recorrido escreve:
No caso concreto, temos um meio de prova que é transversal a todos os crimes imputados na acusação, pelo que, logicamente, há que começar por ele.
Referimo-nos ao auto de “diligência externa” levado a cabo no Pcc 17/15.OGAMDL mas cuja certidão está nos autos, p. ex., está a fls. 27 e ss. do apenso 24/15.3GDMDL.
Daquele auto resulta com clareza que, não obstante a referência a “diligência externa”, o que o OPC quis foi saber a indicação dos “locais” dos furtos, que o arguido mostrasse como os praticou e com quem, o que, materialmente, consiste numa prova por reconstituição – justamente, repetir o «como» da actuação e as «condições» em que ocorreu, o que corresponde à definição dada pelo art. 150º/1 CPP – e isto, independentemente do “nomen juris” escolhido pelo OPC; que foi esta prova que os OPC quiseram realizar resulta, de resto, claramente do depoimento de F. S., Sargento da GNR, e de fls. 380 (“...no sentido de se proceder à reconstituição...”)
O T. já tinha sido constituído arguido, nos referidos autos 17/15.0GAMDL, como resulta da certidão junta em audiência (sobretudo a fls. 428), e prescindiu de Defensor, o que podia fazer, pois que, à data, já tinha 21 anos feitos, e não se trata de um acto processual que obrigasse à sua constituição/nomeação, até porque e designadamente não se trata de prova por declarações. Sem que com isso se possa argumentar com uma suposta sujeição a uma maior pressão para participar na diligência, bastando ver que o co-arguido H. A., nas mesmíssimas condições do T., recusou colaborar, em total liberdade (cfr. fls. 380).
É necessário ter presente que a prova por reconstituição “autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações que tenha co-determinado os termos e o resultado da reconstituição, e as declarações «rectius» as informações prévias ou contemporâneas, possibilitando ou contribuindo para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como meio de prova processualmente adquirido” – na expressão do STJ, Ac. de 5/1/05, P.04P3276 www.dgsi.pt.
Daí que a reconstituição, prevista como meio de prova autonomizado por referência aos demais meios de prova típicos, uma vez realizada e documentada em auto vale como meio de prova, processualmente admissível, sobre os factos a que se refere, ou seja, como meio válido de demonstração da existência de certos factos, a valorar, como os demais meios, segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente – art. 127º CPP.
E, no caso, temos que no referido auto, e excluindo por ora as referências «declaratórias», ainda assim podemos encontrar um lastro suficiente de encenação ou representação da realidade suposta – veja-se que é o arguido / quem, de cada vez, Ieva os OPC aos locais assaltados e quem indica o lugar onde se encontrava a máquina de brindes subtraída da Associação R. Cultural de V. (como se verá), o que mostra bem tratar-se de um meio de prova que combina várias contribuições de diversa natureza, não podendo reconduzir-se a uma dessas contribuições, antes consubstanciando um meio de prova “a se”, válido e submetido à livre convicção do tribunal.
Efectivamente, deu o Tribunal recorrido especial relevo ao que chamou: «auto de “diligência externa” levado a cabo no Pcc 17/15.OGAMDL mas cuja certidão está nos autos, p. ex., está a fls. 27 e ss. do apenso 24/15.3GDMDL.
Daquele auto resulta com clareza que, não obstante a referência a “diligência externa”, o que o OPC quis foi saber a indicação dos “locais” dos furtos, que o arguido mostrasse como os praticou e com quem, o que, materialmente, consiste numa prova por reconstituição».
É esta “diligência externa” que o recorrente alega ser prova nula e de nenhum efeito em face do disposto nos arts. 119º, alínea b), 120º, nº 2, alínea d) e 122º, nº 1, todos do Cód. Proc. Penal, por ter sido da iniciativa do OPC, sem que tenha sido precedida de despacho do Ministério Público a ordenar a reconstituição dos factos
Nos termos da alínea b) do art. 119º do Cód. Proc. Penal, constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento “a falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência”.
E nos termos da alínea d) do nº 2 do art.120º do Cód. Proc. Penal, constitui nulidade dependente de arguição, “a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”.
O art. 122º do Cód. Proc. Penal estabelece os efeitos da declaração de nulidade:
1 - As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.
2 - A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respectivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade.
3 - Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela”.
Ora embora o nº 2 do art. 150º do Cód. Proc. Penal aluda a um despacho para ordenar a reconstituição do facto, a circunstância de tal despacho não ter acontecido não acarreta qualquer nulidade, como resulta claramente da leitura dos preceitos invocados pelo recorrente.
Com efeito, e desde logo, como refere o Digno Procurador junto da 1ª instância, da previsão dos arts. 150º e 270º, nº 2 do Cód. Proc. Penal não resulta que a produção de tal prova esteja sujeita à reserva de despacho prévio do Ministério Público e, muito menos, que este tenha que presidir à diligência. Por outro lado, o inquérito foi realizado pelo OPC com base em delegação genérica de competência, conforme previsto nos arts. 263º, nº 1 e 270º, nº 1 do Cód. Proc. Penal e 4º e 6º da Lei 49/2008, de 27/08).
Estaríamos perante uma mera irregularidade, já sanada (art. 123º do Cód. Proc. Penal).
Todavia, mesmo não se verificando qualquer nulidade na realização da “diligência externa” (assim qualificada pelo OPC) se considerada como “reconstituição do facto” (tal como qualificada pelo Tribunal recorrido), não podemos deixar de nos debruçar sobre o referido documento.
Também nós defendemos, tal como o Tribunal recorrido, que não é o nome que é dado à diligência que releva para a respectiva qualificação, pelo que nada obstaria a que uma chamada “diligência externa” fosse, ipso factum, uma “reconstituição do facto” na previsão do art. 150º do Cód. Proc. Penal.
O que acontece, no caso, é que lido aquele relatório, não podemos concluir que se trata de um “auto de reconstituição”.
Disse o Tribunal recorrido que “o OPC quis foi saber a indicação dos “locais” dos furtos, que o arguido mostrasse como os praticou e com quem, o que, materialmente, consiste numa prova por reconstituição”, mas o que aconteceu foi que o arguido T., detido com o recorrente no âmbito de um outro inquérito que não nenhum dos autos, confessou vários outros furtos e se dispôs a indicar onde, como e com quem, deslocando-se com o OPC aos vários locais onde os furtos foram praticados e, num caso, onde tinha(m) abandonado uma máquina furtada.
Ora a reconstituição do facto está especialmente prevista no art. 150º do Cód. Proc. Penal como um dos meios de prova típicos (e diverso dos demais, nomeadamente diverso das declarações do arguido), definindo aquele normativo os respectivos pressupostos e procedimento.
Nos termos do nº 1 deste art. 150º, “quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo”.
Como se pode ler no Acórdão do STJ de 25.3.2004 (proferido no Proc. 248/04 da 5ª Secção Criminal), “são diligências diferentes, ainda que possam ser complementares, as declarações prestadas e a reconstituição dos factos. Na primeira, é o discurso do declarante, de teor eminentemente verbal, que está em foco e é valorado; na segunda é o modus faciendi que está em causa e nele a pessoa que procede à reconstituição mostra como fez, refazendo no próprio local todos os passos da sua acção e se a reconstituição é reduzida a auto, esse auto não é um auto de declarações, não obedece à lógica dele nem a ele se reconduz. A reconstituição é uma revivescência do facto e da sua realização e se, de uma forma geral, não prescinde de palavras, estas não constituem o ponto crucial da reconstituição, visto que a linguagem gestual e corporal assume aqui uma primacial relevância”.
No reforço da ideia de que as declarações prestadas pelo arguido e a reconstituição do facto são diligências diferentes, veio o Acórdão da Relação de Coimbra de 25.09.2103 (Proc. 681/10.7GBTMR.C1, pesquisado in www.dgsi.pt) precisar que “não refutando in limine a posição de que a reconstituição do facto quando feita com a colaboração do arguido não deve ser confundida com as declarações por este, então, prestadas, gozando, por isso, de autonomia, como específico meio de prova que, efectivamente é, afigura-se-nos, contudo, indispensável que em substância, possamos assentar, sem sofisma, estarmos perante prova por reconstituição, tal como legalmente definida, característica que lhe há-de advir, não por via da semântica a que aqui e ali se recorre, mas pelo conteúdo da diligência.
Com efeito, não é o nomen juris que releva, mas antes a substância da coisa, não podendo, pois, a «reconstituição» ser confundida com meras declarações, ainda que a espaços, ilustradas, como, com o devido respeito, transparece do auto [com o teor acima reproduzido], que materializa a diligência em questão, ser o caso”.
E continua o citado Acórdão, com inteira aplicação nos nossos autos: “Na verdade, analisando o auto, tendo presente que na reconstituição se reproduzem as condições e, em simultâneo, se repetem os factos, visando a comprovação da possibilidade empírica de determinadas circunstâncias processualmente relevantes, forçoso se torna concluir pelo vazio do mesmo no que concerne à substância do específico meio de prova, ou seja a versão cénica que se pretendia ver reproduzida foi, pode-se dizer na íntegra, substituída pelas afirmações/ reporte dos factos por parte do arguido A..., ou, dito de outro modo, a realidade dinâmica suposta por tal meio de representação dos factos resulta inexistente.
Quer se adopte a posição mais restritiva, defendida, entre nós, por Germano Marques da Silva, que se traduz em negar à reconstituição do facto o poder probatório para atestar da existência ou inexistência de um determinado facto histórico, reservando a reconstituição para o campo da mera verificação do modo e condições em que hipoteticamente terá ocorrido o facto probando [cf. o acórdão do TRC de 16.11.2005, no sentido de não ter a reconstituição «por finalidade apurar a existência do facto em si, mas se podia ter ocorrido de determinada forma» ou «que serve para confirmar ou infirmar a veracidade ou possibilidade intrínseca de outros meios de prova … que não para provar o facto em si»], quer a posição alargada – a que melhor acolhimento tem merecido no seio da jurisprudência, designadamente do STJ [cf. acórdãos de 05.01.2005 e de 20.04.2006, sustentando que a reconstituição é um «meio válido de demonstração da existência de certos factos»] - o certo é que não pode a mesma servir finalidades de obtenção, conservação da prova, designadamente por confissão, circunstância a que a consideração/valoração do auto em questão, no caso conduziria, em violação do disposto nos artigos 355º e ss. do CPP, pois que de verdadeiras «declarações», e tão só «declarações» [detectando-se a preocupação na substituição da correspondente forma verbal do verbo «dizer» pela do verbo «indicar»], se trata.
Donde, independentemente, das questões formais, não desprezíveis, contudo – vg. que se traduzem em saber se requisito formal da «reconstituição do facto» é a sua determinação pelo juiz ou pelo Ministério Público ou se, mesmo não determinada por tais entidades, pode ainda assim ser efectuada pelos OPC no âmbito de uma investigação reservada ou com delegação de competência, regendo, apenas, o n.º 2 do artigo 150.º do CPP para os casos em que seja proferido despacho ordenando a reconstituição [cf. vg. acórdão do TRL de 08.02.2007; vd. ainda o acórdão do TRP 12.12.2007] – o facto é que razões, quanto a nós, mais definitivas, de ordem material, que se prendem com a substância do meio de prova em referência, nos conduzem a sufragar a posição perfilhada pelo Colectivo de juízes quanto à desconsideração/não valoração da prova em questão”.
Ou seja, a reconstituição do facto, como meio de prova autónomo, não pode ser confundido com as declarações prestadas nos autos pelo arguido, essas sim, expressamente previstas na lei processual penal como ‘não permitidas’ se não se contiverem dentro do âmbito previsto no art. 357º do Cód. Proc. Penal.
E, no caso, não houve nem reprodução das condições do facto, nem repetição do modo de realização. Apenas declarações do arguido T. enquanto se deslocava aos vários locais (onde confessava ter praticado furtos) acompanhado pelo OPC.
Por isso forçoso é concluir que, ao dar relevância a tal meio de prova, como se de um auto de reconstituição se tratasse, o Tribunal recorrido (não obstante a cuidada e extensa análise que consta da motivação, e que se reconhece) valorou, como válido, um meio de prova que não podia utilizar, o que redundou em necessário erro de julgamento, porquanto resulta evidente da leitura da motivação que se para os factos denunciados nos autos (NUIPC 20/15.0GDMDL) e nos Processos com NUIPC 76/15.6GBMDL, 77/15.4GBMDL e 23/15.3GDMDL, o Tribunal recorrido se socorreu de outros indícios para alicerçar a sua convicção relativamente à pratica dos factos por algum(ns) dos arguidos, nos restantes NUIPCs (21/15.9GDMDL, 78/15.2GBMDL e 24/15.3GDMDL, nada de concludente terá sido trazido para a audiência com vista a apurar o(s) autor(es) dos factos denunciados.
Não menos despiciendo será apurar se os indícios existentes nos autos (NUIPC 20/15.0GDMDL) e nos Processos com NUIPC 76/15.6GBMDL, 77/15.4GBMDL e 23/15.3GDMDL seriam suficientes para imputar a algum(ns) dos arguidos a autoria dos factos, o que não resulta evidente da motivação.
De qualquer forma, ao valorar como válido um meio de prova que não podia utilizar, o Tribunal recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova, acabando por dar como provados, com base em tal meio de prova, factos que não poderia dar.
Pelo que existe o vício a que alude a alínea c) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
Verificado o vício, torna-se necessário o reenvio do processo à primeira instância para novo julgamento, nos termos do art. 426º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, relativamente à totalidade do objecto do processo, apreciando-se a prova produzida sem validar o “relatório de diligência externa” sobre que incidiu esta análise como se de um “auto de reconstituição do facto” se tratasse e sendo, depois, proferida nova decisão.
Ficam assim prejudicadas as restantes questões suscitadas neste recurso.
***

Decisão

Pelo exposto, acordam em decidir que o acórdão recorrido enferma do vício de erro notório na apreciação da prova, determinando-se o reenvio do processo à primeira instância para novo julgamento, nos termos do art. 426º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, relativamente à totalidade do objecto do processo nos termos sobreditos.
Sem custas.
Guimarães, 23.10.2017
(processado e revisto pela relatora)

(Alda Tomé Casimiro)
(Fernando Pina)