Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2522/10.06TBBCL-C.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: EXECUÇÃO
CASO JULGADO FORMAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A sentença constitui caso julgado nos limites e termos em que julga, conforme dispõe o art.º 621º do C. P. Civil. Se o tribunal recorrido entendeu que era necessário requerimento executivo, na execução instaurada ao abrigo do artº 777º, nº 3 do CPC, e por falta dele, julgou extinta a execução, tendo a decisão transitado em julgado, a questão da necessidade de requerimento executivo ficou definitivamente decidida no processo. Mas a isso se reduz o alcance do caso julgado, à necessidade de apresentação de requerimento executivo quando o exequente pretender socorrer-se do disposto no artº 777º, nº 3 do CPC.

II. A decisão que declarou a inexistência da execução, não se pronunciou sobre o mérito da mesma, pelo que não estava a exequente impedida de, posteriormente, agora mediante requerimento executivo, instaurar nova execução.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

Banco X, S.A., exequente na execução que instaurou contra J. C. e E. C., veio instaurar execução ao abrigo do artº 777º, nº 3 do CPC, contra a sociedade Y. Lda., na qualidade de entidade patronal da executada E. C..

Sobre esse requerimento foi proferido o seguinte despacho, em 19/10/2017 (despacho recorrido):

“A exequente veio requerer o prosseguimento da presente execução contra a sociedade Y., L.da, devedora (entidade patronal) da executada E. C..

Sobre tal matéria, dispõe o artigo 777º, nº3, do Código de Processo Civil, que não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente exigir, nos próprios autos de execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.
Quer isto dizer que é necessária nova execução, agora contra o devedor do executado, que corre nos próprios autos.
Trata-se, por isso, de uma cumulação de execuções.

Contudo, do compulso dos autos verifica-se que, já em 17-09-2013, a exequente veio requerer a penhora de bens pertencentes à sociedade Y. L.da, uma vez que tendo nomeado à penhora a parte penhorável do vencimento mensal da executada E., enquanto funcionária da referida entidade patronal, aquela, alegadamente, não terá respondido à notificação que, para tanto, lhe foi dirigida pelo AE, nos termos do artº773º, nº1 do C.P.C..

Penhorados bens à referida entidade patronal da executada E., veio àquela deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado, que correu termos sob o apenso B, onde foi proferida decisão, há muito transitada em julgado, que julgou procedentes os embargos e, em consequência, declarou extinta a execução a que os mesmos respeitam, relativamente à ali embargante “Y., Lda”.
Custas pela exequente/embargada.

Assim, atenta a extinção da execução anteriormente ordenada, por decisão transitada em julgado, não pode o exequente vir agora apresentar um novo pedido, ainda que seja na forma que anteriormente não utilizou.

Pelo exposto, indefere-se liminarmente o requerido prosseguimento da presente execução contra “Y., Lda..
Custas do incidente pela exequente.
Notifique e dê conhecimento do presente despacho ao Sr. Agente de Execução.”

O exequente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. O Recorrente vem apresentar recurso do despacho que indeferiu liminarmente a cumulação de execução contra a sociedade Y., Lda., pois não se tendo decidido correctamente, o Recorrente não pode conformar-se com tal decisão.
2. Nestes autos, em 23/09/2010, a sociedade Y., Lda. foi notificada ao abrigo do artigo 816.º do antigo CPC, para, na qualidade de entidade patronal da Executada E. C., proceder à penhora do seu vencimento e quaisquer outras prestações a que aquela tivesse direito.
3. A referida sociedade nada disse sobre a existência da obrigação, nem cumpriu as obrigações de depósito do referido vencimento penhorado, muito embora para tal tivesse sido repetidamente interpelada, pelo que, o senhor Agente de Execução requereu a reversão da execução quanto a esta sociedade, ao abrigo do disposto nos artigos 773.º, n.º 4 e 777.º, n.º 3 do actual CPC.
4. Contudo, o tribunal, por sentença de 22/07/2015 entendeu que, sem prejuízo do disposto naqueles artigos, o Exequente não estava dispensado das formalidades do artigo 724º do CPC, tendo por isso determinado a extinção da execução quanto àquela sociedade.
5. Na sequência desta decisão, em 29/09/2016, o Exequente deu entrada de requerimento executivo de cumulação de execução contra a sociedade Y., cumprindo assim a formalidade exigida pelo tribunal.
6. Sucede que, no douto despacho ora recorrido, o tribunal a quo indeferiu liminarmente o requerimento executivo de cumulação contra a sociedade Y., por entender que “atenta a extinção da execução anteriormente ordenada, por decisão transitada em julgado, não pode o exequente vir agora apresentar um novo pedido, ainda que seja na forma que anteriormente não utilizou.” - mas estamos em total discordância com esta decisão.
7. Na sentença de 22/07/2015 pode ler-se que:
“Sucede, no entanto, que, mesmos nestes casos, não está o exequende dispensado de apresentar requerimento executivo, com as formalidades previstas no artigo 714.º do C.P.C.
Ora, prescrutado o processo principal, nele não se vislumbra que a exequente, aqui embargada, tenha cumprido tal imposição legal. Estamos, pois, no âmbito de uma acção executiva, sem requerimento executivo, o que, a nosso ver, representa a inexistência da própria execução.
Daí que, salvo melhor opinião contrária, e sem necessidade de mais considerações, devem, desde já, pelas apontadas razões, proceder os presentes embargos de execução e, consequentemente, ser julgada extinta a execução (inexistente juridicamente) a que os mesmos respeitam, com todas as legais consequências.”
8. Nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 2 “As excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa, e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.” e por força do disposto no artigo 278.º, n.º 1 al. e) do CPC “O juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância: (…) e) Quando julgue procedente alguma outra excepção dilatória.”
9. No caso da sentença de 22/07/2015, tendo o tribunal considerado que existia falta de requerimento executivo, isso obstou a que conhecesse do mérito da causa, ou seja, existiu uma excepção dilatória que determinou a procedência dos embargos, e deu causa à extinção da execução.
10. Em caso de absolvição da instância, o artigo 279.º, n.º 1 do CPC prevê que: “A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção com o mesmo objecto.”, esclarecendo o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2004, fls. 395 e 396): “A instância extingue-se; mas esta extinção não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto. Quer dizer, se o autor propuser outra acção idêntica, o réu não pode invocar a excepção de caso julgado; e não pode invocá-la porque, na acão anterior, o tribunal não chegou a pronunciar-se sobre o mérito da causa, pois que se absteve de conhecer do pedido”
11. Tendo a instância executiva sido extinta pela referida sentença de 22/07/2015, que não conheceu do mérito da causa, por entender estar em falta uma formalidade essencial, nada impedia que fosse intentada nova acção com o mesmo objecto - o que aconteceu com o requerimento executivo de cumulação, apresentado em 29/09/2016.
12. Nos termos do disposto no artigo 620.º, n.º 1 do CPC: “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual, têm força obrigatória dentro do processo.” - esta norma refere-se às situações da caso julgado formal, como é precisamente o caso da sentença de 22/07/2015, uma vez que a mesma apenas se pronunciou sobre a relação processual – ou seja, a exigência de apresentação que requerimento executivo autónomo, de cumulação de execuções quanto à entidade patronal incumpridora.
13. O alcance do caso julgado é aquele previsto no artigo 621.º do CPC: “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.”
14. A este propósito Abílio Neto (Novo Código de Processo Civil Anotado, 4.ª Edição, Ediforum, 2017, fl. 933) escreve o seguinte:

Os limites do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença. (…) Ela tem autoridade – faz lei – para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo. Não pode portanto impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesma não definiu.”
15. No caso em apreço, tendo em conta que a sentença de 22/07/2015 não se pronunciou quanto ao mérito da causa, mas apenas quanto a uma questão formal, nada obstava a que a Exequente viesse apresentar requerimento executivo contra a sociedade Y., Lda., como fez em 29/09/2016, assim praticando o facto exigido pela decisão judicial anterior - veja-se também a este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14/10/2004 (Proc. 267/04-2.dgsi.Net) acima citado.
16. Fica demonstrado que, tendo a sentença proferida em 22/07/2015 apreciado apenas uma questão formal, de falta de cumprimento de uma formalidade processual, estava em causa uma excepção dilatória, que tendo determinado a extinção da instância quanto à sociedade Y., Lda., não obstava a que se propusesse nova acção.
17. A referida sentença de 22/07/2015 constituía um caso julgado meramente formal, cujo alcance não obsta a que o pedido se renove quanto a formalidade em falta seja praticada - o que veio a ser, cumprindo todas as normas legais aplicáveis, através do Requerimento Executivo de cumulação apresentado em 29/09/2016.
18. Resulta claro que mal esteve o tribunal a quo ao indeferir liminarmente a cumulação de execuções requerida pelo ora Recorrente, em pleno cumprimento das formalidades exigidas pela sentença de 22/07/2015.
19. Face a tudo quanto se expôs, o Recorrente não se conforma e requer que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, com todas as legais consequências.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao recurso interposto, alterando-se a decisão recorrida.
A parte contrária não contra-alegou.

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:
.se deve ser admitida a execução instaurada pela exequente contra a entidade patronal da executada, ao abrigo do artº 777º, nº 3 do CPC ou, se o caso julgado que se formou sobre a decisão de 3.07.2015, que julgou procedentes os embargos deduzidos pela executada Y., Lda., por falta de requerimento executivo, obsta à propositura de nova execução.

III – Fundamentação

Mostra-se provada nos autos, com base nos documentos juntos ao presente recurso em separado, a seguinte factualidade:

.Em 3 de Julho de 2015 foi proferida decisão julgando procedentes os embargos deduzidos pela sociedade Y., Lda. e declarada extinta a execução.

.Como fundamento da decisão foi feito constar o seguinte:

“Ora, prescrutado o processo principal, nele não se vislumbra que a exequente, aqui embargada, tenha cumprido tal imposição legal.
Estamos, pois, no âmbito de uma ação executiva, sem requerimento executivo, o que, a nosso ver, representa a inexistência da própria execução.
Daí que, salvo melhor opinião contrária, e sem necessidade de mais considerações, deve, consequentemente, ser julgada extinta a execução (inexistente juridicamente) a que os mesmos respeitam, com todas as legais consequências.”.
. A entidade patronal da executada, a Sociedade Y., Lda. foi notificada por carta registada com aviso de receção, recebida em 23.09.2010, nos termos do artº 856º, nº 1 do CPC ao tempo em vigor (CPC de 1961, actual artº 773º, nº 1 do CPC aprovado pela Lei 41/2013) da penhora do vencimento da executada E. C., no que excedesse um salário mínimo nacional e que o crédito que constitui o vencimento da executada ficava à ordem do agente de execução, devendo ser depositado na conta identificada e de que lhe cumpria declarar se o crédito existia e qual a data do vencimento do salário, juntando o último recibo do trabalhador.

.Na notificação constava a expressa advertência de que na falta de declaração se entendia que reconhecia a existência da obrigação nos termos estabelecidos na nomeação do crédito à penhora, conforme preceituava o artº 856º do CPC.
.Em 6.10.2010 foi expedida nova notificação para a entidade patronal da executada juntar no prazo de 10 dias comprovativo dos depósitos efectuados, repetindo-se a advertência feita, nada tendo junto.
.Por requerimento datado de 30 de Setembro de 2010, mas recebida pelo solicitador de execução após a 2ª notificação de 6.10.2010, veio a Sociedade Y, Lda. informar o solicitador de execução que a executada auferia a quantia de 488,00 euros mensais, acrescida de subsídio de almoço e juntou cópia do recibo relativo ao mês de Agosto de 2010, nada tendo depositado.
.Por notificação por carta registada com aviso de receção recebida em 22.03.2013, a Sociedade Y., Lda, foi de novo notificada da penhora no vencimento da executada nos termos constantes de fls 24 destes autos em separado.
.Por notificação de 6.04.2014, o solicitador de execução voltou a notificar a Sociedade Y., Lda. para juntar comprovativo dos depósitos efectuados, nos termos constantes do artº 860º, nº 1 do CPC (1), com a advertência constante do nº 3 do mesmo preceito legal, a qual não obteve resposta.

No despacho recorrido entendeu-se que o caso julgado que se formou sobre o despacho transcrito, de 03.07.2015 obstava a que a exequente viesse apresentar novo pedido, ainda que seja na forma que anteriormente não utilizou, ou seja, mediante recurso a requerimento executivo.

Será assim?

À data, a executada auferia vencimento superior ao ordenado mínimo nacional, fixado em 475,00, pelo que era penhorável a quantia que excedesse aquele salário mínimo.
Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.
A Mma Juíza entendeu que inexistia execução por falta de requerimento executivo e julgou extinta a execução.
Sendo instaurada execução com requerimento executivo que não obedeça ao modelo aprovado, a secretaria recusa receber o requerimento (artº 725º, nº 1, alínea a) do actual CPC).
Se a lei estabelece o dever de recusar o requerimento executivo quando este este exista, mas não obedeça ao modelo aprovado, poder-se-á que considerar que, por maioria de razão, também será caso de recusa se a execução não for sequer acompanhada de requerimento executivo, nos casos em que ele é exigível. Do acto de recusa cabe reclamação para o juiz (artº 725º, nº 2 do CPC).
No caso, embora sem requerimento executivo, o processo seguiu (2) e só depois de ter sido deduzida oposição pela devedora/entidade patronal da executada é que foi proferido despacho a julgar extinta a execução por falta de requerimento executivo.
A lei distingue nos art.º 671º, nº 1, e 672º, do C. P. Civil, entre o caso julgado material e o caso julgado formal, conforme a sua eficácia se estenda ou não a processos diversos daqueles em que foram proferidos os despachos, as sentenças ou os acórdãos em causa.
A propósito do caso julgado material, expressa a lei que, transitados em julgado os despachos, as sentenças ou os acórdãos, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória nos limites fixados pelos art.ºs 580º e 581º do C. P. Civil – (art.º 619º, n.º 1, do C. P. Civil).

Os limites a que se reporta o mencionado artigo têm a ver com a propositura de uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, em termos da decisão da segunda implicar o risco de o tribunal contradizer ou reproduzir a decisão da primeira – art.º 580º, nº 2 e 581º, n.º 1, do C. P. Civil.
No que respeita ao alcance do caso julgado, a sentença constitui caso julgado nos limites e termos em que julga, conforme dispõe o art.º 621º do C. P. Civil. Se o tribunal recorrido entendeu que era necessário requerimento executivo na execução ao abrigo do artº 777º, nº 3 do CPC, tendo tal decisão transitado em julgado, a questão da necessidade de requerimento executivo fica definitivamente decidida no processo. Mas a isso se reduz o alcance do caso julgado, à necessidade de apresentação de requerimento executivo quando o exequente pretende socorrer-se do disposto no artº 777º, nº 3 do CPC.
A decisão que declarou a inexistência da execução, não se pronunciou sobre o mérito da mesma, pelo que não estava a exequente impedida de, posteriormente, agora mediante requerimento executivo, instaurar nova execução, o que não atenta contra o caso julgado.
Deve assim ser revogado o despacho recorrido, de 19.10.2017 e admitir-se a execução, a qual deverá seguir os ulteriores termos.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação e em consequência revogam o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que admita a execução, se nenhuma outra circunstância obstar a essa admissão.

Custas pela apelada.
Registe e notifique.
Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Helena Melo
Pedro Damião e Cunha
Maria João Matos


1. Embora já estivesse em vigor o actual CPC, foram indicados os artigos correspondentes do CPC de 1961.
2. A execução em causa não vai á distribuição, sendo actualmente processada nos próprios autos (artº 777º, nº 3 do CPC).