Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4/19.0YRGMR
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: PROCESSO DE RECLAMAÇÃO JUNTO DO TRIBUNAL ARBITRAL DE CONSUMO
DECISÃO ARBITRAL
CONSUMIDOR
CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA
LEGITIMIDADE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A legitimidade terá, em regra, de ser aferida pela titularidade dos interesses em litígio no processo, isto é, como dizem os n.ºs 1 e 2 do art. 30º do CPC, pelo interesse direto em demandar, exprimido pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da ação, ou do interesse direto em contradizer, traduzido no prejuízo que dessa procedência advenha ao réu.

II - O ónus da alegação e de prova dos factos que consubstanciam a noção de consumidor, nos termos da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, nos casos em que o consumidor pretenda exercer os seus direitos enquanto tal, é seu, por se tratar de factos que o direito material consagra como constitutivos do direito que pretende fazer valer.

III – Configurando o requerente a relação jurídica como uma relação de consumo, mas não conseguindo demonstrar que era titular de um contrato de fornecimento de energia elétrica por força do qual lhe eram fornecidos bens ou prestados serviços (art. 2º, n.º 1 da Lei n.º 24/96), nem que era “o cliente final de electricidade” (art. 3º, al. l), do Dec. Lei n.º 29/2006, de 15/02), carece aquele de legitimidade ativa para impulsionar o processo de reclamação junto do Tribunal Arbitral de Consumo, nos termos da citada Lei n.º 24/96, visto este diploma legal ter como pressuposto a proteção exclusivamente de natureza consumerística.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

H. C. apresentou reclamação no Centro de Arbitragem, em 24/10/2017, contra a "Energia, S.A.", pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 5.394.00 €, a título de indemnização por danos patrimoniais causados em equipamentos eléctricos existentes na sua habitação devido à prestação de um serviço defeituoso no fornecimento de energia pela Requerida (cfr fls. 158 a 160).
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A requerida Energia, S.A. deduziu contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação (cfr. fls. 207 a 211).
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A 23/11/2018, foi proferida decisão (sentença) pelo Exmo juiz-árbitro, que julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa deduzida pela requerida e, em consequência, a absolveu da instância (cfr. fls. 226 e 227).
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Inconformado, o requerente interpôs recurso dessa decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I- Ao ser o Reclamante notificado de uma sentença que absolve a Recorrida da instância com base em falta de legitimidade daquele tem, aquele, o interesse na apresentação de um recurso.
II- A sentença proferida pelo CIAB é recorrível porquanto, por aplicação do artigo 39.° n.º 4 da LAV este dispositivo apresenta-se como derrogado em face do disposto no artigo 15.° n.º 4 do Regulamento do CIAB.
III- A alçada do tribunal de primeira instância, nos termos da LOSJ é de €5.000,00 sendo que, ao ser atribuído ao processo um valor superior a este, o Recorrente vê o pressuposto da recorribilidade, como norma supletiva na legislação aplicável, preenchido.
IV- Ao existirem nulidades da sentença, por aplicação do artigo 19.º do Regulamento do CIAB, aplicar-se-á o disposto no Código de Processo Civil.
V- Quando no preenchimento do requerimento de acesso ao CIAB o Requerente, aqui Recorrente, opta por não aceitar ser notificado via eletrónica, não. pode ser-lhe, posteriormente, imputada qualquer responsabilidade pela não recepção de e-mails.
VI- Ao não existir convenção de notificação aplica-se o disposto na legislação, designadamente o artigo 18.0 do Regulamento do CIAB onde, na fase de conciliação/arbitragem as notificações serão realizadas por carta registada com aviso de recepção.
VII- Não tendo o Recorrente recebido qualquer notificação por via de carta registada com aviso de recepção existe uma nulidade processual que incumbia ao Tribunal a quo conhecer.
VIII- Incorre em nulidade por omissão de pronúncia o tribunal que, proferindo sentença, decide imputar ao Requerente a responsabilidade por não responder a alegadas comunicações eletrónicas que nem são, tão pouco, o meio idóneo de notificação.
IX- Ao dispor o artigo 17.0 do Regulamento do CIAB que o prazo de um processo de reclamação é de 90 dias não pode ser admissível que o mesmo demore mais de um ano, sem sequer existir uma pronúncia do tribunal quanto a esse aspeto.
X- A nulidade por omissão de pronúncia encontra-se disposta no artigo 615.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil, sendo que incorre nesta nulidade o Tribunal que obste ao conhecimento de que o prazo máximo de decisão e conclusão do processo foi ultrapassado.
XI- Viola o artigo 20.° e 60.° da Constituição da República Portuguesa a sentença que, não assegurando os direitos do consumidor, decide contra si por erros imputáveis à secretaria.
XIl- Toda a representação do Recorrente ocorre no âmbito do apoio judiciário regulado pela lei do acesso ao direito e aos tribunais, que se distingue, naturalmente, de um contrato de mandato e, mais ainda, se distancia brutalmente de uma concessão de poderes especiais para substituição à prática de qualquer ato.
XIlI- Não podia a secretaria eximir-se, em nenhum momento, de notificar pessoalmente o Recorrente.
XIV- Enquanto beneficiário do patrocínio judiciário o Recorrente tem, ele mesmo, que ser notificado pessoalmente de todo e qualquer ato desencadeado no processo, sendo que, aliando-se a tal o Regulamento do CIAB, a notificação deveria ser feita por carta registada com AR.
XV- Há violação do princípio do contraditório quando o consumidor ver ser-lhe negado o acesso pleno à justiça, não lhe sendo enviados os requerimentos, despachos e outras informações processuais pelo meio legal.
XVI- A violação dos princípios processuais implica que o tribunal a quo tenha um poder-dever de pronúncia sobre eles o que, não o fazendo, leva a uma omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.° n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil.
XVII- A omissão e atos por parte da secretaria, por erros na expedição das notificações, não podem impedir a parte de praticar os atos e de ser prejudicada, vendo a Recorrida absolvida da instância.
XVIII- O Tribunal a quo tem o poder de conhecer das irregularidades, porquanto as mesmas se situam no âmbito do seu conhecimento oficioso, devendo ser reordenada a notificação devida ao Recorrente, o que, a inexistir, configura nulidade por omissão de pronúncia.
XIX- Ao existir um excesso e ultrapassagem do prazo de apresentação de resposta por parte da Recorrida, sem respeito pelo direito ao contraditório e ao princípio da igualdade das partes, incumbe ao Tribunal a quo a não admissão dos articulados extemporâneos.
XX- Ao conhecer, sem sequer se pronunciar, de articulados (vulgo requerimentos e respostas) extemporâneos, incorre o Tribunal a quo em omissão de pronúncia, o que inquina de nulidade a sentença recorrida.
XXI- A legitimidade ativa implica que figure na esfera de quem demanda o interesse direto na tutela dos direitos.
XXII- O Recorrente que, vivendo numa moradia, vê ocorrer uma descarga elétrica que danifica os seus bens próprios tem interesse direto na demanda contra a Energia, S.A. e, ademais, tem interesse em exprimir-se pela utilidade derivada da procedência da ação.
XXIII- Ao residir com o seu pai na morada alvo de descarga elétrica e onde era, de facto, fornecido o serviço, existe na esfera jurídica do Recorrente o interesse ativo na petição da tutela dos seus direitos.
XXIV - Nos termos da LDC, designadamente no disposto no seu artigo 2.°, o Recorrente preenche o conceito de consumidor e, ainda, o conceito de utente no âmbito da Lei dos Serviços Públicos Essenciais.
XXV- Se não foi junto pela Recorrida qualquer contrato não pode o Tribunal a quo deduzir que inexiste o fornecimento de serviço de eletricidade ao Recorrente, ainda para mais tendo este impugnado os documentos e sido reconhecido como parte legítima, extrajudicialmente, pela Recorrida.
XXVI- O artigo 13.° da LDC permite que quer os consumidores diretamente lesados, quer os consumidores, abstratos, ainda que não diretamente lesados demandem a entidade prestadora de serviços.
XXVII-A Energia, S.A. tem responsabilidade pelos danos que provoque, quer pela Lei dos Serviços Públicos Essenciais, quer pela LDC quer, ainda, pelo artigo 483.° do Código Civil.
XXVIII- Ao serem danificados bens próprios de um residente da moradia que recebe o serviço este tem, naturalmente, o interesse e o direito de promover à demanda da entidade que, em abstrato, causou os danos.
XXIX- Ao expedir cartas de reconhecimento de legitimidade mas não assunção do nexo causal e, em sede de arbitragem, vir suscitar que o titular do contrato é outra pessoa - sem o provar - incorre a Recorrida em abuso de direito nos termos do artigo 334.° do Código Civil.
XXX- Nos termos do artigo 11.° da Lei dos Serviços Públicos Essenciais incumbe à Recorrida o ónus da prova.
XXXI- É inconstitucional a norma do artigo 2.° da LDC e artigo 1.0 da Lei dos Serviços Públicos quando interpretada no sentido de obstar a que um consumidor e efetivo destinatário do serviço, residente numa moradia mas não titular do contrato veja afastada da sua esfera jurídica a legitimidade ativa da demanda.
XXXII - É inconstitucional a norma do artigo 2.° da LDC e artigo 1.° da Lei dos Serviços Públicos quando interpretada no sentido de obstar a que um a consumidor quando veja bens próprios lesados não possa demandar diretamente a entidade prestadora ainda que seja o seu pai o titular do contrato.
XXXIII- A sentença recorrida violou, assim, o disposto no artigo 20.° e 60.° da Constituição da República Portuguesa, 1.0, 11.°, ambos da Lei dos Serviços Públicos, 2.°, 3.° e 13.° da Lei da Defesa do Consumidor, 334.°, 483.°, 509.°, do Código Civil, 4.° do Regulamento do CIAB, 3.°, 4.°, 30.°, 566.° 567.° 569.°, 615.°, do Código de Processo Civil.
VIlI- DO PEDIDO
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TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO Se requer muito respeitosamente a V/ Exa. que o presente recurso seja admitido e, em consequência, seja o mesmo submetido à apreciação dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães e, estes, revogando a sentença recorrida, supram as suas nulidades e:

a) Julgue nula a sentença recorrida pelas omissões de pronúncia suscitadas.
b) Anulem todos os atos praticados, ordenando a fase de mediação por inexistência de notificação devida ao Reclamante, o que se traduz pela nulidade das notificações.
c) Anule a sentença recorrida, ordenando a sua substituição por outra que, sem pôr termo à causa, não decida qualquer legitimidade do Reclamante e, ordene a prossecução dos autos para a fase de julgamento por inexistir qualquer exceção dilatória de conhecimento oficioso do Tribunal.

Fazendo, assim, Vossas Excelências a inteira e habitual
JUSTIÇA!!!».
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Contra-alegou a requerida, pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo Autor e confirmação da sentença recorrida (cfr. fls. 248 a 251).
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Remetido o recurso a esta Relação, por despacho do ora relator de 9/01/2019 foi decidido que, tendo o recurso sido remetido por email/correio eletrónico (e posteriormente por correio registado), mas não estando demonstrado que o formato ou a dimensão dos ficheiros a enviar não permitiam a sua apresentação por transmissão electrónica de dados nem tendo sido invocada qualquer situação fundamentadora de justo impedimento impeditiva da expedição ou remessa da peça processual (recurso) a juízo por transmissão eletrónica de dados através do supra indicado endereço, tal acarretava a nulidade do acto cometido (art. 195º do CPC), pelo que foi determinado o desentranhamento do(s) requerimento(s) de recurso e respectivos anexos e a sua devolução ao apresentante, com a consequente não apreciação do(s) mesmo(s) - (cfr. fls. 85 a 87).
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Notificado desse despacho, o recorrente apresentou reclamação contra o desentranhamento, pugnando pela admissão do recurso, atendendo a que se trata de uma impossibilidade da própria plataforma em verificar o respeito pleno pelo art. 144.º do CPC e, ainda, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto (cfr. fls. 89 a 93).
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A recorrida não apresentou resposta à reclamação.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Objeto do recurso

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

1.ª – Da atendibilidade da reclamação (ao despacho individual do relator de 9/01/2019);
– No caso de procedência da questão antecedente(1):

i) Da(s) nulidade(s) da sentença por omissão de pronúncia;
ii) Da inverificação da exceção dilatória de ilegitimidade do recorrente.
iii) Da interpretação inconstitucional do disposto no art. 2º da Lei de Defesa do Consumidor e no art. 1º da Lei dos Serviços Públicos.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

Os factos materiais relevantes para a decisão do presente recurso são os que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos), a que acrescem os seguintes factos:

1) O CIAB, em 8/11/207, notificou a requerida, por correio eletrónico, para, no prazo de 10 dias, se pronunciar tendo em vista a resolução do litígio (cfr. fls. 161).
2) A 23/11/2017, a requerida requereu prorrogação do prazo de resposta por 15 dias (cfr. fls. 162 e 163).
3) A 5/12/2017, a requerida, em sede da fase de mediação, requereu o arquivamento dos autos, ainda em fase de mediação (cfr. fls. 164 a 170).
4) A 18/12//2017, o requerente remeteu ao CIAB o email cuja cópia consta de fls. 178.
5) O CIAB remeteu ao requerente, por correio eletrónico, o email cuja cópia consta de fls. 179.
6) O requerente respondeu ao referido email, por correio eletrónico enviado no dia 21/12/2017, nos termos constantes de fls. 179.
7) O CIAB respondeu ao email de 21/12/2017, por correio eletrónico, nos termos constantes de fls. 180.
8) O requerente respondeu ao referido email, por correio eletrónico enviado no dia 27/12/2017, nos termos constantes de fls. 180.
9) O CIAB remeteu ao requerente o email cuja cópia consta de fls. 181.
10) O requerente respondeu ao referido email, por correio eletrónico enviado no dia 29/12/2017, nos termos constantes de fls. 181.
11) O CIAB remeteu ao requerente o email cuja cópia consta de fls. 182.
12) O requerente respondeu ao referido email, por correio eletrónico enviado no dia 3/01/2018, nos termos constantes de fls. 182.
13) O CIAB remeteu ao requerente, em 4/01/2018, o email cuja cópia consta de fls. 183.
14) O requerente, no dia 4/01/2018, enviou email nos termos constantes de fls. 184.
15) O CIAB remeteu ao requerente, em 5/01/2018, o email cuja cópia consta de fls. 184.
16) O requerente respondeu ao referido email, por correio eletrónico enviado no dia 6/01/2018, nos termos constantes de fls. 184.
17) A 8/01/2018, o requerente informou o CIAB, por correio eletrónico, que apresentou pedido de apoio judiciário na Segurança Social na modalidade de nomeação de patrono oficioso, nos termos constantes de fls. 185.
18) O CIAB remeteu ao requerente, em 10/01/2018, o email cuja cópia consta de fls. 186.
19) O CIAB remeteu ao requerente, em 23/03/2018, o email cuja cópia consta de fls. 189.
20) O requerente respondeu ao referido email, por correio eletrónico enviado no dia 27/03/2018, nos termos constantes de fls. 190, referindo ainda se encontrar a aguardar a decisão definitiva relativa ao requerimento de apoio jurídico, pelo que “deverão aguardar pela dita decisão”.
21) O CIAB remeteu ao requerente o email cuja cópia consta de fls. 192.
22) O requerente respondeu ao referido email, por correio eletrónico enviado no dia 11/05/2018, nos termos constantes de fls. 192, referindo ainda se encontrar a aguardar a decisão definitiva relativa ao requerimento de apoio jurídico, pelo que “deverão aguardar pela dita decisão”.
23) O Exmo juiz árbitro exarou o despacho datado de 26/06/2018, concedendo prazo ao requerente para juntar aos autos o contrato de fornecimento de energia elétrica em causa celebrado com o comercializador e/ou dizer o que se lhe oferecer sobre a referida titularidade, bem como para esclarecer a situação sobre a cópia da resposta da requerida que alega não ter recebido, conforme documento de fls. 193, notificado ao requerente por email, a 27/06/2018, como consta de fls. 195.
24) O requerente respondeu ao referido email, por correio eletrónico enviado no dia 3/07/2018, nos termos constantes de fls. 196, referindo ainda se encontrar a aguardar a decisão definitiva relativa ao requerimento de apoio jurídico, pelo que “deverão aguardar pela dita decisão”.
25) O Exmo juiz árbitro exarou o despacho datado de 5/07/2018, cuja cópia consta de fls. 197, que foi notificado na mesma data ao requerente por email, como consta de fls. 198.
26) O requerente respondeu ao referido email, por correio eletrónico enviado no dia 13/07/2018, nos termos constantes de fls. 199, referindo ainda se encontrar a aguardar a decisão definitiva relativa ao requerimento de apoio jurídico, pelo que “deverão aguardar pela dita decisão”.
27) A 26/09/2018, foi comunicada a nomeação como patrona ao requerente da Drª L. C., conforme documento de fls. 201.
28) A patrona nomeada foi notificada da data designada para audiência de julgamento (30/10/2018, pelas 14h30m), precedida de tentativa de conciliação, conforme documento de fls. 203.
29) A requerida foi notificada – em 09-10-2018 – para comparecer nas instalações do Tribunal “a quo” no dia 30-10-2018, para audiência de julgamento, tendo ainda sido notificada de que a contestação escrita poderia ser apresentada até 48 horas antes da data do julgamento, conforme documento de fls. 202.
30) A requerida apresentou contestação a 19/10/2018, conforme documentos de fls. 206 a 219.
31) A contestação da requerida foi notificada por correio eletrónico à, então, patrona do requerente a 25/10/2018, conforme documento de fls. 220.
32) A audiência de julgamento teve lugar no dia 30/10/2018, pelas 14h30m (ata de fls. 223).
33) A sentença arbitral foi proferida a 23/11/2018, conforme documento de fls. 226 e 227.
34) A sentença foi notificada às partes a 6/12/2018 (cfr. fls. 224 e 225).
35) A 17/12/2018, a patrona nomeada comunicou aos autos que dirigiu à Ordem dos Advogados pedido de escusa no patrocínio do requerente, conforme documento de fls. 228.
36) A 21/12/2018, foi nomeada patrona ao requerente a Drª I. M., conforme documento de fls. 151 v.º.
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IV. Fundamentação de direito.

1. Da atendibilidade da reclamação ao despacho singular do relator de 9/01/2019.

No despacho reclamado, partindo-se do pressuposto de se tratar de causa que importava a constituição de mandatário (arts. 40º, n.º 1, al. c) do CPC) e que, nos termos da conjugação do disposto no artigo 144º do CPC e da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, as peças processuais (incluindo os recursos), salvo justo impedimento, deveriam ser apresentadas a juízo por transmissão eletrónica de dados através do endereço eletrónico https://citius.tribunaisnet.mj.pt., sob pena de não serem admissíveis, concluiu-se pela verificação de nulidade do acto cometido (art. 195º do CPC) – por o recurso ter sido remetido por email/correio eletrónico (e posteriormente por correio registado), e não estar provado que o formato ou a dimensão dos ficheiros a enviar não permitiam a sua apresentação por transmissão electrónica de dados, tão pouco tendo sido invocada qualquer situação fundamentadora de justo impedimento impeditiva da expedição ou remessa da peça processual (recurso) a juízo por transmissão eletrónica de dados – e, consequentemente, determinou-se o desentranhamento do requerimento de recurso e respectivos anexos e a sua devolução ao apresentante, com a consequente não apreciação dos mesmos.
Insurge-se o reclamante contra tal despacho, aduzindo não poder ser equacionável o desentranhamento da peça processual do sistema informático pelos fundamentos expostos, atendendo a que se trata de uma impossibilidade da própria plataforma em verificar o respeito pelo artigo 144.º do CPC e, ainda, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto.

Desde já se adianta assistir razão ao reclamante.

Conforme resulta dos autos, o recurso em apreço foi interposto nos termos dos arts. 15.º do Regulamento do CIAB e 39.º e ss. da Lei da Arbitragem Voluntária (doravante designada como LAV).
Acontece que este processo de reclamação no Centro de Arbitragem do CIAB não consta, anteriormente, em nenhuma plataforma informática, porquanto o CIAB não tramita com o CITIUS, nem com qualquer plataforma.
Ora, em conformidade com o prescrito no Regulamento do CIAB e, também, a LAV e o CPC que se aplicam subsidiariamente, o Recorrente apresentou atempadamente o recurso no Tribunal Arbitral (CIAB) que proferiu a sentença, tendo-o feito ulteriormente para este Tribunal da Relação (por e-mail e por carta registada com aviso de recepção) após indicação do CIAB.
Veio-se a indagar, porém, que o sistema citius não está preparado para a apresentação de recursos de decisões arbitrais junto do Tribunal da Relação, pelo que é de sufragar a conclusão de não ser imputável ao Recorrente a impossibilidade do sistema em receber um recurso de um processo do CIAB.
Tal situação, nos termos do n.º 8 do art. 144º do CPC, configura uma situação de justo impedimento, legitimadora da não apresentação a juízo das peças processuais por transmissão eletrónica de dados através do endereço eletrónico https://citius.tribunaisnet.mj.pt., pelo que, tendo o recorrente optado pelo envio do recurso por um dos meios previstos nas als. c) e b) do n.º 7 do art. 144º do CPC, o ato processual em causa (interposição do recurso) é plenamente válido.

Nesta conformidade, deferindo a reclamação em análise, revoga-se o despacho individual do ora relator de 9/01/2019 e, consequentemente, admite-se o recurso interposto pelo recorrente H. C..
*
2. Nulidade(s) da sentença (arbitral) recorrida com fundamento na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC.

2.1. Como ponto prévio importa ter presente que, nos termos do art. 19º, n.º 3, do Regulamento do CIAB – Tribunal Arbitral de Consumo (2), “[p]ara além dos diplomas legais referidos nos números anteriores, em tudo o que não estiver previsto no presente Regulamento aplica-se com as devidas adaptações, a Lei da Arbitragem Voluntária, a Lei da Mediação e o Código de Processo Civil”.

Como é sabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).

Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito.

Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC (3).
As nulidades de decisão são, pois, vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando), seja em matéria de facto, seja em matéria de direito (4).
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3 do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC.

Nos termos do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula quando:

«d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Como vício de limite, a nulidade de sentença/decisão enunciada na transcrita norma divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia (que é o que releva à situação dos autos) e o segundo relativo ao excesso de pronúncia ou de pronúncia indevida.
Como regra geral, o tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC).
Verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada (5) (6).
Doutrinária (7) e jurisprudencialmente (8) tem sido entendido de que só há nulidade quando o juiz não se pronuncia sobre verdadeiras questões não prejudicadas invocadas pelas partes, e não perante a argumentação invocada pelas partes. Por questões não se devem considerar as razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas sim as pretensões (pedidos), causa de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. O que “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido (…)” (9).
O juiz não tem, por isso, que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente (10).
Por sua vez, nos termos da al. v) do n.º 3 do art. 46º da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro (que aprova a Lei da Arbitragem Voluntária), aplicável “ex vi” do art. 19º, n.º 3 do Regulamento do CIAB, a “sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se”, entre o mais, o “tribunal arbitral (…) deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar”.
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2.2. O recorrente/requerente imputa à sentença arbitral recorrida múltiplas nulidades, todas elas com fundamento em omissão de pronúncia.

Em 1º lugar, defende o recorrente que a sentença impugnada deve ser declarada nula (por omissão de pronúncia) por ter decidido imputar-lhe a responsabilidade por não responder a comunicações eletrónicas, ocorrendo uma nulidade processual que incumbia ao Tribunal “a quo” conhecer, traduzida no facto de o Recorrente não ter recebido qualquer notificação por via de carta registada com aviso de recepção.

Diferenciando-se das nulidades da sentença, as nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa dos actos processuais” (11), na medida em que os actos processuais são actos instrumentais que se inserem na complexa unidade de um processo, de tal sorte que cada acto é, em certo sentido, condicionado pelo precedente e condicionante do subsequente, repercutindo-se mais ou menos acentuadamente no acto terminal do processo, pondo em risco a justiça da decisão (12).

Atento o disposto no art. 195º e segs. do CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como refere Alberto dos Reis (13), há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos.
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos arts. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e, por sua vez, as irregularidades (nulidades secundárias, atípicas ou inominadas) estão incluídas na previsão geral do art. 195º do CPC.

Sob a epígrafe “Forma da Notificação na fase de conciliação/arbitragem”, o art. 18.º do Regulamento do CIAB prescreve:

«1 – Em sede de conciliação/arbitragem, as notificações são efetuadas por carta registada com aviso de receção.
2 – Não obstante o disposto no número anterior, qualquer uma das partes pode acordar com o Centro que as suas notificações sejam efetuadas por outro meio, nomeadamente eletrónico».

Genericamente – se bem que essa alegação é reiteradamente utilizada no argumentário expendido na arguição do vício da nulidade da sentença –, diz o recorrente que o Tribunal “a quo” olvidou que existe uma nulidade (processual) no que respeita às notificações que lhe foram dirigidas para todos os atos do presente processo, posto que tinha de ser pessoalmente, imperativamente, sempre notificado por carta registada com aviso de recepção.

Carece, no entanto, de razão.

Como bem explicita a recorrida, na argumentação explicitada o recorrente não leva em linha de consideração que a resolução alternativa de litígios de consumo compreende as seguintes fases: 1) Mediação; 2) Conciliação; 3) Arbitragem.
Segundo a noção legal constante do art. 2º, al. a) da Lei n.º 29/2013, de 19 de abril – diploma que estabelece os princípios gerais aplicáveis à mediação realizada em Portugal, bem como os regimes jurídicos da mediação civil e comercial, dos mediadores e da mediação pública –, entende-se por “«mediação» a forma de resolução alternativa de litígios, realizada por entidades públicas ou privadas, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência de um mediador de conflitos”.

Como características fundamentais deste procedimento podemos referir:

- Administração do conflito pelas partes, procurando assim a sua auto-responsabilização;
- Apelo à intervenção de um terceiro imparcial que auxilia as partes na busca de uma solução;
- Confidencialidade, informalidade e flexibilidade do procedimento.

A concretização da mediação resulta do art. 9.º do Regulamento do CIAB, nos termos do qual:

«1 – A mediação tem como objetivo a obtenção de um acordo, sendo um procedimento flexível de modo a adequar-se ao conflito concreto que se pretende resolver, bem assim como tendencialmente eficaz na sua resolução e acessível às partes nos termos do n.º 1 do artigo 10.º da Lei RAL.
2 - Após análise sumária dos factos alegados na reclamação e do seu enquadramento jurídico, o Centro contacta a parte reclamada, dando conhecimento do teor da reclamação e do pedido, solicitando uma resposta com vista a conseguir-se um acordo entre as partes.
3 – A mediação pode decorrer sem a presença conjunta das partes ou mesmo através de mecanismos de comunicação à distância, por meio de sucessivos contactos bilaterais intermediados, até se concluir por um acordo ou pela impossibilidade de o mesmo se conseguir.
4 – Sendo obtido um acordo, do processo deverá constar suporte documental que prove que este foi conseguido e dos respetivos termos.
5 – Terminada a mediação e se o processo não seguir para a fase de conciliação/arbitragem, as partes devem ser notificadas do seu resultado através de suporte duradouro e receber uma declaração que indique as razões em que este se baseou se estas não estiverem já determinadas na dita notificação».

Caso o processo não se resolva na fase da mediação e prossiga para a fase seguinte, é feita uma tentativa, antes da audiência arbitral, para efeitos de conciliação.
Na conciliação, procura-se de uma forma mais direta que as partes cheguem a um acordo, que se for obtido é homologado pelo juiz árbitro, em sentença.

Isso mesmo é o que decorre do art. 11º do Regulamento do CIAB, segundo o qual:

«1 - Previamente à realização da audiência de arbitragem poderá tentar-se resolver o litígio através da conciliação das partes.
2 - A referida tentativa de conciliação deverá ser efetuada pelo árbitro, pelo diretor do Centro ou por um jurista responsável por procedimentos de resolução alternativa de litígios.
3 - Conseguido o acordo das partes, este será reduzido a escrito e, após a homologação pelo árbitro, produz os efeitos de uma sentença arbitral».
Por último, não resultando da tentativa de conciliação qualquer acordo, iniciar-se-á a fase da arbitragem com a realização da audiência de arbitragem (art. 12º do Regulamento do CIAB).
A audiência é realizada na sede do Centro ou noutro local a designar por este, devendo as partes ser convocadas com a antecedência mínima de 10 dias (art. 14º, n.º 1 do Regulamento do CIAB); o árbitro conduz os trabalhos, dá a palavra às partes, pode mandar realizar diligências, inquire as testemunhas, ou autoriza que as partes o façam diretamente, e supervisiona a redação da ata (n.º 2 do citado artigo); o árbitro decide segundo o direito, salvo se as partes acordarem que o conflito seja decidido segundo a equidade (n.º 3 do mesmo artigo); as partes podem fazer-se representar ou ser assistidas por terceiros, nomeadamente por advogados, associações de consumidores ou associações empresariais (n.º 4 do aludido artigo).
A arbitragem é a forma que mais se assemelha ao processo judicial, cabendo ao árbitro impor uma solução para o conflito em questão. A decisão do árbitro, que deve atuar de modo imparcial, tem a mesma força e eficácia de uma sentença judicial.
Dito isto constata-se que, no caso sub júdice, as notificações que, no entendimento do recorrente, seriam irregulares, foram efetuadas na fase da mediação, sendo certo que a imposição das notificações através de carta registada com aviso de receção apenas vale para a fase da conciliação/arbitragem, e não para aqueloutra fase.
A ser de outro modo, tal exigência formal colidiria frontalmente com os princípios que subjazem à fase da mediação, a qual, como vimos, carateriza-se por se pautar por um procedimento flexível de modo a ajustar-se ao conflito que se pretende resolver, não olvidando a procura do objetivo tendente à sua eficácia na resolução do conflito.
A ser como o recorrente advoga, a observância das formalidades legais seria mais exigente do que o regime legal estabelecido nas ações (declarativas e executivas) cíveis, em que, regra geral, as notificações às partes que não constituam mandatário são feitas por (mera) carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, nos termos do art. 249º do CPC.
No caso ajuizado, ao ter sido notificado através de correio eletrónico, e não através de carta registada com aviso de receção, não se poderá concluir que foi preterida uma formalidade que a lei prescreva, o que nos reconduz, quanto a esse ponto, à inverificação de qualquer nulidade processual.
Ademais, ainda que se entendesse que as notificações ao requerente deveriam ter sido realizadas mediante carta registada com aviso de receção – o que se concebe meramente para efeitos argumentativos –, sempre se diria que essa irregularidade nenhuma influência teria tido “no exame ou na decisão da causa” em apreço, porquanto, como se revela nos sucessivos emails trocado, à exceção da alusão ao não recebimento do email de 7/12/2017, o requerente não só recebeu todos os emails remetidos pelo CIAB, como quanto a cada um deles pronunciou-se (ou teve para o efeito oportunidade), não se coibindo inclusivamente de requerer o não andamento do processo de reclamação enquanto não fosse preferida decisão quanto ao requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, pretensão que foi deferida pelo CIAB.
Não se tendo verificado a apontada nulidade processual, não estava o Tribunal arbitral obrigado a conhecer da mesma, pelo que se conclui, nessa parte, pela inexistência da nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia [art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC].
*
2.3. Defende igualmente o recorrente que a sentença é nula por omissão de pronúncia, na medida em que o Tribunal obstou ao conhecimento de que o prazo máximo de decisão e conclusão do processo foi ultrapassado.

Diz, por isso, ter-se verificado, nos presentes autos, uma violação dos prazos legais, não existindo qualquer pronúncia por parte do Tribunal “a quo” que sustentasse uma exceção ao princípio da celeridade do processo.

Invoca para o efeito o disposto no art. 17º do Regulamento do CIAB, nos termos do qual o prazo de um processo de reclamação é de 90 dias, dizendo não ser admissível que o Tribunal demore mais de um ano, sem sequer existir uma pronúncia quanto a esse aspeto.

Como tem sido profusamente destacado, uma das principais vantagens da arbitragem reside na celeridade processual. A título de exemplo, a Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro – que aprova a Lei da Arbitragem Voluntária – consagra como regra geral o prazo de 12 meses para notificar às partes a sentença a contar da data da aceitação do último árbitro (art. 43º, n.º 1). Todavia, a questão da celeridade na arbitragem de consumo, ainda se tem colocado de forma mais pertinente, considerando a urgência na obtenção de uma decisão em tempo útil. Pense-se, por exemplo, em processos relativos a serviços públicos essenciais em que o consumidor está confrontado com uma ameaça de suspensão ou corte efetivo do serviço, relativamente aos quais o tribunal arbitral tem de ser particularmente ágil.

Nessa conformidade, é frequente os regulamentos arbitrais introduzirem prazos muito curtos para a decisão ou para a conclusão do processo.

No que ao caso releva, dispõe o art. 17º do Regulamento do CIAB:

Os processos de reclamação não podem ter duração superior a 90 dias, a não ser que o litígio revele especial complexidade, podendo então ser prorrogado no máximo por duas vezes, por iguais períodos, nos termos do n.º 5 e 6 do artigo 10.º da Lei RAL”.

Este último diploma legal Lei n.º 144/2015, de 8 de setembro, que transpõe a Diretiva 2013/11/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, sobre a resolução alternativa de litígios de consumo e que estabelece o enquadramento jurídico dos mecanismos de resolução extrajudicial de litígios de consumo –, estabelece, nos n.ºs 5 e 6 do art. 10.º, que:

«5 - Os procedimentos de RAL devem ser decididos no prazo máximo de 90 dias a contar da data em que a entidade de RAL receba o processo de reclamação completo.
6 - O prazo referido no número anterior pode ser prorrogado, no máximo por duas vezes, por iguais períodos, pela entidade de RAL, caso o litígio revele especial complexidade, devendo as partes ser informadas da prorrogação do prazo e do tempo necessário previsto para a conclusão do procedimento de RAL».

No caso sub júdice, considerando que o processo de reclamação junto do CIAB iniciou-se a 24/10/2017 e que a sentença arbitral (apenas) veio a ser proferida a 23/11/2018, tendo sido notificada às partes em 6/12/2018, é inegável mostrar-se claramente excedido o prazo de 3 (três) meses estabelecido no citado art. 17º do Regulamento do CIAB para a conclusão do processo de reclamação.
Acresce não se evidenciar dos autos qualquer despacho que tenha determinado a prorrogação dos prazos para a ultimação do processo, entendendo-se que as prorrogações, além de carecerem de formalização por despacho, devem ser devidamente fundamentadas.

Restringindo, todavia, a nossa análise nos precisos termos em que a nulidade da sentença foi suscitada, constatamos que o recorrente insurge-se contra o facto de o processo de reclamação ter demorado mais de um ano a ser concluído, quando para o efeito o Regulamento aplicável estipula um prazo (máximo) de 90 dias, sem que o Tribunal Arbitral de Consumo se tenha expressamente pronunciado quanto a esse aspeto da ultrapassagem do prazo.

A essa omissão não será certamente alheia o facto de nenhuma das partes ter suscitado a questão em apreço, sendo certo que o recorrente apenas o fez em sede de recurso por a decisão arbitral não lhe ser favorável, posto que anteriormente nunca cuidou de invocar junto do Tribunal Arbitral a expiração do prazo para a conclusão do processo de reclamação.

A arguição dessa questão não deixa, também, de ser contraditória, na medida em que pugnando o recorrente pela anulação da sentença recorrida e a “sua substituição por outra que, sem pôr termo à causa, não decida qualquer legitimidade do Reclamante e, ordene a prossecução dos autos para a fase de julgamento por inexistir qualquer exceção dilatória de conhecimento oficioso do Tribunal”, regra geral, a sanção jurídica decorrente da verificação do ultrapassagem do prazo para a conclusão do processo de reclamação traduzir-se-ia em pôr “automaticamente termo ao processo arbitral, fazendo também extinguir a competência dos árbitros para julgarem o litígio que lhes fora submetido”, em conformidade com o prescrito no n.º 3 do art. 43º da Lei n.º 63/2011, de 14/12, “ex vi” do art. 19º, n.º 3, do Regulamento do CIAB (14), o que contraria aquela pretensão recursória.

De todo o modo, se bem analisarmos o processo de reclamação no qual foi prolatada a decisão arbitral não deixaremos de evidenciar alguns elementos que nos permitem perceber das reais razões conducentes ao longo lapso de tempo que demandou a sua conclusão.

Desde logo, o facto de o requerente, a 8/01/2018 – portanto, ainda dentro do prazo de 3 (três) meses para a conclusão do processo –, ter informado o CIAB, da apresentação, junto da Segurança Social, do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrocínio judiciário, tendo por diversas vezes requerido que o processo aguardasse pela decisão do mencionado pedido de apoio judiciário – manifestando, por conseguinte, oposição ao seu reatamento, sem que fosse conhecida aquela decisão atinente ao patrocínio judiciário –, o que foi deferido pelo CIAB.

Assinale-se que apenas a 26/09/2018 foi comunicada no processo a nomeação da Drª L. C. como patrona ao requerente, sendo que logo de imediato foi designada data para audiência de julgamento (30/10/2018, pelas 14h30m), precedida de tentativa de conciliação.
Serve isto para dizer que se o Tribunal arbitral não se pronunciou sobre o excesso do prazo para a conclusão do processo de reclamação foi porque nenhuma das partes expressamente invocou essa questão, depreendendo-se que, não obstante o decurso do prazo, ambas mantinham interesse na prolação de uma decisão que dirimisse o conflito em causa – sobretudo, de um modo premente, o requerente, por ser o sujeito ativo na demanda e ter interesse na apreciação da questão por si colocada (15), além de que a requerida jamais manifestou o propósito de se pretender valer do decurso do prazo do processo para lograr a sua extinção automática.

Seja como for, a questão agora suscitada, patenteando um comportamento oportunístico, revela claro abuso de direito por parte do recorrente (art. 334º do Cód. Civil) (16), na modalidade de conduta contraditória (venire contra factum proprium), porquanto foi por razões exclusivamente a si imputáveis – ao não ter prescindido da decisão de nomeação de patrono pela Segurança Social previamente à realização das fases de conciliação/arbitragem – que a conclusão do processo de reclamação não foi concluída em tempo oportuno.

Ao ter expressamente requerido que o processo aguardasse a decisão da Segurança Social sobre o pedido de apoio judiciário, é suscetível de violar as mais elementares regras da confiança e da boa-fé (art. 8.º do CPC) vir agora invocar que a prolação da decisão ocorreu para além do prazo legal, posto que essa circunstância lhe é diretamente imputável.

Ademais, o art. 46º, n.º 4 da Lei n.º 63/2011 estipula que, “[s]e uma parte, sabendo que não foi respeitada uma das disposições da presente lei que as partes podem derrogar ou uma qualquer condição enunciada na convenção de arbitragem, prosseguir apesar disso a arbitragem sem deduzir oposição de imediato (…), considera-se que renunciou ao direito de impugnar, com tal fundamento, a sentença arbitral”.

Assim, se o recorrente pretendia prevalecer-se do excedimento do prazo para a conclusão do processo de reclamação, mas uma vez que não deduziu oposição de imediato à prolação da sentença arbitral, é de concluir que perdeu a faculdade de impugnar, com tal fundamento, a sentença arbitral (17).

Pelo exposto, se por um lado se conclui que o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre o excesso do prazo para a conclusão do processo de reclamação porque nenhuma das partes suscitou essa questão, por outro lado infere-se que foi o comportamento processual do recorrente quem deu azo ao protelamento da prolação da sentença arbitral, o que consubstanciando uma exceção perentória de abuso de direito obsta a que essa invocação possa produzir efeitos.

Daí que se conclua pela inverificação da apontada nulidade da sentença arbitral.
*
2.4. Repristina o recorrente a falta de notificação pessoal do recorrente, dizendo que o CIAB preteriu formalidades legais (posto que o deveria notificar através de carta registada com A/R, o que não fez), referindo que não podia o Tribunal “a quo” abster-se de aferir da regularidade das notificações realizadas ao recorrente.

Como já anteriormente tivemos oportunidade de salientar, a nosso ver inexiste a apontada preterição de formalidades legais nas notificações realizadas ao reclamante, pelo que, na improcedência desse pressuposto, considera-se prejudicada toda a argumentação explanada a propósito da omissão de pronúncia do Tribunal sobre uma nulidade inexistente.

Pela mesma identidade de razões, resta também prejudicada a argumentação atinente à imputação de erros à secretaria do CIAB na efetivação das notificações ao recorrente.

No tocante às considerações tecidas a respeito da sua representação nos autos e da conclusão de que o patrocínio judiciário não se pode equiparar ao mandato forense, motivo por que teria de ser, obrigatoriamente, notificado pessoalmente de todo e qualquer ato desencadeado no processo, permitimo-nos lançar mão da fundamentação aduzida nas contra-alegações.

Parafraseando o aí aduzido diremos que a principal especificidade que o patrocínio oficioso apresenta relativamente ao mandato forense tem a ver com a origem das obrigações.

O advogado que foi nomeado, no âmbito do apoio judiciário, não deixa de estar “sujeito a deveres e obrigações semelhantes às que recaem sobre o mandatário forense. Só que neste caso tais obrigações decorrem do contrato celebrado entre as partes e, no caso do patrocínio, decorrem da lei”.

Ora, o art. 247º do CPC – aplicável, no caso, por via do disposto no n.º 3 do art. 19º do Regulamento do CIAB –, válido quer para o contrato de mandato forense, quer para o patrocínio oficioso por insuficiência económica, estabelece que as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.

Ademais, a patrona oficiosa esteve presente na sessão da audiência em sede conciliação e de arbitragem e não arguiu qualquer nulidade processual atinente à falta de notificação do Recorrente.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões XI a XIV.
*
2.5. Pugna o recorrente pela nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia por não ter conhecido da violação do contraditório, porquanto o consumidor viu ser-lhe negado o acesso pleno à justiça, não lhe sendo enviados os requerimentos, despachos e outras informações processuais pelo meio legal.

O princípio do contraditório, estritamente ligado ao princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4º do CPC, na medida em que garante a igualdade das mesmas ao nível da possibilidade de pronúncia sobre os elementos suscetíveis de influenciar a decisão, possui um conteúdo multifacetado: “atribui à parte quer um direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma ação ou requerida uma providência e, portanto, um direito à audição prévia, quer um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta” (18).
Prevê o art. 3º, n.º 3, do CPC que o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Atenta a manifestação positiva do princípio do contraditório plasmada no citado n.º 3 do art. 3º do CPC, às partes deve ser garantido o direito de influenciar o desenvolvimento e o resultado final da atividade jurisdicional.
Ao longo dos emails trocados verifica-se que o requerente por diversas vezes deu conta de não lhe terem sido notificados alguns elementos ou de os notificados estarem incompletos, requerendo a renovação do seu envio.
Ora, o não envio completo dos referidos elementos ou peças poderia, em princípio, ser suscetível de configurar uma irregularidade ou nulidade secundária, subsumível à previsão geral do art. 195º do CPC.
Evidencia-se, porém, que apesar de ter sido expressamente notificado (por duas vezes) pelo Exmo juiz-árbitro para esclarecer as questões por si suscitadas quer quanto à alegada falta e/ou incompletude de notificação de peças processuais, quer quanto à própria titularidade do contrato de fornecimento de energia elétrica (cfr. fls. 193, 196, 197 e 199), o requerente jamais respondeu a tais interpelações.
Essa postura processual omissiva determina a preclusão daquelas questões que o recorrente anteriormente invocara, pelo que carece de qualquer fundamento a arguição de nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Mas mesmo que assim não se entendesse – o que se concede para efeitos meramente argumentativos –, atendendo ao regime de arguição previsto no art. 199º do CPC, é nosso entendimento que a apontada nulidade estaria já sanada, na medida em que, apesar de ter estado representado por patrocínio oficioso na audiência de tentativa de conciliação e de arbitragem, realizada no dia 30/10/2018, a verdade é que a Il. mandatária não invocou, expressa ou tacitamente, a preterição do seu direito de audição sobre tais elementos, deixando que a Sr. juiz-árbitro declarasse encerrada a diligência sem ter prontamente arguido a respetiva nulidade.
Por conseguinte, sempre seria de concluir pela intempestividade da arguição dessa nulidade, por a mesma se considerar já sanada.
Uma breve nota final para dizer que, mesmo nesta hipótese que apenas cogitamos para efeitos argumentativos, a omissão de pronúncia sobre a preterição do contraditório relativamente ao envio de tais peças e a não audição sobre requerimentos formulados na fase da mediação ter-se-ia consumado com o encerramento da audiência, e não com a prolação da sentença arbitral, pelo que jamais poderia ser entendido que a aludida sentença recorrida como que “cobre” a (alegada) nulidade cometida.
Termos em que improcede a invocada nulidade da sentença.
*
2.6. Por fim, sustenta o recorrente a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, na medida em que o Tribunal “a quo” conheceu, sem sequer se pronunciar, de articulados (vulgo requerimentos e respostas) extemporâneos.
Para o efeito o recorrente parte do princípio que o prazo da resposta findava a 13/11/2017.
O referido pressuposto não está, porém, correto.

Vejamos.

Resulta dos autos que o CIAB notificou a requerida da reclamação, por correio eletrónico remetido em 8/11/207, para, no prazo de 10 dias, se pronunciar tendo em vista a resolução do litígio.

Logo, a requerida apenas se considera notificada no dia 13-11-2017, ou seja, no terceiro dia útil posterior ao envio daquela notificação eletrónica.

Daí que se conclua que o requerimento que deu entrada nos autos no dia 23-11-2017 foi tempestivamente apresentado.

Considerando, por outro lado, que tal prorrogação do prazo foi deferida, é de concluir pela tempestividade da resposta apresentada, na fase de mediação, pela requerida, a 5/12/2017, na qual requereu o arquivamento dos autos, ainda nessa fase.

Posteriormente – em 09-10-2018 – a requerida foi notificada para contestar e comparecer nas instalações do Tribunal “a quo” no dia 30-10-2018, para audiência de julgamento, tendo sido ainda notificada de que a contestação escrita poderia ser apresentada até 48 horas antes da data do julgamento.

A requerida apresentou a contestação a 19/10/2018, pelo que também dúvidas não oferecem quanto à tempestividade desse articulado.

Consequentemente, tempestivos que são os articulados apresentados pela requerida, inexiste a apontada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
*
3. Da não verificação da exceção dilatória de ilegitimidade do recorrente.

A sentença arbitral julgou verificada a exceção de ilegitimidade ativa do requerente e, em consequência, absolveu a requerida da instância.

Para tanto alicerçou-se no facto de, não obstante na reclamação configurar a relação jurídica em causa como uma relação de consumo, o requerente não ter logrado demonstrar que era um dos sujeitos dessa relação jurídica, ou seja, que entre ele e a requerida havia sido celebrado um contrato de prestação e/ou de fornecimento de energia elétrica, tanto mais que o que está em vigor para o local de consumo em causa descrito na reclamação é um contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado entre a requerida e J. C., e não com o ora requerente.

Em contraponto, como fundamento do recurso interposto, sustenta o recorrente que ao residir com o seu pai na morada alvo de descarga elétrica e onde era, de facto, fornecido o serviço, existe na esfera jurídica do Recorrente o interesse ativo na petição da tutela dos seus direitos, sendo que, nos termos da LDC, designadamente no disposto no seu artigo 2.°, diz preencher o conceito de consumidor e, ainda, o conceito de utente no âmbito da Lei dos Serviços Públicos Essenciais.

Não oferece dúvidas que a falta de legitimidade das partes processuais é, no nosso direito processual civil, uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que, verificada, obsta a que o juiz conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (arts. 30º, 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, n.º 1, al. e), 578º e 278º, n.º 1, d) do CPC).

Segundo Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora (19), “ser parte legítima na ação é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível
.
O critério aferidor do conceito de legitimidade encontra-se previsto no art. 30º do CPC.

Diz-nos o n.º 1 que o “autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”.

O interesse, seja em demandar, seja em contradizer, terá, pois, de ser direto, não bastando que seja indireto, reflexo ou derivado (20), nomeadamente de natureza afetiva, parental ou moral (por ex, o interesse afetivo do progenitor em relação ao filho parte na ação) (21).

Para avaliar desse interesse de que resulta a legitimidade, prescreve o n.º 2 do art. 30º do CPC que o “interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha”.

Ou seja, o autor é parte legítima sempre que a procedência da ação (previsivelmente) lhe venha a conferir (para si e não para outrem) uma vantagem ou utilidade e o réu será parte legítima sempre que se vislumbre que tal procedência lhe venha a causar (a si e não a outrem) uma desvantagem (22).

Nesta confluência, terá legitimidade passiva a parte com interesse direto em contradizer, o qual se exprime pelo prejuízo derivado da procedência da pretensão e que coincide, em regra, com o titular passivo da relação jurídica material configurada no requerimento inicial.

Trata-se, por conseguinte, de um dos chamados pressupostos processuais, requisito essencial de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida.

Diversamente da personalidade e da capacidade judiciárias que assentam em qualidades pessoais das partes relativamente à generalidade das ações ou a uma determinada categoria de ações, a legitimidade processual (que pressupõe aqueles dois pressupostos processuais) prende-se com a posição da parte relativamente a uma determinada e concreta ação, posição essa que lhe permite dirigir a pretensão formulada ou a defesa que contra esta possa ser oposta (23).

Residualmente, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como esta é configurada pelo autor (24) (art. 30º, n.º 3 do CPC).
Se, por vezes, a determinação da legitimidade das partes não apresenta qualquer problema, por fácil compreensão de quem tem interesse direto em demandar ou interesse direto em contradizer, aferido pela utilidade ou prejuízo que lhes podem advir, outras vezes, porém, apresenta dificuldades. Nestas situações, para se superarem as dificuldades, na identificação dos titulares da relação material controvertida, é imperioso recorrer ao critério normativo plasmado no art. 30.º, n.º 3, do CPC (25).

Ou seja, na falta de indicação da lei em contrário, a legitimidade (singular e direta) (26) deve ser analisada pela titularidade da relação material controvertida, tal como ela é descrita pelo autor na petição inicial. O mesmo é dizer que a legitimidade deve ser referida à relação jurídica objeto do litígio (causa de pedir e pedido), determinando-se através da análise dos fundamentos da ação e qual a posição das partes relativamente a esses fundamentos (27). A legitimidade do objeto do processo e, portanto, da legitimidade em face dele é feita necessariamente pelo autor e só por ele, sem necessidade de averiguação (a roçar o fundo da causa) sobre se as partes são titulares da efetiva e real relação jurídica controvertida (28).

No caso versado nos autos, o requerente, arrogando-se a qualidade de consumidor, peticiona à requerida o pagamento de uma indemnização na sequência de alegados danos sofridos em equipamentos elétricos existentes na habitação sita à Rua … Braga, como decorrência de interrupções bruscas no fornecimento de energia elétrica.

Mais reclama o pagamento de indemnizações por alegada privação do uso dos equipamentos, tempo despendido e danos patrimoniais.
Tendo em conta o modo como o requerente balizou juridicamente a reclamação deduzida e o meio processual por si utilizado com vista à sua efetivação – recorrendo para o efeito a um Tribunal Arbitral de Consumo com vista à resolução do conflito em causa e pressupondo estar em causa uma tutela exclusivamente de natureza consumerística –, releva sobretudo o regime consagrado na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que, revogando a Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto, estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores.

Segundo a definição consagrada no n.º 1 do art. 2º do citado diploma legal (29):

«1 - Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios».

O Prof. Calvão da Silva (30), depois de postular que o citado normativo representa a consagração da noção de consumidor em sentido estrito, a mais corrente e generalizada na doutrina e nas Directivas comunitárias, define o consumidor como a “pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado – uso pessoal, familiar ou doméstico (…) – de modo a satisfazer necessidade pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens ou serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa”. Continuando: razão pela qual “todo aquele que adquira bens ou serviços destinados a uso não profissional – ao seu uso privado, pessoal, familiar ou doméstico, portanto, por oposição a uso profissional – será uma pessoa humana ou pessoa singular, com exclusão das pessoas jurídicas ou pessoas colectivas, as quais adquirem bens ou serviços no âmbito da sua actividade, segundo o princípio da especialidade do escopo, para a prossecução dos seus fins, actividades ou objectivos profissionais (art. 160º do CC e art. 6º do CSCom”.

Igualmente Jorge Morais de Carvalho (31), depois de sublinhar que o conceito de consumidor pode ser analisado com referência a quatro elementos (subjetivo, objetivo, teleológico e relacional), refere que o nosso ordenamento jurídico acolheu a doutrina finalista (“interpretação mais restritiva do conceito, não podendo o objeto ter uso profissional”), e não a doutrina maximalista (“interpretação ampla do conceito, estando em causa a retirada do bem do circuito de produção”).

Prevendo especificamente sobre a legitimidade ativa, estipula o art. 13º do referido diploma que:

Têm legitimidade para intentar as ações previstas nos artigos anteriores:
a) Os consumidores diretamente lesados;
b) Os consumidores e as associações de consumidores ainda que não diretamente lesados, nos termos da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto;
(…)”.
Sabendo que no direito português podemos encontrar várias definições de consumidor (32), para além do já enunciado no art. 2º, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho destacaríamos (pela sua relevância ao caso sub júdice) a que consta do Dec. Lei n.º 29/2006, de 15/02 – que estabelece as bases gerais da organização e funcionamento do sistema eléctrico nacional (SEN), bem como as bases gerais aplicáveis ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade e à organização dos mercados de electricidade, transpondo para a ordem jurídica nacional os princípios da Directiva n.º 2003/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho –, que, no seu art. 3º, al. l), define o «Consumidor» como sendo “o cliente final de electricidade”.

O elemento objetivo do conceito de consumidor, em qualquer um das duas definições legais de consumidor supra elencadas, abrange qualquer relação contratual estabelecida entre as partes, isto sem embargo de se entender que a razão de ser da Lei n.º 24/96 se pode estender também a relações não contratuais, como decorre do art. 12º, n.º 2 que alude à responsabilidade civil extracontratual do produtor (33) (pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei).

Assinale-se igualmente, quanto ao elemento teleológico, que o conceito de “uso não profissional” se afasta da noção de “destinatário final” mais ampla utilizada noutros ordenamentos jurídicos (34).

A propósito do ónus de alegação de prova da qualificação como consumidor (35), como refere Jorge Morais de Carvalho (36), o «ónus da alegação dos factos que consubstanciam a noção de consumidor, nos casos em que o consumidor pretenda exercer os seus direitos enquanto tal, é seu, por se tratar de factos que o direito material consagra como constitutivos do direito que pretende fazer valer, sem prejuízo do dever do juiz de o convidar a completar a sua exposição.

Já relativamente ao ónus da prova, este cabe ao consumidor relativamente aos factos, referentes aos elementos indicados, que sustentam a qualificação como consumidor, nomeadamente o “uso não profissional”».

Acrescenta o citado autor, citando Micael Martins Teixeira, “segundo o critério da distribuição dinâmica do ónus da prova, este deverá impender sobre o consumidor relativamente aos factos que implicam a verificação dos elementos subjetivo, objetivo e teleológico da noção de consumidor e sobre o (suposto) profissional quando aos factos que implicam a verificação do elemento relacional da mesma noção”.

Particularizando o caso sub júdice, como se refere na sentença arbitral, o requerente configurou a relação jurídica em causa como uma relação de consumo, mas não conseguiu demonstrar que era um dos sujeitos dessa relação jurídica, ou seja, que era titular de um contrato de fornecimento de energia elétrica para aquele local de consumo.

Tal como foi alegado pela requerida, a habitação na qual alegadamente se verificaram os danos nos equipamentos elétricos corresponde ao local de consumo n.º …, sendo que para o referido local de consumo encontra-se em vigor desde 9/05/2007 um contrato de fornecimento de energia elétrica, titulado por J. C., e não com o ora recorrente.

Verifica-se, aliás, que apesar de ter sido expressamente notificado (por duas vezes) para esclarecer a questão da titularidade do contrato de fornecimento de energia elétrica, designadamente para juntar aos autos o aludido contrato de fornecimento, celebrado com o comercializador, e (ou) dizer o que se lhe oferecesse sobre a referida titularidade (cfr. fls. 193, 196, 197 e 199), o requerente optou por nada dizer sobre tal interpelação.

Acresce que, tendo sido regulamente notificado da contestação na pessoa da sua patrona, o requerente não respondeu à exceção ali arguida no tocante à falta de titularidade do contrato de fornecimento de energia elétrica, além de que não demonstrou em audiência de julgamento ser o titular do “interesse direto em demandar” (art. 30º, n.º 1 do CPC).

Com efeito, não só não provou que era titular de um contrato de fornecimento de energia elétrica por força do qual lhe eram fornecidos bens ou prestados serviços – não provando, portanto, a qualidade de “consumidor” para efeitos do art. 2º, n.º 1 da Lei n.º 24/96) –, como identicamente não provou ser “o cliente final de electricidade” (art. 3º, al. l), do Dec. Lei n.º 29/2006).

Quer isto dizer que o recorrente não preenche o conceito legal de consumidor diretamente lesado para efeitos do disposto no art. 13º, al. a) da lei n.º 24/96.

São, por outro lado, inviáveis as objeções colocadas pelo recorrente quanto ao facto de não existir no processo nenhum dado, nem mesmo da documentação junta pela recorrida, que permitam apurar quem é, efetivarmente, o titular do contrato.

Em 1º lugar, porque esse ónus probatório, como já vimos, sendo indispensável à sua caraterização na relação jurídica em causa como consumidor, competia ao recorrente, e não à recorrida.

Em 2º lugar, porque face à arguição, a título de exceção, na contestação, da falta de titularidade do requerente do contrato de fornecimento de energia elétrica, competia ao requerente impugnar tais factos, sob pena de os mesmos se considerarem admitidos por acordo, nos termos do disposto no art. 574º, n.º 2 “ex vi” do art. 587º, n.º 1 e 19º, n.º 3, do Regulamento do CIAB.

Em 3º lugar, e secundando o explicitado pela recorrida, porque a “atividade prosseguida pela Recorrida é distinta e independente da atividade de comercialização de energia elétrica, que é prosseguida pelos comercializadores legalmente constituídos e que operam quer no mercado livre, quer no mercado regulado.

A separação jurídica entre as atividades de distribuição e de comercialização de energia elétrica é imposta por lei e decorre expressamente do disposto nos artigos 36.º e 43.º do DL n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro, com a redação conferida pelo DL 215-A/2012, de 08 de Outubro, que consagra as Bases Gerais da Organização e Funcionamento do Sistema Elétrico Nacional.

Só os referidos comercializadores estão em posse dos contratos, das faturas e de todos os outros elementos de natureza contratual, pelo que é desprovido de fundamento e sentido o alegado pelo Recorrente” no sentido de não ter sido junto aos autos, pela Requerida, qualquer contrato ou fatura.

Nesta conformidade, é de concluir que, no contexto dos autos, o recorrente não preenche o conceito legal de consumidor [diretamente lesado (art. 13º, al. a) da lei n.º 24/96)], o que nos reconduz à manutenção da verificação da exceção dilatória de ilegitimidade ativa para impulsionar os presentes autos que têm como pressuposto a defesa de direitos de consumidores ou, o mesmo é dizer, a proteção exclusivamente de natureza consumerística.
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4. Da interpretação inconstitucional da norma do disposto no art. 2º da Lei de Defesa do Consumidor e no art. 1º da Lei dos Serviços Públicos Essenciais.
Advoga o recorrente ser inconstitucional a norma do art. 2.° da LDC e art. 1.º da Lei dos Serviços Públicos Essenciais quando interpretada no sentido de obstar a que um consumidor e efetivo destinatário do serviço, residente numa moradia mas não titular do contrato veja afastada da sua esfera jurídica a legitimidade ativa da demanda e/ou quando interpretada no sentido de obstar a que um consumidor quando veja bens próprios lesados não possa demandar diretamente a entidade prestadora ainda que seja o seu pai o titular do contrato.

Limita-se o recorrente a invocar que o tribunal “a quo” faz uma interpretação inconstitucional das referidas normas sem dizer das concretas razões por que conclui por aquele juízo de inconstitucionalidade.

Sem embargo das inerentes dificuldades que essa deficiente alegação comporta no que concerne à tentativa de busca das razões que subjazem à invocação da desconformidade com a Constituição da República Portuguesa da interpretação das aludidas normas legais, limitar-nos-emos a dar conta que o Tribunal “a quo”, tendo concluído que o recorrente não era titular do contrato de fornecimento de energia elétrica – facto este que não é negado pelo impugnante –, limitou-se a extrair a consequência daí resultante, qual seja, a de que não preenchendo o recorrente o conceito de consumidor diretamente lesado – e, a nosso ver, tão pouco preenchendo o conceito de “cliente final de electricidade” –, não possuía aquele legitimidade ativa para intentar as ações previstas no regime legal aplicável à defesa dos consumidores (art. 13º, al. a) da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.

Não será de olvidar que o nosso ordenamento jurídico, conquanto não sob a veste de consumidor, confere ao recorrente outros meios (processuais e substantivos) para valer os direitos de que se arroga sobre a requerida (designadamente, o regime consagrado no art. 509º do Cód. Civil, que poderá ser exercitado através da dedução de uma ação comum), sendo que o recurso ao regime previsto na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, e na Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, pressupõe que entre as partes se coloque um litígio de natureza consumerística, o que já vimos estar excluído.

Como se disse, a falta de legitimidade das partes processuais é uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, pelo que, julgando-se (e bem) verificada a mesma, bem andou o juiz-árbitro ao absolver da instância a requerida, abstendo-se de conhecer do mérito da causa (arts. 30º, 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, n.º 1, al. e), 578º e 278º, n.º 1, d) do CPC).
Em suma, a interpretação das supra referidas normas legais não viola a Constituição da República Portuguesa.
Desse modo, improcede o recurso e a decisão arbitral recorrida deve ser confirmada.
*
As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que o mesmo goza.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - A legitimidade terá, em regra, de ser aferida pela titularidade dos interesses em litígio no processo, isto é, como dizem os n.ºs 1 e 2 do art. 30º do CPC, pelo interesse direto em demandar, exprimido pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da ação, ou do interesse direto em contradizer, traduzido no prejuízo que dessa procedência advenha ao réu.
II - O ónus da alegação e de prova dos factos que consubstanciam a noção de consumidor, nos termos da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, nos casos em que o consumidor pretenda exercer os seus direitos enquanto tal, é seu, por se tratar de factos que o direito material consagra como constitutivos do direito que pretende fazer valer.
III – Configurando o requerente a relação jurídica como uma relação de consumo, mas não conseguindo demonstrar que era titular de um contrato de fornecimento de energia elétrica por força do qual lhe eram fornecidos bens ou prestados serviços (art. 2º, n.º 1 da Lei n.º 24/96), nem que era “o cliente final de electricidade” (art. 3º, al. l), do Dec. Lei n.º 29/2006, de 15/02), carece aquele de legitimidade ativa para impulsionar o processo de reclamação junto do Tribunal Arbitral de Consumo, nos termos da citada Lei n.º 24/96, visto este diploma legal ter como pressuposto a proteção exclusivamente de natureza consumerística.
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V. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

- Atender a reclamação apresentada pelo recorrente do despacho individual do ora relator de 9/01/2019 e, consequentemente, revogando o referido despacho admite-se o recurso de apelação interposto pelo recorrente H. C..
- Julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão arbitral recorrida.
Custas da apelação a cargo do apelante (art. 527º do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que o mesmo goza.
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Guimarães, 2 de maio de 2019

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)


1. Seguindo a regra estabelecida no art. 652º, n.º 4, do CPC, e uma vez que a natureza das questões suscitadas não impôs decisão imediata, a reclamação deduzida será decidida no acórdão que julga o objeto do recurso.
2. O CIAB-Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Consumo (Tribunal Arbitral de Consumo) faz parte integrante da Rede de Arbitragem de Consumo, sendo um meio de resolução alternativa de litígios (RAL) e presta informação no âmbito dos direitos dos consumidores (art. 1º do Regulamento do CIAB). O Centro é uma associação sem fins lucrativos, autorizado pelo Membro do Governo responsável pela área da Justiça para poder desenvolver a sua atividade e encontra-se inscrito junto da Direção-Geral do Consumidor como entidade de resolução alternativa de litígios, nos termos dos artigos 5.º e 16.º da Lei n.º 144/2015, de 8 de setembro, que transpôs a Diretiva 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a RAL, que estabelece o enquadramento jurídico dos mecanismos de resolução extrajudicial de litígios de consumo (art. 2º, n.º 1 do Regulamento do CIAB).
3. Cfr Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Nélson Fernandes), in www.dgsi.pt. e Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 598/601.
4. Cfr Ac. do STJ de 17/10/2017 (relator Alexandre Reis), Acs. da RG de 4/10/2018 (relatora Eugénia Cunha) e de 5/04/2018 (relatora Eugénia Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 1/4/2014 (relator Alves Velho), Processo 360/09, Sumários, Abril/2014, p. 215, in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf.
5. Cfr Ac. do STJ de 28/02/2013 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt.
6. Como escreve Teixeira de Sousa, este «corolário do princípio da disponibilidade objectiva (artºs 264º, nº 1 e 664º, 2ª parte) significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões» - cfr. Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 220. Acrescenta o citado autor que também “a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia (se, por exemplo, o tribunal condena o réu a restituir a quantia mutuada e não considera a nulidade do respetivo contrato pro inobservância da forma legal (artºs. 1143º e 220º CC), o não conhecimento dessa nulidade (que é de apreciação oficiosa, artº. 286 CC) origina uma omissão de pronúncia e, por isso, gera a nulidade da decisão”. E não existe uma omissão de pronúncia, mas sim “um erro in iudicando, se o tribunal não aprecia um determinado pedido com o argumento de que ele não foi formulado: aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão”.
7. Cfr, entre outros, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371 e António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 364.
8. Cfr Ac. do STJ de 8/11/2016 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.
9. Cfr José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 713.
10. Cfr Ac. do STJ de 30/04/2014 (relator Mário Belo Morgado), in www.dgsi.pt. e Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 6.ª edição, Coimbra Editora, pp. 69/70.
11. Cfr Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1993, p. 176.
12. Cfr Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, p. 103.
13. Cfr Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra Editora, 1945, p. 357.
14. Saliente-se, porém, ser entendimento dominante que a sanção estabelecida no citado n.º 3 do art. 43º da Lei n.º 63/2011 apenas é aplicável no caso de as partes terem convencionado que o prazo previsto na lei (ou Regulamento) ou por elas fixado para a duração da arbitragem não poderia ser prorrogado. - cfr., António Sampaio Caramelo, A impugnação da sentença arbitral, 2ª ed., Almedina, p. 87.
15. O que não é confundível nem equivale ao reconhecimento de legitimidade (processual) ativa do requerente, que será ulteriormente objeto de apreciação.
16. Dispõe o citado normativo que: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
17. Cfr, António Sampaio Caramelo, obra citada, pp. 157/158.
18. Cfr, Miguel Teixeira de Sousa, Introdução do Processo Civil, Lex, Lisboa 2000, 2ª ed., p. 53.
19. cfr Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 135.
20. Cfr Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., pág. 84, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, obra citada, pág. 135, e José Lebre de Freitas e Outros, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, p. 51.
21. Cfr Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. I, 2ª ed., Almedina, p. 382.
22. Cfr Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., 2017, Almedina, p. 74.
23. Cfr Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, obra citada, p. 131/132.
24. Com a introdução deste segmento pôs-se fim a saber o que era, afinal, a relação material controvertida que deu lugar a uma conhecida e acesa polémica doutrinal, que teve como principais protagonistas Alberto dos Reis (tese da relação material efetiva) e Barbosa de Magalhães (tese da pretensa relação jurídica controvertida). Muito genericamente, entendia o primeiro que a legitimidade processual consistia em as partes serem os sujeitos da relação material controvertida efetiva (cfr. B.F.D.U.C., Ano IX, especialmente p. 130 e segs.), enquanto que para o segundo a legitimidade para a ação determinava-se pelos sujeitos da pretensa relação jurídica controvertida, ou seja, a relação jurídica tal como vinha configurada pelo A. (cfr. Gazeta da Relação de Lisboa, Ano 32º, nº 18, p. 274 e segs.). Com a revisão do Código de Processo Civil, operada pelo Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, alterado pelo Dec. Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, adotou-se expressamente a posição de Barbosa de Magalhães, sufragada já anteriormente pela jurisprudência maioritária (cfr., v. g., Acs. do S.T.J. de 12/02/88, B.M.J., n.º 380, p. 432 e de 18/01/94, C.J., Ano II, Tomo I, p. 43). Poder-se-iam aduzir vários argumentos em favor desta corrente, mas aquele que mais impressiona e como tal reputamos de decisivo para a sua consagração legal é o facto de ser uma solução com uma vertente indiscutivelmente mais pragmática, uma vez que se obsta a uma eventual decisão de forma, no caso de se verificar, a final, não serem os sujeitos em questão os titulares da relação jurídica material controvertida, tal como esta foi configurada pelo autor. De outro modo, deparar-nos-íamos com uma decisão de absolvição de instância, que depois de tanto labor só constituiria caso julgado formal, como se extrai do disposto nos arts. 279º, n.º 1 e 620º, ambos do CPC, o que permitiria eternizar as controvérsias, com sucessivas demandas entre os mesmos sujeitos. Na lei atual, tal como na precedente, na interpretação que já reputávamos de mais correta, as partes têm legitimidade para discutir a relação jurídica tal como é apresentada pelo autor e, no caso de não ser feita prova da sua titularidade, será o réu absolvido do pedido, resolvendo-se, de uma vez por todas, o litígio.
25. Cfr Ac. da RL de 19/06/2014 (relator Olindo dos Santos Geraldes), in www.dgsi.pt.
26. O referido critério subsidiário vale para as situações de legitimidade singular e direta, e não com a legitimidade extraordinária, consubstanciada esta na legitimidade plural (litisconsórcio) ou na atribuição de legitimidade indireta (representação ou substituição processual). – cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, 2004, Almedina, pp. 59/60.
27. Neste sentido, Ac. do STJ de 15/06/1994, CJSTJ, T. II, p. 148 e Ac. RP de 13/03/2000, in CJ, Ano XXV, T. II, p. 198.
28. cfr Ac. do STJ de 12/12/1991, BMJ, n.º 412, p. 422.
29. Tomada como referencial dado se tratar do diploma que incorpora os princípios gerais do direito do consumo. Aliás, nos casos em que determinado diploma utiliza mas não define o conceito de consumidor, a tendência mais comum concite em recorrer à definição plasmada na Lei n.º 24/96, podendo esta, assim, considerar-se residual (cfr. Jorge Morais de Carvalho, Manuel de Direito de Consumo, 5ª ed., 2018, Almedina, p. 27).
30. Cfr Venda de Bens de Consumo”, 4ª Ed., 2010, Almedina, p. 55 e segs. e Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 2001, Almedina, pp. 112/114.
31. Cfr obra citada, pp. 25/27.
32. O conceito de consumidor, consagrado em diversos diplomas (nomeadamente nos que transpõem directivas europeias), não é um conceito unívoco. O seu alcance, mais amplo ou mais restrito, extrai-se do quadro normativo convocável em cada domínio tipológico-problemático específico (cfr. Ac. do STJ de 17/04/2018 (relator Henrique Araújo), in www.dgsi.pt.).
33. Cfr Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 27.
34. Cfr Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 27.
35. A qualificação de ‘consumidor’ não é uma questão estritamente jurídica; ela envolve também uma componente factual subordinada ao ónus de alegação e de prova.
36. Cfr Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 35/36.