Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6491/17.3T8GMR.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
CUMULAÇÃO DE INDEMNIZAÇÕES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - As indemnizações devidas pelo responsável civil e pelo responsável laboral em consequência de acidente, simultaneamente de viação e de trabalho, assentam em critérios distintos e têm uma funcionalidade própria, não sendo cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado ao lesado/sinistrado.

II - Se o responsável pelo acidente de trabalho (a entidade patronal ou a respetiva seguradora) satisfez a correspondente indemnização, o lesado não fica impedido de obter do responsável civil a diferença entre o que recebeu daquele e a maior indemnização que, porventura, se calcule de harmonia com as regras da responsabilidade civil.

III - A lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”.

IV - Em caso de défice funcional permanente que não seja impeditivo de exercício da atividade profissional do lesado, mas que implique ainda assim um maior esforço no desempenho dessa atividade, no decurso do tempo de vida expetável, não se mostra viável, em regra, estabelecer o quantum indemnizatório com base em cálculo aritmético de rendimentos específicos, devendo recorrer-se à equidade dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função do tipo de gravidade das sequelas sofridas.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

F. P. intentou, no Juízo Central Cível de Guimarães - Juiz 3 - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ação declarativa de condenação na forma de processo comum, contra a “X – Companhia de Seguros, S.P.A.”, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia líquida de € 155.000,00 a título de indemnização pelos danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos em consequência de acidente de viação (atropelamento ocorrido no dia 5 de Dezembro de 2014), cuja ocorrência imputa, por culpa, ao condutor do veículo com a matrícula VT, seguro na Ré, em consequência do que sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais que descreve.
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Regularmente citada, contestou a Ré, aceitando a responsabilidade pela produção do sinistro e a obrigação de indemnizar daí decorrente, mas impugnando os alegados danos e alegando que, por se tratar de acidente simultaneamente de viação e de trabalho, o Autor já foi indemnizado em sede laboral pelo dano futuro da perda de rendimentos resultante da sua IPP, pelo que requereu a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Y Portugal, S.A. para esta vir exercer o seu direito de regresso contra a Ré pelo que tiver pago ao Autor (cfr. fls. 25 a 28).
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Deferida tal intervenção, veio a Y Portugal, S.A. dizer que já foi reembolsada pela Ré de todas as quantias despendidas por força do acidente dos autos, nada mais tendo a exigir da Ré, motivo pelo qual não detém qualquer interesse em permanecer na ação (cfr. fls. 86 e 87).
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Foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador onde se julgaram válidos todos os pressupostos de regularidade da instância, tendo-se procedido à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova (cfr. fls. 92 a 94).
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Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 123 a 125).
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Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença (cfr. fls. 126 a 143), nos termos da qual, julgando a presente ação parcialmente procedente, decidiu condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 109.067,43.
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Inconformada, a Ré interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 144 a 149) e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I. Por confessados e úteis para a decisão dos autos deverão, dar-se como provados, no uso dos poderes previstos no art° 662° do CPC, os seguintes factos, como se requer:

a) que a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho pelo sinistro em apreço nos autos se encontrava transferida, pela apólice n° (...), para a Y, SA;
b) que a ré, X, reembolsou esta última por todas as quantias por ela dispendidas por força daquele dito sinistro.
II. O autor não o pediu, pelo que o tribunal recorrido ao condenar a ré a pagar àquele o dano de perda futura de rendimentos decorrente do défice funcional permanente de 14 pontos julgou ultra petita, violou o previsto no art" 6090/1 do CPC, devendo essa parte da sua decisão ser revogada e a ré dela absolvida.
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III. A vertente patrimonial das sequelas físicas permanentes é avaliada e valorada do ponto de vista médico-legal numa incapacidade para o trabalho, fixada numa determinada percentagem, com base na tabela I do DL. 352/07.
IV. A vertente não patrimonial das sequelas físicas permanentes é avaliada e valorada do ponto de vista médico-legal num défice funcional permanente/incapacidade geral, fixada em pontos, com base na tabela II do DL. 352/07.
V. Esta tabela apenas faz uma avaliação qualitativa, mas já não quantitativa, da repercussão daquele défice funcional sobre a capacidade profissional do lesado (no caso esforços moderados).
VI. A avaliação quantitativa, necessária à graduação duma decisão, só é feita pela sobredita incapacidade laboral, a da tabela I.
VII. O autor apenas pede para ser ressarcido pelos danos não patrimoniais decorrentes do défice funcional permanente, pelo que tendo sido indemnizado pelos danos patrimoniais futuros e ainda pelo dano biológico em sede de processo de acidente laboral, não pode agora ser indemnizado pelo mesmo dano patrimonial futuro nestes autos.
VIII. Ao fazê-lo o tribunal recorrido violou o previsto nos art" 563°, 564° e 566° do cc.
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IX. É excessiva a indemnização de € 100.000 pelos danos decorrentes do défice funcional permanente de 14 pontos de que ficou afectado o autor, pelo que, ao fixá-la, o tribunal a quo violou o disposto no are 506°/1 do CC, devendo a sua decisão ser alterada, reduzindo aquele valor para não mais de € 10.637,20 ou, na pior das hipóteses, de € 23.401,84, com as mais consequências legais.

TERMOS EM QUE a sentença recorrida deverá ser alterada conforme atrás se concluiu, com o que se fará
JUSTIÇA!».
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Contra-alegou o autor, pugnando pela improcedência do recurso (cfr. fls. 152).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 154).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

i) – Da nulidade da sentença com fundamento nas als. d) e e) do n.º 1 do art. 615º do CPC (por violação do art. 609º, n.º 1 do CPC), na parte respeitante à condenação no dano patrimonial futuro.
ii) – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
iii) – Da (indevida) cumulação entre a indemnização paga, em sede de processo de acidente laboral, pelos danos patrimoniais futuros e pelo dano biológico e o montante indemnizatório arbitrado nestes autos a título de dano patrimonial futuro.
iv) - Se é excessiva a indemnização arbitrada pelos danos decorrentes do défice funcional permanente de que o autor ficou afectado.
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III. Fundamentos

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1. No dia 5 de Dezembro de 2014, pelas 19:10m, o Autor circulava apeado na Avenida sociedade musical, na freguesia de (...) do Concelho de Guimarães, no passeio que delimita a faixa de rodagem do sentido Lordelo/Selho São Jorge.
2. A dada altura decidiu atravessar a via, para o passeio do lado contrário da faixa de rodagem, para o passeio que delimita a faixa de rodagem do sentido de trânsito Selho São Jorge/Lordelo e, para tanto, aproximou-se da passagem para peões que ali existe.
3. A Avenida Sociedade musical é constituída por duas faixas de rodagem, divididas por um canteiro, em que uma das faixas se destina à circulação no sentido Selho São Jorge/Lordelo e outro no sentido Lordelo/Selho São Jorge.
4. A velocidade máxima é de 50 km/h, por se tratar de uma localidade.
5. Constitui uma rua de acesso a uma zona industrial, em que todos os dias ali circulam dezenas de peões apeados.
6. O Autor ao aproximar-se da passadeira da faixa de rodagem Lordelo/Selho (...), olhou para a esquerda, a fim de verificar se podia atravessar a via em segurança.
7. Como não se aproximavam veículos iniciou a travessia, até ao canteiro que divide as duas vias da Avenida Sociedade Musical.
8. Ao chegar ao canteiro, voltou a olhar para a esquerda a fim de verificar se podia continuar a travessia em segurança.
9. Ao percepcionar que o podia fazer em segurança, começou atravessar a faixa de rodagem.
10. Quando o Autor estava a cerca de um metro do passeio do lado oposto da faixa de rodagem, sentido Selho (...)/Lordelo, foi colhido pela viatura de matrícula VT, de marca Seat e modelo Leon, conduzido por P. M..
11. O referido veículo embateu com a parte frontal esquerda nas pernas do Autor.
12. Em consequência, o Autor foi projectado a 2 metros e caiu desamparado no chão.
13. À hora do acidente era já noite.
14. O Autor deslocava-se no percurso habitual do trabalho para casa, no caminho que todos os dias fazia do seu trabalho até causa.
15. Correu termos no Juiz 1 do Tribunal de Trabalho de Guimarães processo de acidente de trabalho sob o n.º de processo 7817/15.0T8GMR com referência ao evento em causa nos autos.
16. Onde foi atribuída ao Autor uma pensão obrigatória remível de € 1.019,58 (mil e dezanove euros e cinquenta e oito cêntimos) em função da Incapacidade Parcial Permanente de 21,750% que lhe foi fixada pelo Gabinete Médico-Legal.
17. O Autor nasceu no dia 7 de Dezembro de 1958.
18. À data do sinistro, a responsabilidade pelos riscos emergentes da condução do veículo com a matrícula VT encontrava-se transferida para a Ré, através da apólice n.º (...).
19. Em consequência do atropelamento, o Autor foi transportado para o Hospital de Guimarães pelos Serviços de Urgência, onde deu entrada no próprio dia com as seguintes lesões: traumatismo do pé esquerdo; fractura – luxação navicular do pé esquerdo; - fractura diafisária de M4; - luxação MCF do 2.º dedo; - luxação da articulação de Chopard; - fractura comutativa do escafóide társico e cubóide
20. Foi operado de urgência no dia seguinte.
21. Em 23 de Dezembro de 2014 foi submetido a nova intervenção cirúrgica ao pé esquerdo.
22. Teve alta hospitalar no dia 9 de Janeiro de 2015.
23. Após a alta hospitalar foi encaminhado pela Companhia de Seguros Y (apólice de Acidentes de Trabalho) para os Serviços Clínicos do Hospital de Santa Maria no Porto, onde manteve consultas de Ortopedia.
24. E foi submetido a mais três intervenções cirúrgicas, com internamentos de 11 de Fevereiro a 12 de Fevereiro de 2015, de 16 de Setembro a 23 de Setembro de 2015 e de 25 de Fevereiro de 2016 a 27 de Fevereiro de 2016.
25. Manteve-se em tratamentos até ao dia 15 de Abril de 2016, data em que foi fixada a consolidação médico-legal.
26. Nos dias de internamento e nos dias imediatos às intervenções cirúrgicas e por períodos não concretamente apurados mas nunca inferiores, no total, a 49 dias, o Autor esteve privado da sua normal mobilidade e inteiramente dependente da ajuda de terceira pessoa, que lhe dava banho, o levava à casa de banho e o vestia.
27. O Autor sentia dores.
28. O Autor tinha dificuldades em dormir, dado que não encontrava qualquer posição confortável e qualquer movimento lhe era doloroso. 29. As dores, a falta de mobilidade, as dificuldades em dormir e o sono agitado, causaram no Autor grave angústia, sofrimento, desespero, noites e noites sem descanso.
30. Toda esta situação deixava o Autor melindrado e até vexado e humilhado por não ser auto-suficiente e depender de terceiros para alguns dos mais primários actos da vida corrente.
31. Em consequência do acidente, o Autor apresenta as seguintes sequelas: marcha claudicante, marcada por dor no bordo externo do pé; membro inferior esquerdo: cicatriz distrófica que se estende desde a região infra maleolar externa até ao bordo externo do pé com 12 cm de comprimento, com parte distal com risco de ulceração; cicatriz cirúrgica no bordo interno do pé com 6 cm por 1 cm; apresenta complexo cicatricial hipocrómico com 6 cm por 2 cm, em localização supramaleolar interna; cicatriz cirúrgica linear e vertical em localização infra-rotuliana com 7 cm de comprimento (retirada de enxerto ósseo), dolorosa e com alterações de sensibilidade local; imobilidade de quatro dedos dos pé, só mobilizando o hallux; imobilidade do tarso e subastragalina/artrodese da tibiotársica associada a deformidade do dorso do pé (rigidez tibiotársica na flexão dorsal 0º-10º e na flexão plantar de 0º-20º, com inversão/evasão do pé nulas); atrofia muscular da coxa de 2 cm (44 cm vs 46 cm à direita) e atrofia dos músculos da perna de 3 cm (33 cm vs 36 cm à direita); edema dos tecidos moles do tornozelo e pé.
32. As sequelas supra referidas acarretam para o Autor um défice funcional permanente da integridade fisico-psíquica de 14 pontos, e são compatíveis com o exercício profissão habitual, mas implicam esforços suplementares moderados.
33. As lesões sofridas, provocaram-lhe dores físicas tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos.
34. As sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida e que se exacerbam com as mudanças de tempo.
35. Em resultado das sequelas que o apoquentam, sente cansaço, incómodo e fenómenos dolorosos ao nível do pé esquerdo.
36. À data do acidente, o Autor era uma pessoa em pleno vigor, fisicamente bem constituída e saudável, escorreito, sem mazelas, activo e que trabalhava.
37. À data do acidente, era empregado de armazém, profissão que ainda mantém.
38. Ainda que com algumas adaptações, na medida em que, o Autor deixou de conseguir carregar pesos superiores a 15 kg.
39. Recebia anualmente o montante de € 7.598,00 (sete mil, quinhentos e noventa e oito euros) a título de remuneração ilíquida.
40. Em consequência do acidente, o Autor tem dificuldades em realizar as tarefas de empregado de armazém, atendendo às dores que sente.
41. A Y, S.A. pagou ao Autor, a título de remição da pensão, a quantia de € 12.251,27 (doze mil, duzentos e cinquenta e um euros e vinte e sete cêntimos).
42. A Y, S.A. pagou ao Autor, a título de dano biológico, a quantia de € 11.181,30 (onze mil, cento e oitenta e um euros e trinta cêntimos).
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E deu como não provados:

1. Foi-lhe prescrita fisioterapia durante vários meses, mas sem evolução favorável.
2. Nos 454 dias seguintes ao acidente, com excepção de se deslocar quer à consulta externa, quer às sessões de fisioterapia esteve acamado.
3. Desde o acidente passou a sofrer de sequelas do foro psiquiátrico: - irritabilidade exacerbada com terceiros e familiares, tornando-se irritável e intempestivo; insónias, dormindo por curtos períodos e com sono agitado, com crises de sonambulismo; - cefaleias; -estado de ansiedade permanente; - humor deprimido; - instabilidade emocional; - medo; - revivescências traumáticas do acidente.
4. O Autor fazia caminhadas e cuidava do seu aspecto físico.
5. O Autor toma diariamente e necessita de tomar diariamente ansiolíticos, anti-inflamatórios, relaxantes musculares, antidepressivos, indutores de sono.
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IV. Do objecto do(s) recurso(s)

1. Nulidade da sentença com fundamento na al. e) do n.º 1 do art. 615º do CPC.

1.1. Malgrado a recorrente não fazer menção expressa à nulidade da sentença, certo é que ao propugnar que, no tocante ao segmento condenatório relativo ao “dano de perda futura de rendimentos decorrente do défice funcional permanente de 14 pontos”, a sentença violou o disposto no art. 609º, n.º 1 do CPC, pois que condenou “ultra petita”, uma vez que o autor não havia formulado aquele pedido, o vício imputado não pode deixar de ser reconduzido à previsão do art. 615º, n.º 1, als. d e e) do CPC, o que equivale, em termos práticos, à arguição das referidas nulidades.

Será, por conseguinte, tratada como tal.

Como é consabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).

Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito. Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC (1).

As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3 do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC.

Nos termos do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula, entre o mais, quando:

«d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido».

Como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) do n.º 1 do art. 615º do CPC divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia e o segundo relativo ao excesso de pronúncia ou de pronúncia indevida (sendo esta a que releva à situação dos autos).

Encontra-se vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de exceções que estão na exclusiva disponibilidade das partes e que estas não invocaram. Ou seja, proíbe-se ao juiz ocupar-se de questões que as partes não tenham suscitado (2), a menos que a lei lho permita ou lhe imponha o conhecimento oficioso.
O excesso de pronúncia gerador da nulidade «só tem lugar quando o juiz conhece de pedidos, causas de pedir ou exceções de que não podia tomar conhecimento» (3).

Registe-se, no entanto, que a relação entre a pretensão contida na conclusão da petição inicial ou reconvenção e o “decidido” não tem de se caraterizar por uma correspondência ipsis verbis. «Importante e absolutamente necessária é a correspondência entre a manifestação da vontade do requerente, ainda que implícita mas inquestionavelmente contida na pretensão, e a decisão proferida» (4).

Por seu lado, sob pena de verificação da nulidade prescrita na al. e) do art.. 615º do CPC, o juiz não pode ultrapassar na sentença os limites do(s) pedido(s), em violação do princípio do dispositivo. Tal é imposto pelo n.º 1 do art. 609º do CPC, que prescreve que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.

A propósito desta causa nulidade, importa especificar duas breves notas:

- Para determinar os limites da condenação o que releva é o pedido global e não as parcelas em que a mesma se desdobra;
- Apenas se verifica esta causa de nulidade quando o tribunal condena em mais do que foi pedido ou em objeto diverso do peticionado, o que não é o caso quando condena em quantidade inferior, pois neste caso, o decidido contém-se dentro do pedido formulado pelas partes.

Relativamente ao(s) vício(s) imputado(s) à sentença dir-se-á que, ainda que, porventura, o Autor, na petição inicial, tivesse configurado juridicamente a sua pretensão indemnizatória do dano biológico (unicamente) como dano não patrimonial – afirmação esta que não podemos dar como garantida, uma vez que na explicitação das razões de direito referiu que o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral, carecendo a situação de ser apreciada casuisticamente (arts. 79º a 83º da p.i.), embora no art. 84º se tenha tão só reportado “à compensação pela vertente não patrimonial do dano biológico” e o título dos danos seja encimado como “DANOS NÃO PATRIMONIAIS” (cfr. fls. 46) – tal não obstaria a que o Tribunal, no exercício dos seus poderes de livre qualificação jurídica da factualidade invocada como causa de pedir, pudesse proceder – como, efetivamente, procedeu – a uma correção/convolação da configuração jurídico normativa da pretensão, reconduzindo a matéria facto alegada ao quadro normativo que tenha por adequado.

Com efeito, como decidiu o Ac. do STJ de 3/11/2016 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt., «o que está em causa nesta sede – a problemática do dano biológico – é determinar se é autonomamente indemnizável a perda parcial de uma plenitude de capacidades pessoais, com possível incidência – não apenas nas actividades da vida pessoal e familiar do lesado – mas também no exercício futuro de actividade laboral, decorrente das sequelas causadas pelo acidente».

E, como resulta do art. 5º, n.º 3 do CPC, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, pelo que, independentemente do seu enquadramento ou qualificação jurídicas (ou como dano patrimonial ou como dano não patrimonial ou, ainda, como um "tercium genus", como um dano de natureza autónoma e específica, inexistindo, como adiante melhor veremos, um consenso doutrinal e jurisprudencial quanto à categoria onde deve ser inserido), ao atribuir ao autor uma indemnização a título de dano biológico, na vertente de dano patrimonial futuro pela perda da capacidade de ganho ou decorrente do défice funcional, o tribunal recorrido não só não violou os limites da condenação assinalados no n.º 1 do art. 609º do CPC, como igualmente não se pronunciou indevidamente sobre questão que não lhe havia sido solicitada.
Nesta conformidade, conclui-se pela improcedência da(s) aludida(s) nulidade(s) da sentença.
*
2. Da impugnação da matéria de facto.

2.1. Em sede de recurso, a apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Os recursos da matéria de facto podem envolver objetivos diversificados:

- Alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (art. 662º, n.º 1 do CPC);
- Apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC);
- Ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC).
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Por referência às suas conclusões, extrai-se que a recorrente pretende a ampliação da matéria de facto, de modo a que dela passe a constar do elenco dos factos provados que:

a) a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho pelo sinistro em apreço nos autos se encontrava transferida, pela apólice n° (...), para a Y, SA;
b) a ré, X, reembolsou esta última por todas as quantias por ela dispendidas por força daquele dito sinistro.

A esse respeito, importa convocar o ensinamento de Abrantes Geraldes (5), nos termos do qual a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, podendo – e devendo – algumas delas ser solucionadas de imediato pela Relação, ao passo que outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento.

Como concretização de tais patologias enuncia o citado autor que as decisões sob recurso “podem revelar-se total ou parcialmente deficientes”, “resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, “de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”.

Verificado esse vício, para além de o mesmo ser sujeito a apreciação oficiosa da Relação, poderá esta supri-lo a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação.

Pode, assim, “revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo”, faculdade esta que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes”; nesse caso, ao invés de anular a decisão da 1ª instância, se estiverem acessíveis todos os elementos probatórios relevantes, “a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas”.

Ora, como refere a recorrente, na decorrência do alegado pelo A. nos arts. 40º a 44º da petição inicial no sentido de o sinistro em apreço nos autos ser simultaneamente acidente de viação e de trabalho, alegou aquela, na contestação, que a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho da entidade patronal do autor se encontrava transferida para a Companhia de Seguros Y, Portugal, SA, através da apólice (...), facto este que viria a ser confirmado por esta seguradora, na sequência da sua demanda nos autos, a título de intervenção principal provocada, mais tendo a aludida seguradora reconhecido que foi já reembolsada pela Ré de todas as quantias despendidas por força do acidente dos autos, declarando expressamente nada mais ter a exigir da Ré, em sede reembolso (cfr. articulado da chamada constante de fls. 86 e 87).

Tais factos não foram impugnados por nenhuma das partes e, conquanto não tenha sido junto aos autos o documento comprovativo que titula a apólice do referido contrato de seguro, essa circunstância não foi impeditiva da procedência do incidente de intervenção principal provocada. Ademais, a existência desse contrato de seguro foi expressamente confirmada pela própria segurada, pelo que não estando em causa um facto essencial à questão decidenda é de admitir que o mesmo possa/deva ser dado como provado, o mesmo valendo para o segundo ponto fáctico objeto da pretendida ampliação, por este servir como complemento à matéria fáctica dos pontos 41 e 42 dos factos provados.

Assim, e sem mais delongas por despiciendas, ao abrigo do disposto no art. 662º, n.º 1, do CPC, resta concluir pela procedência da requerida ampliação da matéria de facto, aditando-se à matéria de facto provada, que passará a valer como pontos 43) e 44), a seguinte factualidade (6):

43) A responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho pelo sinistro em apreço nos autos encontrava-se transferida, pela entidade patronal do Autor, para a Y, SA., através da apólice n.º (...).
44) A ré, X, reembolsou a Y, SA. por todas as quantias por ela dispendidas por força daquele dito sinistro.
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3. Reapreciação de direito.

3.1. – Da (indevida) cumulação entre a indemnização paga, em sede de processo de acidente laboral, pelos danos patrimoniais futuros e pelo dano biológico e o montante indemnizatório arbitrado nestes autos a título de dano patrimonial futuro.

Resumidamente, a questão suscitada consiste em determinar se, tendo o A. já recebido do responsável objetivo pelo sinistro laboral (seguradora da respetiva entidade patronal) a quantia aí fixada a título de danos patrimoniais futuros e dano biológico, o segmento condenatório contido na sentença recorrida referente ao dano patrimonial futuro representa uma duplicação de indemnizações referentemente a um mesmo dano.

Para apreciação desta questão tomamos (primordialmente) de empréstimo a fundamentação do acórdão do STJ de 11/12/2012 (relator Lopes do Rego) (7), in www.dgsi.pt., segundo qual é posição pacífica e sucessivamente reiterada de que as indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes cada uma em critérios distintos e com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento integral do dano/prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.

Como Vaz Serra escreveu em anotação ao Acórdão de 30 de maio de 1978, na RLJ, Ano 111º, pp. 327/331, “a solução de que as indemnizações por acidentes simultaneamente de viação e de trabalho se não cumulam e apenas se completam até ao ressarcimento total do dano causado ao lesado é manifestamente exacta, pois a finalidade da indemnização é reparar o prejuízo causado ao lesado e não atribuir a este um lucro. Se, portanto, o lesado receber a indemnização que lhe é devida pela entidade patronal ou seguradora da responsabilidade civil dela, não pode exigir do responsável pelo acidente de viação uma indemnização que represente uma duplicação daquela outra: na medida da indemnização satisfeita pela entidade patronal ou seguradora, a título de responsável pelo acidente de trabalho, o dano deixou de existir e, por isso, não tem já de ser reparado pelo responsável pelo acidente”.

Todavia, apesar de não haver cumulação de indemnizações, há cumulação de responsabilidades.

«Por isso, as indemnizações são independentes e, dessa independência, decorre que o tribunal em que for formulado o pedido de indemnização exerce a sua jurisdição em plenitude, decidindo e apurando, sem limitações, a extensão dos danos.

Deste modo, pedida a indemnização no foro laboral deve ser arbitrada a indemnização respetiva de acordo com os critérios legais próprios aí determinados e, pedida a indemnização civil, deve arbitrar-se a indemnização de acordo com as regras próprias aí estabelecidas» (8).

Portanto, se o lesado recebeu da entidade patronal a indemnização que lhe é devida, nada mais terá a reclamar do responsável pelo acidente de viação; e, vice versa, sendo indemnizado por este último. Excetua-se, no entanto, a hipótese de o quantitativo de uma das indemnizações exceder o da outra. O lesado poderá então exigir a diferença. Assim, se o responsável pelo acidente de trabalho (a entidade patronal ou a respetiva seguradora) satisfez a correspondente indemnização, o lesado não fica impedido de obter do responsável civil a diferença entre o que recebeu daquele e a maior indemnização que, porventura, se calcule de harmonia com as regras da responsabilidade civil.

Pretende-se com este regime evitar que os beneficiários recebam uma dupla indemnização pelos mesmos danos, sob pena de se verificar um injusto enriquecimento daqueles, como sucederia no caso de ser permitida a acumulação das duas indemnizações.

Por outro lado, não é controvertido que a responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, assumindo, assim, a responsabilidade da entidade patronal ou da respetiva segurador caracter subsidiário (9). Alguém, seja quem for, maxime a entidade patronal do lesado ou a sua seguradora, que adiante a indemnização está a cumprir uma obrigação alheia, a obrigação do lesante (ou da sua seguradora). Em conformidade, a entidade patronal ou a respetiva seguradora podem repercutir sobre o responsável civil ou a respetiva seguradora aquilo que, a título de responsável objetivo pelo acidente laboral, tenham pago ao sinistrado. Além de que os responsáveis pela reparação do acidente de trabalho ficam desonerados do pagamento de indemnização destinada a ressarcir os mesmos danos já reparados pelos responsáveis pelo acidente de viação.

A partir desta fisionomia de concurso ou concorrência de responsabilidades (que não envolve um concurso ou uma acumulação real de indemnizações pelos mesmos danos concretos) pode dizer-se que o mesmo preenche, no essencial, a figura da solidariedade imprópria ou imperfeita, pois que:

- no plano das relações externas, o lesado pode exigir, em alternativa, a indemnização ou ressarcimento dos danos de quaisquer dos responsáveis, civil ou laboral, escolhendo aquele de quem pretende obter em primeira linha a indemnização, mas sem que lhe seja lícito somar, em termos de acumulação real, ambas as indemnizações;
- no plano das relações internas, a circunstância de haver um escalonamento de responsabilidades, sendo um dos obrigados a indemnizar o responsável primacial ou definitivo pelos danos causados (o responsável civil ou a sua seguradora), conduz a que tenha que se outorgar ao responsável provisório (a entidade patronal ou a respetiva seguradora) o direito ao reembolso das quantias que tiver pago, fazendo-as repercutir definitivamente, direta ou indiretamente, no património do responsável ou responsáveis civis pelo acidente.

Importa, todavia, assinalar algumas especialidades desta relação de solidariedade imprópria.

Assim, no que concerne ao regime das relações externas, acentua-se que (ao contrário do que sucede na «comum» solidariedade obrigacional – art. 523º do Cód. Civil), o pagamento da indemnização pelo responsável pelo sinistro laboral não envolve a extinção, mesmo parcial, da obrigação comum, não liberando o responsável pelo acidente de viação: é que, se a indemnização paga pelo detentor ou condutor do veículo (ou pela respetiva seguradora) extingue efetivamente a obrigação (subsidiária) de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não é exato, na medida em que a indemnização paga por esta entidade (por ser subsidiária) não extingue a obrigação a cargo do responsável civil que causou o acidente e cuja responsabilidade é, como se referiu, primacial ou definitiva.

No plano das relações internas, tem sido acentuado que o quadro normativo aplicável é o que resulta estritamente do preceituado na Lei dos Acidentes de Trabalho em vigor (o atual art. 17º da Lei n.º 98/2009, de 04/09), podendo esse direito ao reembolso do responsável laboral (entidade patronal ou respetiva seguradora) ser concretizado por uma de três formas:

a)- substituindo-se ao lesado na propositura da ação indemnizatória contra os responsáveis civis, se lhe pagou a indemnização devida pelo sinistro laboral e o lesado não cuidou de os demandar no prazo de um ano a contar da data do acidente – cfr.. art. 17º, n.º 4 da Lei n.º 98/2009 (10).
b)- intervindo como parte principal na causa em que o sinistrado exerce o seu direito ao ressarcimento no plano da responsabilidade por factos ilícitos, aí efetivando o direito de regresso ou reembolso pelas quantias já pagas. – cfr. art. 17º, n.º 5 do citado diploma legal.
c)- exercendo o direito ao reembolso contra o próprio lesado, caso este tenha recebido (em processo em que não tenha tido lugar a referida intervenção principal) indemnização que represente duplicação da que lhe tenha sido outorgada em consequência do acidente laboral – art. 17º, n.º 2 da mesma Lei.

Destas considerações resulta pois que, «embora a fixação ao lesado, no âmbito laboral, de um montante de capital ou de uma pensão vitalícia vise ressarcir a sua incapacidade permanente para o desempenho de funções laborais, não pode a seguradora do acidente de viação escusar-se ao pagamento da indemnização que lhe cabe com o fundamento na cumulação de indemnizações, laboral e por acidente de viação» (11).

E em favor desta orientação pode invocar-se a letra do já citado art. 17º da Lei n.º 98/09, que «efectivamente não contempla a faculdade de o responsável civil opor ao lesado/sinistrado, como verdadeira excepção peremptória, o anterior pagamento de indemnização laboral, reportada precisamente aos mesmos danos que suportam a pretensão indemnizatória formulada na ação que visa a efectivação da responsabilidade civil extracontratual (…)».

Acresce que, no caso dos autos, contrariamente ao propugnado pela recorrente, inexiste uma efetiva situação de duplicação de indemnizações pelo mesmo dano a que urja pôr cobro.

Com efeito, se bem atentarmos na petição inicial resulta claro que o lesado logo aí indicou ter-lhe sido atribuído, no âmbito do processo de acidente de trabalho (que identificou), uma pensão obrigatória remível de 1.019,58€ em função da incapacidade parcial permanente de 21,750/ que lhe foi atribuída, dizendo que, não obstante o alegado, «não ficou integralmente ressarcido dos prejuízos dos que lhe foram causados» (cfr. arts. 40º a 45º da p.i.).

E, para além de ter peticionado o pagamento de uma compensação a título de danos não patrimoniais no valor de 45.000,00€, pretende também ser ressarcido pelo dano biológico sofrido em consequência do acidente dos autos, que computou no valor de 110.000,00€.

Ora, como é sabido, a indemnização estabelecida em sede de acidentes de trabalho apresenta duas vertentes: a primeira que respeita à recuperação física e psíquica do sinistrado e a segunda que corresponde ao pagamento de uma quantia pecuniária em função da morte ou da incapacidade de trabalho (art. 23º da Lei n.º 98/09) (12).

O montante da indemnização depende, em primeiro lugar, do dano sofrido pelo trabalhador, cujo valor da reparação será diferente consoante se esteja perante um caso de morte (art. 56º e ss. da Lei n.º 98/09) ou de incapacidade, importando neste caso distinguir se esta é permanente ou temporária e total ou parcial (art. 48º da Lei n.º 98/09). Por outro lado, também para efeitos indemnizatórios, há que apuar o grau de incapacidade, determinado por coeficientes, normalmente expressos de modo percentual, constantes da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Dec. Lei n.º 352/2007, de 23/10.

Como resulta do art. 48º da Lei n.º 98/09, a indemnização, regra geral, não é fixada pela totalidade da retribuição, mas por uma percentagem desta, sendo que, em caso de incapacidade permanente parcial, a pensão anual e vitalícia corresponderá a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho ou capital de remição da pensão (art. 48º, n.º 3, al. c) da Lei n.º 98/09.

Isto é, a indemnização fixada no foro laboral, em caso de incapacidade permanente do lesado, para o que aqui interessa, será concretizada através de uma reparação em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou ganho.

Quer dizer, fixando-se ao lesado, neste âmbito, um montante de capital ou uma pensão vitalícia, a sua incapacidade permanente para o desempenho de funções laborais fica ressarcida.

Acontece que, na medida em que o ressarcimento determinado em termos de responsabilidade por acidentes de trabalho, como é regra, não compensa ou repara todo o dano sofrido, tendo o sinistrado recebido a indemnização da entidade patronal (ou da respetiva seguradora) ainda lhe assiste o direito de demandar o terceiro responsável civil para reclamar a diferença, na pressuposição de que um dos direitos de indemnização excede o montante do outro.

E essa é, precisamente, a situação versada nos autos, porquanto, face ao modo como está construída a petição inicial, o lesado refere explicitamente a atribuição de uma indemnização decorrente do acidente laboral, «peticionando que lhe seja arbitrada quantia que parece representar uma indemnização adicional à emergente do sinistro laboral, logicamente reportada ao ressarcimento de danos que se não pudessem ter por incluídos ou contemplados no capital de remição que reconhece» ter-lhe sido fixado.
Nessa decorrência, por força do princípio dispositivo – que implica a congruência entre a petição e a sentença –, bem como do princípio de que não há lugar à cumulação de indemnizações, mas tão só cumulação de responsabilidades, ao arbitrar a quantia indemnizatória devida a título do défice funcional, o mesmo é dizer do dano patrimonial futuro – e uma vez que o pedido deve ser interpretado como peticionando apenas a compensação dos danos que representassem um valor remanescente ao arbitrado em consequência do acidente de trabalho –, o Mmº Juiz “a quo”, ao fixar a indemnização global que incluísse todos os danos emergentes do acidente de viação que simultaneamente se configura como acidente laboral, teve o particular cuidado de proceder ao abatimento/desconto dos valores já recebidos no processo laboral – a título de capital de remição e de dano biológico –, preciosamente a fim de obviar a um “duplo ressarcimento”.

De facto, como se refere no Ac do STJ de 13.01.2005 (relator Pires da Rosa), in www.dgsi.pt. «a responsabilidade primeira e matricial, como se disse, é a responsabilidade de quem ao trabalhador provocou a lesão.

O dano do lesado é só um.

Naturalmente um somatório de danos concretos de qualificação diversa - maxime, danos patrimoniais e não patrimoniais - mas só um.

Por assim dizer: não há um dano da viação e um dano do trabalho, mas apenas um dano com origem na viação, que em parte pode - deve - ser quantificado pelos prejuízos resultantes da lesão da prestação do trabalho (com a afectação correlativa da contraprestação retributiva).

De modo que, se o trabalhador recebeu, no âmbito do seu contrato de trabalho e por força da lei (que considerou imperioso garantir o infortúnio do trabalhador impondo um regime imperativo de indemnização aos trabalhadores acidentados), directamente do empregador ou da sua seguradora, uma qualquer quantia a título de indemnização, o que há é que deduzir essa quantia naquela que, no âmbito do acidente de viação, houver que ser fixada».

Foi assim que a sentença recorrida aplicou – e bem – o direito.

Nessa medida, na parte em que houve sobreposição de indemnizações referentes a um mesmo dano – quer «pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho», quer pelo próprio dano biológico –, essa circunstância não é apta à inviabilidade do pedido condenatório dos danos patrimoniais futuros formulado nos autos, porquanto os (únicos) efeitos jurídicos que a recorrente poderia retirar daquela duplicação mostram-se já atendidos, por força do abatimento do capital de remição e do dano biológico fixados em sede laboral ao valor indemnizatório arbitrado nos presentes autos efetuada na sentença recorrida.

Sendo efetuada a dedução desse valor – como sucedeu na sentença recorrida –, e sendo esse valor o único que poderia representar uma cumulação de indemnizações pelo mesmo dano -, nenhum outro valor teria que ser descontado, nem o tribunal recorrido ficava impedido, como se disse, de proceder à valoração e quantificação do dano biológico sofrido pelo autor em consequência do acidente dos autos à luz das regras próprias da responsabilidade civil, não tendo de ficar amarrado aos critérios ou limites estabelecidos na lei laboral.
Improcede, por isso, este fundamento da apelação.
*
4. Adequação/justeza do valor compensatório arbitrado para ressarcimento do dano patrimonial futuro.
4.1. Na presente ação está em causa a responsabilidade civil da ré seguradora, emergente do acidente de viação.

A sentença recorrida considerou verificados os pressupostos de que depende o dever de indemnizar a cargo da demandada, estabelecidos no art. 483º, n.º 1, do Código Civil (doravante, abreviadamente, designado por CC), por ter entendido que quem deu causa exclusiva ao sinistro, devido à sua condução negligente e culposa, foi o condutor do veículo seguro.
A recorrente não põe em questão, no recurso, a verificação, no caso «sub judice», de tais pressupostos da responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual.

Questiona, no entanto, a justeza do valor da indemnização arbitrado a título de danos decorrentes do défice funcional permanente de que o autor ficou afectado, dizendo que esse valor deverá ser reduzido para não mais de € 10.637,20 ou, na pior das hipóteses, de € 23.401,84.

Cumpre, pois, averiguar se estão, ou não, corretamente fixados os questionados danos patrimoniais futuros sofridos pelo A..

O princípio geral no que se refere à reparação do dano é o estabelecido no art. 562º do CC, nos termos do qual «[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».

Como resulta do critério legal, acolhido pelo art. 566º, n.ºs 2 e 3 do CC, a indemnização em dinheiro, a atribuir sempre que seja impossível a reconstituição natural, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos; se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

No tocante ao cálculo da indemnização prescreve o art. 564.º do mesmo diploma legal:

«1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».
Extrai-se deste preceito legal que os danos futuros, para serem passíveis de indemnização, têm que ser previsíveis.
Um dos casos mais frequentes em que o tribunal tem de atender aos danos futuros é aquele em que o lesado, em consequência do facto lesivo, perde ou vê diminuída a sua capacidade laboral (13).

Como vem sendo entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça (14), a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual podem derivar, além das incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tais suscetíveis de avaliação pecuniária. Trata-se, assim, neste âmbito, de ressarcir danos que ainda não se concretizaram, mas que, de acordo com o curso normal das coisas, de acordo com o que é previsível em face das circunstâncias, sempre virão a concretizar-se no futuro.

A jurisprudência tem vindo, maioritariamente, a reconhecer o dano biológico como um dano de cariz patrimonial (15), na vertente de lucros cessantes, enquanto perda de capacidade de ganho ou, como hoje se designa, défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, na medida em que respeita a incapacidade funcional.

Afirma-se, repetidamente, que esta incapacidade funcional, mesmo que não impeça o lesado de continuar trabalhar e que dela não resulte perda ou diminuição de vencimento, importa necessariamente dano patrimonial (futuro), que deve ser indemnizado, já que a força do trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos, é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão (16). Com efeito, nos termos explicitados pelo Ac. do STJ de 7/06/2011 (relator Manuel Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt., «a incapacidade funcional, afectando o corpo humano ou um seu órgão (no sentido médico-legal deste termo), representa uma alteração da pessoa, que afecta a sua integridade física, impedindo-a de exercer determinada actividade corporal ou sujeitando-a a exercitá-la de modo deficiente ou doloroso.

Realmente, a incapacidade funcional de que o lesado tenha ficado a padecer pode traduzir-se numa incapacidade para a generalidade das profissões, numa incapacidade genérica para utilizar o corpo enquanto prestador de trabalho e produtor de rendimento ou numa possibilidade de o utilizar em termos correspondentemente deficientes ou penosos.

Por isso, a incapacidade funcional, na medida em que a precede e consome, tem, em princípio, uma maior abrangência do que a perda da capacidade de ganho, podendo não coincidir com esta, tudo dependendo do tipo ou espécie de trabalho efectivamente exercido profissionalmente.
É que, em alguns casos, uma elevada incapacidade funcional pode não ter repercussão na retribuição (o que não é raro em profissões de incidência intelectual), ao passo que, noutras situações, uma pequena incapacidade funcional geral pode ocasionar uma enorme incapacidade profissional».

No desenvolvimento desse entendimento, o acórdão do STJ de 10/10/2012 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt., considerou que:

“(…) a compensação do dano biológico [dentro das consequências patrimoniais da lesão físico-psíquica] tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais …”

(…)
Nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua junta compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal (…)”.

Em suma, o dano biológico abrange um leque alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, compreendendo igualmente a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional do lesado, impliquem ainda assim esforços suplementares no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual (17).

Por outro lado, tendo presente as dificuldades do cálculo da indemnização por dano patrimonial futuro resultante da perda da capacidade de ganho ou do défice funcional, o Supremo Tribunal de Justiça (18) tem vindo a estabelecer os seguintes critérios:

i) – a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida;
ii) – a não exclusão do recurso, como referência ou elemento auxiliar de trabalho, a fórmulas matemáticas, tabelas financeiras, da capitalização dos rendimentos (19), ou as usadas na legislação infortunística, capazes de fornecer um indicador do montante indemnizatório, para evitar um indesejado subjetivismo, “ligeirezas decisórias” ou “involuntárias leviandades” e com a vantagem até de propiciar alguma uniformidade de julgados.
iii) – o valor alcançado através da automática aplicação dessas tabelas «objetivas» – e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório – terá de ser necessariamente temperado através do recurso à equidade (arts. 564º, n.º 2 e 566º, n.º 3 do CC), de modo a introduzir um elemento corretor e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de fatores dinâmicos que não são subsumíveis ao referido cálculo objetivo, tais como: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível, melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização, atendibilidade, ou não, do «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento do pagamento de todo o capital, o que permite ao beneficiário rentabilizá-lo financeiramente, introduzindo-se, para o efeito, uma dedução de forma a evitar um enriquecimento injustificado à custa de outrem e que se poderá situar entre 1/3 e 1/4.
iv) - deve ter-se em conta, não exatamente a duração da vida profissional activa do lesado (até este atingir a idade normal da reforma, aos 66 anos (20)), mas sim a esperança média de vida, uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respetiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
*
4.2. Passando a apreciar o caso dos autos constata-se que, na sentença recorrida, foram apreciados e valorados os seguintes elementos/critérios que, resumidamente, enunciaremos:

i) - o Autor tem direito a ser indemnizado, considerando o défice funcional de 14 pontos de que ficou a padecer em consequência do acidente sofrido e a necessidade de imprimir esforços suplementares na execução do seu trabalho habitual afeta o corpo e a saúde do Autor, prejudicando-o,
ii) - no confronto com os demais cidadãos o Autor fica em dificuldades e a sua saúde sofreu um dano que tem de ser juridicamente protegido e quantificado.
iii) - Em termos de normalidade, o que se vai operar no Autor é uma diminuição de condição física, resistência e capacidade de esforços, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro, além da situação de desigualdade em relação aos demais trabalhadores e cidadãos comuns.
iv) - E é precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.
v) - As referidas sequelas não implicam incapacidade total, mas apenas esforços suplementares na execução das mais variadas tarefas, pelo que é de atender primordialmente a esse défice funcional de que o Autor ficou afectado.
vi) - Os danos patrimoniais futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem à redução da capacidade de trabalho, não podendo ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução e a perda do rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar.
vii) - Para o cálculo indemnizatório do dano em consideração, e sempre considerando qualquer critério a usar como meramente orientador (no sentido de objetivar e uniformizar jurisprudencialmente o quantum indemnizatório) e não puramente matemático, foi seguido o critério que foi utilizado pela Relação de Coimbra, em Acórdão de 4.4.95 (CJ II, p.23).
viii) - Em resumo “para a determinação do quantum indemnizatório destinado a compensar a perda de rendimento futuro [foi perfilhado] um critério comparativo temperando o uso das fórmulas matemáticas de determinação do capital produtor de um rendimento remunerado à taxa de juro praticada na banca para depósitos a longo prazo mas que se esgota no final da vida activa do lesado, com critérios correctivos, pela intervenção de juízos de equidade, com apelo às regras da experiência que a caracteriza”.
ix) - No caso, o Autor tinha uma esperança de vida de cerca de 22 anos, uma vez que o mesmo tinha 55 anos à data do evento danoso.
x) - Atendendo aos factores acima referidos e sem prejuízo da introdução de parâmetros de equidade e vistas as concretas sequelas do lesado, as suas limitações e o grau de esforço acrescido que tem de suportar, foi julgada ajustada a quantia global de € 100.000,00 que se fixou como correspondendo à indemnização (de cariz patrimonial) decorrente do défice funcional.
xi) - A este valor foram deduzidas as quantias pagas em sede laboral, num total de € 23.432,57, sob pena de duplo ressarcimento, pelo que se computou em € 76.567,43 a indemnização devida ao Autor por danos patrimoniais.

Subescrevem-se inteiramente tais asserções, dado as mesmas refletirem um juízo ponderado e fundado da realidade fáctica objeto dos autos.

Importa, no entanto, complementar estes critérios com o recurso à equidade, até porque, como já se viu, é esta que interfere necessariamente, e de forma decisiva, na quantificação dos danos patrimoniais em apreço (cfr. arts. 564º, n.º 2 e 566º, n.º 3 do Código Civil).

Na jurisprudência, tem vindo a ser defendido que o uso da equidade tem de apoiar-se designadamente nos seguintes critérios: a perda da capacidade de ganho, o salário, a idade, o grau de incapacidade, o tempo provável de vida ativa laboral e a esperança de vida, a par das possibilidades de progressão da carreira, entre outros fatores, como sejam o progresso tecnológico, a política fiscal e de emprego, as regras de legislação previdencial, a expectativa de vida laboral, assim como a longevidade (21).

Sem dúvida que é tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório do dano biológico, na vertente de dano patrimonial futuro, já que, tirando a idade do lesado, o vencimento que auferia e a incapacidade que o afeta, tudo o mais é aleatório. Com efeito, é inapreensível agora, qual vai a ser o nível remuneratório, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, a evolução tecnológica, além de outros elementos que influem na retribuição, como por exemplo, a fiscalidade (22).

A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso concreto (23).

O que significa que, aquando da fixação da indemnização, o julgador deverá ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações similares, o que é exigido por uma interpretação e aplicação uniformes do direito (art. 8º, n.º 3 do Código Civil).

A este propósito, e tendo em atenção serem aplicáveis critérios de equidade, vejamos os padrões indemnizatórios seguidos recentemente pelos nossos Tribunais Superiores:

- Acórdão do STJ de 17/07/2018 (relator Távora Victor): a autora (i) tinha 44 anos à data do acidente de que foi vítima (13-03-2010) e 45 anos à data da consolidação médico-legal; (ii) o prejuízo funcional decorrente da afectação da sua integridade físico-psíquica foi fixado em 3 pontos; e (iii) as lesões de que padecia são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional habitual (de cabeleireira), mas exigem esforços suplementares; iv) auferia, como cabeleireira, o ordenado mensal de € 517,75 (14 x ano) e em gratificações, cerca de € 250,00 (12 x ano), foi mantida a indemnização de € 14.000,00 fixada pela Relação, a título de dano patrimonial futuro (dano biológico).
- Acórdão do STJ de 20.12.2017 (relatora Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado): considerou equitativa e ajustada a quantia de € 40.000,00 (fixada pela Relação) para reparação do dano biológico sofrido pela autora em consequência de um acidente de viação, então 39 anos de idade e que, em consequência das sequelas derivadas das lesões sofridas no acidente, ficou com um défice funcional permanente na sua integridade físico-psíquica de 9 (nove) pontos percentuais, que, muito embora não a impossibilite de exercer a sua atividade profissional como enfermeira, a obriga a desenvolver um esforço superior ao que desenvolvia antes do acidente e a impede de trabalhar nas equipas das viaturas médicas de emergência e reanimação, como era habitual antes do acidente.
- Acórdão do STJ de 14.12.2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira): em consequência do acidente de viação de que foi vítima o autor (i) sofreu diversas fraturas dos membros superiores e inferiores; (ii) apresenta diversas sequelas, designadamente, rigidez, limitações e cicatrizes nalguns membros; (iii) ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 20 pontos, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (iv) terá de ser submetido a novas intervenções cirúrgicas à mão direita e ao tornozelo esquerdo e a tratamentos de fisioterapia; (v) tinha 34 anos de idade na data do acidente; (vi) exercia as funções de enfermeiro num centro hospitalar e num hospital privado e auferia, em média, o total de € 2.010 líquidos mensais; (vii) tem dificuldades em levantar, deitar, dar banho e fazer transferência de doentes; (viii) sente dificuldades na condução automóvel e não consegue fazer as caminhadas que antes fazia, e deixou de jogar futebol e de andar de bicicleta; foi considerado adequado e equitativo fixar a indemnização pelo dano biológico em € 90 000,00.
- o Acórdão do STJ de 6/12/2017 (relator Manuel Tomé Soares Gomes): o Autor, que antes do acidente gozava de boa saúde, ficou afetado com limitações de mobilidade, correspondentes a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 25,6 pontos percentuais, a partir da alta médica em 14-03-2012 (data em que o A. contava quase 60 anos de idade), foi arbitrada a indemnização, a título do dano biológico, no montante de € 100.000,00.
- Acórdão do STJ de 7.06.2011 (relator Manuel F. Granja da Fonseca): o autor, com 28 anos de idade à data do acidente, trabalhava como sócio gerente duma firma, tendo declarado, em 1999, como rendimento bruto anual o montante de 960.000$00; em consequência das lesões sofridas com o acidente ficou a padecer de uma IPG de 16%, sendo as sequelas descritas compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares. O Supremo manteve a indemnização arbitrada pela Relação no valor de 23.000,00 € a título de danos patrimoniais futuros, negando a revista interposta pela seguradora sem deixar, no entanto, de assinalar que, se alguma censura merecia a indemnização arbitrada a título de dano patrimonial futuro, decorrente da incapacidade permanente de que o lesado ficou a padecer, seria por ser exígua, mas que foi confirmada dada a proibição do agravamento in pejus.

Considerando, pois, que na situação em apreço nos autos:

i. - Em consequência do embate e sequelas deles emergentes, o Autor sofreu um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14 pontos;
ii. - As sequelas decorrentes do acidente em apreço são compatíveis com o exercício profissão habitual, mas implicam esforços suplementares moderados,
iii - A consolidação médico-legal definitiva das lesões situa-se no dia 15.04.2016;
iv – O Autor nasceu no dia 7 de dezembro de 1958, contando 55 anos de idade à data do acidente;
v - À data do acidente, era uma pessoa em pleno vigor, fisicamente bem constituída e saudável, escorreito, sem mazelas, activo e que trabalhava; era empregado de armazém, profissão que ainda mantém, embora com algumas adaptações, na medida em que deixou de conseguir carregar pesos superiores a 15 kg e tem dificuldades em realizar as tarefas de empregado de armazém, atendendo às dores que sente.
vi - Auferia anualmente, a título de remuneração ilíquida, o montante de € 7.598,00.
vi - A sua esperança média de vida (24);
vii. Os valores fixados em casos similares (cf. acórdãos do STJ supra citados a título exemplificativo);
vi. Uma taxa de juro nominal não superior a 2%;
Tudo ponderado, considerando que o Autor nada contribuiu para os danos sofridos, a repercussão dos mesmos na sua vida pessoal e profissional, a capacidade económica da obrigada à indemnização, tendo por base critérios equitativos, em conformidade com o disposto no citado n.º 3 do art. 566º do Código Civil, não se tem por desadequado o montante de 100.000,00 € fixado pela 1ª instância a título da indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da afetação da integridade física e psíquica sofrida pelo Autor em consequência do acidente a que aludem os autos. Com efeito, situando-se o juízo prudencial e casuístico feito na sentença recorrida dentro da margem de discricionariedade que legitima o recurso à equidade e não colidindo com os padrões jurisprudenciais adotados pelo STJ em casos análogos ou similares, não há razões para dele dissentir.
A este valor indemnizatório – como bem determinado na sentença recorrida – há que abater o capital de remição (€ 12.251,27) e o valor a título de dano biológico (€ 11.181,30) pagos ao autor pela seguradora da sua entidade patronal, no âmbito do processo laboral, pelo que se computa em € 76.567,43 a indemnização devida ao Autor por danos patrimoniais futuros.
A sentença recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões da apelante.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - As indemnizações devidas pelo responsável civil e pelo responsável laboral em consequência de acidente, simultaneamente de viação e de trabalho, assentam em critérios distintos e têm uma funcionalidade própria, não sendo cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado ao lesado/sinistrado.
II - Se o responsável pelo acidente de trabalho (a entidade patronal ou a respetiva seguradora) satisfez a correspondente indemnização, o lesado não fica impedido de obter do responsável civil a diferença entre o que recebeu daquele e a maior indemnização que, porventura, se calcule de harmonia com as regras da responsabilidade civil.
III - A lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”.
IV - Em caso de défice funcional permanente que não seja impeditivo de exercício da atividade profissional do lesado, mas que implique ainda assim um maior esforço no desempenho dessa atividade, no decurso do tempo de vida expetável, não se mostra viável, em regra, estabelecer o quantum indemnizatório com base em cálculo aritmético de rendimentos específicos, devendo recorrer-se à equidade dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função do tipo de gravidade das sequelas sofridas.
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V. Decisão

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da apelante (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 8 de novembro de 2018

Alcides Rodrigues
Joaquim Boavida
Paulo Reis


1. Cfr. Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Nelson Fernandes), in www.dgsi.pt. e Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 59820/601.
2. Como exemplo, pode dar-se o caso de, numa ação de despejo, a sentença condenar o réu no pagamento de uma indemnização, sem que o autor tenha pedido tal condenação.
3. Cfr. Ac. do STJ de 6/12/2012 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt.
4. Cfr., António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, pp. 63 e 365.
5. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed., pp. 291/293.
6. Por se tratar de uma ampliação muito limitada, dispensamo-nos de transcrever de novo toda a factualidade provada, devendo considerar-se aqueles pontos aditados aos factos provados nos termos explicitados.
7. Além do citado aresto, na análise expositiva serviu-nos também de orientação a fundamentação dos Acórdãos do STJ de 12/07/2018 (relatora Maria Rosa Oliveira Tching), de 2/06/2015 (relatora Ana Paula Boularot), de 24/04/2012 (relator Garcia Calejo) de 30/06/2009 (relator Garcia Calejo), de 27/6/2002 (relator Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida); Ac. da RP de 18/04/2017 (relator Jorge Seabra), e Ac. da RG de 25/01/2018 (relatora Maria Purificação Carvalho), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
8. Cfr., neste sentido, o Acórdão desta Relação de 10/07/2018, proc. n.º 7226/15.0T8GMR.G1 (relatora Margarida Sousa, no qual o ora relator interveio como 2º adjunto).
9. Diz-se para o efeito que a lei não parifica os dois riscos, na medida em que considera como causa mais próxima do dano o risco do veículo que produziu o acidente do que o perigo inerente à laboração da entidade patronal. - cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, obra citada, p. 547 e Antunes Varela, obra citada, p. 669.
10. Se o dano sofrido pelo trabalhador foi causado por terceiro, o lesado pode diretamente demandar o responsável, nos termos gerais da responsabilidade extracontratual, como prescreve o art. 17º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009. Pode, porém, suceder que o trabalhador lesado não demande o terceiro responsável pela ocorrência do acidente, designadamente por se encontrar já ressarcido pelo empregador (ou pela seguradora para a qual foi transferida a responsabilidade emergente de acidente de trabalho); nesse caso, cabe então ao empregador – ou à seguradora –, demandar o terceiro (ou a seguradora para a qual foi transferida a responsabilidade civil), exigindo-lhe o que deveria ter pago ao trabalhador (art. 17º, n.º 4 da Lei n.º 98/2009). Outrora qualificado como direito de regresso, é, agora, qualificado como sub-rogação. - cfr. sobre o tema, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2015 - 7ª ed., Almedina, pp. 883/885.
11. Cfr. Ac. do STJ de 30/06/2009 (relator Garcia Calejo), in www.dgsi.pt.
12. Sobre o tema, para mais desenvolvimentos, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2015 - 7ª ed., Almedina, pp. 866/870.
13. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1, 4ª ed., Coimbra Editora, p. 580.
14. Cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 2/06/2016 (relator Manuel Tomé Soares Gomes) e de 21/03/2013 (relator Salazar Casanova), disponíveis in www.dgsi.pt.
15. Entre nós, existem três correntes essenciais no que concerne à categorização do dano biológico: uma parte da jurisprudência (maioritária) configura-o como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; outra corrente admite que tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial tal como compensado a título de dano moral, segundo uma análise casuística, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade, entendendo-se ainda que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial [cfr. Ac. do STJ de 27/10/2009 (relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt.]; uma terceira posição propugna que o dano biológico é um dano base ou dano-evento, que é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial [cfr. Acs. do STJ de 20/05/2010 (relator Lopes do Rego) e de 10.10.2012 (relator Lopes do Rego), ambos in www.dgsi.pt.]. Para mais desenvolvimentos, ver o Ac. da RL de 22.11.2016 (relator Luís Filipe Pires de Sousa), in www.dgsi.pt.; Maria da Graça Trigo, Obrigação de Indemnização e dano biológico, in Responsabilidade Civil, Temas Especiais, Universidade Católica Editora, pp. 69/86; Rita Mota Soares, in Poderes/Deveres Da Relação Na Reapreciação Da Matéria De Facto. O Dano Biológico Quando Da Afetação Funcional Não Resulte Perda Da Capacidade De Ganho – O Princípio Da Igualde, Revista Julgar, n.º 33, 2017, pp. 111-135.
16. Aliás, atualmente não oferece controvérsia que o facto de o lesado não exercer, à data do facto lesivo, qualquer profissão remunerada, não afasta a existência de dano patrimonial pela incapacidade funcional de que o mesmo ficou a padecer em consequência dessa lesão, compreendendo-se neste as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens, sendo que a força de trabalho de uma pessoa é um bem, sem dúvida capaz de propiciar rendimentos - cfr. Acs. do STJ de 12/01/2017 (relatora Maria dos Prazeres) e de 10/11/2016 (relator Lopes do Rego), ambos in www.dgsi.pt.
17. Cfr., Acs. do STJ de 2/06/2016 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), de 12/01/2017 (relatora Maria dos Prazeres Beleza) e de 31/05/2012 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), disponíveis in www.dgsi.pt.
18. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 2/06/2016 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), de 6/07/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira), de 25/05/2017 (relator Lopes do Rego), de 5/01/2016 (relator Pinto de Almeida) e de 19-04-2012 (relator Serra Baptista) e de Ac. do STJ de 8/05/2012 (relator Nuno Cameira), todos disponíveis in www.dgsi.pt.. Como se refere neste último aresto, no que se refere aos danos futuros que a lei manda atender desde que sejam previsíveis (art. 564º, nº 2, do CC), há muito que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem fazendo um grande esforço de clarificação na matéria, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo dos danos que reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjetivismo dos magistrados, de modo a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis. Para uma enunciação mais exaustiva sobre o tema, ver José Fernando de Salazar Casanova Abrantes, in Introdução à temática do dano na responsabilidade civil, no ebook “O Dano Na Responsabilidade Civil”, disponível in www.cej.pt.
19. De que se destacam, entre outras, a das tabelas financeiras enunciada no Ac do STJ de 5/05/94 (relator Costa Raposo), CJSTJ, 1994, tomo 2, pág. 86, expressa pela fórmula seguinte: C = P [1/i – (1+i)/(1+i)N x i] + P x (1+i)-N. Outra fórmula matemática utilizada [cfr. Ac. do STJ de 04-12-2007 (relator Mário Cruz), in www.dgsi.pt] recorre a factores índices correspondentes aos anos a atingir até à data da reforma que multiplica pelo rendimento anual auferido pelo lesado e pela taxa de IPP.
20. Presentemente situada em 66 anos e 4 meses (cfr. Portaria n.º 99/2017, de 03/07). O Supremo Tribunal de Justiça tem, porém, atendido a um horizonte da expetativa de vida ativa até, pelo menos, aos 70 anos. - cfr., Acs. do STJ de 2/06/2016 (proc. n.º 3987/10.1TBVFR.P1.S1, relatado por Manuel Tomé Soares Gomes) e de 13/07/2017 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt. Essa é, também, a idade em referência no art. 7º, n.º 1, al. b), da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, como data presumida de reforma do lesado.
21. Cfr. Ac do STJ de 26/01/2016 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.
22. Cfr. Ac. do STJ de 02/05/2012 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.
23. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 04/06/2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza) e de 31/01/2012 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.
24. Segundo dados disponibilizados pelo INE, a esperança média de vida dos indivíduos do sexo masculino nascidos em 1960 e em 1970 cifra-se, respetivamente, em 60,70 e 64,00 anos e, atualmente, para os nascidos em 2015, em 77,60. – cfr. elementos disponíveis in www.pordata.pt. (Portugal/esperança média de vida à nascença/total/e por sexo com a última atualização de 29.05.2017).