Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
227/15.0T8PRG-S.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: ARRESTO
VENDA EM INSOLVÊNCIA
ERRO SOBRE A COISA TRANSMITIDA
ANULABILIDADE
REDUÇÃO DO PREÇO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (art. 663º, n.º 7, do C. P. Civil):

I- Com fundamento de “erro-vício sobre o objeto do negócio”, mormente de erro sobre coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado (tanto quanto à identidade como à qualidade da coisa, incluindo o defeito), em caso de venda judicial, caberá ao comprador pedir, querendo, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, no processo executivo (ou no processo de insolvência, por efeito do disposto no art. 17º, do CIRE), com base no regime processual emergente do disposto no art. 838º, n.º 1, do C. P. Civil, e não com base nas regras previstas no direito civil (arts. 247º e 251º, do C. Civil).

II- O regime processual previsto no art. 838º, n.º 1, do C. P. Civil, consome igualmente o regime civil previsto para a “venda de coisas defeituosas”; pelo que valerá sempre o regime da anulação por falta de conformidade com o que foi anunciado e, não, o regime civil emergente dos artigos 913º e segs. do C. Civil.

III- Este regime processual de anulabilidade da venda executiva não permite a “redução do negócio” prevista no art. 292º, do C. Civil; nem a “redução do preço” estabelecida no art. 911º, do C. Civil.

IV- Por via da anulação da venda executiva, designadamente com base em “erro sobre a coisa transmitida”, o crédito daí resultante para o comprador corresponde unicamente à indemnização que terá direito pelos danos emergentes dessa venda (interesse contratual negativo), senão houver dolo por parte da encarregada da venda (art. 909º, do C. Civil) ou, em caso de dolo desta encarregada, por aquele interesse contratual negativo e pelos lucros cessantes (art. 908º, do C. Civil).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

MS, Douro, Lda. intentou a presente ação cautelar de arresto contra Massa Insolvente da Sociedade Agrícola Quinta X, Lda., pedindo o arresto, até ao montante de € 80.000,00 (correspondente ao capital do crédito e correspondentes juros moratórios), ou, pelo menos, de € 73.979,98, do saldo das contas bancárias da ré massa insolvente e/ou do administrador de insolvência, onde tenha sido depositado o produto da venda dos bens da massa insolvente, alegando, em síntese, ser titular de crédito sobre a ré massa insolvente no montante de € 73.979,98, resultante de erro sobre os motivos determinantes da vontade por parte da requerente em celebrar o negócio de compra e venda de um prédio rústico, melhor identificado no requerimento inicial, pelo preço de € 459.900,00, quando é certo que o mesmo prédio não se apresentava configurado na sua dimensão e capacidade produtiva conforme o indicado pela entidade vendedora (antes sendo de dimensão e de capacidade produtiva inferior ao que a requerente pretendera adquirir de acordo com essa indicação dada pela entidade vendedora), o que implica que o preço que a requerente pagaria pelo mesmo prédio seria inferior em cerca de € 70.000,00 a € 80.000,00 do efetivamente negociado e pago pela requerente; havendo, pois, que proceder ao arresto dos identificados créditos bancários da requerida massa insolvente, tanto mais que a mesma não possui quaisquer outros bens para satisfação do enunciado crédito da requerente.

Na sequência, após produção de prova testemunhal apresentada pela requerente, por decisão de 20 de Abril de 2018 (cfr. fls. 67 a 74), foi deferido o presente procedimento cautelar, decretando-se o arresto, até ao montante de € 80.000,00, dos seguintes bens:

a) Do saldo existente na conta bancária do Banco A com o n.º 000316168979, titulada pela massa insolvente da Sociedade Agrícola Quinta X, Lda., e/ou pelo seu Administrador;
b) Do saldo existente noutras contas bancárias tituladas pela requerida massa insolvente e/ou pelo seu administrador de insolvência.

Inconformada com o assim decidido, veio a requerida Massa Insolvente da Sociedade Agrícola Quinta X, Lda. interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

I. A Requerente/Recorrida, MS, Douro, Lda., requereu contra a Requerida/Recorrente Massa Insolvente da Sociedade Agrícola Quinta X, Lda., providência cautelar de arresto, até ao montante de € 80.000,00, do saldo das contas bancárias da referida massa insolvente ou do administrador de insolvência onde tenha sido depositado o produto da venda dos bens da massa insolvente.
II. Alegou, resumidamente:

- Que o Administrador de Insolvência da Insolvente da SOCIEDADE AGRÍCOLA QUINTA X, LDA, procedeu ao arrolamento dos bens apreendidos à insolvente, entre os quais a verba n.º 10, nos autos melhor descrita.
- E porque não logrou a venda dessa verba por leilão público, o Administrador de Insolvente cometeu à "Leilão" o encargo daquela venda por negociação particular.
- Depois disto, o sócio gerente da Requerente/Recorrida, conjuntamente com um funcionário da "Leilão", Manuel, percorreram a propriedade denominada "Mata C." para a para "verificação das culturas existentes e do seu estado e dos limites do prédio"
- E, diz a Requerente/Recorrida, ter sido com base naquelas "impressões colhidas no local, nas informações e esclarecimentos prestados pelo funcionário da Leilão e nas imagens ortofotográficas do prédio" que a Requerente/Recorrida apresentou proposta para a compra de vários prédios da insolvente, entre os quais a "Mata C.", inscrita matricialmente sob o art. 240, esta pelo valor de 459.900,00 €.
- Uma vez aceite aquela proposta, a massa insolvente alienou aquele imóvel nos termos que as partes declararam no título de transmissão.
- Imediatamente após a transmissão a Requerente/Recorrida exerceu atos de posse sobre aquele prédio "Mata C.".
- Acontece que, nas palavras da Requerente/Recorrida, ter sido confrontada pelo advogado do Sr. V. N., também mandatário da Requerente, onde dava conta que a Requerente havia ocupado "o prédio rústico sito no lugar (...), inscrito matricialmente sob o art. 342 – 1B ocupado pela requerente era da legítima propriedade do seu constituinte, que o havia dado de arrendamento à insolvente".
- E, ainda, da existência de uma outra parcela de terreno que estaria na mesma situação da precedente, e que corresponde ao art. 343 - 1B.
- Após isto, para cumprir um alegado projeto de replantação, a Requerente/Recorrida diz ter sido "forçada" à aquisição daqueles dois terrenos pelo preço de 70.000,OO€ (setenta mil euros), escrituras que junta com a Petição Inicial.
III. Com aquela factualidade, conclui a Requerente/Recorrida que no preço de 459.900,00 € oferecido pela Requerente/Recorrida para aquisição do prédio rústico inscrito matricialmente sob o art. 240 -1B da massa insolvente fundou-se na totalidade do terreno da verba 10 que lhe foi mostrada, calcorreada, indicada e delimitada pelo funcionário da “Leilão”, que incluiu os dois referenciados prédios como parte componente daquela.
IV. A Requerente aponta ainda, no seu artigo 38º que, se tivesse conhecimento da realidade, "EMBORA MANTIVESSE INTERESSE NA AQUISIÇÃO DESTE PRÉDIO": teria oferecido um preço substancialmente inferior, já que "a área de vinha da região demarcada do Douro sofreria uma redução substancial de cerca de 1,5 ha (art: 343: 12.625 m2 + art. 342: 2.875 m2 = 15.500 m2}, concluindo, no seu artigo 39.º, "a proposta da requerente teria sido inferior em, pelo menos, 70.000 €/80.000 €, que acabou por ser o preço que foi forçada a pagar pela aquisição das duas parcelas". E, principalmente, porque a localização daqueles prédios no meio da verba 10 provocava condicionantes relevantes no projeto de reconversão idealizado para a propriedade (designadamente a criação obrigatória de novos acessos a essas parcelas e a alteração substancial do perfil da vinha mecanizada), o que tudo diminuía o seu valor e capacidade produtiva.
V. E fundamenta que a Requerente e o seu sócio gerente formaram a sua vontade na base de um erro ou falsa/errónea representação da realidade, o que constitui erro sobre os motivos determinantes da vontade, referido ao objeto do negócio, na modalidade qualidades do objecto: error in qualitates ou error in substantia."
VI. E, uma vez realizado o julgamento, o Tribunal "a quo" deu como provados, além dos demais, os seguintes factos que se mostram relevantes nesta instância de recurso:

3. A venda dos bens apreendidos foi entregue à Leilão, Market Partners. ( ... )
5. Do anúncio constam, entre outras informações, a data e o local do leilão, a referência ao processo de insolvência, a indicação de vinhas da Região Demarcada do Douro lf1 classe, com fotografias, e o nome e contacto telefónico do representante da leiloeira para prestar esclarecimentos e/ou marcar visitas aos locais.
6. No site da Leilão foram ainda publicados os folhetos relativos a cada um dos bens em venda, designadamente o "Lote 02/5. Marta de Penaguião, Vila Real", correspondente à "verba 10; Descrição: Vinhas da região Demarcada do Douro, oliveiras, cultura arvense de sequeiro, mato e pinhal; Localização: (...); Registo: Descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...); Matriz Predial Rústica: 240 Secção B; Área Total: 223998,00; Valor Base: € 665.631,OO”( ...)
10. No dia acertado, compareceu um funcionário da Leilão, Manuel ­indicado nos anúncios como contacto para visitas e esclarecimentos -, que acompanhou o sócio gerente da requerente a vários prédios, entre os quais aquela "Mata C.".
11. Aí percorreram a propriedade de uma ponta a outra, para verificação das culturas existentes e do seu estado e dos limites do prédio. ( ... )
13. Em toda a sua extensão, ressalvando os socalcos próprios da região vinhateira, o prédio não apresentava barreiras físicas - marcos, muros ou qualquer outra vedaçõo-, constituindo um todo, cujos limites ou extremas foram indicados pelo funcionário da Leilão, que correspondiam às coordenadas geográficas indicadas no folheto da Leilão relativo ao prédio, às imagens obtidas através do Google Earth e ao ortofotomapa de 2015 publicado no site do Ifap.
14. Com fundamento nas impressões colhidas no local, nas informações e esclarecimentos prestados pelo funcionário da Leilão e nas imagens ortofotográficas do prédio, a requerente apresentou proposta de compra de vários prédios da insolvente, entre os quais a "Mata C.", esta pelo valor de 459.900,00 €.
15. O preço oferecido teve em conta, por um lado, o mau estado de conservação do prédio, e, por outro lado, as suas potencialidades produtivas futuras. ( ... )
18. Através desse título, além de outros imóveis, a requerente adquiriu a verba da al. j), descrita como prédio composto por oito parcelas, sito no lugar (...), da freguesia (...), descrito conservatorialmente sob o n.º 779 e inscrito matricialmente sob o arte 240, secção 18, esta pelo referenciado preço de 459.900,00 € ( ...)
23. Em 21 de Março de 2017, quando se aprontava para iniciar os trabalhos de plantação de vinha nova, a requerente foi surpreendida por e-mail pelo qual o subscrito,", na qualidade de advogado de V. N., comunicava que o prédio rústico sito no lugar (...), inscrito matricialmente sob o art. 342 – 1B, ocupado pela requerente, era da legítima propriedade do seu constituinte, que o havia dado de arrendamento à insolvente.
28. Convencido da inequívoca razão do V. N., mas porque já procedera ao arranque da vinha e ao saibramento de todo o terreno, incluindo o prédio daquele, e todo ele já estava contemplado no projecto de replantação a que se propusera, a requerente tratou imediatamente de propor a sua compra, para minimizar os prejuízos que poderiam resultar da não resolução célere da situação.
29. A qual veio a ser acertada pelo valor de 50.000,00 €, tendo em conta a sua área - 12.625 m2 - e a sua composição (vinha da região demarcada do Douro) e a sua localização (praticamente no meio do prédio vendido sob a verba 10).
30. Após a reunião, por indicação daquele V. N. e por consulta do mapa cadastral, logrou identificar a outra parcela em questão, vindo a "descobrir" que a mesma correspondia ao art. 343 – 1B, da propriedade dos herdeiros de Maria, que contactou, expondo-lhes a situação em que a requerente incorrera involuntariamente e propondo-lhes a compra da mesma, que foi aceite pelo preço de 20.000,00 €, também considerando a sua área (2.875 m2), a sua composição (vinha da região demarcada do Douro) e a sua localização (praticamente no meio do prédio vendido sob a verba 10). (...)
32. O preço de 459.900,00 € oferecido pela requerente para aquisição do prédio rústico inscrito matricialmente sob o art. 240 – 1B da massa insolvente fundou-se na totalidade do terreno da verba 10 que lhe foi mostrada, calcorreada, indicada e delimitada pelo funcionário da Leilão, que incluiu os dois referenciados prédios como parte componente daquela. ( ...)
34. A decisão sobre o valor proposto para a aquisição do arte 240 foi fundada na totalidade do terreno que lhe foi previamente indicado e nas potencialidades produtivas de todo ele.
35. Pois se a requerente tivesse conhecimento da realidade, embora mantivesse o interesse na aquisição deste prédio, teria oferecido um preço substancialmente inferior, já que a área de vinha da região demarcada do Douro sofreria uma redução substancial de cerca de 1,5 ha (arte 343: 12.625 m2 + arte 342: 2.875 m2 = 15.500 m2) e, principalmente, porque a localização daqueles prédios no meio da verba 10 provocava condicionantes relevantes no projecto de reconversão idealizado para a propriedade (designadamente a criação obrigatória de novos acessos a essas parcelas e a alteração substancial do perfil da vinha mecanizada), o que tudo diminuía o seu valor e capacidade produtiva.
36. Pelo que a proposta da requerente teria sido inferior em, pelo menos, 70.000 €/80.000 €, que acabou por ser o preço que foi forçada a pagar pela aquisição das duas parcelas.
37. O administrador da massa insolvente, como representante desta, e os representantes e os funcionários da Leilão, todos incumbidos judicialmente da venda, bem sabiam ou, pelo menos, não podiam nem deviam ignorar; atentas as actividades profissionais a que se dedicam, que envolvem conhecimentos teóricos e práticos de métodos e critérios de avaliação de prédios, que a inclusão no negócio daquelas parcelas e respectiva capacidade de produção e utilização era um elemento essencial para o preço que a requerente se dispôs a pagar
38. Por carta registada datada de 19 de Julho de 2017, o administrador de Insolvência informou a requerente que "não tendo o aqui Signatário conhecimento deste facto à data da apreensão dos imóveis e da sua venda, torna-se necessário confirmar a veracidade do que foi anteriormente exposto tendo para isso notificado o gerente da Insolvente"; que "o gerente nada informou relativamente a este assunto que pudesse esclarecer a situação"; que "se colocou à consideração da Comissão de Credores toda a situação que V/Exas nos descreveram para que estes se pronunciassem quanto à legitimidade do pedido de ressarcimento de V/Exas pela compra das duas parcelas de terreno", e que ':4 Comissão de Credores se pronunciou desfavoravelmente quanto à v/pretensão. pelo que não irá a Massa Insolvente proceder a qualquer pagamento ou devolução de valores a V/Exas relativamente ao assunto em discussão". ( ... )
42. Além dos bens apreendidos e vendidos, a massa insolvente não possui quaisquer outros bens que respondam pela satisfação do crédito da requerente.
VII. Com aquela base factual, entendeu o Tribunal "a quo", em sede de motivação "que o preço de € 459.000,00 dado pela requerente pela verba n.º 10 foi acordado no pressuposto de que a compra dizia respeito à totalidade do terreno que havia sido mostrado, que tinha em conta a potencialidade produtiva do terreno como unidade e que se tivesse existido antes da compra a informação de que, dentro dos limites da Mata C., existiam duas parcelas de terreno que não pertenciam ao vendedor. o valor de mercado daquela seria substancialmente inferior e, por consequência, o preço que a requerente se disporia a pagar seria também inferior. para além do que tudo isto era do conhecimento efectivo da leiloeira e do próprio administrador da insolvência".
VIII. Entendeu, ainda, que a Requerente:

"Demonstrou a existência provável de um direito de crédito sobre a requerida no montante de € 80.000,00, correspondente às quantias que se viu forçada a despender com a aquisição de dois prédios e aos respectivos juros moratórias."
-Demonstrou com forte probabilidade que comprou pelo preço constante da respectiva escritura pública a Mata C. no pressuposto de que se tratava de uma quinta una, sem parcelas de terreno alheias dentro dos limites que lhe foram indicados aquando da negociação, tendo mais tarde concluído que tal pressuposto estava errado. Para assegurar a rentabilidade económica que esperava obter com a compra inicialmente feita, viu-se forcado a comprar duas parcelas de terreno que veio a apurar não pertencerem à massa insolvente, não obstante se inscreverem nas estremas que lhe foram exibidas pela leiloeira que, a solicitação do administrador da insolvência, intermediou o negócio.
- Demonstrado ficou, de igual forma, que teria pago valor inferior pela Mata C. caso fosse desde o início conhecedor das suas reais características, com dedução, pelo menos, de quanto acabou por despender para aquisição das ditas duas parcelas de terreno, circunstâncias e motivações que eram do conhecimento da leiloeira e do administrador da insolvência ou, pelo menos, pelos mesmos cognoscíveis:"
IX. Concluindo que a vontade negocial da requerente foi viciada no que respeita aos seus motivos determinantes no que se refere ao objecto do negócio (…), o que torna a compra e venda anulável ou, pelo menos, sabendo que a requerente sempre estaria disposta a concretizar o negócio, ainda que por preço inferior, a redução do negócio, com diminuição do preço e devolução da diferença à requerente, diferença essa correspondente aos valores que teve de despender com a aquisição das outras duas parcelas de terreno, ou seja, € 73.979,98 (artigos 251.º, 247.º e 292.º do Código Civil), quantia à qual acrescerão os correspondentes juros moratórios."
X. Aqui chegados, entendeu o Tribunal "a quo", existir forte probabilidade da existência do direito de crédito e, necessariamente, a pretensa obrigação de indemnizar a cargo da Massa Insolvente.
XI. Entende a ora Recorrente que a construção jurídica/solução de direito é manifestamente errada, e "contra legem", que levará necessariamente à revogação da sentença recorrida/arresto decretado porque, necessariamente, está também a ação principal votada ao insucesso.
XII. O Tribunal recorrido quando entende demonstrado que a Requerente teria pago um valor inferior se fosse conhecedora das suas reais características esquece-se de indagar, porque é o Tribunal da Insolvência, se a Massa Insolvente venderia por esse preço inferior, ou seja, se ao invés, preferia a destruição do negócio.
XIII. Por outro lado, o artigo 38.º do Requerimento Inicial, que corresponde aos arts. 35.º e 36.º dos factos dados por provados, na parte a que se formula um eventual conhecimento das reais características do prédio, "EMBORA MANTIVESSE INTERESSE NA AQUISIÇÃO DESTE PRÉDIO" resultou confirmado o seguinte:

A - A Requerente teria oferecido um preço substancialmente inferior, já que a área de vinha da região demarcada do Douro sofreria uma redução substancial de cerca de 1,5 ha (art. 343: 12.625 m2 + art. 342: 2.875 m2 = 15.500 m2), concluindo, no seu artigo 39º, "a proposta da requerente teria sido inferior em, pelo menos, 70.000 €/80.000 €, que acabou por ser o preço que foi forçada a pagar pela aquisição das duas parcelas"
B - E, principalmente, porque a localização daqueles prédios no meio da verba 10 provocava condicionantes relevantes no projecto de reconversão idealizado para a propriedade (designadamente a criação obrigatória de novos acessos a essas parcelas e a alteração substancial do perfil da vinha mecanizada), o que tudo diminuía o seu valor e capacidade produtiva.
XIV. Da conclusão identificada em "A", o Tribunal "a quo" não equacionou, nem respondeu, qual a área efectiva que foi adquirida à Recorrente (que compõe a "Mata C."), na medida em que, defende a Recorrente (e a Requerente não o coloca em causa) que a área anunciada (inscrita na matriz e descrita no titulo de transmissão) corresponde à efetivamente transmitida, isto é, 22.3998,00 m2, não se dando por provado que a "Mata C.", inscrita matricialmente sob o art 240, transmitida pela Massa Insolvente à Requerente/Recorrida tem, afinal, menos 15.500 m2 do que aquela área mencionada na caderneta predial.
XV. Mesmo que assim não fosse, sabendo que o preço de aquisição, pela Requerente, à Massa insolvente, foi de, aproximadamente, 2,00 € por cada metro quadrado, afinal, vemos que a Requerente/Recorrida apenas se haveria "empobrecido" no montante 31.775,00 €. E não os 70.000,00 que vem peticionar.
XVI. Por outro lado, a conclusão supra referida em "B", de eventual servidão de passagem, apenas seria sancionada pelo disposto 838.º, n.º 1, do CPC, porquanto, no momento em que a Requerente/Recorrida fosse confrontada com aquele ónus ou limitação, sempre estaria ao seu alcance (antes de adquirir aquelas parcelas sem dar conhecimento prévio à Recorrente) a anulação da venda.
XVII. Tendo a Requerente/Recorrida, voluntariamente e sem qualquer intervenção ou aval da Massa Insolvente, decidiu adquirir aquelas porções de terreno, pôs fim a qualquer ónus ou limitação da coisa vendida, estando, hodiernamente, desprovida de razão até para pedir a anulação da venda com aquele fundamento.

O PROCESSO DE INSOLVÊNCIA

XVIII. O processo de insolvência é caracterizado, no artigo lº do C.I.R.E., na redação introduzida pela Lei .º 16/2012, de 20/4, como "um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores".
XIX. Nos termos do artigo 158º do CIRE, "transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, independentemente da verificação do passivo, na medida em que a tanto se não oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia".
XX. E como dispõe o artigo 164º do CIRE "O administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente".
XXI. Perante isto é forçoso desde já destrinçar se, com aquela omissão, pretendeu o legislador ser de aplicar, à liquidação da massa insolvente, i) o regime previsto no Código Civil (respeitante aos negócios em geral e o contrato de compra e venda em especial) ou, então, ii) a aplicação das normas do Processo Civil respeitantes à venda judicial em sede de Processo executivo.
XXII. É inequívoca, porque não há controvérsia doutrinal ou jurisprudencial, a vontade do legislador na aplicação das regras previstas no C.P.C, para a venda judicial dos bens, porquanto nos termos do artigo 17.º do CIRE, que dispõe: "os processos regulados no presente diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código", quis o legislador o recurso directo, e não subsidiário, ao disposto nos artigos 811º a 841º do CPC.

O REGIME APLICÁVEL: A VENDA JUDICIAL/LIQUIDAÇÃO DA MASSA INSOLVENTE.

XXIII. Uma vez que as normas reguladoras do processo executivo são diretamente aplicáveis ao processo de insolvência, deveria o Juiz "a quo" buscar nos artigos 811.º e ss. do C.P.C a solução jurídica aos factos que lhe foram trazidos pela Requerente/Recorrida.
XXIV. O Requerimento Inicial e a própria sentença recorrida, unicamente versam sobre a desconformidade real do prédio face às características que foram publicitadas para a sua venda, sem, todavia, a Requerente/Recorrida concluir por um pedido de anulação da venda fundada nesse erro-vício.
XXV. Não foi a Massa Insolvente, nem tão pouco o seu Administrador quem promoveu e anunciou o bem a vender, mas antes o estabelecimento de leilão a quem foi cometida a venda, segundo as regras do art.º 832º do CPC, aplicáveis diretamente à liquidação da massa insolvente, como vimos por força do art.º 17º e 164º, n.º 1, do CIRE.
XXVI. O Administrador unicamente descreveu os bens apreendidos (tal como o fez pela transcrição dos dizeres inscritos na caderneta predial) e, posteriormente, nos termos do artigo 818º do C.P.C, lhe incumbia a obrigação de mostrar os bens a quem pretenda examiná-los.
XXVII. No entanto, mesmo que assim não fosse, por via daquela remissão (do 17º do ClRE), é aplicável ao caso o disposto no artigo 838º do C.P.C, sob a epígrafe "anulação da venda e indemnização do comprador" e que preceitua o seguinte:

1- Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no artigo 906º do Código Civil.
2- A questão prevista no número anterior é decidida pelo juiz, depois de ouvidos o exequente, o executado e os credores interessados e de examinadas as provas que se produzirem.
3- Feito o pedido de anulação do negócio e de indemnização do comprador antes de ser levantado o produto da venda, este não é entregue sem a prestação de caução; sendo o comprador remetido para a ação competente, a caução é levantada, se a ação não for proposta dentro de 30 dias ou estiver parada, por negligência do autor, durante três meses.
XXVIII. Do n.º 1, da citada norma, com relevância para os autos, retiram-se duas conclusões:

- o erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, é motivo de anulação da venda;
- a expressão utilizada pelo legislador "o comprador pode pedir" refere-se à faculdade de reação do comprador, como tal: ou pede a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, ou, então, conforma-se com o ónus, limitação ou erro, de modo que o legislador pretendeu ser de aproveitar a compra quando o comprador se conforme.
XXIX. Do que se deixou dito, a sorte da venda da "Mata C.", alegadamente fundada em erro ou vício, apenas poderá conduzir: à sanação da irregularidade pela conformação do comprador (que nos autos se presume pelos atos subsequentes do comprador) ou à anulação da venda e indemnização do comprador.
XXX. Estando vedado, ao comprador, o recurso ao regime geral dos erros e vícios da vontade ou, ainda, a consequente redução do preço tal como peticionada pela Requerente/Recorrida.
XXXI. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11-02-2014, no processo 304/08.4TBFND-G.C1:

Salvo o respeito devido, o erro da A. não pode ser apreciado à luz da teoria geral deste vício da vontade.
O erro que é susceptível de conduzir à anulação da venda em processo de insolvência não segue a disciplina do erro da declaração negocial dos art.ºs 247 a 252 do Código Civil.

Vejamos porquê.

Tendo em atenção o disposto no art.º 164, n 1, do CIRE, o administrador da insolvência pode optar por qualquer das modalidades de alienação de bens que são admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente.
À venda realizada em liquidação dos bens da massa são naturalmente aplicáveis as normas do processo executivo que não contrariem as disposições do CIRE – cfr. o respectivo art.º 17.(...)
Por virtude do erro em que alegou ter incorrido peticionou a A. a condenação da Ré na indemnização da despesa que teve com a venda, mais precisamente com o pagamento dos serviços do estabelecimento que levou a cabo o leilão (e a que contratualmente ficou vinculada).
Mas para isso não podia deixar de pedir anulação da própria venda, pois que a indemnização não é consequencial do erro mas sim da anulação requerida ao abrigo do citado n.º 1 do art.º 908 do C. P. Civil.
Não tendo pedido a anulação da venda, não será com base nessa invalidade que a A. pode ver­-se ressarcida da despesa que esse acto lhe ocasionou e que contratualmente se encontrava obrigada a pagar à agência de leilões" (sublinhado nosso) - Consultado em: www.dgsi.pt.

XXXII. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17-09-2013, no processo 513/10.6TBACN-H.C1:

"Nos termos do artigo 908º, n.º 1, do CPC - aplicável à venda no processo de insolvência por força da remissão efectuada pelo artigo 17º do ClRE - se, depois de efectuada a venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir no processo de execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sendo aplicável o artigo 906º do Código Civil.
Vê-se da norma acabada de transcrever que o comprador tem a faculdade de pedir a anulação da venda quando tenha havido erro da sua parte. Erro sobre a existência de algum ónus ou limitação a que estiver sujeito o direito transmitido ou erro sobre a coisa transmitida. O 1º erro respeita aos vícios do direito transmitido; o 2º aos vícios da coisa transmitida. ( ... )
Quanto ao erro sobre a coisa transmitida é necessário, para relevar para efeitos de anulação, que provenha da falta de conformidade entre a coisa que tenha sido vendida e aquela que foi anunciada. Falta de conformidade que tanto pode dizer respeito à identidade da coisa como às suas qualidades. (...) " - Consultado em: www.dgsi.pt.

XXXIII. A alegada falta de conformidade com o que foi anunciado, aqui se incluindo problemas ao nível da identidade da coisa, qualidade da coisa ou o defeito da coisa, é ponto assente que somente naquele n.º 1 do artigo 838º do CPC que se devem procurar os requisitos e efeitos do erro sobre o objecto, e não no Código Civil (cfr. Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, 2013, p. 970).
XXXIV. Veja-se, neste particular, o que afirma o Rui Pinto (Manual da Execução e Despejo, 2013, p. 970), quanto à demanda empreendida pela Requerente/Recorrida e, perfunctoriamente aceite pelo Tribunal recorrido, para redução do preço, por causa de erro ou falta de conformidade da coisa anunciada:
"No mais, os interesses em presença tornam duvidosamente aplicáveis algumas regras substantivas sobre a venda de bens onerados dos arts. 906.º e ss. CC: a redução do preço (cf. Art. 911.º do CC) ou a obrigação de convalescença (cf Art. 907.º = art. 835.º, nCPC) estarão fora da economia não privada da venda executiva.
XXXV. Fica suficientemente estribada a afirmação de falta de fundamento para o arresto decretado porquanto só existiria crédito/obrigação de indemnizar se a Requerente/Recorrida peticionasse a anulação da venda.
XXXVI. No entanto, mesmo que em tese, a Requerente/Recorrida tivesse alegado e pedido a anulação da venda, mesmo assim, a satisfação da indemnização apenas teria lugar pelo produto da venda ou liquidação dos bens, após decisão do juiz do processo e audição dos credores, não se tratando aqui de uma dívida que a massa enquanto tal haja contraído, nos termos da al c), do n.º 1, do artigo 51.º do CIRE.

OS FACTOS QUE TORNAM PROVÁVEL A EXISTÊNCIA DO CRÉDITO

XXXVII. No caso dos autos, a decisão recorrida considerou verificado o requisito do arresto consistente na titularidade, por parte da Arrestante, de um crédito sobre a Arrestada, com a seguinte fundamentação:

«Ora, na situação vertente, a requerente demonstrou a existência provável de um direito de crédito sobre a requerida no montante de € 80.000,00, correspondente às quantias que se viu forçada a despender com a aquisição de dois prédios e aos respectivos juros moratórios. Com efeito, demonstrou com forte probabilidade (...) de quanto acabou por despender para aquisição das ditas duas parcelas de terreno, circunstâncias e motivações que eram do conhecimento da leiloeira e do administrador da insolvência ou, pelo menos, pelos mesmos cognoscíveis. A vontade negocial da requerente foi viciada no que respeita aos seus motivos determinantes no que se refere ao objecto do negócio (...), o que torna a compra e venda anulável ou, pelo menos, sabendo que a requerente sempre estaria disposta a concretizar o negócio, ainda que por preço inferior, a redução do negócio, com diminuição do preço e devolução da diferença à requerente, diferença essa correspondente aos valores que teve de despender com a aquisição das outras duas parcelas de terreno, ou seja, € 73.979,98 (artigos 251º, 247º e 292º do Código Civil), quantia à qual acrescerão os correspondentes juros moratórios”) - em que existe a verosimilhança da existência de um crédito que deriva, desde logo, da obrigação de ressarcir os prejuízos - que resultaram provados naquela decisão de decretamento do arresto -, decorrentes de atos da Requerida (prejuízo resultante correspondente às quantias que se viu forçada a despender com a aquisição de dois prédios.
XXXVIII. Todavia, em face do universo factual delimitado, apenas se poderia considerar perfunctoriamente provada a existência de um eventual prejuízo (que como supra analisamos, nem sequer existiu), mas já não se poderia considerar perfunctoriamente provada uma qualquer obrigação, para a Recorrente/Requerida, de os ressarcir, atenta a já alegada imprescindibilidade do pedido de anulação da venda para a existência de uma obrigação de indemnizar.
XXXIX. Ou seja, o quadro factual apurado é insuscetível de suportar a solução jurídica encontrada pelo Tribunal recorrido, quanto à responsabilização pelo ressarcimento de tais prejuízos, a cargo da Requerida/Recorrente.

O RECEIO DE PERDA DA GARANTIA PATRIMONIAL;

XL. O Tribunal recorrido entendeu verificado o receio de perda da garantia patrimonial, atendendo ao estado em que se encontra a liquidação da Massa Insolvente, caracterizando o quadro factual apurado, nos seguintes termos:

«A requerente mais logrou demonstrar a existência de factos de onde emerge o justo receio de perda de garantia patrimonial de tal crédito. Com efeito, encontram-se vendidos todos os bens pertencentes à massa insolvente desde Dezembro de 2016.
Interpelado o administrador da insolvência para a devolução do referido diferencial do preço pago pela Mata C., o mesmo recusou aceder a esta pretensão. É do nosso conhecimento funcional que, no processo de insolvência, ainda não se procedeu ao pagamento aos credores. Todavia, tendo já decorrido um ano e quatro meses sobre a liquidação do activo, seguramente estará para breve esse pagamento.
Significa isso que é iminente o desaparecimento da garantia patrimonial do crédito da requerente, sendo certo que, a partir do momento em que o pagamento aos credores seja efectuado, a satisfação do crédito da requerente ficará extremamente dificultada."

XLI. O critério de avaliação deste requisito deve ter em conta os factos ou circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como fator potenciador da eficácia da ação declarativa e, ainda, se exigirá que aquele critério de avaliação do receio da perda da garantia patrimonial tenha respaldo na lei e, portanto, seja legalmente admissível.
XLII. Como tal, não haverá receio da perda da garantia patrimonial, de um crédito inexistente.
XLIII. Tem aqui, uma vez mais, aplicação subsidiária o Código de Processo Civil, por remissão do artigo 17.º do CIRE,
XLIV. O artigo 838.º n.º 3 do C.P.C., como vimos aplicável ao caso, já dispõe sobre garantia patrimonial do comprador peticionário da anulação da venda, nos seguintes termos:
3 - Feito o pedido de anulação do negócio e de indemnização do comprador antes de ser levantado o produto da venda, este não é entregue sem a prestação de caução; sendo o comprador remetido para a ação competente, a caução é levantada, se a ação não for proposta dentro de 30 dias ou estiver parada, por negligência do autor, durante três meses."
XLV. O referido preceito é suficientemente claro de modo que torna desnecessária qualquer providência conservatória decorrente daquele pedido de anulação (que já vimos ser o único caminho ao dispor da Requerente para reagir ao erro sobre o objeto).
XLVI. Isto é, se o comprador apenas pode recorrer à anulação da venda e indemnização pelos encargos, como exaustivamente defendido, porque decorre daquela lei processual, e se esse pedido for deduzido "antes de levantado o produto da venda", isto é, antes do rateio do produto pelos credores.
XLVII. Então, se o comprador apenas pode recorrer à anulação da venda e indemnização pelos encargos, então, de acordo com o artigo 838.º n.º 3 do C.P.C., o produto da venda não é entregue ao exequente/credores reclamantes sem a prestação de caução, ficando, por aqui, esvaziada de fundamento, o recurso à providência cautelar de arresto que, na prática, produz aqueles mesmos efeitos.
XLVIII. Fica, assim, prejudicado "o receio de perda da garantia patrimonial" porquanto se, por um lado, a pretensão indemnizatória da Requerente não encontra respaldo na lei e, mesmo que o tivesse, a providência cautelar de arresto preventivo não seria procedente porque a lei impõe a salvaguarda daquela garantia patrimonial, porquanto, bem sabe o Tribunal "a quo", e afirma-o na sentença recorrida, o produto da venda ainda não foi levantado.

Acresce ainda, mesmo que assim não se entenda,

XLIX. O Administrador judicial, enquanto servidor da justiça e cumpridor zeloso das obrigações que sobre ele impendem, está-lhe vedada a prática de atos que onerem a massa insolvente ou que periguem o direito legítimo de crédito de qualquer credor.
L. Como tal, está vinculado ao cumprimento das disposições do CIRE que, nos termos do artigo 172.º, n.º 4, dispõe o seguinte:

"4 - Intentada ação para a verificação do direito à restituição ou separação de bens que já se encontrem liquidados e lavrado o competente termo de protesto, é mantida em depósito e excluída dos pagamentos aos credores da massa insolvente ou da insolvência, enquanto persistirem os efeitos do protesto, quantia igual à do produto da venda, podendo este ser determinado, ou, quando o não possa ser, à do valor constante do inventário; é aplicável o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 180.º, com as devidas adaptações."
LI. Por seu turno, o artigo 180., n.º 1 do CIRE dispõe:

1- Havendo recurso da sentença de verificação e graduação de créditos, ou protesto por acção pendente, consideram-se condicionalmente verificados os créditos dos autores do protesto ou objecto do recurso, neste último caso pelo montante máximo que puder resultar do conhecimento do mesmo, para o efeito de serem atendidos nos rateios que se efectuarem, devendo continuar, porém, depositadas as quantias que por estes lhes sejam atribuídas.”
LII. Posto isto resta, uma vez mais, relembrarmos o disposto no artigo 17.º n.º 1 do CIRE que prevê a aplicação subsidiária do código de Processo Civil, nos seguintes termos:
"1 - Os processos regulados no presente diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código."
LIII. Ora, se o CIRE prevê a supracitada providência - termo de PROTESTO, como meio conservatório para garantia de satisfação de determinado crédito, e que se traduz na obrigação de conservação do montante necessário, nos casos de recurso da sentença de verificação e graduação de créditos ou, em caso de acção pendente (como é o caso dos presente autos),
LIV. Assim, e uma vez que aquelas providências cautelares, previstas no C.P.C. apenas têm aplicação em tudo o que não contrarie o C.I.R.E., mais não resta do que concluir que o recurso à providência cautelar de arresto não é meio admissível à pretensão da Requerente/Recorrida porquanto aquela finalidade está acautelada por meio próprio que é o termo de protesto.
LV. Aquela providência cautelar de arresto contraria manifestamente o termo de Protesto previsto no CIRE.
Finaliza, pugnando pela revogação da sentença recorrida.
*
A requerente apelada apresentou contra-alegações, concluindo pela manutenção da decisão recorrida.
*
Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, a questão decidenda essencial traduz-se unicamente na seguinte:

- Saber se se mostram preenchidos os pressupostos legais necessários à procedência do presente procedimento cautelar de arresto.
*

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1 - A Sociedade Agrícola Quinta X, Lda., foi declarada insolvente em 12.10.2015, por decisão que transitou em julgado.
2 - No dia 27.10.2015, o administrador da insolvência procedeu ao arrolamento dos bens apreendidos à insolvente, entre os quais a verba nº 10, descrita como “Prédio rústico – sito em C. – com a área total de 223998 m2 – 8 parcelas, a 1ª, de mato – 70050 m2 e pinhal – 17512 m2, a 2ª, de vinha da região demarcada do Douro de 2ª classe – 41625 m2, a 3ª, de pinhal – 29156 m2, a 4ª, de mato – 22375 m2, a 5ª, de mato – 32500 m2, 5 oliveiras de 2ª classe, 3 oliveiras de 3ª classe e pinhal – 8125 m2, a 6ª, de cultura arvense de regadio de 2ª classe – 500 m2, a 7ª, de cultura arvense de sequeiro de 2ª classe, 3 oliveiras de 2ª classe e 1 oliveira de 3ª classe – 1437 m2, e a 8ª, de mato – 718 m2. Confronta a norte com Francisco, Joaquim, H. C., a sul e nascente com Rio Corgo e a poente com V. F. e Augusto. Descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...), inscrito na matriz predial rústica com o número 240, secção: B, união das freguesias de (...) e (...), concelho de (...), com hipoteca voluntária de 1º grau a favor do Banco B, , C.R.L. e de 2º grau a favor do Banco C, S.A., com o valor patrimonial de 1.721,42 €”.
3 - A venda dos bens apreendidos foi entregue à Leilão, Market Partners.
4 - Como a requerente se encontra registada como cliente nesta leiloeira, recebeu mails informativos sobre a realização de leilão público para a venda dos bens da insolvente, através do anúncio.
5 - Do anúncio constam, entre outras informações, a data e o local do leilão, a referência ao processo de insolvência, a indicação de vinhas da Região Demarcada do Douro 1ª classe, com fotografias, e o nome e contacto telefónico do representante da leiloeira para prestar esclarecimentos e/ou marcar visitas aos locais.
6 - No site da Leilão foram ainda publicados os folhetos relativos a cada um dos bens em venda, designadamente o “Lote 02/S. Marta de Penaguião, Vila Real”, correspondente à “verba 10; Descrição: Vinhas da região Demarcada do Douro, oliveiras, cultura arvense de sequeiro, mato e pinhal; Localização: (...); Registo: Descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...); Matriz Predial Rústica: 240 Secção B; Área Total: 223998,00; Valor Base: € 665.631,00”.
7 - O leilão realizou-se no dia 22 de Julho de 2016, pelas 14.30 horas, no Hotel VG, Lamego, sito no lugar …, Cambres.
8 - Porque a venda da quase totalidade dos bens imóveis não foi lograda, o leilão foi encerrado, sendo decidido tentar a venda por negociação particular, da qual ficou igualmente encarregue a Leilão.
9 - Algum tempo após o leilão, o sócio gerente da requerente, Manuel M., agendou com a Leilão uma reunião para deslocação a vários prédios rústicos e urbanos que à requerente interessava adquirir, entre os quais aquela verba nº 10, conhecida na região como “Mata C.”.
10 - No dia acertado, compareceu um funcionário da Leilão, Manuel – indicado nos anúncios como contacto para visitas e esclarecimentos –, que acompanhou o sócio gerente da requerente a vários prédios, entre os quais aquela “Mata C.”.
11 - Aí percorreram a propriedade de uma ponta a outra, para verificação das culturas existentes e do seu estado e dos limites do prédio.
12 - O prédio encontrava-se na quase totalidade plantado de vinha da região demarcada do Douro, em mau estado de conservação e granjeio.
13 - Em toda a sua extensão, ressalvando os socalcos próprios da região vinhateira, o prédio não apresentava barreiras físicas – marcos, muros ou qualquer outra vedação –, constituindo um todo, cujos limites ou extremas foram indicados pelo funcionário da Leilão, que correspondiam às coordenadas geográficas indicadas no folheto da Leilão relativo ao prédio, às imagens obtidas através do Google Earth e ao ortofotomapa de 2015 publicado no site do IFAP.
14 - Com fundamento nas impressões colhidas no local, nas informações e esclarecimentos prestados pelo funcionário da Leilão e nas imagens ortofotográficas do prédio, a requerente apresentou proposta de compra de vários prédios da insolvente, entre os quais a “Mata C.”, esta pelo valor de 459.900,00 €.
15 - O preço oferecido teve em conta, por um lado, o mau estado de conservação do prédio, e, por outro lado, as suas potencialidades produtivas futuras.
16 - As propostas apresentadas pela requerente foram aceites, sendo o seu sócio gerente contactado para acordar os pormenores da venda.
17 - A escritura de compra e venda foi realizada no dia 22 de Dezembro de 2016, no Cartório Notarial da Dr.ª Paula, sito no Porto, e na qual compareceram o administrador da massa insolvente e o sócio gerente da requerente.
18 - Através desse título, além de outros imóveis, a requerente adquiriu a verba da al. j), descrita como prédio composto por oito parcelas, sito no lugar (...), da freguesia de (...), descrito conservatorialmente sob o n.º 779 e inscrito matricialmente sob o art. 240, secção 1B, esta pelo referenciado preço de 459.900,00 €.
19 - Promovendo o competente registo de aquisição, sob a Ap. 3147 de 2016/12/27.
20 - Em Janeiro de 2017, a requerente tomou posse do prédio, iniciando e prosseguindo os trabalhos que se havia proposto, arrancando toda a vinha e realizando o seu saibramento com vista à replantação de vinha mecanizada.
21 - Quando tomou posse da propriedade, quando procedeu ao arranque das espécies nela implantadas e quando efetuou o saibramento do terreno, a requerente respeitou escrupulosamente os limites que lhe foram indicados pelo funcionário da Leilão, as coordenadas geográficas indicadas no folheto da Leilão relativo ao prédio, às imagens obtidas através do Google Earth e ao ortofotomapa de 2015 publicado no site do IFAP.
22 - E aproveitou toda a área de terreno, dentro desses limites, que vinha sendo explorada e granjeada pela insolvente, o que fez sem a oposição ou sequer alerta de quem quer que fosse, designadamente de proprietários de prédios contíguos ou confinantes.
23 - Em 21 de Março de 2017, quando se aprontava para iniciar os trabalhos de plantação de vinha nova, a requerente foi surpreendida por e-mail pelo qual o subscritor, na qualidade de advogado de V. N., comunicava que o prédio rústico sito no lugar (...), inscrito matricialmente sob o art. 342 – 1B, ocupado pela requerente, era da legítima propriedade do seu constituinte, que o havia dado de arrendamento à insolvente.
24 - Mais foi intimada para a restituição do imóvel até ao dia 31 de Março, sob pena dos procedimentos necessários à entrega, designadamente a instauração de ação de reivindicação e reporte da situação à Casa D, IVDP e IFAP.
25 - Após troca de comunicações, veio a ser agendada uma reunião no escritório do subscritor, que foi realizada no dia 27 de Março de 2017, na qual compareceu o sócio gerente da requerente, que foi confrontado com a confirmação do teor do e-mail, o que verificou pela exibição da caderneta e da certidão registral daquele prédio, do contrato de arrendamento rural celebrado há alguns anos entre aquele V. N. e a Quinta X e da planta cadastral dos arts. 240 e 342.
26 - Tomando então conhecimento que o identificado art. 342 havia sido explorado pela insolvente conjuntamente com o art. 240 adquirido pela requerente, não existindo no local qualquer sinal distintivo ou de demarcação entre um e outro e que, na região, aquela unidade era conhecida como a “Mata C.”, pertencente à Quinta X (ou “ao Columbano”, por referência ao em tempos sócio gerente desta).
27 - Nessa mesma reunião, o sócio gerente da requerente foi alertado que, pelo menos, existiria outra parcela de terreno em idêntica situação, ou seja, que estaria a ser ocupada pela requerente como parte da “quinta” mas que, na realidade, não fazia parte do art. 240.
28 - Convencido da inequívoca razão do V. N., mas porque já procedera ao arranque da vinha e ao saibramento de todo o terreno, incluindo o prédio daquele, e todo ele já estava contemplado no projeto de replantação a que se propusera, a requerente tratou imediatamente de propor a sua compra, para minimizar os prejuízos que poderiam resultar da não resolução célere da situação.
29 - A qual veio a ser acertada pelo valor de 50.000,00 €, tendo em conta a sua área – 12.625 m2 – e a sua composição (vinha da região demarcada do Douro) e a sua localização (praticamente no meio do prédio vendido sob a verba 10).
30 - Após a reunião, por indicação daquele V. N. e por consulta do mapa cadastral, logrou identificar a outra parcela em questão, vindo a “descobrir” que a mesma correspondia ao art. 343 – 1B, da propriedade dos herdeiros de Maria, que contactou, expondo-lhes a situação em que a requerente incorrera involuntariamente e propondo-lhes a compra da mesma, que foi aceite pelo preço de 20.000,00 €, também considerando a sua área (2.875 m2), a sua composição (vinha da região demarcada do Douro) e a sua localização (praticamente no meio do prédio vendido sob a verba 10).
31 - As escrituras de compra e venda vieram a realizar-se nos dias 29 de Março de 2017, quanto ao art. 342 – 1B, e no dia 13 de Abril de 2017, quanto ao art. 343 – 1B.
32 - O preço de 459.900,00 € oferecido pela requerente para aquisição do prédio rústico inscrito matricialmente sob o art. 240 – 1B da massa insolvente fundou-se na totalidade do terreno da verba 10 que lhe foi mostrada, calcorreada, indicada e delimitada pelo funcionário da Leilão, que incluiu os dois referenciados prédios como parte componente daquela.
33 - Até porque não existiam quaisquer sinais físicos demarcadores ou distintivos – marcos, muros, vedação – entre eles, que formavam uma “mancha” agricultada com as mesmas espécies e como um todo contínuo.
34 - A decisão sobre o valor proposto para a aquisição do art. 240 foi fundada na totalidade do terreno que lhe foi previamente indicado e nas potencialidades produtivas de todo ele.
35 - Pois se a requerente tivesse conhecimento da realidade, embora mantivesse o interesse na aquisição deste prédio, teria oferecido um preço substancialmente inferior, já que a área de vinha da região demarcada do Douro sofreria uma redução substancial de cerca de 1,5 ha (art. 343: 12.625 m2 + art. 342: 2.875 m2 = 15.500 m2) e, principalmente, porque a localização daqueles prédios no meio da verba 10 provocava condicionantes relevantes no projeto de reconversão idealizado para a propriedade (designadamente a criação obrigatória de novos acessos a essas parcelas e a alteração substancial do perfil da vinha mecanizada), o que tudo diminuía o seu valor e capacidade produtiva.
36 - Pelo que a proposta da requerente teria sido inferior em, pelo menos, 70.000 €/80.000 €, que acabou por ser o preço que foi forçada a pagar pela aquisição das duas parcelas.
37 - O administrador da massa insolvente, como representante desta, e os representantes e os funcionários da Leilão, todos incumbidos judicialmente da venda, bem sabiam ou, pelo menos, não podiam nem deviam ignorar, atentas as atividades profissionais a que se dedicam, que envolvem conhecimentos teóricos e práticos de métodos e critérios de avaliação de prédios, que a inclusão no negócio daquelas parcelas e respetiva capacidade de produção e utilização era um elemento essencial para o preço que a requerente se dispôs a pagar.
38 - Por carta registada datada de 19 de Julho de 2017, o administrador de Insolvência informou a requerente que “não tendo o aqui Signatário conhecimento deste facto à data da apreensão dos imóveis e da sua venda, torna-se necessário confirmar a veracidade do que foi anteriormente exposto tendo para isso notificado o gerente da Insolvente”; que “o gerente nada informou relativamente a este assunto que pudesse esclarecer a situação”; que “se colocou à consideração da Comissão de Credores toda a situação que V/Exas nos descreveram para que estes se pronunciassem quanto à legitimidade do pedido de ressarcimento de V/Exas pela compra das duas parcelas de terreno”, e que “A Comissão de Credores se pronunciou desfavoravelmente quanto à V/pretensão, pelo que não irá a Massa Insolvente proceder a qualquer pagamento ou devolução de valores a V/Exas relativamente ao assunto em discussão”.
39 - Pela aquisição do art. 342 – 1B, liquidou os competentes IMT, no valor de 2.500,00 €, e IS, no valor de 400,00 €, e pela aquisição do art. 343 – 1B, liquidou o respetivo IS, no valor de 560,00 €, tudo no total de 3.460,00 €, que a requerente também reclama da Ré.
40 - A requerente despendeu as quantias de 519,98 € pela celebração da escritura do artigo 343.
41 - Já foram vendidos todos os bens imóveis e móveis apreendidos.
42 - Além dos bens apreendidos e vendidos, a massa insolvente não possui quaisquer outros bens que respondam pela satisfação do crédito da requerente.
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FACTOS NÃO PROVADOS

Quanto à factualidade dada como não provada consignou-se na sentença recorrida que:

Para além dos supra elencados não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa.
A restante matéria não foi dada como provada nem como não provada por se tratar de matéria de direito, de factos conclusivos ou que não interessam à boa decisão da causa.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da verificação dos pressupostos legais necessários ao deferimento do presente procedimento cautelar de arresto

De acordo com o disposto no art. 391º, n.º 1, do C. P. Civil, “o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”.
Para o efeito o requerente deverá alegar factos que tornam como provável a existência do crédito e justificam o receio invocado – cfr. art. 392º, n.º 1, do C. P. Civil – decretando o tribunal a providência cautelar de arresto requerida, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais enunciados – cfr. art. 393º, n.º 1, do citado Código.

Por conseguinte, o arresto depende, pois, da verificação cumulativa destes dois requisitos: i) possibilidade da existência do crédito do requerente; ii) receio justificado da perda de garantia patrimonial.
O arresto, como providência cautelar que é, visa impedir que, “durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere, de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável perca toda a eficácia ou parte dela. Pretende-se desse modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica.(1)
Precisamente porque os procedimentos cautelares se destinam a prevenir o periculum in mora, o juiz, na prova dos requisitos do arresto, não pode exigir o mesmo grau de averiguação, de convicção e de certeza que se lhe impõe relativamente aos fundamentos da ação principal.
Na medida em que a decisão do arresto aparece sempre com feição provisória, o juiz tem de se limitar a uma averiguação perfunctória dos seus requisitos, sendo com base nesse conhecimento que decretará a providência.
A apreciação da relação controvertida há-de fazer-se no processo principal, onde será proferida uma decisão definitiva, alicerçada no conhecimento profundo do objeto em litígio.
A lei não faz depender, por conseguinte, a decretação do arresto de uma prova cabal do direito que se pretende acautelar, contentando-se, antes, com a probabilidade séria da existência do crédito do requerente, o que se reconduz à mera aparência do respetivo direito.
Basta-se, assim, com um fumus boni iuris, obtido atrás de uma summaria cognitio.
Por outro lado, não é preciso que a perda de garantia patrimonial seja certa ou venha a tornar-se efetiva. Exige-se, tão-só, que haja um receio justificado dessa perda.

Importa realçar, no entanto, que não basta o receio subjetivo, porventura exagerado do credor, de ver insatisfeita a pretensão a que tem direito; sendo antes decisivo que o credor fique ameaçado de lesão por ato do devedor e seja razoável e compreensível o seu receio de ver frustrado o pagamento do seu crédito.

Numa palavra, o receio, para ser considerado justificado por exigência da lei “há-de assentar em factos concretos, que o revelem à luz de uma prudente apreciação.(2)
Tal como defende António Abrantes Geraldes (3)o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjetivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjeturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.
Também Antunes Varela refere que “para que se prove o justo receio (como quem diz o receio justificado e não apenas receio) da perda da garantia patrimonial, não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de caráter subjetivo. É preciso que haja razões objetivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular.(4)

No mesmo sentido, ao nível jurisprudencial, vai, entre outros, o Ac. Relação de Coimbra de 10.02.2009 (5), esclarecendo-se ainda neste aresto que “a fim de indagar sobre o preenchimento, ou não, do requisito geral do “justificado receio de perda de garantia patrimonial”, haverá que atender, designadamente, à forma da actividade do devedor, à sua situação económica e financeira, à sua maior ou menor solvabilidade, à natureza do seu património, à dissipação ou extravio que faça dos seus bens (quer se tenha já iniciado, quer existam sérios indícios de que o pretende fazer em breve), à ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir a obrigação, ao montante do crédito que está em causa, e, por fim, à própria relação negocial estabelecida entre as partes.

Deste modo, para obter a decretação do arresto, o requerente tem de deduzir, portanto, os factos suscetíveis de conduzir ao preenchimento dos dois requisitos supra enunciados.

Ora, a principal questão que se nos coloca, em face das alegações de recurso da apelante, é a de saber se a requerente do arresto possui sobre a requerida o invocado direito de crédito (€ 73.979,98, acrescidos dos respetivos juros de mora), emergente de erro-vicio sobre o objeto do negócio, o que torna este anulável (arts. 251º e 247º, do C. Civil) e, na sequência, estando apenas em causa uma invalidade parcial do negócio, se assiste direito à requerente em ver reduzido o preço por si liquidado na dita venda (art. 292º, do C. Civil), em montante equivalente ao crédito alegado pela mesma no requerimento inicial.

Neste particular, a apelante invoca que é inaplicável in casu o regime geral do direito substantivo civil emergente do disposto nos arts. 247º, 251º e 292º, do C. Civil, assim como do disposto nos arts. 911º e 913º, do C. Civil, porquanto existe regime processual especifico aplicável à situação de erro invocado em venda judicial, que se mostra consagrado no art. 838º, do C. P. Civil, aplicável ex vi do art. 17º, do CIRE.
Afigura-se-nos que, de facto, assiste razão à apelante.
Senão vejamos.

O que está aqui em causa não é um negócio jurídico privado celebrado entre a apelante e o administrador de insolvência; antes é posto em causa a validade de uma venda judicial, efetuada no âmbito da liquidação da massa insolvente (arts. 156º e segs. do CIRE), através de negociação particular, em que foi encarregada da venda a “Leilão” (cfr. n.ºs 3, 6 e 8 dos factos provados).
Uma vez que a referida venda judicial foi realizada através de negociação particular, conforme o previsto no processo executivo (arts. 811º, n.º 1, al. d) e 833º, do C. P. Civil) e permitido pelo disposto no art. 164º, do CIRE, evidente se torna que deverão aqui ser aplicadas, em primeira linha, as regras previstas no C. P. Civil para efeitos de venda judicial de bens em processo executivo, mormente por força da remissão prevista no art. 17º, do CIRE.

Assim, no que se refere, em concreto, à anulação da venda e indemnização do comprador/adquirente dispõe o n.º 1 do art. 838º, do C. P. Civil, que: “Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, no processo de execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sendo aplicável a este caso o disposto no artigo 906.º do Código Civil”.

Neste particular, refere José Lebre de Freitas (6) que: “Os dois primeiros fundamentos (existência de ónus ou limitação não considerado ou erro sobre a coisa transmitida), constantes do art. 838, visam a tutela do comprador e por isso estão na sua exclusiva disponibilidade. Integram situações de erro acerca do objeto jurídico (ónus ou limitação) ou material (identidade ou qualidade da coisa transmitida) da venda, mas têm a caracterizá-los, quando comparado o seu regime com o regime geral da anulação do negócio jurídico por erro (arts. 247 CC e 251 CC), a dispensa dos requisitos de que a lei a faz depender, designadamente a essencialidade para o declarante e o seu conhecimento ou cognoscibilidade pelo declaratário; basta por isso que o ónus ou limitação não tenha sido tomado consideração ou que a identidade ou as qualidades do bem vendido divirjam das que tenham sido anunciadas.

Em nota (36) (7) esclarece ainda o mesmo Autor que: “A divergência do regime geral é manifesta quanto se compara o art. 838 com o art. 905 CC, que, tratando da compra e venda de bens onerados, expressamente exige a verificação dos requisitos gerais da anulabilidade do negócio jurídico por erro ou dolo. Mas não deixa também de se verificar no outro caso, em que, como revela a história do preceito, oriundo do CPC de 1939 (JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Processo de execução cit., II, ps. 417-420), igualmente releva a simples desconformidade entre o objeto anunciado (declarado e, consequentemente, querido) e o objeto real, justificada com a consideração de que a tutela do comprador, induzido em erro pela descrição do objeto da venda que é feita no próprio processo (e assim garantida pelo tribunal), não pode estar dependente da prova de requisitos acessórios respeitantes ao processo de formação psicológica da sua vontade e à proteção do declaratário. Trata-se, neste caso, de conceito próximo do utilizado pela lei civil no instituto da venda de coisas defeituosas (art. 913-1 CC; ver JOÃO ANTUNES VARELA, CC anotado cit., n.º 4 da anotação ao art. 913), mas agora para o efeito (diverso) da anulação. Contra: ARTUR ANSELMO DE CASTRO, A acção executiva cit., p. 236, apenas quanto ao requisito da essencialidade, mas considerando inaplicável à venda judicial a exigência do conhecimento ou cognoscibilidade da essencialidade; aparentemente, também assim MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A Ação executiva cit., p. 396.
Refere, por último, (8) que: “Não só por erro a venda executiva pode ser anulada a requerimento do comprador. Este pode também fazer valer contra ela os restantes fundamentos de anulação do negócio jurídico (incapacidade, dolo, coação). O preceito do art. 838 tem a justificá-lo o especial regime consagrado para o erro, mas, considerado o interesse do comprador, tão merecedor de tutela como o comprador na compra e venda privada, não visa impedir a anulação no caso de ocorrer outro fundamento de acordo com a lei geral.” (sublinhámos). (9)
Acompanhamos, igualmente, a posição assumida por Rui Pinto (10) quando afirma que: “É somente neste n.º 1 do artigo 838º que se devem procurar os requisitos e efeitos do erro sobre o objeto, não no Código Civil” (nosso sublinhado).
Esclarecendo, mais à frente, (11) que: “No caso de ónus oculto, não se exige como na segunda da parte do artigo 905º CC, o elemento subjetivo psicológico do erro ou dolo. No mais, os interesses em presença tornam inaplicáveis algumas regras substantivas sobre a venda de bens onerados dos artigos 906º e ss C. Civil: a redução do preço (cf. Artigo 911º CC) ou a obrigação de convalescença (cf. Artigo 907º CC) estarão fora da economia não privada da venda executiva. Pelo contrário, o artigo 838º n.º 1 in fine apenas admite a aplicação do artigo 906º CC e das regras indemnizatórias, sediadas nos artigos 908º e 909º CC.

Assim, também no caso da falta de conformidade com o que foi anunciado, o mesmo Autor (12) conclui que o regime processual previsto no art. 838º, n.º 1, do C. P. Civil, consumirá o regime civil previsto para a venda de coisas defeituosas; pelo que, valerá aquele regime processual da anulação por falta de conformidade com o que foi anunciado e, não, o regime civil dos artigos 913º e segs. do C. Civil.

Também Miguel Teixeira de Sousa (13) refere que: “O art.º 908º, n.º 1 (art. 838º, n.º 1, do NCPC) prevê apenas a anulação da venda e a indemnização do comprador, pelo que se pode perguntar se na venda executiva também existe a possibilidade da redução do preço estabelecida no art. 911º CC. Dado que esta redução é imposta pelo alienante ao adquirente e não corresponde, por isso, a nenhuma faculdade concedida a este comprador, a resposta deve ser negativa.

Daqui resulta, pois, que com fundamento de erro-vício sobre o objeto do negócio, mormente de erro sobre coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado (tanto quanto à identidade como à qualidade da coisa, incluindo o defeito (14)), proveniente de venda judicial, apenas caberá ao comprador pedir, querendo, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, no processo executivo (ou no processo de insolvência, por efeito do disposto no art. 17º, do CIRE), com base no regime processual emergente do disposto no art. 838º, n.º 1, do C. P. Civil, e não com base nas regras previstas no direito civil (arts. 247º e 251º, do C. Civil), sem prejuízo de o juiz da execução poder remeter o comprador para os meios comuns, através da interposição de uma ação de anulação autónoma (art. 838º, n.º 3, do C. P. Civil), designadamente por permanecer com dúvidas sobre os factos alegados ou a questão se revelar complexa.

Por via da anulação da venda executiva, com base em erro sobre a coisa transmitida, o crédito daí resultante para o comprador corresponde unicamente à indemnização que terá direito pelos danos emergentes dessa venda (interesse contratual negativo), senão houver dolo por parte da encarregada da venda (art. 909º, do C. Civil) ou, em caso de dolo desta encarregada, por aquele interesse contratual negativo e pelos lucros cessantes (art. 908º, do C. Civil). (15)

Esclarece-se ainda que, no que tange à expressão utilizada pelo legislador “… com o que foi anunciado” (art. 838º, n.º 1, do C. P. Civil), mormente em caso de venda executiva de bem imóvel, consideramos que o mesmo não quis unicamente se referir à identificação do bem imóvel a vender constante dos anúncios, sendo antes de entender que a mesma expressão deverá abranger “a identificação do imóvel resultante das várias diligências tendentes à divulgação da venda efetuadas pelo tribunal, nomeadamente a correspondência física que dele for fornecida pelo encarregado da venda.” (16)

Aqui chegados, cumpre realçar que a requerente veio invocar como fundamento (causa de pedir) do seu crédito o erro-vício sobre o objeto do negócio, designadamente alegando (e demonstrando) que a configuração do identificado prédio rústico (“Mata C.”) que se propôs adquirir no âmbito do referido processo de insolvência não coincidia, na sua identidade (limites) e qualidades (capacidade produtiva), com aquelas que lhe foram apresentadas pela encarregada da venda “Leilão”, tanto quanto é certo que se veio a constatar que, no interior do referido prédio anunciado para venda, existiam duas outras parcelas de terreno (pertencentes a terceiros), impondo uma redução de cerca de 1,5 ha na área de vinha do prédio adquirido, assim diminuindo, em idêntica proporção, o valor e capacidade produtiva do prédio rústico transmitido à requerente.

Não obstante, esta desconformidade entre as caraterísticas do prédio vendido e aquelas que lhe foram enunciadas em sede de diligências preparatórias de venda, a requerente não veio pedir a anulação da venda judicial efetuada e correspondente indemnização, conforme prevê o disposto no n.º 1 do art. 838º, do C. P. Civil.
Antes, mantém interesse na venda judicial efetuada, apenas pretendendo ver reduzido o preço que pagou, na medida em que a sua proposta teria sido inferior em cerca de € 70.000,00/€ 80.000,00, correspondente ao valor que teve que pagar pela aquisição das duas referidas parcelas de terreno.

No fundo, a requerente pretende lançar mão do disposto no art. 292º, do C. Civil, o qual estipula que: “A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.” (cfr. arts. 66º, 73º e 84º a 89º, do requerimento inicial).
Ora, como já vimos, os requisitos e efeitos do erro-vício sobre o objeto do negócio, resultantes de uma venda judicial, deverão necessariamente resultar do regime processual específico previsto no art. 838º, n.º 1, do C. P. Civil, e não da lei civil.

Deste modo, no caso em apreço – e repita-se –, em que estamos perante uma venda judicial (e não de um negócio jurídico privado), não tem aplicação o regime civil previsto para a redução do negócio jurídico (art. 292º, do C. Civil).

De todo o modo, como salienta a apelante nas suas alegações de recurso, também não temos como demonstrado que igualmente interessava à massa insolvente celebrar a dita venda por preço inferior (repare-se que o valor base anunciado para a venda do imóvel correspondia a € 665.631,00 – cfr. n.º 6 dos factos provados).

Por outro lado, como já vimos, o regime civil previsto para a venda de coisas defeituosas (arts. 913º e segs., do C. Civil) mostra-se abrangido pelo regime processual previsto no art. 838º, n.º 1, do C. P. Civil, não permitindo este último regime a aplicação da redução do preço prevista para os casos de venda de coisas defeituosas (arts. 913º e 911º, do C. Civil).

Sendo assim, com base nos factos alegados no requerimento inicial, à requerente apenas lhe assistiria o direito de pedir a anulação integral da venda judicial realizada e a indemnização resultante da mesma anulação, por via do disposto no art. 838º, n.º 1, do C. P. Civil; não o tendo feito, o crédito reclamado assente na (in)validade parcial daquela venda judicial é legalmente inadmissível.

Por conseguinte, conclui-se que, pelo não preenchimento de um dos requisitos legais necessários à procedência do presente procedimento cautelar de arresto (existência provável do direito de crédito da requerente), deverá o mesmo ser indeferido, mostrando-se assim prejudicada a análise da verificação in casu do outro requisito legal (receio justificado de perda da garantia patrimonial).
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação em presença, revogando-se a decisão recorrida e, consequentemente, indefere-se o presente procedimento cautelar de arresto.

Custas de ambas as instâncias pela requerente apelada (art. 527º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil).
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Guimarães, 20.09.2018

Relator: António José Saúde Barroca Penha.
1º Adjunto: Desembargadora Eugénia Marinho da Cunha.
2º Adjunto: Desembargador José Manuel Alves Flores.


1. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, 2ª edição, pág. 23.
2. Cfr. Jacinto Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, Almedina, 3ª edição, pág. 268.
3. In Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, Almedina, 2ª edição, pág. 187.
4. Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 7ª edição, pág. 465, nota (1).
5. Proc. n.º 390/08.7TBSRT.C1, relator Isaías Pádua, acessível em www.dgsi.pt.
6. In A Ação Executiva, À luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 6ª edição, pág. 396.
7. Ob. cit., págs. 396-397.
8. Ob. cit., pág. 398.
9. No mesmo sentido, cfr. Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, Almedina, 2005, págs. 380-381.
10. In A Ação Executiva, AAFDL Editora, 2018, pág. 917.
11. Obra e página citadas.
12. Ob. cit., pág. 918.
13. In A Ação Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, pág. 396.
14. Assim, Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 397, dado o “paralelismo substancial”, acompanhando o tratamento comum que o art. 913º, do C. Civil, dá tanto à falta de qualidade enunciada, como ao defeito.
15. Neste sentido, vide Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 396-397.
16. Cfr. Ac. RP de 03.12.2012, proc. n.º 2900/07.8TVPRT.P1, relatora Maria João Areias, acessível em www.dgsi.pt.