Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
809/16.3T8VVD.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: PREFERÊNCIA
PRÉDIOS CONFINANTES
CURSO DE ÁGUA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A preferência concedida pelo art. 1380º, nº 1 do C. Civil visa propiciar o emparcelamento de terrenos de forma que os mesmos atinjam ou se aproximem da unidade de cultura, tornando a sua exploração mais viável e rentável.
II– A existência entre dois prédios de um curso de água, ainda que de 0,80cm de largura, impede que tais prédios se considerem contíguos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

R. C. e J. D. intentaram contra J. C., R. F., N. A. e E. P. a presente ação declarativa sob a forma de processo comum na qual pedem que:

a) Sejam os Réus condenados a reconhecerem aos Autores o direito de preferência na venda do prédio designado de Prédio Rústico, composto por Duas Leiras de Barbeitinho, sito no lugar ..., União de freguesias de ... e ...., do concelho de Vila Verde, tendo ali descrito as seguintes confrontações: a Norte com A. J. e outros, a Sul com J. P., a nascente com J. J. e Caminho e a Poente R. J., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº .../..., e inscrito na respetiva matriz rústica sob o nº ..., substituindo-se aos 2.º Réus compradores na escritura outorgada em dezoito de dois e dezasseis, por escritura de compra e venda celebrada perante o Notário A. D., com Cartório na rua ..., nº .., Urbanização das ..., Ponte da Barca, depositado que seja, no prazo legal, o preço da compra e venda – oito mil euros – acrescido das despesas da escritura IMT e Imposto de Selo, a efetuar em conformidade com o disposto no art.º 1410.º, n.º 1 do Cód. Civil;
b) Sejam os 1.ºs Réus condenados a pagar aos Autores a indemnização por perdas e danos que vier a ser liquidada em execução de sentença.

Alegam, para tanto e em síntese, que:

- Por contrato de compra e venda os 1ºs Réus venderam aos 2ºs Réus, o seguinte prédio rústico: Prédio Rústico composto por terreno de Duas Leiras de Barbeitinho, sito no lugar ..., União de freguesias de ... e ...., do concelho de Vila Verde
- Os 1.ºs Réus pagaram aos 2.ºs Réus pela aquisição do prédio rústico identificado o preço global de oito mil euros (8.000,00 €), tendo para o efeito sido pagos os impostos devidos;
- Os 2.ºs Réus registaram na competente Conservatória do Registo Predial ..., através da Ap. 1712 de 2016/11/21, sob o n.º .../20081103, o prédio identificado no artigo primeiro da Petição Inicial;
- Os Autores, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, são donos e legítimos possuidores de um prédio rustico denominado de “Uma Leira em Barbeitinho”, sito no lugar ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Vila Verde
- O prédio rústico propriedade dos Autores, designado de “Uma Leira em Barbeitinho”, sito no lugar ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Vila Verde, confronta diretamente com o prédio rústico identificado no art.º 1.º da Petição Inicial, denominado de “Duas Leiras de Barbeitinho”.
- Tanto o prédio rústico adquirido pelos 2.ºs Réus, como os prédios dos Autores, são aptos para a cultura agrícola;
- Pela indicação da área de cada um desses prédios, constante da matriz, verifica-se que qualquer um deles têm área muito inferior à unidade de cultura fixada para distrito de Braga – 20.000,00 m2.
- Apesar de bem saberem que os Autores tinham direito de preferência na aquisição daquele prédio, os 1.ºs Réus efetuaram a venda aos 2.ºs Réus, sem proporcionar aos Autores o seu legal direito de preferência;
- Por outro lado, venderam os 1.ºs Réus o prédio designado de “Duas Leiras de Barbeitinho”, sito no lugar ..., União de freguesias de ... e ...., a quem não era proprietário de qualquer terreno confinante com eles, nem tinha qualquer direito de preferir na venda desse mesmo prédio;
- A atuação dos 1.ºs Réus, ao não comunicar o projeto da venda aos Autores para o cabal exercício do direito de preferência que lhes assiste, causou, e continuará a causar a estes prejuízos, nomeadamente os custos desta demanda judicial, que terão de ser reparados, relegando-se a sua liquidação para a fase de execução de sentença que vier aqui a ser proferida.
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Os Réus N. A. e E. P. contestaram, impugnando parcialmente a matéria alegada na Petição, alegando que:

- O imóvel rústico referido no artigo 1.º da Petição, denominado “Duas Leiras de Barbeitinho”, confina diretamente a Sul/Poente com um imóvel rústico, propriedade dos Réus, denominado “Leira da Chão da Eira de Baixo”;
- Este prédio, “Leira da Chão da Eira de Baixo”, possui área superior a 1365 (mil trezentos e sessenta e cinco) metros quadrados - inferior, à unidade de cultura fixada para a zona, apesar de inexata e falsamente se referir na sua inscrição matricial e registral que abrange quatro prédios e que a sua área é de 80m2, como também não corresponde à verdade, sendo falsa, a menção constante da escritura pública de compra e venda, referida no artigo 9.º infra, de que o mencionado prédio possui a área de 80 m2;
- Na verdade, a conformação física da “Leira da Chão da Eira de Baixo” encontra-se perfeitamente assinalada, sendo constituída por uma só parcela ou folha de terreno;
- A sua extremidade Sul/Poente encontra-se delimitada por um marco, em pedra, cravado no solo;
- A Poente, o dito prédio encontra-se delimitado por um valado irregular, com cerca de 1,50 metros de altura, onde, na zona de confinância, o respetivo proprietário (atualmente J. A., ou seus descendentes) colocou vigas de cimento, unidas por rede metálica; - A Norte, encontra-se delimitado por um valado com cerca de 60cm de altura;
- A Norte/Nascente também a “Leira da Chão da Eira de Baixo”, se encontra delimitada pela linha média do traçado do solo, correspondente ao leito ou álveo, de uma regueira de águas bravas, adiante melhor caracterizada;
- Desde tempos que fogem à memória dos vivos que os Réus, e seus antepossuidores, têm destinado, com carácter de constância, toda a área da “Leira da Chão da Eira de Baixo” à produção e frutificação de culturas de regadio;
- Na verdade, a referida parcela de terreno, “Leira da Chão da Eira de Baixo” é irrigada com água de poças de consortes, designadas “Poças da Costa”, água que a ela aflui por via da força da gravidade;
-A parcela dos RR. - “Leira da Chão da Eira de Baixo” - a Nascente/Norte, a confina diretamente, como desde sempre confrontou, com o prédio objeto da preferência, “Duas Leiras do Barbeitinho”, igualmente de cultura de regadio, prédio este também de área inferior á unidade de cultura para a zona;
- Tal confinância verifica-se na extensão, no sentido Norte-Sul, de várias dezenas de metros;
- A confinância estabelece-se através do leito ou álveo de um regueiro, valeiro ou galgueira de águas bravas, cujo caudal de água, não permanente, nem navegável ou flutuável, atravessando prédios particulares, em parte a céu aberto e em parte encanado subterraneamente, situados a Norte-Nascente dos imóveis em causa, “Leira da Chão da Eira de Baixo” e “Duas Leiras de Barbeitinho”, mercê do pendor declivoso dos terrenos por eles corre, atravessando depois, estes dois prédios;
- O leito ou álveo do aludido regueiro ou galgueiro, apresenta margens bem visíveis e permanentes, atravessando em toda a sua extensão Norte/Nascente a “Leira da Chão da Eira de Baixo”;
- O álveo do aludido regueiro ou galgueira, foi escavado, no solo, desde tempos imemoriais, pelas águas das chuvas e enxurros que por ele sempre fluíram, percorrendo, depois, a superfície de outros prédios particulares, situados a jusante;
- No aludido álveo, apenas corre água fora dos períodos estivais;
- As águas nele transportadas sempre por ele correram livremente, formando, corrente de água não navegável, nem flutuável;
- Nos últimos anos, designadamente nos anos 2011, 2012, 2013, nos períodos de Inverno e na Primavera, choveu intensamente, pelo que a força das águas começou a escavar e levar parte da terra arável que integrava a superfície da “Leira da Chão da Eira de Baixo” que o dito regueiro, valeiro ou enxurreiro, atravessa;
- Os Autores, para evitarem que a terra arável da “Leira da Chão da Eira de Baixo” fosse levada pela força das águas, resolveram, no ano 2013, realizar uma obra defensiva em parte deste seu prédio, nele tendo feito, dentro da área ou dos limites do mesmo, uma vedação, em pedra, por forma a evitar a erosão do solo arável provocada pela gaivagem e evitar que as águas ocupassem parte da área do mesmo e destruíssem ou danificassem as culturas;
- Uma vez que na parte em que a superfície cultivada ia até ao dito regueiro e a terra tinha sido escavada e transportada pelas águas, os Réus, nessa parte, repuseram o nível do solo, tendo colocado junto à referida vedação, e a poente desta, 35 (trinta e cinco) tratores de terra;
- O leito ou álveo do referido regueiro, situado entre o identificado prédio dos Réus “Leira da Chão da Eira de Baixo” e as “Duas Leiras do Barbeitinho”, sempre possuiu, desde tempos que fogem à lembrança dos vivos, largura média não superior a 50 cm;
- Tal largura, em toda a extensão da confinância, dos prédios referidos, não é regular, sendo inferior a 50cm na extremidade Norte-Nascente, da “Leira da Chão da Eira de Baixo”;
- Os Réus, por si e antepossuidores, na época de Verão desciam ao leito do referido álveo e daí cortavam as ervas existentes no valado ou margem integrada na “Leira da Chão da Eira de Baixo”;
- O prédio objeto da preferência, tal como o identificado prédio dos Réus, “Leira da Chão da Eira de Baixo”, constituem terrenos de regadio, nos termos referidos supra;
- Assim, os Réus, através do seu imóvel “Leira da Chão da Eira de Baixo” são confinantes diretos com o prédio objeto da preferência, sendo que o imóvel “Duas Leiras de Barbeitinho” é de área inferior à unidade de cultura, como também o é aquele identificado prédio dos Réus, ora contestantes;
- Somada a área do prédio objeto da preferência (933 metros quadrados) à área do prédio rústico dos Réus contestantes, que com aquele diretamente confina (Leira do Chão da Eira de Baixo), o qual possui área superior a 1365 metros quadrados, obtém-se, relativamente ao imóvel dos Autores (“Leira de Barbeitinho”, que possui a área de 1118 metros quadrados), a área que mais se aproxima da unidade de cultura fixada para a respetiva zona;
- Aliás, os Autores não alegam, sequer, que de todos os proprietários confinantes o seu prédio é aquele que, pela preferência, se obtém a área que mais se aproxima da unidade de cultura fixada para a respetiva zona;
- Os Autores, por forma livre e consciente, apesar de bem saberem que o identificado prédios dos Réus contestantes confinava diretamente com o imóvel objeto da preferência, referem expressamente que o prédio dos ora Réus não confina com as “Duas Leiras de Barbeitinho”, apesar de bem saberem e não deverem ignorar que a referida confinância existe e sempre se verificou;
- Os Autores, ao agir pelo modo que agiram, nas descritas circunstâncias, deduzem pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar, como bem conheciam, tanto mais que sempre presenciaram que os ora Réus contestantes, ocupavam com pessoas e culturas a “Leira da Chão da Eira de Baixo”;
- Os Autores alteraram a verdade dos fatos e omitiram factos relevantes para a decisão da causa, fazendo do processo um uso manifestamente reprovável, impedindo a descoberta da verdade e entorpecendo a ação da justiça;
- Consequentemente, devem o Autores ser condenados em multa e numa indemnização aos Réus, devendo a multa ser fixado em valor não inferior a 1000.00 (mil) euros, e em indemnização no montante das despesas que a má-fé dos autores obrigou os ora Réus a despender, incluindo os honorários do mandatário, e bem assim na satisfação dos demais prejuízos sofridos pelo Réu como consequência direta e indireta da má-fé.
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Os Réus J. C. e R. F. contestaram, impugnando parcialmente a matéria alegada na Petição Inicial invocando a exceção perentória de caducidade do direito invocado pelos Autores, mais alegando que:

- O terreno objeto da preferência, e que foi dos ora Réus, inscrito na matriz sob o art.º ...º da freguesia de ... e ...., confronta a Poente com um prédio rustico dos 2ªs RR, inscrito na matriz sob o art.º ....º da mesma freguesia e que sempre foi destinado ao cultivo e agricultura;
- Consta da caderneta predial do prédio rustico inscrito na matriz sob o art.º ..., e que foi dos ora Réus, a sua confrontação a Poente com R. J., outrora o proprietário do mencionado prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º ....º, antigo artigo ....º, e que veio à posse e propriedade dos 2.ºs Réus;
- Na estrema Poente do prédio objeto da preferência, a que corresponde a estrema Nascente do prédio dos 2.ºs Réus inscrito na matriz sob o art.º ....º, existe uma pequena vala por onde escorrem águas bravas, em tempo de chuvas, de caudal reduzido e não navegável ou flutuável;
- Tal vala, cuja largura média é inferior a 50 com, está assim a maior parte do tempo seca, não tendo qualquer função;
- Mas, quando chove, tal vala tem a função de “amparar” as águas das chuvas, formando uma escassa corrente ou leito, atravessando outros prédios particulares, não existindo qualquer direito ou posse pública sobre a mesma;
- Tendo antes os Réus e os anteriores proprietários dos prédios rústicos inscritos nas matrizes sob os artigos ....º e ....º zelado pela sua conservação ao longo dos anos;
- Situando-se a referida vala ou leito entre os prédios rústicos referidos, por onde passa a corrente das águas das chuvas, pertence esta vala ou leito a cada um dos proprietários daqueles prédios;
- Tendo os 1.ºs Réus vendido o seu prédio a quem era proprietário confinante, será inócuo averiguar se os Autores, ao adquirirem tal prédio, obteriam maior área do que os 2.ºs Réus;
- No entanto, sempre se dirá que não podem, sequer, os Autores lançar agora mão de tal argumento jurídico, porquanto não alegaram na sua Petição Inicial factos determinantes para a apreciação dessa questão;
- Desde logo, e apesar de alegarem que o seu prédio tem uma área inferior à unidade de cultura, não alegam qual a área do seu prédio, nem a área do prédio objeto de preferência;
- Não se podendo extrair a área dos referidos prédios pelas cadernetas prediais já que tal facto não foi alegado e, como tal, não pode ser objeto de prova;
- Acresce que não alegaram também o segundo facto determinante para que pudessem acionar o mecanismo do art.º 1380.º, n.º 2, al. b) do Código Civil: que de todos os proprietários confinantes o seu prédio é aquele, que pela preferência, obtém a área que mais se aproxima da unidade de cultura, competindo-lhes a eles o ónus da alegação e da prova de tais factos;
- Acresce que, e para todos os efeitos legais, o prédio dos 2.ºs Réus (art.º ....º) e que confronta com o prédio que os 1.ºs Réus lhes venderam tem uma área superior ao prédio dos Autores, identificado no art.º 5.º da Petição Inicial;
Os Autores faltam conscientemente à verdade no presente processo, pois referem de forma expressa que o prédio objeto da preferência não confronta com prédio dos 2.ºs Réus, quando sabem que tal é mentira;
- Os Autores deduzem assim pretensão cuja falta de fundamento não podiam ignorar e alteraram a verdade dos factos de forma dolosa;
- Por força da presente ação, os 1.ºs Réus já liquidaram a taxa de justiça, no montante de € 102,00, e pagaram a quantia de € 300.00 à sua Advogada para contestar a presente ação, sem prejuízo dos restantes honorários devidos até ao encerramento do presente processo;
- Os 1.ºs Réus vivem habitualmente em França, pelo que quando conheceram da existência do presente processo foram forçados a deslocarem-se a Portugal para diligenciar pelo acompanhamento do mesmo e contratar advogado, tendo despendido na referida viagem de ida e volta, com veiculo próprio, cerca de € 500.00 em combustível e portagens;
- Consequentemente, devem os Autores ser condenados como litigantes de má fé ao pagamento das despesas referidas nos artigos anteriores e as demais taxas de justiça e honorários de advogados que se vieram a liquidar até ao transito em julgado da sentença que vier a ser proferida.
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Os Autores exerceram o contraditório relativamente à matéria de defesa por exceção e aos pedidos de condenação a título de litigância de má fé, impugnando os seus fundamentos e alegando, ainda e em síntese, que:

- Como bem sabem os Réus, e contrariamente ao referido pelos mesmos na sua Contestação, entre os imóveis “Leira da Chão da Eira de Baixo” prédio objeto da preferência existe uma linha de água corrente que passa e separa os dois prédios;
- Tal linha de água provem das Águas do Monte, Alto da Serra, e trata-se de um ribeiro, que vai ter diretamente ao Rio Vade;
- Passa tal Ribeiro pelo ... e, desde sempre, tal linha de água foi ali batizada de “Passo Jus”, isto porque, antigamente, a extinta freguesia de ... tinha uma casa de Juiz;
- Esse ribeiro assim foi ali batizado, passando por vários lugares, entre outros o lugar do ..., … e … e trás águas do rego da … e …;
- Ora, assim, atenta a linha de água corrente que passa e separa os dois prédios, o imóvel “Leira da Chão da Eira de Baixo” não é confinante com o prédio objeto da preferência;
- Só após a entrada da presente demanda em juízo, é que os Réus iniciaram o cultivo do prédio, sendo que anteriormente o mantinham ao abandono e devoluto, nunca o tendo trabalhado;
- Bem pelo contrário, foi o filho da Autora, que é tratorista da aldeia, que um dia limpou o silvedo do campo;
- Os Réus bem sabem que nunca trabalharam o campo, querendo, agora, para afastar a preferência, dizer ao tribunal que o trabalham, quando só agora começaram a fazê-lo;
- E fazem-no para que, quando, daqui a uns meses ou um ano ou dois, se realizar a audiência de julgamento, dizerem de viva voz que trabalham o campo há muito, quando tal é redondamente falso;
- Aliás, os Réus só depois da entrada desde processo em Tribunal é que são vistos no terreno, até a cortar árvores, andando por lá a fazer que o trabalham há muito.
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Por despacho de fls. 79 foi julgada improcedente a exceção perentória de caducidade, invocada pelos Réus J. C. e R. F. na respetiva Contestação.
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Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, reconhecendo aos Autores o direito de preferência na venda do prédio referido no ponto 1 dos factos provados, substituindo-se a mesma aos RR.. N. A. e E. P. na escritura de compra e venda aí identificada, absolvendo os RR. do restante peticionado.

Inconformados vieram os Réus recorrer formulando as seguintes Conclusões:

I- Os AA./Recorridos deveriam ter alegado, por constituir requisito fundamental do direito de ação, bem como do direito substantivo de preferência, por força do disposto na alínea b), nº 2 do artigo 1380º do Código Civil – e não alegaram- que, pela preferência, obtinham a área que mais se aproximava da unidade de cultura fixada para respetiva zona.
II- Tal exigência legal assenta em razões de ordem pública, e os AA / Recorridos ao não o terem feito postergavam e iludiam, como postergaram e iludiram, as razões subjacentes ao emparcelamento, tendo-se apurado, até, em audiência de discussão e julgamento, que o prédio objeto da preferência,- Duas Leiras em Barbeitinho, - confronta diretamente, através da sua parte Norte/Poente, com outro prédio rústico, apto para a cultura, - pertença de J. A. - com área superior até àquela que é pertença do prédio dos ora recorridos.
III- Tal circunstância omissiva integra exceção perentória, que impede o efeito jurídico dos factos articulados pelos AA., ou, se assim se não entender, integra exceção dilatória que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, nos termos do disposto no artigo 576º, nº s 2º e º 3 do CPC, que a douta sentença, com o devido respeito, violou.
IV- Com efeito, o direito legal de aquisição, em apreço, depende da verificação dos requisitos enunciados no artigo 1380º, nº1 do CC, cujo ónus da prova incumbe àquele que se arroga titular do direito de preferência, por se tratar de factos constitutivos desse direito – artigo 342º, nº 1 do CC.
V- Entre esses requisitos encontra-se a necessidade de alegação e prova do pressuposto de que os autores/recorridos eram aqueles que, pela preferência, obtinham a área que mais se aproximava para a unidade de cultura para a respetiva zona.
VI- Ocorre, pois, a falta de um pressuposto legalmente exigido para a invocação e reconhecimento do direito de preferência que, pela presente ação, os AA./Recorridos pretendem ver reconhecido.
VII- No nosso ordenamento jurídico, a exigência de indicação da causa de pedir só fica preenchida mediante a alegação em concreto do facto com relevância jurídica de que a parte faz derivar o seu pedido.
VIII- Na verdade, nos termos do nº 4, do artigo 581º, do CPC “ Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real”.
IX- Assim, também por insuficiência da causa de pedir do alegado direito real de aquisição não se encontram verificados, nem provados, os factos constitutivos desse direito.
X- Pelo que a petição inicial, por insuficiência da causa de pedir, deve considerar-se inepta, tendo a douta sentença violado, não apenas o disposto na alínea b), do nº 2 do artigo 1380º do Código Civil, como o disposto na aliena a), do nº 2 do artigo 186º do Código de Processo Civil.
XI- Deve alterar-se a decisão proferida sobre a matéria de facto por se mostrar contraditória e obscura a decisão sobre os pontos da matéria de facto constantes dos pontos 21º e 33º da matéria de facto considerada provada, devendo anular-se a referida resposta e considerar-se a matéria de facto constante do ponto 21º como não provada.
XII- Mostra-se, à luz da reapreciação da prova gravada e do consignado na resposta dada ao ponto 30º da Matéria de Facto Assente, obscuro e deficiente o conceito de “ rego de águas bravas”, pelo que, a não ser entendido que se trata de um conceito de direito, sempre se mostra indispensável a ampliação daquela considerada matéria de facto, o que se requer.
XIII- Quando assim se não entenda, por se não mostrar devidamente fundamentada tal decisão sobre aquele facto essencial para o julgamento da causa deverá ordenar-se que o Tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados e os demais elementos constantes dos autos, designadamente o constante do Auto de Inspeção ao Local.
XIV- Verifica-se a nulidade da sentença em mérito, porquanto existem factos provados se encontram em contradição frontal entre si, designadamente, o que resulta da matéria de facto considerada provada nos artigos 21º e 33º (no ponto 21º refere-se que a Nascente, o terreno referido em 15 e 18 dos factos provados encontra-se delimitado por um rego e no artigo 33º, que o leito ou álveo do aludido rego atravessa em toda a sua extensão Norte/Nascente o terreno referido em 15º e 18 ) e
XV- Ocorre contradição insanável entre o facto constante do ponto 33º e a decisão, visto que a decisão assenta na não confinância do imóvel dos recorrentes, referido em 15 e 18, com o imóvel objeto da preferência e o facto provado no ponto 33º refere que o leito ou álveo do rego atravessa em sua extensão Norte/Nascente tal terreno.
XVI- Assim, a sentença é nula visto que os seus fundamentos se encontram em contradição e estes se encontram em oposição com a decisão, nulidade previstas nas alíneas b) e c) do nº 1 artigo 515º do CPC.
XVII- Dos factos considerados provados, mostram-se incorretamente julgados os seguintes: 30º (quanto à qualificação do rego de “ águas bravas”); 36º (quanto às águas transportadas no rego sempre por ele correrem livremente); o facto consignado no ponto 21º, de que a Nascente, o terreno referido em se encontra delimitado por um rego (e não confina diretamente) com o objeto imóvel da preferência, devendo julgar-se provado que o terreno referido em 15º e 18º não se encontra delimitado por um rego de águas bravas, mas também de rega e rega e lima, ainda que, também nele corram águas bravas; e que as águas transportadas no rego não correm livremente, bem como que o supra identificado imóvel dos ora recorrentes referido em 15º e 18º dos factos provados confina diretamente com o imóvel objeto da preferência – Duas Leiras em Barbeitinho.
XVIII- Dos factos considerados não provados, mostram-se incorretamente julgados os seguintes: o facto de os ora recorrentes não praticarem, por forma contínua e ininterrupta os atos materiais possessórios sobre o seu imóvel denominado “ Leira da Chão da Eira de Baixo”, em oposição e contradição ao facto provado no ponto 22º ; o facto alegado no artigo 28º da Contestação, na parte em que a confinância entre os prédios “ Leira da Chão da Eira de Baixo” e “ Duas Leiras em Barbeitinho” não se estabelece através do leito ou álveo do referido rego ; a matéria de facto constante dos artigos 24º, 26º e 27º da contestação, 30º, 36º ( na parte em que aí se refere que as águas transportadas no leito ou álveo sempre por ele correram livremente, visto que, por ele, também correm as águas de rega e lima das designadas “ Poças da Costa”.
XIX- Resulta dos autos e da prova produzida em audiência de Julgamento que o álveo ou leito do denominado “rego de águas bravas” é ainda atravessado no sentido Poente/ Nascente pelo caudal de água de rega e lima provinda das referidas “ Poças da Costa” para irrigar o prédio dos recorrentes “ Leira da Chã da Eira de Baixo” e dos recorridos “ Uma Leira em Barbeitinho” os quais para conduzirem aquele caudal de água para os referidos seus prédios tapam o referido leito ou álveo do aludido rego com pedras, terra, e torrões, “ cortando” o seu curso e desviando para os seus referidos imóveis o caudal de água que nele corra.
XX- Ao invés do consignado na douta sentença, e ainda que não ocorra a pretendida modificação da matéria de facto considerada, quer provada, quer não provada, no caso em apreço, existe confinância entre os imóveis referidos em 1 e 15 e 18 dos Factos provados.
XXI- Com efeito, os prédios em apreço não se tocam “ apenas num ponto”.
XXII- Além da contiguidade física, continuidade natural e confinância direta, à luz das culturas praticadas, através da passagem que se verifica a Norte do imóvel dos ora recorrentes, “Leira do Chão da Eira de Baixo”, para o prédio denominado “ Duas Leiras em Barbeitinho”, que permite o trânsito por ela de pessoas, animais, alfaias agrícolas, sementes, produtos hortícolas, erva, feno e tudo o que se mostra necessário à cultura agrícola (aliás por onde o Tribunal passou de um imóvel para outro sem qualquer dificuldade), existe uma “verdadeira e razoável fronteira ou contiguidade entre os prédios “que mantém e permite a unificação dos terrenos, ou seja, o seu emparcelamento, em ordem a obter-se uma exploração agrícola, técnica e economicamente mais estável e viável, (nos termos do decidido no douto acórdão da Relação de Évora, de 26/04/ 2012, in CJ, 2012,2º - pág. 308), como efetivamente tem vindo a suceder.
XXIII- No caso em apreço, não nos encontrámos na presença de um “ corgo” ou se exige a construção de qualquer passagem para que a comunicação se estabeleça entre os prédios.
XXIV- Tal comunicação e passagem entre os prédios em apreço, já existe, como sempre existiu, desde logo, para acompanhar o aqueduto (ora, em meias canas de cimento) que transporta a água provinda das “Poças da Costa”, na parte, na parte Norte/Nascente do imóvel dos recorrentes e parte Poente das “Duas leiras em Barbeitinho”, objeto da preferência, permitindo livremente o trânsito de pessoas, animais e coisas e os instrumentos necessários à cultura das “Duas Leiras em Barbeitinho”, sendo certo que, para a passagem de tratores basta apenas que os recorrentes rebaixem em cerca de 2,50m o murete com 30cm de altura que após o ano de 2011 construíram próximo da extrema Norte do seu prédio, “ Leira da Chão da Eira de Baixo”.
XXV- Os recorrentes não aceitam o constante da douta sentença, estribado no douto Acórdão da Relação de Coimbra, quanto à interpretação da Lei no sentido de que o disposto no nº 3 do artigo 1387º, do Código Civil “tem apenas a ver com obras para armazenamento ou derivação de águas e com o leito dessas correntes, não, por si só, para efeitos de eventual emparcelamento de prédios rústicos ou para a definição de confinância de prédios”.
XXVI- Tal interpretação, no entender dos recorrentes, viola expressamente o constante no nº 3, do artigo 1387º do Código Civil, bem com o preceituado no nº 2 do artigo 12º da Lei nº 54/ 2005, de 15 de Novembro onde se reconhece expressamente que no caso de águas públicas (e nem sequer é este o caso, uma vez que se trata de águas particulares) não navegáveis nem flutuáveis localizadas em prédios particulares, o respetivo leito e margem são particulares, nos termos do artigo 1387º do Código Civil e bem assim o disposto na alínea a) nº 1 do art. 1386,1400, nº 1 e 1401, nº 1 também do Código Civil.
XXVII- Com o devido respeito, tal interpretação conduz às maiores perplexidades!
XXVIII- Com efeito, o direito de propriedade particular sobre o leito ou álveo das correntes não navegáveis nem flutuáveis era já reconhecido pelo nº 5 do artigo 2º, e parágrafos segundo e terceiro do artigo 3º, da Lei das Águas.
XXIX- Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado Vol. III, 1972, Pág. 269, referem que o reconhecimento do direito de propriedade particular sobre o dito leito ou álveo é a “solução tradicional do nosso direito, consagrada nos parágrafos terceiro, quarto e quinto do artigo 381º, do Código de 1867”.
XXX- E a fls. 270, da referida anotação acrescentam que “a divisão do leito pelos proprietários marginais, quando a corrente passa por entre prédios pertencentes a donos diferentes já era a solução no domínio do direito anterior ao Código de 1867º.
XXXI- Invocando Lobão referem que este ensinava que, “ quando o ribeiro é particular o seu álveo é pro dimidia, próprio dos donos dos prédios adjacentes de um e outro lado, não podendo o dono de um lado fazer da sua parte açude que passe além da metade do álveo “ .
XXXII- Do exposto resulta que nunca esteve em causa, na nossa doutrina, nem na nossa jurisprudência, nem na Lei (nº 2 do artigo 12º da referida Lei 54/ 2005, de 15 de Novembro), que o trato compreendido entre a linha marginal e a linha média do leito ou álveo não seja bem particular e que o mesmo trato de terreno se integre no prédio adjacente ao rego.
XXXIII- A douta sentença ao considerar que o imóvel dos recorrentes “Leira da Chão da Eira de Baixo” e o prédio “Duas Leiras em Barbeitinho”, não confinavam, violou o disposto nos artigos 9º, nº 1380º, e nºs 1 e 3 do artigo 1387º todos do Código Civil e ainda a norma constante do nº 2 do artigo 12º da aludida Lei 54/2005, de 15/11.
XXXIV- A prova produzida nos autos, os factos tidos por assentes e a prova produzida em audiência de julgamento, impõe que a decisão da matéria de facto seja modificada nos termos indicados supra relativamente à matéria de facto, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos factos não provados.
XXXV- Se assim se não entender, deve, quanto a tais factos, a decisão ser anulada, visto se mostrar deficiente, obscura e contraditória sobre tais pontos da matéria de facto, mostrando-se ainda indispensável a ampliação desta, designadamente para efeitos da qualificação do rego erroneamente qualificado de “´aguas bravas” e da corrente de água que nele corre, bem como para se identificarem em concreto as características da referida passagem.
XXXVI- Independentemente da impugnação da matéria de facto ou, quando assim se não entenda do pedido de anulação da decisão da mesma, deve considerar-se que a douta sentença fez errada aplicação e interpretação das normas qua constituem fundamento da decisão, tendo violado o disposto nos artigos 9º, 1380º, nº1 todos do Código Civil e artigo 1037º do CPC , nº 2 do artigo 12 da lei 54/ 2005, de 15 de Novembro e ainda o disposto no nº1 do artigo 1400º e nº1 do artigo 1401, ambos também do Código Civil, normas que deveriam ser aplicadas e interpretadas com o sentido que ocorre confinância direta entre os prédios referidos em 1 e 15 e 18 dos factos provados.
XXXVII- Assim, o tribunal a quo ao considerar que os prédios em causa “Leira do Chão da Eira de Baixo “ propriedade dos recorrentes, e “ Duas Leiras do Barbeitinho”, objeto da preferência, não são confiantes, fez errada aplicação do disposto no nº1, do artigo 1380, do Código Civil, não assistindo aos AA. o direito de haver para si o prédio alienado, pelo que a ação deverá improceder.
Consequentemente, deve a douta sentença ser revogada e substituída por douto Acórdão que revogue a decisão em mérito, na parte em que reconheceu à Autora,
R. C., ( AA) o direito de preferência na venda do prédio referido no ponto 1 dos factos provados e substituiu a mesma aos RR., N. A. e E. P., na respetiva escritura de compra e venda e, consequentemente, julgue a ação improcedente, com as legais consequências.

ASSIM VEXAS. DECIDINDO, COMO DE HÁBITO, SE FARÁ BOA E SÃ JUSTIÇA.

Os AA. apresentaram contra-alegações, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
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Questões a decidir:

- Da ineptidão da petição inicial
- Da nulidade da sentença
- Da modificabilidade da decisão de facto
- Verificar se se encontram reunidos os requisitos necessários à aquisição do imóvel identificado nos autos por parte da A., com base em direito de preferência.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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A matéria considerada provada na 1ª instância é a seguinte:

Factos provados.

1- Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial do Dr. A. D., sito na Rua ..., n.º .., Urbanização das ..., Ponte da Barca, em 18 de Novembro de 2016, J. C. e R. F. declararam vender a N. A., casado com E. P. segundo o regime de bens da comunhão de adquiridos, que declarou comprar, pelo preço de € 8.000,00, o prédio rústico composto por terreno de duas leiras do barbeitinho, sito no lugar ..., União de freguesias de ... e ...., do concelho de Vila Verde, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número … – ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ....
2- O prédio referido em 1 esteve inscrito anteriormente na matriz sob o art.º rústico … da freguesia de ....
3- Os Réus N. A. e E. P. pagaram aos Réus J. C. e R. F., pela aquisição do prédio referido em 1, o preço global de oito mil euros (8.000,00 €), tendo para o efeito sido pagos os impostos devidos
4- Através da Ap. 1712 de 2016/11/21, os Réus N. A. e E. P. registaram a seu favor, no registo predial, a aquisição da propriedade do prédio identificado em 1, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../20081103, como prédio rústico sito em ..., freguesia de ... e ...., denominado “Duas Leiras do Barbeitinho”, com a área total de 933m2, a confrontar do Norte com A. J., do Sul com J. P., do Nascente com J. J. e caminho e do Poente com R. J..
5- A Autora, casada sob o regime de comunhão de adquiridos com o Autor segundo o regime de bens da comunhão de adquiridos, tem inscrita em seu nome no registo predial a aquisição, por adjudicação em partilha extrajudicial, da propriedade de um prédio rustico denominado de “Uma Leira em Barbeitinho”, sito no lugar ..., da união de freguesias de ... e ..., concelho de Vila Verde, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º …/20120223 e inscrito na matriz rustica sob o atual n.º … da união de freguesias de ... e ..., proveniente do extinto artigo … da extinta freguesia de ..., com a área de 1118m2, detendo na matriz as confrontações seguintes: a Norte R. P., de Sul com R. J., de nascente com J. J. e do Poente com R. J..
6- Por escritura pública outorgada no dia 11 de Abril de 2011, no Cartório Notarial de Vila Verde, perante o licenciado J. F., foi declarado adjudicar à Autora, em partilha por óbito de J. L. o prédio rústico referido em 5, identificado na verba n.º 21 da relação anexa àquela escritura.
7- Os Autores, por si e antecessores, detêm e fruem o prédio referido em 5, cultivando-o e colhendo os seus frutos e produtos, desde há mais de 1, 20, 30, 40 e mais consecutivos anos, sem qualquer interrupção.
8- Sempre no seu interesse e proveito.
9- Com ânimo de exclusivos donos.
10- À vista e com conhecimento de toda a gente nisso interessada.
11- Sem qualquer estorvo ou turbação.
12- O prédio rústico referido em 5 confronta diretamente com o prédio rústico referido em 1.
13- Tanto o prédio rústico referido em 1, como o prédio referido em 5, são aptos para a cultura agrícola.
14- Os 1.ºs Réus outorgaram a escritura pública referida em 1 sem levar ao conhecimento dos Autores o projeto da venda e as cláusulas do respetivo contrato.
15- Pela Ap. 1541, de 2012/11/17, encontra-se inscrita, no registo predial, a favor dos Réus N. A. e E. P., a aquisição, por compra, da propriedade do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º …/20100928, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Vila Verde, denominado “Uma Leira da Chão da Eira de Baixo”, com a área total de 80m2, a confrontar do Norte e Poente com A. C., do Sul com J. M. e do Nascente com M. R..
16- O prédio referido em 15 encontra-se inscrito no respetivo Serviço de Finanças (matriz rústica), em nome dos Réus N. A. e E. P., sob o artigo ..., (anterior artigo ...).
17- Por instrumento público outorgado na Conservatória do Registo Predial ..., em 7 de Novembro de 2012, M. P., R. R. e João declararam vender ao Réu N. A., casado com E. P. segundo o regime de bens da comunhão de adquiridos, que declarou comprar, pelo preço global de € 330,00, quatro prédios rústicos, entre os quais o referido em 15.
18- O terreno correspondente ao prédio referido em 15 é constituído por uma só parcela ou folha de terreno.
19- A extremidade Sul/Poente do terreno referido em 18 encontra-se delimitada por um marco.
20- A Norte e Poente, o terreno referido em 15 e 18 encontra-se delimitado por um muro de suporte em pedra.
21- A Nascente, o terreno referido em 15 e 18 encontra-se delimitado por um rego.
22- Os Réus N. A. e E. P. e seus antecessores têm destinado toda a área do terreno referido em 15 e 18 à produção e frutificação de culturas de regadio.
23- A parcela de terreno referida em 18 é irrigada com água de poças de consortes, designadas “Poças da Costa”, água que a ela aflui por via da força da gravidade
24- Os Réus N. A. e E. P. e antecessores, vêm lavrando a parcela de terreno referida em 15 e 18 e, em toda a sua área, semeando milho, centeio, erva, feijão, destinando-o ainda à frutificação de produtos hortícolas, tais como legumes verdes, couves, nabos e outras hortaliças.
25- Os Réus N. A. e E. P. vêm ainda procedendo, em toda a área da parcela de terreno referida em 15 e 18, à sua limpeza, lavra, irrigação, vigilância e à execução de todos os atos e trabalhos necessários à sua frutificação.
26- O que os Réus N. A. e E. P., por si e antecessores, sempre têm feito há mais de 20 anos.
27- À vista e com conhecimento de toda a gente.
28- Sem oposição de quem quer que seja.
29- Na convicção de quem exerce um direito próprio, correspondente à titularidade plena e exclusiva do direito de propriedade.
30- Entre o prédio referido em 1 e o terreno referido em 15 e 18 existe um rego de águas bravas.
31- O caudal de água que corre nesse rego atravessa vários prédios, em parte a céu aberto e em parte encanado subterraneamente, situados a Norte-Nascente dos imóveis referidos em 1 e em 15 e 18.
32- E, mercê do pendor declivoso dos terrenos, por eles corre, atravessando, depois, os prédios referidos em 1 e em 15 e 18.
33- O leito ou álveo do aludido rego apresenta, em parte, margens visíveis e permanentes, atravessando em toda a sua extensão Norte/Nascente o terreno referido em 15 e 18.
34- O álveo do aludido rego foi escavado, no solo, desde tempos imemoriais, e por ele sempre fluíram as águas das chuvas e enxurros, percorrendo, depois, a superfície de outros prédios, situados a jusante.
35- No aludido álveo, por vezes, não corre água nos períodos estivais.
36- As águas nele transportadas sempre por ele correram livremente, formando corrente de água não navegável nem flutuável.
37- Nos últimos anos, designadamente nos anos 2011, 2012, 2013, nos períodos de Inverno e na Primavera, choveu intensamente, pelo que a força das águas começou a escavar e levar parte da terra arável que integrava a superfície do terreno referido em 15 e 18.
38- Os Réus N. A. e E. P., para evitarem que a terra arável do terreno referido em 18 fosse levada pela força das águas, resolveram, no ano 2013, realizar uma obra defensiva em parte deste prédio.
39- Nele tendo feito, dentro da área ou dos limites do mesmo, uma vedação, em pedra, por forma a evitar a erosão do solo arável provocada pela gaivagem e evitar que as águas ocupassem parte da área do mesmo e destruíssem ou danificassem as culturas.
40- Uma vez que, na parte em que a superfície cultivada ia até ao dito rego e a terra tinha sido escavada e transportada pelas águas, os Réus N. A. e E. P., nessa parte, repuseram o nível do solo, tendo colocado junto à referida vedação, e a poente desta, vários tratores de terra.
41- O leito ou álveo do rego referido em 30 sempre possuiu, desde tempos que fogem à lembrança dos vivos, largura variável entre 0,80m e 1,20m
42- Sendo de 80cm na extremidade Norte-Nascente do terreno referido em 15 e 18.
43- Os Réus N. A. e E. P., por si e antepossuidores, na época de Verão desciam ao leito do referido álveo e daí cortavam as ervas existentes no valado ou margem integrada no terreno referido em 15 e 18.
44- O prédio referido em 1, tal como o identificado em 15 e 18, constituem terrenos de regadio.
45- O prédio referido em 15 e 18 tem a área de 1.447 metros quadrados.
46- O rego referido em 30 vai ter ao Rio Vade.
47- Esse rego passa por vários lugares, entre outros, o lugar do ....
48- Para além do referido em 15 a 47, os Réus N. A. e E. P. não são proprietários de qualquer terreno confinante com o prédio referido em 1.

b) Factos não provados.

Artigos 21.º e 22.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 14 dos Factos Provados.
Artigo 23.º da Petição Inicial, salvo na parte que resulta do ponto 48 dos Factos Provados.
Artigo 24.º da Petição Inicial.
Artigo 5.º da Contestação dos 2.ºs Réus, salvo na parte que resulta do ponto 19 a 21 dos Factos Provados
Artigo 6.º da Contestação, dos 2.ºs Réus, salvo na parte que resulta dos pontos 22 e 26 dos Factos Provados.
Artigo 8.º da Contestação dos 2.ºs Réus, salvo na parte que resulta dos pontos 24 e 26 dos Factos Provados.
Artigo 13.º da Contestação dos 2.ºs Réus, salvo na parte que resulta do ponto 26 dos Factos Provados.
Artigo 15.º da Contestação dos 2.ºs Réus.
Artigos 24.º a 27.º da Contestação dos 2.ºs Réus, salvo na parte que resulta do ponto 30 dos Factos Provados.
Artigo 28.º da Contestação dos 2.ºs Réus, salvo na parte que resulta dos pontos 30 a 32, 35 e 36 dos Factos Provados.
Artigo 29.º da Contestação dos 2.ºs Réus, salvo na parte que resulta do ponto 33 dos Factos Provados.
Artigo 30.º da Contestação dos 2.ºs Réus, salvo na parte que resulta do ponto 34 dos Factos Provados.
Artigo 36.º da Contestação dos 2.ºs Réus, salvo na parte que resulta do ponto 41 dos Factos Provados.
Artigo 37.º da Contestação dos 2.ºs Réus, salvo na parte que resulta dos pontos 41 e 42 dos Factos Provados.
Artigo 43.º da Contestação dos 2.ºs Réus, salvo na parte que resulta do ponto 45 dos Factos Provados.
Artigos 52.º a 55.º da Contestação dos 2.ºs Réus.
Artigo 23.º da Contestação dos 1.ºs Réus, salvo na parte que resulta dos pontos 30 e 34 a 36 dos Factos Provados
Artigo 24.º da Contestação dos 1.ºs Réus, salvo na parte que resulta dos pontos 35, 41 e 42.
Artigo 25.º da Contestação dos 1.ºs Réus, salvo na parte que resulta dos pontos 31, 34 e 36 dos Factos Provados.
Artigo 27.º da Contestação dos 1.ºs Réus, salvo na parte que resulta dos pontos 31 e 37 a 40 dos Factos Provados.
Artigos 40.º a 44.º da Contestação dos 1.ºs Réus.
Artigo 10.º da Resposta dos Autores.
Artigo 12.º da Resposta dos Autores, salvo na parte que resulta do ponto 46 dos Factos Provados.
Artigos 13.º a 15.º da Resposta dos Autores, salvo na parte que resulta do ponto 47 dos Factos Provados.
Artigo 16.º da Resposta dos Autores.
Artigos 26.º a 38.º da Resposta dos Autores.
*
Da ineptidão da petição inicial:

Os Recorrentes alegam que os Autores na p.i. deveriam ter alegado que, pela preferência, obtinham a área que mais se aproximava da unidade de cultura para a respetiva zona e, ao não o fazerem, a petição é inepta por insuficiência da causa de pedir.

Vejamos:

Nos termos do art. 186º do C. Proc. Civil a petição é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir, quando se cumulem pedidos substancialmente incompatíveis.

A figura da ineptidão da petição inicial pressupõe a inexistência absoluta do fundamento da ação, o que é diverso da insuficiência de causa de pedir. Neste caso, tal deficiência poderá conduzir à inviabilidade da ação mas em termos de juízo de mérito, caso não seja sanada

Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 222) “Impõe-se distinguir as situações em que o teor da petição inicial é de tal modo deficitário que se reconduz à falta de ininteligibilidade de pedido ou de causa de pedir, gerando a ineptidão da petição e a correspondente absolvição da instância, dos casos em que, estando embora presentes esses elementos objetivos da instância, há insuficiências ou imprecisões na formulação do pedido ou na exposição ou concretização da matéria de facto, as quais devem ser remediadas mediante a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do art. 590º, nº 4”.

No caso, tal como os Recorrentes reconhecem, não existe omissão total de fundamento da ação, pelo que a petição não é inepta.

Da arguida contradição entre os pontos 21º e 33º da matéria de facto e entre a matéria deste último ponto e a decisão, alegadamente geradora da nulidade da sentença:

Os pontos em questão são os seguintes:

21- A Nascente, o terreno referido em 15 e 18 encontra-se delimitado por um rego.
33 - O leito ou álveo do aludido rego apresenta, em parte, margens visíveis e permanentes, atravessando em toda a sua extensão Norte/Nascente o terreno referido em 15 e 18.

Diz-nos o art. 615º, nº 1 – c) que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil anotado, volume V, pág. 151) refere que a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. E acrescenta que, num caso não se sabe o que o juiz quis dizer, no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos.

No caso, analisando a sentença proferida nos presentes autos, verifica-se que não existe contradição entre os fundamentos e a decisão.

Por outro lado, salvo o devido respeito, não se vê onde exista a alegada contradição entre a matéria fática contida nos pontos referidos pelos Recorrentes. Na verdade, no ponto 21 descreve-se a delimitação do prédio a nascente e no ponto 33 descreve-se o leito e margens do rego o seu trajeto, com referência ao prédio objeto dos autos. Trata-se pois, de realidades distintas.

Lendo as alegações dos Recorrentes verifica-se que o que se passa é que os mesmos não concordam com o facto de se ter considerado que o terreno aí referido confronta a nascente com um rego, mas tal não configura uma nulidade da sentença.

Antunes Varela (in Manuel de Processo Civil, pág. 686) explica que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.

Não se verifica pois, a nulidade invocada.

Da análise do recurso de impugnação da matéria de facto:

Quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, obrigatoriamente e sob pena de rejeição, o seguinte (v. artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Analisadas as conclusões formuladas pelos Recorrentes, verifica-se que, embora de forma algo confusa, cumpre o formalismo imposto pelo art. 640º do C. P. Civil, pelo que se vai conhecer de seguida do recurso de impugnação da matéria de facto.
*
Cabe então agora verificar se a prova produzida foi bem analisada pelo julgador na 1ª instância.

Resulta do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Conforme explica Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3ª Edição, pág. 245), a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações na matéria provada e não provada. Acrescentando que, em face da redação do art. 662º do C. P. Civil, fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe a sua própria convicção, mediante reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade.
*
Os Recorrentes alegam que no ponto 30 da matéria de facto é “obscuro e deficiente” a expressão aí contida “rego de águas bravas”. Dizem ainda que “a não ser entendido que se trata de um conceito de direito, sempre se mostra indispensável a ampliação daquela considerada matéria de facto” e que a decisão sobre tal facto não se encontra fundamentada, devendo ordenar-se ao tribunal de 1ª instância que a fundamente.

A expressão “rego de águas bravas” não é um conceito de direito, pois não decorre de uma operação de subsunção jurídica ou contém uma valoração jurídica. A dita expressão, na situação em causa, significa que as mencionadas águas são bravas, que não provêm da rede pública mas sim diretamente da natureza. Veja-se o que a propósito foi consignado na sentença:

“(…)por um ribeiro, cuja água vem do regado da … e, também, de uma poça cuja água foi encaminhada pelos pais da Ré E. P..” “(…)ribeiro esse que nasce no alto do monte e vem nas enxurradas até chegar ao Rio Vade. Refere conhecer esse ribeiro desde sempre, não conhecendo o nome dos lugares de onde vem.” “passa ali um ribeiro, que toda a vida conheceu, o qual começa no alto do monte e traz todas as águas que ali apanha até chegar ao Rio Vade.” “As divergências nos depoimentos das várias testemunhas, além de pontuais aspectos de pormenor, situaram-se em questões que não revestem conteúdo factual – mormente, saber se a água que corre no rego tem natureza pública ou privada, o que constitui questão de direito (…)”.

O tribunal a quo abordou pois, a questão em análise, sendo certo que, ainda que não tivesse abordado, sempre este tribunal poderia suprir a omissão em causa, não sendo necessário que o processo baixasse à primeira instância para o efeito.

Os Recorrentes entendem que no ponto 21 não se deveria ter considerado provado que a parcela aí mencionada se encontra “ delimitada por um rego” ; que no ponto 30º não devia ter sido considerada provada a existência de “ um rego de águas bravas”; que no ponto 36º não deveria ter sido provado que “as águas transportadas no rego sempre por ele correram livremente”.
Ora, como se refere na decisão recorrida e as testemunhas são unânimes em referir que entre o prédio dos Réus e o prédio que os Autores pretendem preferir existe um rego ou um pequeno curso de água. Também os Réus o admitem. A divergência não é relativamente à existência de tal curso de água e à proveniência das águas que aí correm, mas sim relativamente ao facto de os dois prédios serem ou não confinantes, sendo que esta é uma questão de direito e não de facto. Acresce que nos pontos da matéria de facto em causa a expressão “rego” se encontra em sentido empírico, como limite físico da parte não submersa dos terrenos.
Assim, é de manter a redação dada aos mencionados pontos.

Dizem os Recorrentes que existe uma contradição entre o ponto 21 e o ponto 48, no qual se considerou provado que “ para além do referido em 15 a 47, os Réus, ora recorrentes “ não são proprietários de qualquer outro terreno confinante com prédio referido em 1”.
Salvo o devido respeito, mais uma vez, não vemos que exista qualquer contradição entre as matérias em causa, com efeito o que resulta do ponto 30 é que os Réus não são proprietários de qualquer outro terreno, além do descrito na matéria de facto, que confronte com o terreno que os Autores pretendem para si.

Insurgem-se os Recorrentes quanto à inserção da expressão “rego de águas bravas” no ponto 30 e que no ponto 36 se referira que tais águas sempre correram livremente, pois, “pelo leito do rego ou álveo sempre por também correm as águas de rega das designadas “Poças da Costa” que irrigam a parcela de terreno dos recorrentes “Duas Leiras do Chão da Eira de Baixo” e o imóvel dos recorridos referido no ponto 1 dos factos provados, conforme se depreende do ponto 23 da matéria de facto provada, e ainda as águas que são aproveitadas para lima dos referidos prédios e ainda de outros moradores que a aproveitam segundo o regime de TAPA-TAPA”.

Ora, uma coisa não invalida a outra. Na verdade, o que se pretende dizer é que as águas não são, por exemplo, encanadas. Vejamos que, caso as águas de um rio sejam aproveitadas para regas ou para outros fins e aí sejam deitadas águas, por exemplo, de lavagens efetuadas nas margens, não implica que as águas desse rio não corram livremente pelo seu leito.

Não vemos pois, qualquer razão para alterar a matéria em causa.

Os Recorrentes também alegam que “o tribunal considerou erradamente não provado que os Recorrentes não praticavam os atos materiais possessórios sobre o imóvel denominado “Leira do Chão da Eira de Baixo”, por forma “contínua e ininterrupta.
Esta matéria não tem interesse para a decisão de mérito a proferir.

Ora, conforme se refere no Ac. da Relação de Coimbra de 24/04/2012, Ac. da Relação do Porto de 7/10/19 e ainda nos Acs. desta Relação de 15/12/16, de 11/07/17 se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, é irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.

Assim, por falta de utilidade, rejeita-se nesta parte o conhecimento do recurso de impugnação da matéria de facto.

Os Recorrentes pretendem que se considere provado o teor dos arts. 24º, 26º, 27º e 28º da contestação que contêm a seguinte matéria:

24º
“A Nascente/Norte a “ Leira da Chão da Eira de Baixo” confina diretamente, como desde sempre confrontou, com o prédio objeto da preferência, “ Duas Leiras do Barbeitinho”, igualmente de cultura de regadio.”
26º
“O prédio dos RR., “ Leira da Chão da Eira de Baixo”, conforme se aduziu supra, é contíguo e confina diretamente, como sempre confinou, com o imóvel rústico objeto da preferência denominado “ Duas Leiras do Barbeitinho”, prédio este também de área inferior á unidade de cultura para a zona.”
27º
“Tal confinância verifica-se na extensão, no sentido Norte-Sul, de várias dezenas de metros.”
28º
“A confinância entre os prédios “Leira da Chão da Eira de baixo” e “ Duas
leiras do Barbeitinho” estabelece-se através do leito ou álveo do referido rego.

Ora, analisando os pontos em causa, vemos que os mesmos contêm juízos conclusivos e conceitos de direito.
Com efeito, verificar se um prédio confina ou não com outro é uma questão de direito e não de facto. Essa é uma das questões jurídicas determinantes para a resolução da presente ação, contendo em si a resolução jurídica do pleito.
Tal matéria não poderá pois, fazer parte do elenco dos factos provados.

O Direito:

Na decisão recorrida foi reconhecido aos Autores o direito a preferirem na compra identificada nos autos, designadamente, por considerar que os RR. N. A. e E. P., adquirentes do terreno objeto dessa compra, à data da mesma não eram proprietários de prédio confinante com aquele.

Nessa mesma decisão considerou-se que entre os dois prédios existia um rego de águas bravas que constituiria obstáculo a considerar que tais prédios sejam considerados contíguos. Para tal estribou-se no disposto nos arts. 1386º, nº 1 – a) do C. Civil e no art. 7º, al. d) da Lei nº 54/2005 de 15/11.

Contudo, os mencionados normativos referem-se à propriedade das águas que nascem ou caiem sobre determinado prédio. Ora, salvo o devido respeito, não é essa a questão a dirimir nestes autos, pois não nos interessa averiguar a quem pertence o recurso hídrico acima aludido.

Com efeito, há que averiguar se os ditos prédios se podem considerar confinantes, para efeitos do art. 1380, nº 1 do C. Civil.

Vejamos:

O direito de preferência atribui a um sujeito a prioridade na aquisição, em caso de alienação ou oneração realizada pelo titular atual de um direito real (v. José de Oliveira Ascenção in Direito Civil – Reais, 4ª ed., pág. 512) desde que ele manifeste vontade de o realizar nas mesmas condições que foram acordadas entre o sujeito vinculado à preferência e um terceiro (v. Manuel Henriques Mesquita in Obrigações Reais e Ónus Reais, pág. 189).

É importante realçar que a preferência concedida pelo art. 1380º, nº 1 do C. Civil visa propiciar o emparcelamento de terrenos, visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável, evitando-se assim a proliferação do minifúndio. (v. Ac. STJ de 25/3/10 in www.dgsi.pt).

Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil anotado, vol. III, pág. 271). “O objectivo do artigo 1380º é fomentar o emparcelamento de terrenos minifundiários, criando objetivamente as condições que, sob o ponto de vista económico, se consideram imprescindíveis à constituição de explorações rendíveis”.

Na verdade, a razão de ser da preferência consignada no mencionado preceito é unir terrenos, de forma que os mesmos atinjam ou se aproximem da unidade de cultura, tornando a sua exploração mais viável e rentável.

Assim, existindo entre os prédios um curso de água, ainda que de 0,80cm de largura, tal impede que tais prédios se considerem fisicamente contíguos.

Nem se diga que, por virtude de o leito do ribeiro ficar seco nos períodos estivais, tal implicaria que nessas alturas se pudessem considerar confinantes os ditos prédios, pois, como se refere no Acórdão do STJ de 9/7/14 (in www.dgsi.pt ) que aborda uma questão semelhante à presente, “cabe dizer que é irrelevante o facto do dito corgo estar seco parte do ano. Se nessas ocasiões houvesse confinância, seria então uma confinância intermitente, o que teria de equivaler em termos de unidade económica dos terrenos a uma não confinância.
Quanto ao tempo em que corre água, a própria recorrente acaba por admitir que seria necessário “o estabelecimento de passagem de uma para outra das parcelas” – conclusão VII - , o que só por si desmente a ideia de continuidade natural dos terrenos tal como atrás a definimos.
Refere a recorrente que não é de aceitar que as explorações agrícolas só são rendíveis quando a sua exploração possa ser feita de modo contínuo – conclusão IX - . Terá razão. Só que, como referimos em 1, para efeitos do art.º 1380º do C .Civil, é apenas a continuidade dos terrenos, ou a vantagem económica que dela deriva, que está em causa.”

É certo que, conforme referem os Recorrentes, o art, 12º da Lei nº 54/2205 de 15/11 considera particulares os leitos e margens de águas públicas e não navegáveis ou flutuáveis, como as que estão em causa nos presentes autos, mas tal preceito não tem aplicação no caso em apreço, pois o diploma em que se insere tal norma destina-se a estabelecer a titularidade dos recursos hídricos, não podendo aplicar-se a situações em que está em causa o emparcelamento de prédios rústicos.

Deste modo, o curso de água existente entre o prédio dos Réus e o prédio que os Autores pretendem preferir, impede que tais prédios pudessem ser explorados como unidade e portanto, que possam ser considerados confinantes para efeitos do art. 1380º, nº 1 do C. Civil.

Por outro lado, não sendo tais prédios confinantes, não necessitavam os AA. de alegar que, pela preferência, obteriam a área que mais se aproxima da unidade de cultura fixada para respetiva zona, pois que o disposto no art. 1380º, nº 2 – b) do C. Civil. Na verdade, este preceito visa resolver o problema da existência de vários proprietários de terrenos confinantes, com áreas inferiores à unidade de cultura. Assim, apenas tem aplicação caso haja vários proprietários com direito de preferência relativamente ao mesmo prédio, o que não ocorre no caso em apreço, poi como acima se viu, o prédio dos Réus/Recorrentes não é confinante com o prédio objeto da preferência.
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, ainda que com fundamentos em parte diversos dos expostos na decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
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Guimarães, 14 de maio de 2020

Alexandra Rolim Mendes
Maria de Purificação Carvalho
Maria dos Anjos Melo Nogueira