Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
237/19.9T8VPA.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: UNIÃO DE FACTO
PRESTAÇÕES POR MORTE
ACÇÃO PROPOSTA PELO MEMBRO SOBREVIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Com as alterações legislativas ao artigo 6 da Lei 2001, de 11/05, o recurso à ação judicial, para comprovação da união de facto, passou para a entidade responsável pelo pagamento das prestações, e apenas em caso de fundadas dúvidas.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães (1)

A. M. demandou, em processo comum, o Instituto da Segurança Social IP. pedindo que fosse condenado a reconhecer:
A. a autora vivia em união de facto com A. F.;
B. que está em condições de receber as prestações em virtude da morte do mesmo, nomeadamente os subsídios de funeral e a pensão de sobrevivência, o que deve ser pago de imediato, com todos os retroativos até à data da morte do de cujus;
C. Acrescido de juros legais devidos até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que viveu com A. F. em comunhão de mesa, cama e habitação, como se de marido e mulher se tratasse, durante um período superior a 6 anos até ao seu falecimento, a 30/01/2010, tendo comunicado ao Instituto a sua situação para que fosse cumprido o disposto na al. e) do artigo 3.º da Lei 7/2001 de11 de maio, juntando os respetivos documentos previstos no artigo 2 – A do mesmo, a 13/11/2017, e no ano de 2018 enviou uma carta, e foi pessoalmente às suas instalações, em Vila Real, sem ter recebido qualquer resposta positiva ou negativa.

O Instituto contestou a ação por via excecional suscitando a falta de interesse em agir, porque nunca colocou em causa a sua situação de união de facto, não constando no Centro Nacional de Pensões qualquer registo de pedido de prestações por morte de A. F., na qualidade de unida de facto, por parte da autora.

E ainda suscitou a incompetência em razão da matéria do tribunal para conhecer dos pedidos formulados em B) e C), acabando por defender-se, também, por impugnação.

O tribunal, no saneador, julgou procedentes as exceções dilatórias de incompetência do tribunal em razão da matéria e da falta de interesse em agir, porque, quanto a esta última, do teor da petição inicial e da contestação não resulta uma situação de incerteza grave do direito da autora, que o Instituto reconheceu que não havia necessidade de intentar a presente ação depois da alteração legislativa ocorrida na Lei 7/2001 de 11/05, bastando apresentar os respetivos documentos no sentido de se verificar se existiam os requisitos exigidos pela Lei.

E, em consequência, absolveu o Instituto Social IP da instância.

Inconformada com o decido, interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

“Um. Demostrando-se que a autora comunicou à segurança social ré, por prova documental (registada com aviso de receção) que havia solicitado as prestações por morte do seu companheiro;
Dois. Que voltou a repetir o seu pedido cerca de meio ano depois;
Três. Que dois anos após o seu pedido repetiu o envio dos requerimentos e dos documentos, dando cumprimento ao estatuído na Lei 7/2001,
Quatro. Sempre sem resposta, negativa ou positiva, da ré
Cinco. Que a autora carece do apoio para a sua sobrevivência e do seu filho menor;
Seis. Que, até ao dia de hoje, ainda não foi notificada de qualquer resposta da ré segurança social,
Sete. Que não pode a autora ficar dependente da inércia e ineficácia, para não dizer negligência da ré e dos seus serviços.
Oito. Que não pode sequer alegar desconhecer a questão visto que, pelo menos no âmbito desta acção foi citada e contestou.
Nove. Tomou conhecimento da solicitação da autora e do envio documentado dos documentos necessários,
Dez. E nada fez
Onze. Pelo que se considera que a autora tem e se encontra demonstrado o seu interesse em agir.
Doze. A interpretação da Lei 7/2001 que impossibilita à autora o recurso a juízo em caso de não resposta da segurança social, impondo à mesma a manutenção de uma não solução, quer por não ter uma resposta positiva ou negativa, é sempre, em nosso entender inconstitucional por violar o preceituado no art.º 20 da Constituição da República Portuguesa.
Treze. A interpretação a dar a tal normativo legal, nomeadamente ao ínsito no art.º 6º n.º 3 da Lei 7/2001não pode ser que só à autoridade administrativa é lícito o recurso a juízo, em caso de dúvidas da existência de união de facto,
Catorze. Terá que ser a de admitir que também o interessado, perante a negligência devidamente comprovada da autoridade administrativa, possa recorrer a juízo para ver comprovada a sua situação de união de facto.

Consideram-se violados os preceitos da Lei 7/2001, de 11 de maio e o art.º 20º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos de direito aplicável, que V.as Ex., as mais doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso e alterando a decisão proferida farão a esperada justiça.

Das alegações e conclusões do recurso ressalta a questão de saber se o artigo 6.º n.º 3 da lei 7/2001 de 11/05 deve ser interpretado extensivamente ou por analogia para que a autora possa recorrer a juízo para ver comprovada a sua situação de união de facto, sob pena de violação do artigo 20 da CRP.

Inicialmente, o reconhecimento da união de facto, para efeitos de prestações por morte do ou da unida de facto era da exclusiva competência dos tribunais judiciais como resulta do artigo 6º n.º 1 e 4 do DL. 135/99 de 28 de agosto, que tinha por base os pressupostos do artigo 2020 d C. Civil, através de ação comum promovida pelo ou pela interessada.

Este princípio manteve-se com a redação do artigo 6º da lei 7/2001 de 11/05. E foi alterado com a redação do artigo 6º da lei 7/2001 de 11/05 pela Lei 23/2010 de 30/08 em prevê que a ação seja proposta nos tribunais judiciais no caso da entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3º ter dúvidas fundadas sobre a existência da união de facto.

Com esta alteração legislativa os interessados deixaram de ter legitimidade para propor ação no sentido do reconhecimento da união de facto. Esta questão, em princípio, passou a ser da competência da entidade administrativa, responsável pelo pagamento das prestações, que, em face da documentação apresentada pelos interessados, decidia se se verificavam os pressupostos da união de facto. Só em situações excecionais, materializadas em fundadas dúvidas, é que proporia a ação respetiva nos tribunais judiciais.

E com a alteração da redação do artigo 6º n.º 2 e 3 da Lei 7/2001 de 11/05, pelo artigo 326 da Lei 71/2018 de 31/12, foi reforçado o poder investigatório da entidade administrativa responsável pelo pagamento das prestações, podendo socorrer-se da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto de Registos e do Notariado para suprimir as dúvidas sobre a verificação dos pressupostos da união de facto face aos elementos probatórios apresentados pelos interessados. E só no caso de subsistirem as dúvidas é que pode propor a respetiva ação nos tribunais judiciais.

Com estas alterações legislativas o legislador teve em vista, em primeira linha, resolver a comprovação da união de facto pela via administrativa, e, só em último recurso, face a fundadas dúvidas, é que permite que a entidade responsável pelo pagamento das prestações lance mão de uma ação a propor nos tribunais judiciais, com vista a sanar a situação de dúvida.

A norma em discussão é de cariz excecional, não se admitindo uma interpretação analógica. Por outro lado, julgamos que não é suscetível de interpretação extensiva no sentido de o interessado poder lançar mão de uma ação judicial, no caso de a entidade administrativa não responder ao solicitado, com um comportamento positivo ou negativo ou até duvidoso.

Pois, nestes casos, os interessados têm ao seu dispor um conjunto de meios de natureza administrativa para tutelarem os seus direitos. A lei não prevê e com as alterações introduzidas quis retirar dos tribunais judiciais a propositura da ação judicial pelos interessados. Transferiu para a entidade administrativa competente a responsabilidade para averiguar e decidir sobre a comprovação da união de facto. Só em casos limite é que esta tem o poder de lançar mão de uma ação a propor nos tribunais judiciais. Daí que uma interpretação extensiva, nos termos propostos pela apelante, desvirtuaria a letra e o espírito da lei.

Por outro lado, não está posto em caus o artigo 20 da CRP porque o legislador colocou à disposição dos interessados mecanismos de natureza administrativa como recursos hierárquicos, solicitação da intervenção do Provedor de Justiça etc. para exercerem os seus direitos, incluindo os tribunais administrativos.

Assim julgamos que é de manter a decisão recorrida.

Concluindo: 1. Com as alterações legislativas ao artigo 6 da Lei 2001 de 11/05 o recurso à ação judicial, para comprovação da união de facto, passou para a entidade responsável pelo pagamento das prestações, e apenas em caso de fundadas dúvidas.

Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela apelante.
Guimarães,


1 - Apelação 227.19.9T8VPA.G1– 2ª
Proc. Comum
Tribunal Judicial Comarca Vila Real – V.P.Aguiar
Relator Des. Espinheira Baltar
Adjuntos Des. Eva Almeida e Luísa Ramos