Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5740/16.0T8VNF-A.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: FIANÇA
DESONERAÇÃO
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
NATUREZA SUPLETIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Pode o fiador desonerar-se da sua obrigação quando, por facto positivo ou negativo do credor, não puder ficar sub-rogado nos direitos que a este competem.
II- É o que acontece quando o credor renuncia a uma garantia real, designadamente por não ir reclamar o seu crédito em execução em que o bem hipotecado foi penhorado.
III- O regime legal de perda do benefício do prazo (artigos 780.º e ss do CC) reveste natureza supletiva, podendo ser afastado por convenção das partes a coberto do princípio da liberdade contratual estabelecido no artigo 405.º do CC. Podem as partes estipular cláusulas atípicas de perda do benefício do prazo, estabelecer o vencimento imediato e automático das prestações fracionadas vincendas em derrogação do disposto no artigo 781.º do CC, como também podem os co-obrigados, nomeadamente os fiadores, vincular-se, desde logo, à perda do benefício do prazo por parte do devedor principal, em detrimento da norma supletiva do artigo 782.º
IV- Tendo ficado clausulado o imediato vencimento e exigibilidade da obrigação no caso de penhora de imóvel hipotecado que garantia o pagamento daquela, e considerando a característica de acessoriedade da fiança, sendo imediatamente exigível a obrigação do devedor principal e sabendo o fiador, desde o início, qual o momento de vencimento da obrigação principal, torna-se desnecessária a interpelação do fiador pelo credor para despoletar a aplicação plena do artigo 634º CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

R. F., na execução que lhe move “Banco ..., SA”, deduziu oposição por embargos de executado, pedindo que se declare extinta a fiança por si prestada nos contratos de mútuo que o exequente dá à execução.

Alega que o banco exequente quando foi citado na qualidade de credor hipotecário para reclamar créditos em execução movida contra a co-executada, nada lhe comunicou, vindo o imóvel a ser vendido a terceiro por valor muito inferior àquele que o próprio banco lhe atribuiu na avaliação que efetuou aquando da celebração dos mútuos, impedindo, assim, o embargante de exercer o seu direito de regresso sobre a devedora principal pelo facto de esta não ter qualquer património, para além de nunca o ter informado do vencimento da obrigação principal.
O embargado contestou para dizer que com a penhora do imóvel hipotecado, se consideram vencidas e exigíveis as obrigações que as hipotecas asseguram, sem necessidade de qualquer interpelação, o que o embargante bem sabia pois foi subscritor dos mútuos, para além de que o imóvel foi vendido com observância de todos os requisitos legais e o valor da venda foi integralmente imputada à dívida, não se aplicando o disposto no artigo 653.º do Código Civil, pois o credor tudo fez para ser ressarcido na execução hipotecária.
Após a audiência prévia, teve lugar a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou improcedentes os embargos, ordenando o prosseguimento da execução.

O embargante interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

A) O presente recurso restringe-se à reapreciação da questão da obrigação de comunicação ao Executado da reclamação de créditos no âmbito da execução, que por sua vez, resultou no incumprimento do contrato de mútuo (por falta de pagamento da prestação que se venceu em Novembro de 2013) e consequente resolução do contrato e exigência das prestações vencidas e vincendas.
B) Ficou provado que no dia 20 de Julho de 2007, entre o Banco e o ora Recorrente foi celebrado um «CONTRATO DE FIANÇA» mediante o qual este declarou constituir-se como fiador e principal pagador, responsabilizando-se solidariamente pelo pagamento de tudo o que viesse a ser devido ao Banco em consequência de dois contratos de mútuo, no montante de €150.000,00 e € 120.000,00 renunciando ao benefício da excussão prévia.
C) Ficou estipulado no documento complementar daquele contrato que «A presente hipoteca poderá ser executada: (…) b) se o imóvel ora hipotecado vier a ser alienado, onerado, arrendado, total ou parcialmente, objecto de arresto, execução ou qualquer procedimento cautelar ou acção judicial, caso em que se consideram igualmente vencidas e exigíveis as obrigações que assegura.».
D) O prédio dado em hipoteca no contrato de mútuo com a Executada C. A., ex-cônjuge do aqui Recorrente, foi penhorado.
E) Por sua vez, o Banco apresentou a reclamação de créditos, no valor global de €256.691,87, na qual alegou a existência dos 2 contratos de mútuo, tendo sido reconhecidos e graduados para serem pagos logo após o pagamento das custas da acção executiva.
F) Foi realizada a venda executiva e aceite a proposta da «X, SA», no montante de €138.110,00, sendo a proposta de valor mais elevado.
G) Em resultado da venda, o banco recebeu a quantia de € 136.196,82.
H) O Banco enviou ao Recorrente diversas cartas, antes da entrada da execução, que remeteu para a morada Rua …, n.º …, todavia, não provou que o Embargante houvesse tomado conhecimento das mesmas.
I) O facto de o bem dado em hipoteca ter sido objeto de execução não importava, por si só, o vencimento imediato da dívida, assim como não importava, automaticamente, a falta de pagamento de alguma das prestações vencidas.
J) Esta delimitação do âmbito do concurso de credores, dá-nos a finalidade que é visada com a sua convocação: visto que a penhora será, normalmente, seguida da transmissão dos direitos do executado livres de todos os direitos reais de garantia que os limitam (art. 824º, nº2 CC), os credores vêm ao processo, não tanto para fazerem valer os seus direitos de crédito e obterem pagamento, como para fazerem valer os seus direitos reais de garantia.
K) Por via de regra, o direito de execução só se pode exercer quando o devedor não paga voluntariamente, mas não se trata de um princípio absoluto, existindo uma hipótese em que os credores podem recorrer ao processo de execução, sem o devedor se encontrar ainda em mora: os credores preferentes têm o direito a entrar no concurso de credores ainda que não estejam vencidos os seus créditos.
L) No caso dos presentes autos, por escritura de mútuo e fiança, o exequente mutuou à co-executada a quantia de € 256.691,87 por um determinado prazo, tendo sido acordado o respetivo reembolso em prestações mensais e sucessivas que se iriam vencendo ao longo do prazo acordado.
M) Sendo certo que, o facto de ter existido uma execução – no âmbito da qual foi penhorado e vendido o imóvel dado em hipoteca para garantia do crédito exequendo, e na sequência da abertura do concurso de credores, o exequente ter sido “obrigado” a aí reclamar o seu crédito sob pena de perder a garantia de que dispunha, e de, na sequência de tal reclamação, o seu crédito ter sido parcialmente satisfeito pelo produto do imóvel dado em hipoteca – não beliscaria, por si só, o benefício do prazo concedido à mutuária.
N) Também é certo que, o Banco fez constar da cláusula décima do contrato de mútuo que “A presente hipoteca poderá ser executada:(…) b. “se o imóvel ora hipotecado vier a ser alienado, onerado, arrendado total ou parcialmente, objeto de arresto, execução ou qualquer outro procedimento cautelar ou ação judicial, casos em que se consideram igualmente vencidas e exigíveis as obrigações que assegura.”
O) Tal cláusula atribuiu ao Banco a “faculdade” de resolução do contrato no caso de vir a ocorrer a apreensão do imóvel, sendo que a intenção ou decisão de resolver o contrato com tal fundamento só é eficaz se comunicada à parte contrária (artigo 224º do CC).
P) Ora, sendo a dívida reduzida por força do pagamento ocorrido na referida execução, o executado, ora recorrente, poderia continuar a usufruir do plano de pagamento acordado, a não ser que a exequente tivesse exercido o direito de resolução que lhe é conferido pelo contrato em caso de penhora do imóvel hipotecado, resolução que a exequente não alega ter efetuado (nem no requerimento executivo inicial, nem na contestação que deduz aos embargos).
Q) Sem conceder, sempre se dirá que, o simples facto de não ser paga atempadamente uma das prestações acordadas não importa o vencimento “automático” das restantes.
R) O artigo 781º do CC, ao determinar que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento imediato das restantes, deve ser interpretado no sentido de que o inadimplemento do devedor gera o direito do credor de exigir dele a satisfação daquelas prestações, e não no sentido de que o não pagamento de uma das prestações no prazo acordado determina, por si só a entrada em mora quanto ao cumprimento das demais[.
S) O referido artigo atribuiu ao credor uma mera faculdade, que o credor pode exercer ou não.
T) Pode optar por esperar mais uns meses, confiando que a dificuldade de pagamento seja temporária e que o devedor tenha capacidade económica para retomar o pagamento regular das prestações acordadas.
U) Alega a Exequente no seu requerimento executivo que “Os Executados não pagaram a prestação vencida em 25 de Novembro de 2013, quanto a cada empréstimo…” e que “O valor global reclamado nos referidos autos foi parcialmente amortizado, tendo ficado reduzido ao montante de capital…”, pelo que, “O Banco Exequente tem, pois, o direito de haver de todos os Executados, em regime de solidariedade, e estes têm a obrigação de pagar-lhe o remanescente do capital em dívida acrescido dos respectivos juros…”.
V) Daqui retira-se a conclusão que o Banco terá pretendido exercer a faculdade que lhe era conferida pela cláusula 10ª, alínea a) do documento complementar ao contrato de mútuo e pelo artigo 781º, de vencimento imediato das prestações restantes.
W) No entanto, atento o exposto, o exercício de tal faculdade sempre se encontraria dependente da interpelação do devedor, ou seja, da comunicação ao devedor de face ao não pagamento de determinadas prestações, considerou, ou iria considerar, vencidas todas as demais.
X) O que não veio a acontecer, conforme se alcança dos factos não provados, o Exequente/Embargado não fez prova desse facto (sendo certo que era a este a quem incumbia o ónus da prova).
Y) Se por hipótese tal comunicação tivesse sido efetuada á executada C. A. (o que nem sequer está alegado), e que terá ocorrido o vencimento antecipado das restantes prestações acordadas, levantar-se-á, então, a questão de saber se tal perda de prazo acarretaria, sem mais, tal efeito, relativamente ao fiador.
Z) Ora, diz-nos a jurisprudência dominante que a necessidade de notificação do fiador é essencial, especialmente naqueles casos em que, por haver renúncia ao benefício de excussão se entende que o fiador é um coobrigado e que responde ao lado do devedor principal.
AA) Tal entendimento encontra o seu apoio no artigo 782º do Código Civil e na doutrina de Fernando de Gravato Morais e Antunes Varela: “A perda do benefício do prazo também não afeta terceiros que tenham garantido pessoalmente o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias pessoas e reais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador, como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos”.
BB) O que poderá suscitar alguma dúvida na aplicação do artigo 782º do CC ao fiador, será a sua articulação com a característica da acessoriedade da fiança.
CC) A acessoriedade significa que a fiança fica subordinada e acompanha a obrigação afiançada (artigo 627º CC) – não pode exceder a dívida principal, nem ser contraída em condições mais onerosas (artigo 631º CC).
DD) Deste modo, face à acessoriedade da fiança, nos casos típicos em que a obrigação do devedor principal é uma obrigação a termo certo e sabendo o fiador desde o início qual o momento de vencimento da obrigação principal, torna-se desnecessária a interpelação do fiador pelo credor para despoletar a aplicação plena do artigo 634º CC.
EE) Tal entendimento já não poderá ser este quando a obrigação principal é uma obrigação pura ou está sujeita a termo incerto, sendo, neste caso, necessária a interpelação do devedor para provocar o vencimento da obrigação (artigo 805º, nº1, CC), devendo o fiador ser igualmente notificado.
FF) Embora tal exigência não tenha sido feita constar expressamente da lei relativamente aos casos de obrigação pura ou a termo incerto, o legislador fê-lo relativamente aos casos de dívida liquidável em prestações, regulando a questão do reflexo, nos obrigados e terceiros garantes, da perda pelo devedor do benefício do prazo ocorrida nos termos dos artigos 780º e 781º (artigo 782º).
GG) Conclui Manuel Januário da Costa Gomes que, o artigo 781º, sendo interpretado pela doutrina como um desvio à regra do artigo 634º, constitui, no que à fiança se refere, manifestação de um princípio geral: “o de que não são extensivas ao fiador as modificações de prazo com que ele não conte ou não possa razoavelmente contar”.
HH) A ser assim, terá o ónus de informar o fiador da interpelação ao devedor.
II) Embora o Exequente tenha alegado que, por cartas remetidas ao Recorrente e datadas de 13.03.2014, 10.04.2014, 14.04.2014 e 23.09.2014 lhe comunicou que o referido contrato se encontrava já em incumprimento, no qual se incluíam prestações vencidas e não pagas, juros de mora e penalizações, e que tal valor poderia ser regularizado (conforme documentos juntos aos autos), não logrou efetuar prova de tal comunicação (conforme resulta dos factos não provados).
JJ) Tal como, não alegou, nem provou que, face ao incumprimento de alguma das prestações acordadas e entretanto vencidas, o exequente tenha, alguma vez, comunicado ou informado o fiador, aqui executado/recorrente, de que encontrando-se em dívida determinadas prestações, iria considerar vencidas as restantes.
KK) Adotando posição semelhante, no Acórdão TRC de 03.07.2012, decidiu-se que na falta de tal comunicação, os fiadores apenas poderão responder pelas prestações vencidas: “tal interpelação tornava-se necessária, dando aos fiadores a possibilidade de, para além de pagarem as prestações vencidas (pelas quais são imediatamente responsáveis), assumirem a posição de devedor principal, pagando as prestações que se forem vencendo (…). Porque o prazo também é estabelecido a favor do fiador que terá interesse em ser alertado (interpelado) pelo banco, no sentido de pagar as prestações vencidas e as que se forem vencendo pelo decurso do tempo, em vez de abruptamente confrontado com uma dívida de centenas de milhares de euros.”
LL) Não ficou demonstrado nos autos que o fiador, ora Recorrente, tenha sido informado pelo banco exequente, ora Recorrido, das modificações operadas nos prazos de pagamento das prestações acordadas, posto isto não poderá invocar quanto a este a perda do benefício do prazo, eventualmente operada relativamente ao devedor principal por força do mecanismo previsto no artigo 781º do CC.
MM) Na sentença recorrida encontram-se interpretados e aplicados por forma inexacta os normativos citados nas precedentes conclusões, salvo o devido respeito, pelo que se impõe a respectiva revogação.

Termos em que deverá o recurso merecer provimento, com a revogação da sentença recorrida, em conformidade com as conclusões que antecedem.
Com o que se fará, tão-só, JUSTIÇA!

Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a necessidade de notificação ao fiador do vencimento e exigibilidade da obrigação e com a eventual desoneração do fiador em face da atuação do credor que o impossibilitaria de se sub-rogar nos direitos que a este competem.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Factos provados:

1. Nos termos das escrituras de mútuo com hipoteca (junta ao diante como documento 16/09/2016), o Banco ..., S.A. instaurou contra C. A. e R. F., ora Embargante, a execução para pagamento da quantia de 122 365,86 € (Cento e Vinte e Dois Mil Trezentos e Sessenta e Cinco Euros e Oitenta e Seis Cêntimos) de que estes autos são apenso – cfr. requerimento executivo a fls. 1-24 dos autos de execução.
2. Por escritura de «COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA» outorgada no dia 09 de Junho de 2006, o Banco ..., S.A. mutuou aos Executados C. A. e R. F., então casados entre si, a quantia de € 150.000,00 de que estes se confessaram devedores, mais declarando constituir, para garantia desse empréstimo, a favor daquele banco hipoteca sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ..., inscrito na respectiva matriz sob o art.º ..., com o valor patrimonial de €134.490,00 – cfr. certidão de fls. 2 v.º- 10 dos autos de execução.
3. Por escritura de «COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA» outorgada no dia 9 de Junho de 2006, o Banco ..., S.A. declarou conceder aos Executados C. A. e R. F., então casados entre si, um empréstimo no montante de € 120.000,00 de que estes se confessaram devedores, mais declarando constituir, para garantia desse empréstimo, a favor daquele banco hipoteca sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ..., inscrito na respectiva matriz sob o art.º ..., com o valor patrimonial de €134.490,00 - cfr. certidão de fls. 10v.º- 17 dos autos de execução.
4. As hipotecas referidas em 2. e 3. foram inscritas a favor do Banco Exequente pela ap. N.º 25 e 26 de 19/05/2006 - cfr. certidão predial de fls. 12-14 v.º destes autos.
5. Foi inscrita, pela ap. N.º 70 de 16/11/2007, a aquisição em partilha subsequente, do prédio referido em 2. e 3. a favor da Executada C. A. – cfr. certidão predial de fls. 12-14 v.º destes autos.
6. No dia 20 de Julho de 2007, entre o Banco ..., S.A. e o ora Embargante R. F. foi celebrado um «CONTRATO DE FIANÇA» mediante o qual este declarou constituir-se como fiador e principal pagador, responsabilizando-se solidariamente pelo pagamento de tudo o que viesse a ser devido ao Banco em consequência do contrato de mútuo identificado em 2, no montante de €150.000,00 «renunciando desde já e expressamente ao benefício da excussão prévia» - cfr. certidão de fls. 5 v.º- 6 dos presentes autos.
7. No dia 20 de Julho de 2007, entre o Banco ..., S.A. e o ora Embargante R. F. foi celebrado um «CONTRATO DE FIANÇA» mediante o qual este declarou constituir-se como fiador e principal pagador, responsabilizando-se solidariamente pelo pagamento de tudo o que viesse a ser devido ao Banco em consequência do contrato de mútuo identificado em 3, no montante de €120.000,00 «renunciando desde já e expressamente ao benefício da excussão prévia» - cfr. certidão de fls. 17 v.º- 18 v.º dos autos de execução.
8. Em cada um dos contratos de mútuo referidos em em 2. e 3. ficou na respectiva cláusula décima, inserta no documento complementar, o seguinte: «A presente hipoteca poderá ser executada: (…) b) se o imóvel ora hipotecado vier a ser alienado, onerado, arrendado, total ou parcialmente, objecto de arresto, execução ou qualquer procedimento cautelar ou acção judicial, caso em que se consideram igualmente vencidas e exigíveis as obrigações que assegura.».
9. Foi inscrita, pela ap. N.º 1783 de 04/07/2013, a penhora, do prédio referido em 2. E 3. a favor de «Y – Serviços e Representações Texteis, Lda», no âmbito do Proc. n.º 1543/09.6TATSTS, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso – cfr. certidão predial de fls. 12-14 v.º destes autos.
10. O Banco ..., S.A. foi citado, nos termos do disposto nos artigos 786.º e 788.º, ambos do CPC, para reclamar créditos no âmbito de um processo executivo que corria termos sob o n.º 1543/09.6TASTS-C pelo 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, na qualidade de credor hipotecário – cfr. fls. 28-28 v.º destes autos.
11. Em cumprimento da citação, o Banco ..., S.A. apresentou a correspondente reclamação de créditos, no valor global de €256.691,87, na qual alegou a existência dos 2 contratos de mútuo celebrados, nos montantes de 150.000,00 Euros e 120.000,00 Euros, devidamente garantidos por hipoteca registada sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º … e inscrito na respectiva matriz urbana sob o n.º ... – cfr. fls. 29 a 32 destes autos.
12. Por sentença de 17/11/2014, proferida no processo referido em 11, foram os créditos reclamados pelo Banco ..., S.A. reconhecidos e graduados para serem pagos logo após o pagamento das custas da acção executiva – cfr. fls. 33-34 v.º dos autos.
13. Mostra-se inscrita pela Ap. N.º 688, de 12/02/2015, a aquisição por compra no processo executivo mencionado em 9., do prédio referido em 2. e 3. a favor de «X, SA» – cfr. certidão predial de fls. 12-14 v.º destes autos.
14. Tal venda executiva foi realizada por propostas em carta fechada, constando da respectiva acta que foi aceite a proposta da «X, SA», no montante de €138.110,00, por se tratar da proposta de valor mais elevado – cfr. fls. 35 v.º destes autos.
15. Pelo produto da venda referida em 14., o ora Exequente recebeu a quantia de 136.196,82 € - cfr. documento de fls. 20 v.º a 21 v.º.
16. O Exequente/ Embargado dirigiu ao Embargante diversas cartas, antes da entrada da execução, que remeteu para a morada Rua …, n.º …, a saber:
- Carta datada de 13/03/2014, com a referência 002153564IIFOPI, de fls. 36 cujo teor se dá por reproduzido;
- Carta datada de 10/04/2014, com a referência 002153564IIFOPI, de fls. 37 cujo teor se dá por reproduzido;
- Carta datada de 14/04/2014, com a referência 002153564IIFPER, onde o banco, além do mais, comunica ao fiador que a devedora C. A. está integrada no PERSI, juntando ainda como anexo o respectivo regime jurídico – cfr. fls. 39-40 cujo teor se dá por reproduzido;
- Carta datada de 23/09/2014, com a referência 002153564IIINT3, pela qual, além da identificação do incumprimento, informa “decorridos que sejam 15 dias sobre a data de emissão desta carta se mantiverem por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, tomaremos, de imediato, sem precedência de qualquer outra notificação, as medidas necessárias à defesa dos nossos legítimos interesses, recorrendo à cobrança coerciva dos créditos em dívida, executando as garantias que lhe estejam associadas, reservando-nos ainda a faculdade de apresentar a protesto os títulos em dívida. Sem prejuízo do referido anteriormente, relembramos que ainda poderá contactar a Unidade de Recuperação através do telefone 707 50 00 50, com vista à regularização extra-judicial das referidas responsabilidades de crédito.”

Factos não provados:

- que o valor da venda executiva referida em 13. – 14., tenha sido inferior ao valor real do imóvel;
- que a Executada C. A. não tenha quaisquer bens susceptíveis de penhora;
- que o Embargante houvesse tomado conhecimento das cartas remetidas pelo Exequente e mencionadas em 16 dos Factos Provados.

O apelante não põe em causa a decisão quanto à matéria de facto e, como o próprio logo delimita na 1.ª conclusão das suas alegações de recurso “O presente recurso restringe-se à reapreciação da questão da obrigação de comunicação ao Executado da reclamação de créditos no âmbito da execução, que por sua vez, resultou no incumprimento do contrato de mútuo (por falta de pagamento da prestação que se venceu em Novembro de 2013) e consequente resolução do contrato e exigência das prestações vencidas e vincendas”.
Entende, também, o apelante que o facto de ter existido uma execução, em que o exequente foi reclamar o seu crédito e em que o mesmo foi parcialmente satisfeito pelo produto do imóvel dado em hipoteca e aí vendido, não beliscaria, por si só, o benefício do prazo concedido à mutuária, pois o Banco, nesse caso, apenas teria a faculdade de resolver o contrato com esse fundamento – por ter ocorrido a apreensão do imóvel hipotecado – e tal decisão de resolução só é eficaz se comunicada à parte contrária.
Finalmente, considera que ficou desonerado da fiança em virtude da atuação do credor haver impossibilitado a sua sub-rogação nos direitos que ao mesmo competem.

Vejamos.

A sentença recorrida faz um enquadramento factual correto do caso em análise:

“O embargado/exequente BANCO …, S.A., fundou a execução que instaurou contra C. A. e R. F. nos dois contratos de mútuo com hipoteca que celebrou com estes em 09 de Junho de 2006, na altura em que os mesmos eram ainda casados entre si, pelo qual lhes mutuou €120.000,00 e €150.000,00.
(…)
As partes não dissentem que o Embargante, pese embora houvesse originariamente outorgado naqueles dois contratos de mútuo oferecidos à execução na qualidade de mutuário, na sequência do seu divórcio, tendo o imóvel oferecido em garantia hipotecária, ficado em partilha atribuído à Executada, se constituiu, outrossim, fiador; tendo sido juntos os contratos de fiança que consubstanciam uma novação da dívida.
É, portanto, nessa qualidade, de fiador que o Embargante é demandado na execução de que os presentes autos constituem apenso”.

Bem como analisa correctamente a figura da fiança:
A fiança concretiza-se no facto de um terceiro assegurar com o seu património o cumprimento de obrigação alheia, ficando pessoalmente obrigado perante o respectivo credor.
Nos termos do artigo 627º, nº1, do Código Civil, o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.
São duas as características que definem a fiança: [i] a acessoriedade: a obrigação dos fiadores é acessória da que recai sobre o principal devedor (cfr. artigo 627º, nº2, do Código Civil; vide PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª edição, p.613); e [ii] a subsidiariedade (cfr. artigo 638º, do Código Civil).
A acessoriedade, como o mais essencial dos traços caracterizadores da fiança, consiste no facto de esta ficar subordinada a acompanhar a obrigação afiançada. A obrigação que o fiador assume é a do devedor e não uma obrigação própria e autónoma da deste.
Nos termos do artigo 634º, do Código Civil, a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.
No caso dos presentes autos, no dia 20 de Julho de 2007, entre o Banco ..., S.A. e o ora Embargante R. F. foram celebrados dois contratos de fiança, mediante os quais este declarou constituir-se como fiador e principal pagador, responsabilizando-se solidariamente pelo pagamento de tudo o que viesse a ser devido ao Banco em consequência dos contratos de mútuo identificado em 2 e 3 dos factos provados, «renunciando desde já e expressamente ao benefício da excussão prévia».
(…)
A renúncia ao benefício da excussão prévia relaciona-se com a característica da subsidiariedade, já supra referida.
Por força desta característica e na medida em que a regra se afirme, o fiador tem o direito de recusar o cumprimento da prestação enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal; e, inclusivamente, depois dessa excussão, se provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor.
Há todavia situações em que o fiador não goza do benefício da excussão, o que se verifica, nomeadamente, quando ele haja renunciado a esse benefício. Isso acontecerá, especialmente, se assumiu a obrigação de principal pagador (cfr. artigo 640º, do Código Civil).
O referido benefício da excussão prévia não serve, porém, para afastar a característica da acessoriedade.
No caso vertente, a obrigação principal, de que a fiança é garantia especial, é a da restituição do dinheiro emprestado pelo banco credor à Executada mutuária C. A., com juros, nos prazos acordados (cfr. artigo 1142º, do Código Civil), não subsistindo dúvidas de que o Embargante renunciou expressamente ao benefício da excussão prévia (o que este não contesta)”.

Está provado que os contratos de mútuo estavam a ser pontualmente cumpridos, quando o exequente foi citado para reclamar os seus créditos em execução onde havia sido penhorado o imóvel dado como garantia hipotecária naqueles mútuos, afiançados pelo embargante.
Ora, o exequente, não só foi reclamar os seus créditos, como viu os mesmos reconhecidos e graduados, tendo sido pago, com preferência sobre os demais credores, pelo produto da venda executiva (o imóvel foi vendido a um terceiro que foi quem ofereceu o melhor preço em propostas em carta fechada, inclusivamente superior ao valor oferecido pelo exequente).
O valor recebido pelo exequente foi inteiramente imputado ao valor em dívida relativo aos contratos de mútuo aqui em causa, tendo o exequente acabado por vir executar, apenas, o valor remanescente da dívida.
Pode, assim, dizer-se que o embargante em nada foi prejudicado. Além do mais, o embargante não provou que o imóvel tenha sido vendido a um preço aquém do seu valor, como também não provou que a devedora principal não tem qualquer património suscetível de apreensão e que possa responder pela dívida.
O normal, aliás, é que ocorra a execução prévia das coisas sobre as quais recai garantia real, como a hipoteca. Entre uma fiança e uma garantia real constituída por terceiro, a lei dá preferência a esta, desde que seja contemporânea da fiança ou anterior a ela. Presume-se que, havendo uma daquelas garantias, o fiador não quis responsabilizar-se pela dívida senão depois de excutidos os bens onerados – artigo 639.º, n.º 1 do Código Civil e anotação ao mesmo artigo de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, pág. 656.
É claro que, no caso de que nos ocupamos, considerando o teor dos contratos de mútuo celebrados, o fiador/embargante, renunciou expressamente ao benefício da excussão prévia, assumindo a obrigação de principal pagador – artigo 640.º do CC – pelo que nem sequer poderia exigir a execução prévia do bem onerado com a hipoteca, execução essa que veio a acontecer apenas por via da reclamação de créditos em execução onde o bem havia sido penhorado.
A questão que aqui se coloca é a de saber se o fiador/embargante podia desonerar-se da fiança em virtude da atuação do credor que teria impossibilitado a sua sub-rogação nos direitos que ao mesmo competem.
Esta questão da liberação por impossibilidade de sub-rogação, está tratada no artigo 653.º do Código Civil: “Os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem”.
Nestes casos, o credor perde a vantagem da fiança na medida em que a perda do direito lhe seja imputável, por acto seu voluntário, mas não necessariamente culposo – cfr. Januário Costa Gomes, “Assunção Fidejussória de Dívida, Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador”, Almedina, pág. 925
Pires de Lima e Antunes Varela, na obra citada, pág. 671, referem, como casos de aplicação deste artigo, os seguintes: “o credor não reclamou o seu crédito na falência do devedor, não deduziu uma preferência em concurso de credores, renunciou a um privilégio, não registou uma hipoteca, remitiu a obrigação de outro fiador, etc”, aplicando-se não só à hipótese de, por culpa do devedor, se perder algum direito que a este competia, mas também à de, por facto positivo ou negativo dele, algum desses direitos diminuir de valor.
Entre os casos que indiscutivelmente aqui se inserem conta-se a renúncia a uma garantia real, como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 16/6/2011 (Pinto de Almeida, que remete neste particular para Cunha Gonçalves, «Tratado de Direito Civil» V, 219, Vaz Serra «Fiança e Figuras Análogas», BMJ 71- 277 (nota 466) e Januário Gomes «Assunção…», p 931).
Na mesma linha de entendimento lê-se no Acórdão da Relação do Porto de 30/1/2017 (Cura Mariano) que «se é o credor o responsável pela “perda” dos direitos que lhe assistem é razoável que o fiador se possa desonerar da obrigação assumida, uma vez que se a vier a cumprir, já não vai dispor dos meios necessários para obter do afiançado o que despendeu, uma vez que por culpa do credor se perderam os direitos em que deveria ficar sub-rogado».
E como é evidenciado no Acórdão da Relação de Lisboa de 01/02/2007 (Ana Paula Boularot), «o art 653º do CC tanto tem em vista a desvinculação do fiador nos casos em que a sub-rogação não é de todo possível, como os casos em que, em termos práticos, o direito do credor já não possa ser exercido ou não o possa ser com as mesmas garantias» - referências jurisprudenciais retiradas do Acórdão da Relação de Coimbra de 04/06/2019, processo n.º 1030/16.6T8VIS-A.C1 (Maria Teresa Albuquerque), in www.dgsi.pt (neste processo, aliás, a situação é a inversa da que aqui nos ocupa, pois o Banco, na sequência da sua citação em execução fiscal, não reclamou o crédito cujo pagamento veio a reclamar posteriormente na execução embargada, sendo que, na execução fiscal se mostrava penhorado o prédio dado em hipoteca, pelo que esta veio a caducar, sem que o crédito que garantia se tivesse visto pago, ainda que parcialmente para o produto da venda do mesmo – aí se concluiu, portanto, que o Banco embargado prejudicou os fiadores, porque foi nessa precisa medida que os impediu de se poderem sub-rogar no correspondente crédito do Banco, ficando estes, assim, nessa medida, desonerados da sua obrigação).
Já vimos que não se pode aplicar tal preceito ao caso dos autos.
Aqui, o credor, citado para reclamar créditos em execução onde o bem onerado com a hipoteca havia sido penhorado, foi reclamar os seus créditos, viu-os reconhecidos e, pela preferência que resultou da graduação de créditos, foi pago pelo produto da venda do bem. Ou seja, atuou de forma a ver reconhecido o seu direito e a ser pago com preferência sobre os demais credores. Exerceu o direito que a ele competia, não o perdeu, nem atuou de forma a diminuir o seu valor (o imóvel foi avaliado e houve, pelo menos, uma proposta superior à oferecida pelo próprio credor, tendo sido aceite a proposta mais alta).

Uma vez que o bem onerado com a hipoteca, foi penhorado numa execução promovida por outro credor (o que obrigou o exequente, como já vimos, a ir aí reclamar os seus créditos) consideram-se vencidas e exigíveis as obrigações que a referida hipoteca assegura, nos termos da cláusula décima dos documentos complementares às escrituras de mútuo celebrados entre o exequente e o embargante e a co-executada (à data, casados entre si) – cfr. n.º 8 dos factos provados.
Recorde-se que os contratos de mútuo foram celebrados com o embargante, na qualidade de mutuário (apenas passou a fiador quando, na sequência do divórcio, o imóvel hipotecado ficou a pertencer à sua ex-mulher) que, assim, tinha pleno conhecimento do respetivo teor, ou seja, para o que aqui nos interessa, que a penhora do imóvel dado em hipoteca determinava o imediato vencimento e exigibilidade dos capitais em dívida.
Daí que não tenha razão o apelante quando refere que o facto de ter existido uma execução, em que o exequente foi reclamar o seu crédito, não beliscaria, por si só, o benefício do prazo concedido à mutuária, pois o Banco, nesse caso, apenas teria a faculdade de resolver o contrato com esse fundamento – cfr. artigo 780.º, n.º 1 do Código Civil em que se prevê a exigibilidade imediata da obrigação quando, por causa imputável ao devedor, diminuírem as garantias do crédito e a sua conjugação com o disposto nos artigos 627.º, 631.º, 632., n.ºs 2 e 3 e 634.º do Código Civil, considerando que a acessoriedade significa que a fiança fica subordinada e acompanha a obrigação afiançada, não pode exceder a dívida principal, nem ser contraída em condições mais onerosas e tem o conteúdo da obrigação principal, cobrindo as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor (conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pág. 652: “Em consequência do disposto neste artigo (634.º), para que a obrigação se tenha por não cumprida e se vençam juros moratórios contra o fiador, não é necessária a interpelação deste; basta que tenha sido interpelado o devedor, nos termos do artigo 805.º”, sendo que o artigo 782.º constituirá, assim, um desvio a esta regra, não se aplicando ao caso dos autos em que o vencimento e a exigibilidade da obrigação decorre do clausulado contratual). No mesmo sentido, Acórdão da Relação de Coimbra de 08/11/2016, processo n.º 1343/14.1TBFIG-A.G1 (Maria João Areias), in www.dgsi.pt: “O que poderá suscitar alguma dúvida na aplicação do artigo 782º do CC ao fiador, será a sua articulação com a característica da acessoriedade da fiança, que faz parte da sua natureza, não podendo ser afastada pelas partes (ao contrário da subsidiariedade). A acessoriedade significa que a fiança fica subordinada e acompanha a obrigação afiançada (artigo 627º CC) – não pode exceder a dívida principal, nem ser contraída em condições mais onerosas (artigo 631º CC). Assim sendo, atenta a acessoriedade da fiança, nos casos típicos em que a obrigação do devedor principal é uma obrigação a termo certo e sabendo o fiador desde o início qual o momento de vencimento da obrigação principal, torna-se desnecessária a interpelação do fiador pelo credor para despoletar a aplicação plena do artigo 634º CC”.
Veja-se que os contratos estavam a ser cumpridos, pelo que não se trata, aqui, de incumprimento de uma ou mais prestações que conduziriam à mora do devedor e necessidade de interpelação do mesmo a fim de fazer cessar a mora ou converter a mora em incumprimento definitivo. A obrigação principal venceu-se nos termos da cláusula 10.ª dos contratos de mútuo, quando se verificou a penhora do bem onerado pela hipoteca, o que acontece de forma automática, sem necessidade de interpelação (aí está consignada, não apenas a exigibilidade da obrigação, que sempre poderia ficar na opção do credor, mas, também, o seu vencimento).
Como tem sido pacificamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência, o regime legal de perda do benefício do prazo (artigos 780.º e seguintes) reveste natureza supletiva, podendo ser afastado por convenção das partes a coberto do princípio da liberdade contratual estabelecido no artigo 405.º do CC. De acordo com o referido princípio, podem as partes estipular cláusulas atípicas de perda do benefício do prazo, estabelecer o vencimento imediato e automático das prestações fracionadas vincendas em derrogação do disposto no artigo 781.º do CC, como também podem os co-obrigados, nomeadamente os fiadores, vincular-se, desde logo, à perda do benefício do prazo por parte do devedor principal, em detrimento da norma supletiva do artigo 782.º - cfr. Acórdãos do STJ de 6/12/2018 (relator Manuel Tomé Soares Gomes) e de 10/05/2007 (relator João Bernardo), disponíveis in www.dgsi.pt.
Deste modo, considerando o teor da cláusula 10.ª dos contratos, bem como a característica de acessoriedade da fiança, sendo imediatamente exigível a obrigação do devedor principal e sabendo o fiador, desde o início, qual o momento de vencimento da obrigação principal, torna-se desnecessária a interpelação do fiador pelo credor para despoletar a aplicação plena do artigo 634º CC.
A interpelação do fiador está, normalmente associada aos casos em que, tendo o devedor incorrido em mora, por falta de pagamento de uma ou mais prestações, deve o fiador ser interpelado para, querendo, pôr fim à mora. De igual modo se vem considerando que o fiador deve ser interpelado, por não se lhe aplicar a perda do benefício do prazo, nos termos do artigo 872.º do CC, quando tal ocorre em relação ao devedor, podendo o credor exigir o cumprimento antecipado da obrigação – veja-se, neste sentido e com inúmeras citações doutrinais e jurisprudenciais, o Acórdão da Relação de Guimarães de 17/12/2019, processo n.º 4959/18.3T8GMR-A.G1 (Alcides Rodrigues), in www.dgsi.pt.
No caso de que nos ocupamos, as partes – relembramos que o embargante assinou os contratos como mutuário - estabeleceram contratualmente o momento em que ocorreria o imediato vencimento e exigibilidade das obrigações, pondo, assim, de lado, o regime supletivo dos artigos 780.º e ss. do CC.

Veja-se que, além do mais, o Banco exequente remeteu ao embargante diversas cartas, todas remetidas para a morada fornecida pelo Embargante ao Banco na sequência do divórcio.
Tais cartas estão juntas à contestação e datadas de 13/03/2014, 10/04/2014, 14/04/2014 (onde o banco, além do mais, dá a conhecer ao fiador que a devedora C. A. está integrada no PERSI, juntando ainda como anexo o respectivo regime jurídico), 23/09/2014 (pela qual, além da identificação do incumprimento, informa “decorridos que sejam 15 dias sobre a data de emissão desta carta se mantiverem por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, tomaremos, de imediato, sem precedência de qualquer outra notificação, as medidas necessárias à defesa dos nossos legítimos interesses, recorrendo à cobrança coerciva dos créditos em dívida, executando as garantias que lhe estejam associadas, reservando-nos ainda a faculdade de apresentar a protesto os títulos em dívida. Sem prejuízo do referido anteriormente, relembramos que ainda poderá contactar a Unidade de Recuperação através do telefone 707 50 00 50, com vista à regularização extra-judicial das referidas responsabilidades de crédito).
É claro que, nos termos dos factos não provados, o Banco não conseguiu provar – tendo em conta a alegação do embargante de que não recebeu estas cartas, o que confirmou em declarações de parte – que o embargante tenha tomado conhecimento destas cartas.
Ora, nos termos do disposto no artigo 224.º do Código Civil, a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida (receção e conhecimento), sendo, contudo, considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. Trata-se de uma medida de proteção do declarante, pois se considera eficaz a declaração que não foi recebida por culpa do declaratário (ou porque este se ausentou para parte incerta, ou porque se recusa a receber a carta, ou porque não a vai levantar ao correio).
No caso dos autos, o Banco enviou as cartas para a morada que o embargante lhe forneceu após o divórcio, no momento em que se constituiu fiador, pelo que, só por culpa deste as não terá recebido.

Improcedem, assim, todas as conclusões da apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
***
Guimarães, 25 de março de 2021

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho