Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5019/16.7T8BRG.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: MANDATO FORENSE
PATROCÍNIO OFICIOSO
INCUMPRIMENTO
DANO DE “PERDA DE CHANCE”
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O mandato forense (ou patrocínio oficioso) integra uma “obrigação de meios” (ou de diligência), já que o mandatário (ou patrono oficioso) apenas se obriga a desenvolver uma atividade direcionada para uma solução jurídico-legal, pondo ao serviço do mandante (ou do patrocinado) todo o seu zelo, saber e conhecimentos técnicos, mas não garantindo qualquer desfecho da controvérsia que lhe é posta.

II- Caso estejamos perante um profissional a quem é imposto um muito maior rigor na investigação, atualização, adequação e aplicação dos conhecimentos da sua especialidade – como é o caso do advogado no exercício das suas habituais funções profissionais forenses – exige-se-lhe que atue de forma muito mais rigorosa do que se espera de um cidadão médio ou comum.

III- A “perda de chance” ou perda de oportunidade deve ser valorada como um dano autónomo e indemnizada segundo um julgamento de equidade, desde que seja possível formar a convicção de que a conduta negligente do mandatário judicial (ou patrono oficioso) frustrou uma séria probabilidade de êxito da pretensão ou da defesa do seu cliente (ou patrocinado).

IV- Considerando que a oportunidade perdida deve ser avaliada, o mais possível, com referência ao caso concreto, o juiz está obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo, segundo o prisma de avaliação do juiz da ação “falhada”, por ser aquele que mais se coaduna com a noção de “perda de chance”.

V- Este “juízo dentro do juízo” é, de facto, essencial, quer na determinação da existência de uma “chance” séria de vitória no processo, quer, posteriormente, na fixação do “quantum” indemnizatório correspondente.

VI- O dano da perda de oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligado de uma probabilidade consistente de a vencer; ou seja, para haver indemnização, a probabilidade de ganho há-de ser elevada.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Maria intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra X Seguros Gerais, S.A.; e M. R., peticionando:

1. A condenação da ré seguradora a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 150.000,00, acrescida de juros, à taxa anual de 4%, contados da citação e até efetivo pagamento;
2. A condenação da 2ª ré a pagar-lhe o montante acima do limite da indemnização pela qual é responsável a ré seguradora, montante esse que é de € 21.172,60, acrescida dos juros, à taxa anual de 4%, contados da citação e até ao efetivo pagamento.

Alegou, em suma, os danos patrimoniais decorrentes da conduta ilícita e culposa da ré M. R. que descreve, nomeadamente, os resultantes da atuação ilícita e culposa daquela na qualidade de advogada no âmbito do processo n.º 1114/08.4TBPTL.

Mais invocou que a ré seguradora garante a responsabilidade civil que seja imputável aquela, na qualidade ou no exercício da atividade profissional de advogada, com o limite de € 150.000,00.

Citadas, as rés, para além de defenderem que não se encontram preenchidos os requisitos necessários para que a ré advogada seja responsabilizada por qualquer atuação profissional negligente e/ou omissiva, vieram invocar a prescrição do direito indemnizatório de que se arroga a autora.

A ré seguradora veio ainda invocar a exclusão de pré-conhecimento do sinistro, prevista na alínea A) do artigo 3º das condições particulares da apólice n.º … e a 2ª ré que a autora tinha consciência da sua responsabilidade no incumprimento do aludido contrato promessa e da falta de viabilidade da sua pretensão.

Respondeu a autora, pugnando pela improcedência das exceções perentórias invocadas pelas rés.

Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual, e após a ré M. R. se ter pronunciado sobre a exceção de exclusão do sinistro, foi proferido despacho saneador, seguida da fixação do objeto do litígio e elaboração dos temas de prova.
Procedeu-se à realização da audiência final.

Na sequência, por sentença de 8 de Outubro de 2017, foi a presente ação julgada totalmente improcedente, com a consequente absolvição das rés do pedido.

Inconformada com o assim decidido, veio a autora Maria interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

1 - Por terem interesse e relevarem para o objeto da presente ação, deve julgar-se provado e aditar-se aos Factos Provados, os seguintes factos:

1.1 - “Se a 2.ª ré, na ação que seguiu termos com o Proc. n.º 1114/08.4TBPTL,tivesse fundamentado a resolução do contrato-promessa e o pedido de indemnização no montante de €130.000,00, nessa venda da casa de habitação a terceiros, o extinto Tribunal Judicial de Ponte de Lima, na sua decisão de facto, teria julgado provado que em 22.09.2008, os promitentes vendedores, M. M. e marido Manuel, no Cartório Notarial do Notário Dr. R., em Ponte de Lima, outorgaram a escritura pública de compra e venda, exarada no Livro …, a fls. 11 e seguintes, através da qual declararam vender a E. M. e marido Alexandre, que declararam comprar, o prédio objeto do referido contrato-promessa”.
1.2 - Se a 2.ª ré, na ação que seguiu termos com o Proc. n.º 1114/08.4TBPTL, tivesse fundamentado a resolução do contrato-promessa e o pedido de indemnização no montante de € 130.000,00, nessa venda da casa de habitação a terceiros, com o aditamento dessa venda a terceiros da casa prometida vender ao elenco dos Factos Provados naquela ação que seguiu termos com o Proc. 1114/08.4TBPTL, era real, séria e considerável e/ou não desprezível a probabilidade do então Tribunal Judicial de Ponte de Lima julgar procedente aquela ação.
2 - A prova de tais factos decorre da livre apreciação, análise e interpretação dos seguintes documentos:

a. - Art. 59.º da petição inicial da ação que seguiu termos com o Proc. n.º 1114/08.4TBPTL (cfr. ponto 15. dos Factos Provados);
b. - Da força probatória do documento 12 constituído pela certidão da referida escritura pública de compra e venda, do artigo 371.º do Cód. Civil (cfr. pontos 15 e 16 dos Factos Provados);
c. - Da sentença proferida naquela ação que seguiu termos com o Proc. n.º 1114/08.4TBPTL, em especial do teor da NOTA DE RODAPÉ 2 (cfr. ponto 16. dos Factos Provados).
3 - Dos Factos Provados decorre que a atuação da 2.ª ré, advogada, com a apresentação da petição inicial e ao longo da ação de processo comum (então ação de processo ordinário) que correu termos como processo n.º 1114/08.4TBPTL, do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, violou as “leges artis” profissionais pois, como refere o tribunal “a quo” na sua douta sentença, “a falta de invocação dos argumentos jurídicos constituiu uma omissão, ético-juridicamente, censurável do normal exercício do patrocínio judiciário”, verificando-se “ação, culpa e ilicitude” no exercício da sua atividade profissional.
4 - De folhas 55 da douta sentença e até á página 64 do mesmo aresto, após ter julgado verificar-se “ação, culpa e ilicitude” por parte da 2.ª ré, debruçando-se sobre os outros dois requisitos ou pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (o dano e o nexo de causalidade), e em especial no tratamento do nexo de causalidade, o tribunal recorrido expôs argumentos ou fundamentos relativos à tutela que o nosso ordenamento jurídico-civil, a doutrina e a jurisprudência dão à denominada “perda de chance” ou perda de oportunidade, dando a ideia que adotou tal figura e que iria decidir o objeto dos autos através dessa figura.

Porém, depois, num “venire contra factum proprium” ou num “volte face” do raciocínio, o tribunal deixou cair a figura da “perda da chance” e avança para o entendimento de que para que a ação pudesse ser julgada procedente teria que se verificar uma causalidade total ou perfeita, igual ou acima do limiar da certeza, tendo concluído não se verificar, no caso dos autos, o nexo de causalidade entre os factos culposos e ilícitos praticados pela 2.ª ré e o dano sofrido pela autora, no montante de €130.000,00,acrescido dos juros legais contados da citação.

Tal inversão do raciocínio constitui uma contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão, ferindo a sentença da nulidade processual prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C., nulidade essa que expressamente se argui.
5 - Apesar do nosso ordenamento jurídico-civil e da doutrina conferirem relevo e efeitos, em sede indemnizatória, à teoria ou figura da “perda da chance”, e dos tribunais, em inúmeras situações, terem dado guarida a tal figura da “perda da chance”, designadamente em situações em que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram “reais, sérias, consideráveise/ou as probabilidades de alcançar uma vantagem ou de obviar um prejuízo, “não eram desprezíveis”, e apesar do tribunal recorrido ter argumentado e fundamentado a sentença nesse sentido, na sua decisão final, o tribunal não fez aplicação, mas antes violou, a referida teoria da “perda da chance”, quando devia e impunha-se, no caso dos autos, com recurso à aplicação da figura teoria da “perda da chance”, condenar as rés no pagamento da indemnização peticionada (€ 130.000,00, acrescida dos juros legais, contados da citação) pois, da conjugação dos Factos Provados decorre que eram “reais, sérias e consideráveis” e/ou “não eram desprezíveis”, as probabilidades da autora ter obtido ganho de causa naquela primeira ação que seguiu termos com o Proc. n.º 1114/2008, do Tribunal Judicial de Ponte de Lima se a 2.ª ré não tivesse tido aquela atuação culposa e ilícita, mas antes tivesse pautado a sua atividade em conformidade com as leges artis.
6 - Da análise, conjugação e interpretação de todos os factos provados, designadamente da análise, conjugação e interpretação dos factos levados aos pontos 7., 8., 9., 10., 11., 15., 16., 17., 18., 19., 20. (incluindo o teor da sentença que ali se dá por reproduzida e cujo excerto se transcreveu supra), 21., 22., 23. e 24 dos Factos Provados, decorre que as probabilidades da autora ter obtido ganho de causa naquela primeira ação que seguiu termos com o Proc. n.º 1114/2008, do Tribunal Judicial de Ponte de Lima eram “reais, sérias e consideráveis” e “não eram desprezíveis”, porque elas eram tão “reais, sérias e consideráveis” e tão “desprezíveis” como eram as probabilidades de obter o ganho de causa na segunda ação que seguiu termos com o nº 130/14.1T8VCT, da Instância Central, Secção Cível, cujo teor da petição inicial consta do ponto 19. dos Factos Provados (cfr. ponto 19. dos Factos Provados), sendo certo que, não fosse a exceção do caso julgado e o princípio da preclusão, esta ação que tramitou com o Proc. n.º 130/14.1T8VCT tinha sido julgada procedente, pois nem sequer foi contestada, e a autora tinha beneficiado duma sentença que tinha condenado os réus, promitentes vendedores, a pagar à autora a quantia de € 130.000,00, acrescida dos juros legais contados da citação (cfr. ponto 20. dos Factos Provados).
7 - Na aplicação da teoria ou figura da “perda da chance” ou perda da oportunidade, fazendo uma espécie de “julgamento dentro do julgamento”, “segundo a perspetiva que teria sido adotada pelo tribunal a quem caberia apreciar a ação”, de modo a verificar se eram “reais, sérias e consideráveis” e/ou “não eram desprezíveis” as probabilidades ou possibilidades da autora obter êxito naquela ação que correu termos com o Proc. n.º 1114/2008.4TBPTL, do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, se a 2.ª ré não tivesse cometido com culpa, os factos ilícitos que lhe são imputados, deve concluir-se que, atentos os factos alegados na petição inicial daquela ação, sem se esquecer os factos do art. 59.º, e da interpretação e análise da sentença que julgou tal ação, sem deixar de se considerar, mas antes interpretando adequadamente aquela nota 2 consubstanciada no rodapé da douta sentença, onde o tribunal diz: (Nota 2) Aqui, não se pode deixar de referir, face ao teor de fls. 41 a 43, a perplexidade pela circunstância de a Autora ter deixado de fora dos fundamentos de incumprimento o mais óbvio, a venda posterior do imóvel pelos Réus a terceiros, que tornou impossível a celebração do contrato definitivo...”), tal ação seria, muito provavelmente, julgada procedente e, consequentemente, os ali réus teriam sido condenados a pagar à autora a indemnização no montante de € 130.000,00, acrescida dos juros legais contados da citação.
8 - Na verdade, citando-se o Juiz-Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes (no seu Trabalho a “Sentença Cível”, Janeiro 2014, in www.stj.pt/ficheiros/estudos/ProcessoCivil/asentencacivelabrantes geraldes.pdf, pág. 26), onde diz que “enunciadas as questões a resolver e identificada a ordem lógica pela qual devem ser apreciadas, o juiz deve concentrar-se naquilo que é essencial para a sua resolução, encontrando o justo equilíbrio no que concerne à fundamentação jurídica, a qual, não podendo ser dispensada (art. 154º), deve ser moderada, evitando que se transforme num mero repositório de considerações jurídicas irrevelantes para o caso concreto”, se aquela NOTA 2 não fosse importante e relevante para o objeto daquela ação correu termos com o Proc. n.º 1114/2008.4TBPTL, do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, então a meritíssima senhora Juiz que julgou tal ação, não teria ali feito constar, em modo de realce, aquela nota com tal teor.
9 - Da apreciação conjugada dos factos julgados provados, decorre a constatação de que a 2.ª ré, ao atuar do modo como atuou, não só impossibilitou aquele Tribunal Judicial de Ponte de Lima de julgar procedente a aquela ação que correu termos com o Proc. n.º 1114/08.4TBPTL, como ainda e também, por efeito ou aplicação do princípio da preclusão e da exceção do caso julgado, impossibilitou a autora de obter em qualquer outra ação judicial, tal indemnização no montante de € 130.000,00, crescida dos juros legais contados da citação, como decorre da douta sentença proferida na ação que correu termos com o Proc. n.º 130/14.1T8VCT, onde se diz que “com o desfecho da primeira acção proposta ficou esgotada a possibilidade de a A., em nova acção, discutir novamente o incumprimento pelos RR. do contrato promessa dos autos e a ilicitude da sua resolução pelos mesmos porque a pretensão da A., nesta e naqueloutra acção, é idêntica: a condenação dos RR. no pagamento do dobro do sinal que prestou ou então no pagamento do sinal singelo” (cfr. O documento 15, constituído pela sentença que julgou aquela ação que correu termos com o Proc. n.º 130/14.1T8VCT, cujo teor faz parte integrante do ponto 20. dos Factos Provados e consta da certidão de folhas 165 a folhas 175 dos autos).
10 - Apesar de ser suficiente ou bastar terem sido “reais, sérias e consideráveis” e/ou não serem desprezíveis, as probabilidades ou possibilidades da autora obter êxito naquela ação que correu termos com o Proc. n.º 1114/2008.4TBPTL, para se aplicar ao objecto dos presentes autos a figura ou teoria da “perda da chance” e para se julgar procedente a ação, o certo é que, diversamente do decidido pelo tribunal, verifica-se também provado o nexo de causalidade entre o facto culposo e ilícito, praticado pela 2.ª ré, e o dano, no montante de €130.000,00, acrescido dos juros legais, contados da citação daquela ação e até ao efetivo e integral pagamento, correspondente ao prejuízo que a autora sofreu, mas não teria sofrido se não fosse o facto ilícito culposo praticado pela 2.ª ré (cfr. artigos 563.º e 564.º do Cód. Civil).
11 - Da análise, conjugação e interpretação dos Factos Provados decorre terem sido provados todos os requisitos ou pressupostos da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar, designadamente o facto, a culpa, a ilicitude, o nexo de causalidade e o dano.
12 - Na sentença recorrida decidiu-se em contradição com a jurisprudência maioritária, designadamente dos supra citados acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-09-2016, do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-01-2014, 19-05-2016, 02-02- 2017 e 22-06-2017 e do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2013, 05-05-2015, 09-07-2015 e 19-05-2016.
13 - Na análise e interpretação dos Factos Provados, o tribunal “a quo” deveria ter retirado as ilações, já supra transcritas, ou seja:

I. Que no contrato-promessa de compra e venda referenciado nos autos, não foi convencionado qualquer prazo certo ou determinado (condicionado á obtenção de documentos) para a realização do contrato de compra e venda.
II. Que o prazo acordado pelos promitentes no aditamento a tal contrato-promessa para a realização da escritura pública de compra e venda, foi um prazo de mera referência (“dentro do prazo de 60 dias”), e não um prazo perentório;
III. Que a realização de tal escritura de compra e venda ficou condicionada á venda pela autora do apartamento que possuía em Esposende;
IV. Que a autora não incumpriu o contrato-promessa e nem sequer incorreu em mora no cumprimento;
V. Que os promitentes vendedores nunca fizeram á autora nenhum interpelação admonitória;
VI. Que a resolução do contrato-promessa por parte dos promitentes vendedores e a apropriação do sinal prestado, constituíram atos ilícitos;
VII. Que ao venderem a terceiros a casa de habitação prometida vender, os promitentes vendedores incumpriram definitivamente o contrato-promessa;
VIII. Que por efeito desse incumprimento, incorreram na obrigação de indemnizar a autora no montante correspondente ao dobro do sinal de €65.000,00 prestado;
IX. Que na atuação da 2.ª ré ao instaurar e na pendência da ação que seguiu termos como o Proc. n.º 1114/08.4TBPTL houve ação, culpa, ilicitude, dano e nexo de causalidade entre os factos e o dano;
X. Que as probabilidades da autora obter o ganho da ação que seguiu termos como o Proc. n.º 1114/08.4TBPTL, não fossem os factos ilícitos e culposos praticados pela 2.ª ré, eram reais, sérias, consideráveis e não desprezíveis;
XI. Que o dano sofrido pela autora foi no montante de € 130.000,00, acrescido dos juros legais, contados da citação dos réus na ação que seguiu termos com o Proc. n.º 1114/08.4TBPTL;
14 - Ao julgar do modo como julgou, o tribunal recorrido incorreu na nulidade processual prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C., violou as disposições dos artigos 483.º e seguintes, 563.º e2564.º do Cód. Civil, violou as regras que disciplinam a aplicação da figura da “perda da chance”, incorreu em erro de julgamento, proferiu uma sentença que contradiz a jurisprudência dos diversos acórdão jurisprudências supra citados e é injusta, não concedendo á autora a indemnização a que tem direito.

Finaliza, pedindo a revogação da decisão recorrida e, em consequência, a mesma substituída por douto acórdão que julgue procedente a ação.
*
As rés X Seguros Gerais, S.A. e M. R. apresentaram contra-alegações, tendo concluído ambas pela improcedência do recurso de apelação deduzido pela autora, confirmando-se a decisão recorrida.
*
Após os vistos legais, cumpre decidir.
*

II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

- Saber se sentença deverá ser considerada nula por oposição entre os seus fundamentos e a decisão proferida.
- Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada pelo tribunal a quo nos moldes preconizados pela autora.
- Na sequência, saber se deverá ser alterada a decisão de mérito proferida.
*
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS
O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1. No dia 16.05.2007, M. M. e marido Manuel, na qualidade de primeiros outorgantes e de promitentes vendedores, e a autora, na qualidade de segunda outorgante e de promitente compradora, celebraram, entre si, o contrato que denominaram de “Contrato-Promessa de compra e venda ”, com as cláusulas seguintes:

Primeira
A representada dos primeiros outorgantes é dona do prédio urbano, composto de parcela de terreno destinada a construção urbana, designada por terreno, com a área de 451m2 sito no lugar …, da freguesia de ..., do concelho de Ponte de Lima.

Segundo
Pelo presente contrato, a representada dos primeiros outorgantes promete vender aos segundos, que prometem comprar, o prédio urbano identificado na cláusula anterior, incluída a casa de habitação.

Terceira
O preço global da prometida venda é de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros) e será pago da seguinte forma:

a) No acto da assinatura da presente contrato, os segundos outorgantes entregam aos primeiros o valor de 45,000.00€ (quarenta e cinco mil euros) a título de sinal.
b) No dia da outorga da respectiva escritura pública, os segundos outorgantes pagarão aos primeiros o montante de 125.000,00€ (cento e vinte e cinco mil euros).

Quarta
A escritura pública de compra e venda será outorgada logo que a casa de habitação referida na cláusula primeira, estiver a documentação concluída. - b) A marcação da escritura será feita pelos primeiros outorgantes, os quais indicarão aos segundos, por escrito, com a antecedência mínima de 10 dias, a data e o local da celebração da mesma.

Quinta
As despesas decorrentes da celebração da escritura pública serão suportadas pelos segundos outorgantes.

Sexta
Em caso de incumprimento do contrato, observar-se-á o seguinte:

a) A parte não faltosa pagará à outra parte, a título de cláusula penal, a quantia de 45.000,00 € (quarenta e cinco mil euros).
b) Em alternativa, a parte não faltosa poderá requer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830.º Do Código Civil.

Sétima
Pelo presente contrato, a representada dos primeiros outorgantes promete aos segundos, por a funcionar a caldeira a gasóleo e os portões automáticos.

Oitava
Todos os outorgantes estão de acordo com o presente contrato, o qual, depois de datado, vão assinar em duplicado, ficando o original na posse dos segundos outorgantes.
Todos os outorgantes dispensam o reconhecimento das respectivas assinaturas, sem prejuízo da plena eficácia e validade do presente contrato promessa.” (conforme documento de fls. 55 e 56 e cujo teor se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos).

2. Com a assinatura de tal contrato, a autora entregou aos promitentes vendedores, M. M. e marido Manuel, a quantia de € 45.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento do preço da compra e venda.
3. Na sequência de negociações travadas entre a autora e os promitentes vendedores e da troca de correspondência entre os respetivos mandatários, nomeadamente, a constante de fls. 309 e seguintes e cujo teor aqui se dá por reproduzido, a autora e a promitente vendedora, M. M., outorgaram em 19.03.2008, um documento escrito que denominaram de “Aditamento a contrato-promessa de compra e venda”.
4. Do referido documento consta o seguinte:

1. Por contrato-promessa de 16 de Maio de 2007, a primeira outorgante prometeu vender à segunda outorgante o prédio urbano sito no lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de Ponte de Lima, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …- freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo provisório P1004.º.
2. O preço fixado para a venda foi de € 170.0000,00, tendo a segunda outorgante, no acto de assinatura do contrato-promessa, entregue à primeira outorgante a quantia de € 45.0000,00, a título de sinal.
3. Na cláusula quarta do contrato-promessa ficou estipulado que a escritura pública de compra e venda seria outorgada quando a documentação necessária estivesse pronta, sendo a marcação feita pela primeira outorgante.
Na presente data, a documentação já está pronta com vista à celebração da escritura pública de compra e venda.
4. As outorgantes acordam em que a escritura pública seja realizada dentro do prazo de 60 dias a contar da presente data, cabendo a marcação à primeira outorgante.
5. Como reforço do sinal, a segunda outorgante entrega nesta data à primeira outorgante a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), de que esta dá quitação.
6. O presente aditamento faz parte integrante do contrato-promessa referido no número 1 supra.” (conforme documento de fls. 57 e cujo teor se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos).
5. Nesse dia 19.03.2008, com a outorga de tal aditamento ao contrato-promessa, a autora entregou aos referidos promitentes vendedores, a quantia de € 20.000,00, a título de reforço do sinal.
6. Os promitentes vendedores tinham urgência em realizar o negócio no prazo estabelecido no aditamento ao contrato promessa.
7. Por carta registada remetida em 08.05.2008, com a referência de registo RC018383172PT, a promitente vendedora, M. M., notificou a autora para a outorga da escritura pública de compra e venda, indicando o dia 19.05.2008, pelas 11,00 horas, e o Cartório Notarial da Notária S. B., em Ponte de Lima, para realização de tal ato (conforme documento de fls. 58 e 59 e aqui se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos).
8. Em resposta a tal carta, por carta datada de 14.05.2008, a autora comunicou à promitente vendedora, M. M., o seguinte: - “(…) Por razões alheias à minha vontade, ainda não foi possível vender o meu apartamento de Esposende, que é a condição conhecida de V.a Ex.cia para realização da supra referida compra; Assim, solicito a V.a Ex.cia a prorrogação do prazo para a realização da pretendida escritura por mais três meses (…)” (conforme documento de fls. 60 e 61 e aqui se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos).
9. A autora não compareceu no referido cartório notarial designado pela promitente vendedora M. M., no dia 19.05.2008, para realizar a escritura pública de compra e venda, conforme documento de fls. 62 e 63 e aqui se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.
10. Por carta datada de 26.05.2008, a promitente vendedora, M. M., comunicou à autora o seguinte: - “(…) Na sequência da notificação feita a V. Exª por carta registada com aviso de recepção datada de 8 de Maio de 2008, compareci, juntamente com o meu marido, no Cartório Notarial de Ponte de Lima da Notária S. B., (…). Pela Srª Drª Notária foi feita uma chamada às 11:00 horas e oura às 11:30 horas, tendo-se verificado que V. Ex.ª não estava presente. Por esse motivo, a escritura pública não se realizou. Assim, considero que V. Ex.ª não cumpriu a obrigação decorrente do contrato-promessa. Em consequência, nos termos do artigo 442º do Código Civil, V. Ex.ª perdeu as quantias que me entregou, todos com carácter de sinal.” (conforme documento de fls. 64 e aqui se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos).
11. Em 22.09.2008, os promitentes vendedores, M. M. e marido Manuel, no Cartório Notarial do Notário Dr. Rio, em Ponte de Lima, outorgaram a escritura pública de compra e venda, exarada no Livro …, a fls. 11 e seguintes, através da qual declararam vender a E. M. e marido Alexandre, que declararam comprar, o prédio objeto do referido contrato-promessa (conforme documento de fls. 70 a 75 e aqui se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos).
12. A autora, em 12.06.2008, requereu perante o Centro Distrital da Segurança Social de Braga (processo nº 63009/2008), a concessão de proteção jurídica, com dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono (conforme documento de fls. 76 a 78 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos).
13. Na sequência de tal requerimento, a 2ª ré, pelas 10:38 horas, do dia 6.10.2008, recebeu uma comunicação eletrónica da Ordem dos Advogados, remetida por “notificacoes.aj@cg.oa.pt”, a comunicar-lhe que “nos termos e para os efeitos na Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais”, foi nomeada patrona da autora, destinando-se o apoio judiciário concedido à instauração da pretendida ação cível (conforme documento de fls. 79 e aqui se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos).
14. Na sequência de tal nomeação, a autora dirigiu-se ao escritório da 2ª ré, então sito em Esposende, a fim de lhe transmitir os factos relativos ao supra referido contrato-promessa, de lhe entregar os documentos que tinha na sua posse e de lhe transmitir os demais factos e elementos necessários à instauração da ação cível.
15. E no dia 05.12.2008, a 2ª ré, no âmbito da proteção jurídica concedida à autora, na qualidade de patrona/advogada da autora, instaurou contra os referidos promitentes vendedores, M. M. e marido Manuel, no Tribunal Judicial de Ponte de Lima, a ação de processo comum sob a forma ordinária que correu termos com o processo nº 1114/08.4TBPTL, tendo elaborado e redigido a petição inicial, nos seguintes termos:

EXCELENTISSIMO SENHOR JUIZ,
MARIA, casada, natural de …, Barcelos, residente na Rua …, Esposende, vem intentar
ACÇÃO DECLARATIVA COM PROCESSO ORDINÁRIO, contra:
M. M., casada com MANUEL, residentes em Lugar ..., freguesia do ..., Ponte do Lima,

Nos termos e com os seguintes fundamentos:

1.º
Em 16 de Maio do 2007, A. e Ré subscreveram acordo negocial que intitularam de "contrato promessa” de onde consta que a Autora prometeu comprar á representada da Ré e marido, e aquela promete vender-lhe o prédio urbano composto de parcela de terreno destinada a construção urbana, designada por terreno, com a área de 451 rn2, sito no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de Ponte de Lima, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, (Doc. N.º 1 que se junta)
2.º
Mais consignaram no aludido documento, A. e Ré., que o preço da venda era de €170.000,00, sendo o pagamento feito da seguinte forma:
a) 45.000,00 €, No acto de assinatura do aludido "contrato Promessa";
b) 125.000,00 €, No dia da outorga da escritura pública de compra e venda.
3.º
Refere-se ainda que a escritura pública seria realizada, logo que a documentação referente ao imóvel estivesse regularizada, e seria marcada pela Ré e marido, mediante avisa escrito com antecedência mínima de 10 dias a enviar á A indicando data e local da mesma.
4.º
Em 16 de Maio de 2007, momento da assinatura da promessa de compra, a A. entregou á Ré e marido, a quantia de € 45.000,00, a titulo de sinal e principio de pagamento, (Doc n.º 1)
5.º
Posteriormente, em 19 de Março de 2008, em aditamento ao contrato promessa. a A. entrega á Ré e marido a quantia de €20.000,00 a título de reforço de sinal, consignando-se neste aditamento que a escritura se faria dentro do prazo de 60 dias, competindo a marcação da escritura aqueles, (Doc n.º 2)

Porém,
6.º
A Autora no momento da assinatura do contrato promessa, não tinha a real consciência das Consequências jurídicas dessa mesma assinatura.
7.º
Com efeito, a A. Comprometeu-se a adquirir o imóvel á representada da Ré e marido, no pressuposto de que vendia o apartamento de que é proprietária, sito na Rua ..., descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, (Doc n.º 3 que se junta).
8.º
Esta circunstância, sempre foi do conhecimento da Ré., a qual nunca ignorou que a A. apenas se comprometeu, nos termos em que o fez, na convicção de que venderia o apartamento referido em 7.º.
9.º
Só desta forma lhe era possível, conseguir a verba necessária, para pagar o preço, e realizar a compra e venda.
10.º
A venda do apartamento de que é proprietária em Esposende, era condição essencial, e foi na formação da vontade da A.
11.º
Na verdade a A., é pessoa simples, com formação básica, e desconhece em absoluto o alcance e da assinatura do referido documento.
12.º
É pessoa que apresenta um quadro clínico psiquiátrico de neurose depressiva de características convulsivas.
Tem historial de antecedentes psiquiátricos, sendo assistida há vários anos na especialidade de psiquiatria e neurologia, (Doc. N.º 4 e Doc. A4 que se juntam).
13.º
A A. Não tinha a noção do documento que assinava, nem do significado das cláusulas nele insertas, nem tão pouco significado das quantias em dinheiro que entregou á Ré.
14.º
Sendo certo que o fez na sua boa fé, e no pressuposto de que a Ré e o Marido eram os proprietários do imóvel, não se apercebendo que os mesmos agiam em representação de alguém, que não identificaram.
15.º
E tanto assim é, que muito embora seja pessoa de fracos recursos económicos, pois recebe pensão de montante inferior a € 300,00 mensais (Cfr doc. De concessão de apoio judiciário junto aos autos),
16.º
Na expectativa alucinada de que facilmente venderia o seu apartamento, socorreu-se de poupanças familiares para entregar a quantia relativa ao sinal.
17.º
Por outro lado, a Ré no momento em que se vinculou pelo contrato promessa, não tinha toda a documentação relativa ao imóvel, e designadamente a essencial á outorga da escritura pública.
18.º
Consciente deste facto, consignou no contrato promessa que a escritura pública, apenas se realizaria, quando “a documentação estiver concluída".
19.º
Não teve a A. o discernimento, por falta de capacidade, de fazer inserir no contrato cláusula que traduzisse a sua real vontade, isto é
20.º
Que o negócio só se concretizaria, se, e quando vendesse o apartamento de Esposende.
21.º
Na verdade, para a A. era bastante e suficiente, a aparente boa fé da Ré no conhecimento desse facto.
22.º
Tanto mais, que lhe assegurou que em último caso, e na impossibilidade de vender o apartamento, a escritura sempre seria realizada, porque aceitava em permuta, o dito apartamento, para liquidação do restante preço.
23.º
Situação que pareceu verídica à A, sendo certo que a mesma nunca teve o, discernimento de duvidar, na medida em que o Marido da Ré se dedica á actividade de construção civil.
24.º
Neste espírito, quando lhe foi solicitado reforço de sinal em 19 de Março de 2008, a A. acedeu em fazer aditamento ao contrato, entregando à Ré a quantia de 20.000,00 €, a título de reforço de sinal.
25.º
Sempre alertando a Ré que no conseguia vender o apartamento, e nesta situação não ia poder concretizar o negócio.
26.º
Porque começou a recear perder a quantia entregue de €45.000,00, a A. chegou a propor á Ré que vendesse o imóvel que lhe havia prometido vender a ela, e lhe restituísse a quantia que a título de sinal lhe entregou.
27.º
Desta forma, acreditava não prejudicar ninguém, e não ser prejudicada.
28.º
Porém, a Ré, por carta registada de 08/05/2008, com a referência de registo RC 018383172 PT, notificaram-na, para a outorga da escritura pública de compra e venda, a realizar no dia 19/05/2008, indicando também a hora e o Cartório Notarial, (Doc. N.º 5 que se junta).
29.º
Porém, repete-se, bem sabia a Ré, que a A. não tinha ainda vendido o seu apartamento de Esposende, condição essencial á concretização da escritura.
30.º
Pelo que, bem sabia também, que a mesma não tinha condições de outorgar a escritura, e consequentemente pagar o restante do preço.
31.º
Por outro lado, manifestaram o seu desinteresse na permuta que lhe haviam assegurado.
32.º
Independentemente do acima referido, o contrato promessa estabelecia que a marcação da escritura deveria ser feita á contra-parte, neste caso á A, com a antecedência mínima de 10 dias, (cf. Clausula 4.ª b) do Doc. N.º 1).
33.º
Ora, a notificação foi recepcionada pela A. no dia 13/05/2008, portanto 7 dias antes da aprazada escritura, (Doc. N.º 6 que se junta).
34.º
Não respeitou, por isso, a Ré a estipulação do prazo previsto no contrato, para a marcação da escritura pública.
35.º
Na evidência de ser notificada pela Ré, para a outorga da escritura, bem sabendo esta que a A. não tinha vendido o seu apartamento, e que ao contrário do que lhe haviam garantido não pretendia, agora, a permuta do imóvel,
36.º
Na sua ingénua boa fé, envia carta registada aos RR, a comunicar que não tendo ainda conseguido vender o seu imóvel, solicitava mais prazo, especificamente 3 meses, para o conseguir fazer, (Doc. N.º7 que se junta) e assim cumprir o contrato.
37.º
Com efeito a conjuntura económica que se vem vivendo há dois anos não é propícia, nem facilitadora da venda de imóveis.
38.º
Mais complicado se torna, numa terra com Esposende, que pelas suas características é essencialmente um local de veraneio, sendo a época mais favorável para este tipo de negócios o verão com a chegada dos emigrantes.
39.º
A carta referida em 36.º deste articulado, foi recebida pela Ré em 15/05/2008, portanto 4 dias antes da aprazada escritura, (Doc. N.º 8 que se junta),
40.º
A esta a Ré nada disse, nem tão lhe fez saber que iria resolver o contrato, por o considerar não cumprido.
41.º
Não obstante compareceram, Ré e Marido, no Cartório Notarial da Notária S. B., em Ponte de Lima, no dia 19 de Maio de 2008, tendo sido lavrado o competente Instrumento Público que atesta a falta de comparência da A, (Doc. N.º 9 que se junta).
42.º
Falta de comparência da A. que é justificada, porque não foi notificada com respeito pelo prazo (10 dias de antecedência)
43.º
E por outro lado, não se tinha ainda verificado a condição essencial para a realização do negócio: venda do apartamento de Esposende; Condição esta, que muito embora não esteja expressa no contrato promessa, era do total conhecimento da Ré.
44.º
Por outro lado, diga-se em relação à justificada falta de comparência da A, que a impossibilidade de comparência foi comunicada de imediato á Ré, a qual dela tomou conhecimento, antes da data da escritura;
45.º
Diga-se ainda, que a falta de comparência não corresponde a uma intenção de não cumprir, mas sim a uma impossibilidade, pelo que se solicitava prazo.
46.º
Á carta referida em 36.º deste articulado a Ré respondeu em 26/05/2008 alegando que por falta de comparência da A. a escritura não se realizou, e desta forma ao abrigo do disposto no artigo 442 do CC perdeu - a Autora - as quantias entregues a título de sinal, (Doc. N.º 10 que se junta).
47.º
Ora, se é certo que a A. não compareceu na escritura, também é certo que a Ré não cumpriu o estipulado no contrato quanto ao prazo para notificar da data, hora e local da escritura, conforme supra referido.
48.º
E também não menos importante é, o facto de que não existe por parte da A. qualquer manifestação inequívoca de não querer cumprir o contrato. Antes pelo contrário,
49.º
A A. informa a Ré daquilo que ela já tem conhecimento: que ainda não vendeu o apartamento, e solicita mais prazo. Claramente num esforço por cumprir.
50.º
Releva também neste aspecto, e não pode ser descurado, que não obstante a A. já ter transmitido á Ré que se sentia enganada, e que pretendia reaver o sinal entregue de €45,00000 (Doc 11 que se junta),
51.º
Perante a intransigência da Ré, e receando perder a quantia entregue, quando solicitada, faz um reforço de sinal, (Cfr. Doc. N.º 12)
52.º
Tudo isto, sendo já evidente que a A. estava na posse da documentação necessária para a outorga da escritura, e que ao contrário do que tinha prometido não iria aceder a uma permuta do apartamento da Autora pelo restante do preço em falta.
53.º
A Ré quando notifica a A. para comparecer na escritura marcada para dia 19/05/2008, bem sabe que age com violação do princípio da Boa fé negocial.
54.º
Isto porque, muito embora tenha consciência de que a A. não tem condições para a outorga da escritura (não tem o dinheiro para o resto do preço, porque não vendeu o seu apartamento), precipita-a para o incumprimento, na medida em que,
55.º
A notifica com 7 dias de antecedência (ao contrário do estipulado no contrato), e deliberadamente ignora a sua solicitação de prazo.
56.º
Neste sentido, e pelo atrás exposto, o incumprimento contratual adveio da Ré e não da Autora.
57.º
Com efeito, verificando-se que não tinha sido cumprido o prazo para a notificação, e com o conhecimento de que a Autora não tinha ainda conseguido vender o apartamento, a Ré em abono da boa fé negocial, deveria fixar-lhe um prazo razoável para cumprir.
58.º
O que não aconteceu, muito embora a Ré tivesse já na sua posse um sinal correspondente a 40% do valor do contrato.
59.º
Por outro lado a A. toma conhecimento que a Ré vendeu em 27/08/2008, o imóvel que lhe havia prometido vender, (Doc. N.º 12 que se junta)
60.º
O que explica o motivo pelo qual foi precipitada a outorga da escritura, em desrespeito do clausulado no contrato promessa, e em desconsideração do acordado.
61.º
Pois forçando o incumprimento da Autora, a Ré reteve ilegitimamente as quantias que a título de sinal lhe haviam sido entregues, e vende o imóvel a terceiros, resultando desta forma para a Ré um enriquecimento sem causa á custa da Autora.
62.º
A culpa no incumprimento definitivo do contrato promessa referido em 1.º deste articulado é imputável á Ré, pelas razões aduzidas acima,
63.º
Pelo que a resolução do contrato não lhe confere o direito às quantias entregues, mas sim a obrigação de as restituir á Autora.
64.º
E porque a Ré agiu com culpa, em violação do estipulado do contrato, e em violação do princípio da boa fé negocial, impõe-se ao abrigo do disposto no artigo 442 do CC a restituição do sinal em dobro, isto é no montante de €130.000,00.
65.º
Finalmente, sempre se dirá relativamente ao contrato promessa, que o mesmo padece de nulidade por preterição das formalidades legais impostas pelo artigo 410 n.º3 do CC.
66.º
Na verdade do mesmo não constam, nem a certificação da existência de licença de habitabilidade, nem o reconhecimento das assinaturas dos Outorgantes,
67.º
Ora se por lado se pode considerar que a falta de certificação da existência de licença de habitabilidade, foi regularizada ou sanada, porque a mesma foi emitida pela Câmara Municipal em 08/12/2007;
68.º
Já o mesmo não se pode dizer no que concerne á falta de reconhecimento das assinaturas.
69.º
Nem tão pouco este facto se torna inócuo, em virtude de no contrato as partes prescindirem desse reconhecimento.
70.º
Os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos.
71.º
Por outro lado a A. é pessoa incapaz de entender o alcance de tal expressão, estando a sua declaração negocial viciada por erro e incapacidade.
72.º
Na verdade a Autora, sempre agiu no pressuposto da validade do contrato promessa, e nesse sentido entregou sinal, que posteriormente reforçou, mas
73.º
Tudo isto na convicção de que a Ré agia de boa fé, e respeitaria, porque conhecia, e sempre esteve ciente da condição essencial para a concretização do negócio - venda do seu apartamento.
74.º
Pelo que a invocação de invalidade do negócio não pode ser considerada abuso de direito, mas sim legitima.
75.º
Com efeito a outorga do contrato promessa por parte da Autora só aconteceu por a mesma estar incapacitada de entender o sentido e alcance dos seus actos, a qual tão pouco se apercebeu que a Ré e marido, agiam em representação de alguém, que não conhece e não está identificada no contrato.
76.º
Este estado de incapacidade é do perfeito conhecimento de quem com ela contactasse.
77.º
É evidente o erro essencial na declaração negocial da Autora, na medida em que a mesma agiu no pressuposto de que concretizaria a venda do seu apartamento, e este facto não era ignorado pela Ré,
Nestes termos, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência condenar-se a Ré a restituir á Autora o sinal em dobro na quantia de 130.000,00€, acrescida de juros vencidos desde a citação, e vincendos até efectivo e integral pagamento, declarando-se a resolução do contrato com culpa da Ré, nos termos e com os efeitos previsto no artigo 442 n.º 2 do CC, ou caso assim V. Exa. não considere, seja o anulado o contrato por vício de erro na declaração negocial da Autora, nos termos do artigo 247 CC, condenando-se a Ré a restituir á Autora as importâncias que dela recebeu a título de sinal, acrescidas de juros vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento. (…)”,
conforme documento de fls. 80 a 93 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.
16. Em 10.07.2013, foi proferida sentença que julgou improcedente a ação que correu termos sob o n.º 1114/08.4TBPTL, nos termos e com os fundamentos seguintes:
17.
MARIA, residente na rua …, Esposende, veio propor contra
M. M. e marido MANUEL, residentes no lugar ..., ..., Ponte de Lima, a presente ação ordinária n.º 1114/08.4TBPTL, pedindo a condenação da Ré a restituir à Autora o sinal em dobro, na quantia de € 130 000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, declarando-se a resolução do contrato com culpa da Ré; caso assim não se considere, pede a Autora que seja anulado o contrato por erro na declaração negocial da Autora, condenando-se a Ré a restituir-lhe as importâncias recebidas a título de sinal, acrescidas de juros vencidos e vincendos até efectivo pagamento.
*
Não há nulidades ou excepções dilatórias que obstem ao conhecimento do mérito.
São questões a resolver:

- se deve ser decretada a resolução do contrato-promessa em causa, por culpa dos Réus;
- em caso afirmativo, se deve haver devolução do sinal em dobro;
- se o contrato deve ser anulado por erro na declaração por parte da Autora;
- se sim, se o sinal deve ser devolvido à Autora.
*
Resultam provados os seguintes factos:

A) – No dia 16 de Maio de 2007, os Réus, na qualidade de primeiros outorgantes e a Autora e marido, na qualidade de segundos outorgantes, celebraram um contrato, que denominaram de “Contra-Promessa de compra e venda”, com as seguintes cláusulas:

“Primeira
A representada dos primeiros outorgantes é dona do prédio urbano, composto de parcela de terreno destinada a construção urbana, designada por terreno, com área de 451 m2 sito no lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de Ponte do Lima.

Segundo
Pelo presente contrato, a representada dos primeiros outorgantes promete vender aos segundos, que prometem comprar, o prédio urbano identificado na cláusula anterior, incluída a casa de habitação.

Terceira
O preço global da prometida venda é de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros) e será pago da seguinte forma:

a) No acto da assinatura do presente contrato, os segundos outorgantes entregam aos primeiros o valor de 45.000.00 € (quarenta e cinco mil euros) a título de sinal.
b) No dia da outorga da respectiva escritura pública, os segundos outorgantes pagarão aos primeiros o montante de 125.000,00 € (cento e vinte e cinco mil euros).

Quarta
A escritura pública de compra e venda será outorgada logo que a casa de habitação referida na cláusula primeira, estiver a documentação concluída. - b) A marcação da escritura será feita pelos primeiros outorgantes, os quais indicarão aos segundos, por escrito, com a antecedência mínima de 10 dias, a data e o local da celebração da mesma.

Quinta
As despesas decorrentes da celebração da escritura pública serão suportadas pelos segundos outorgantes.

Sexta
Em caso de incumprimento do contrato, observar-se-á o seguinte:

a) A parte não faltosa pagará à outra parte, a título de cláusula penal, a quantia de 45.000,00 € (quarenta e cinco mil euros).
b) Em alternativa, a parte não faltosa poderá requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830.º do Código Civil. ( ... )

Oitava
Todos os outorgantes estão de acordo com o presente contrato, o qual, depois de datado, vão assinar em duplicado, ficando o original na posse dos segundos outorgantes.

Todos os outorgantes dispensam o reconhecimento das respectivas assinaturas, sem prejuízo da plena eficácia e validade do presente contrato promessa."
B) - No momento mencionado em A), a Autora entregou à Ré e marido a quantia de € 45.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento.
C) - Posteriormente, em 19 de Março de 2008, a Autora e a Ré mulher celebraram um contrato, que denominaram "aditamento a contrato-promessa de compra e venda", constando do mesmo: " ( ... ) 3. Na cláusula quarta do contrato-promessa ficou estipulado que a escritura pública de compra e venda seria outorgada quando a documentação necessária estivesse pronta, sendo a marcação feita pela primeira outorgante. Na presente data, a documentação já está pronta com vista à celebração da escritura pública de compra e venda.
4. As outorgantes acordam em que a escritura pública seja realizada dentro do prazo de 60 dias a contar da presente data, cabendo a marcação à primeira outorgante.
5. Como reforço do sinal, a segunda outorgante entrega nesta data à primeira outorgante a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), de que esta dá quitação.
6. O presente aditamento faz parte integrante do contrato-promessa referido no número 1 supra."
D) - Na data mencionada em C), a Autora entregou à Ré e marido a quantia de € 20.000,00, a título de reforço de sinal.
E) - A Ré, por carta registada de 08.05.2008, com a referência de registo RC018383172PT, notificou a Autora para a outorga da escritura pública de compra e
venda, a realizar no dia 19.05.2008, indicando também a hora e o Cartório Notarial.
F) - Por carta datada de 14.05.2008, a Autora comunica à Ré que " ( ... ) Por razões alheias à minha vontade, ainda não foi possível vender o meu apartamento de Esposende, que é a condição conhecida de V.a Ex.cia para realização da supra referida compra; Assim, solicito a V.a Ex.cia a prorrogação do prazo para a realização da pretendida escritura por mais três meses ( ... )".
G) - No dia 19.05.2008, os Réus compareceram no Cartório Notarial da Notária S. B., em Ponte de Lima, tendo sido lavrado o competente Instrumento Público que atesta a falta de comparência da autora (fls. 37/38).
H) - Por carta datada de 26.05.2008, a Ré comunicou à Autora que considero que V. Ex.° não cumpriu a obrigação decorrente do contrato-promessa. Em consequência, nos termos do artigo 442° do Código Civil, V. Ex.° perdeu as quantias que me entregou, todos com carácter de sinal".
I) - Em 2007.12.08, a Câmara Municipal emitiu o Alvará de Utilização n.° 436/07, referente à moradia constante na alínea A), do qual consta que "por despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal, foi autorizada a seguinte utilização: Moradia Unifamiliar e anexo".
4.º - A Autora precisava de vender o seu apartamento em Esposende para pagar o preço fixado em A) para o acto da escritura.
7.º, 8.° - A Autora apresenta um quadro clínico psiquiátrico de neurose depressiva, sendo assistida há vários anos na especialidade de psiquiatria.
10.º - A Autora assinou o documento referido em A) no pressuposto de que a Ré e seu marido eram os proprietários do imóvel em causa.
13.º - Entre a assinatura do acordo referido em A) e a do aludido em C), a Ré e o marido chegaram a dizer à Autora que poderiam, em permuta, ficar com o apartamento da Autora em Esposende.
17.º - Em Maio de 2008, a Ré e o marido não estavam interessados em aceitar, em permuta, o aludido apartamento da Autora.
18.º - A notificação mencionada em E) foi recepcionada pela Autora no dia 13 de Maio de 2008.
22.º - A Autora sempre agiu no pressuposto da validade do contrato-promessa.
*
Cumpre decidir.
Entre a Autora e a Ré - porque só ambas o assinaram, apesar do seu texto – foi celebrado em 16 de Maio de 2007 um contrato-promessa de compra e venda de um prédio urbano, pelo qual esta declarou prometer vender àquela, e a Autora prometeu comprar-lhe, aquele prédio, pelo preço de € 170.000,00. Ora, nos termos do art. 410.º, n.° 2, Cód. Civil', a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico quer particular, só vale se constar de documento assinado por ambas as partes, tratando-se, como é aqui o caso, de um contrato-promessa bilateral, ou seja, um contrato em que cada uma das partes assume obrigações para com a outra. Ora, o art. 875.º prescrevia, na altura em que o acordo foi assinado, que o contrato de compra e venda de bens imóveis só era válido se fosse celebrado por escritura pública, pelo que o contrato-promessa em análise respeitou a forma legalmente prescrita, devendo concluir –se pela sua validade. A propósito, diga-se que, apesar de a Autora referir de passagem a falta de cumprimento de formalidades legais do contrato, não retira as respectivas consequências em termos de pedido, ou seja, não assenta aí o pedido de anulação do mesmo, motivo pelo qual se mostra inútil analisar daquelas formalidades.

No entanto, este contrato-promessa não foi cumprido, isto é, não foi celebrada a escritura pública de compra e venda (vide alínea G)), que se traduziria no contrato definitivo, pretendido pelas partes, pelo menos na altura da celebração da promessa.
Mas terá havido incumprimento culposo do contrato por parte da Ré, como pretende em primeira linha a Autora? É o que importa apreciar, face à matéria apurada e tendo em conta que o incumprimento definitivo do contrato-promessa se rege pelas normas dos outros contratos, ou seja, as do Livro II, título 1, capítulo VII, secção II, aplicáveis às obrigações em geral.
Eram obrigações essenciais do contrato original, para a Ré, a marcação da escritura pública, logo que a documentação relativa à casa estivesse concluída, devendo avisar por escrito a Autora da data e local marcados, com a antecedência mínima de 10 dias.
Fruto do aditamento escrito ao contrato, datado de 19 de Março de 2008, onde se refere que a documentação necessária se encontrava pronta, acordaram as partes na realização da escritura pública no prazo de 60 dias, continuando a marcação a caber à Ré.
Importa, à luz deste clausulado, apurar o que fez (ou não) a Ré. Assim, obtida a documentação (a licença de utilização referida em 1), a 8 de Dezembro de 2007), a Ré remeteu à Autora carta registada de 8 de Maio de 2008, avisando a Autora que a escritura pública seria outorgada no dia 19 do mesmo mês, indicando ainda hora e Cartório Notarial.
Pretende agora a Autora que o incumprimento culposo da Ré se traduz na circunstância de, com aquela carta, não ter cumprido a antecedência de dez dias fixada no contrato inicial. A este respeito, resulta da matéria provada que a mesma carta foi recebida pela Autora no dia 13 de Maio de 2008, ou seja, apenas 6 dias antes da data marcada para a escritura pública.
Cotejando o contrato original e o respectivo aditamento, verifica-se que, neste, se afirma a existência do que faltava no primeiro, a documentação necessária para a escritura; daí, passa-se à estipulação seguinte (que não podia existir no clausulado inicial), que é a fixação de um prazo (de 60 dias) para a celebração da escritura, fazendo incidir sobre a Ré a obrigação da sua marcação. Porém, aqui desaparece a menção à antecedência do aviso quanto à data, o que é tanto mais relevante quanto o n.° 4 do aditamento substitui a primitiva cláusula 4ª, fazendo desaparecer - por acordo escrito das partes - aquela obrigação. Entende-se, por isso, que a Autora foi avisada a tempo da realização da escritura, porque para tal bastava que tivesse recebido a carta na véspera de 19 de Maio, estando demonstrado que tal ocorreu a 13 desse mês. Aliás, só essa interpretação é conforme ao contexto do próprio aditamento: enquanto no contrato inicial, não se podendo prever quando seria obtida a documentação, se justificava uma específica antecedência, essa necessidade desaparece quando está tudo pronto, a promitente compradora deu mais dinheiro e o prazo de cumprimento, até aí indeterminado, passa a dois meses, ou seja, a celebração da escritura pública estava iminente, e ambas as partes sabiam disso, já não sendo necessária a fixação de qualquer prazo de pré-aviso.
Por outro lado, sempre se dirá que não restava outra solução à Ré que não fosse marcar a escritura pública para o aludido dia 19 de Maio, uma vez que nele expirava o prazo de 60 dias fixado no aditamento; quer dizer, para cumprir a sua parte no acordado, era aquele o dia limite para a realização do contrato prometido, e foi isso que a Ré fez, escolhendo cartório e hora e deles avisando a Autora.
Não pode, assim, a circunstância de a Ré ter feito aquela marcação da forma descrita constituir, da sua parte, incumprimento do contrato-promessa2.
(Nota 2) Aqui, não se pode deixar de referir, face ao teor de fls. 41 a 43, a perplexidade pela circunstância de a Autora ter deixado de fora dos fundamentos de incumprimento o mais óbvio, a venda posterior do imóvel pelos Réus a terceiros, que tornou impossível a celebração do contrato definitivo...
Importa agora apreciar do outro fundamento, a anulação do contrato por erro, não sem referir da contradição que constitui a sua invocação, embora a título subsidiário: mal se compreende que a Autora invoque o incumprimento de um contrato do qual, linhas abaixo, afirma não ter consciência do conteúdo!
A propósito do erro na declaração, diz o art. 247.º que "quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro".
Ora, o primeiro requisito para a aplicação desta norma é a demonstração da existência de uma divergência entre a vontade real da Autora, no momento da celebração do contrato, e aquilo que nele a mesma declarou, porque nisso consiste o erro. E, face às respostas negativas que mereceram os quesitos 1°, 2º, 3º, 5º, 9º, 11º e 21º, constata-se que a Autora não logrou demonstrar que tenha existido tal divergência, o que, por si só, deita por terra a aplicação do regime do art. 247.º, não se mostrando sequer necessária a análise dos demais requisitos aí previstos.
Quanto ao invocado erro, sempre se dirá que a convicção da Autora, demonstrada, de que a Ré e seu marido eram proprietários do imóvel em causa não é diferente da realidade, face ao teor do registo de fls. 41.
Isto posto, deve concluir-se que não há fundamento para declarar a anulação do contrato promessa, nem a peticionada devolução do sinal, estando a acção destinada ao fracasso.
*
Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente por não provada e, em consequência, absolvem-se os Réus M. M. e marido MANUEL dos pedidos contra eles formulados pela Autora MARIA.
Custas a cargo da Autora, sem prejuízo do decidido em sede de apoio judiciário.
Registe e notifique.” (conforme documento de fls. 95 a 104 e aqui se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos).

18. Inconformada com a sentença, a autora, por intermédio da 2ª ré, apelou de tal sentença, tendo no recurso aduzido os seguintes fundamentos e formulado as seguintes conclusões:
19. MARIA, residente na Rua … Esposende, Autora nos autos á margem referenciados, não podendo conformar-se com a sentença proferida nestes autos, dela pretende interpor recurso para o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES.
Por estar em tempo e possuir legitimidade requer seja admitido o presente recurso, que é de apelação, com efeito devolutivo e com subida nos próprios autos, nos termos das disposições conjugadas sob o n.° 1 e n.° 7 do artigo 637, n.° 1 al. a) do artigo 645, n.°1 artigo 647, do CPC na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 41/2013 de 26 de Junho, incidindo sobre matéria de facto e sobre matéria de direito, para o que desde já formula a alegação, em conformidade com o que prescrevem os artigos 640 e 639 n.° 2 do mesmo diploma.
Requer a V. Exa. se digne admiti-lo.

ALEGAÇÕES

Do recurso que oferece a Autora, ora recorrente, junto do
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
VENERANDOS DESEMBARGADORES:
Com a devida vénia e consideração pelo Mmo. Tribunal a quo, a douta sentença de que se recorre padece de erro na apreciação da prova, nos termos que se passam a explanar:

1) Nos autos, a Autora, aqui Recorrente pediu a condenação da Ré a restituir -lhe o sinal em dobro, na quantia de € 130 000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, declarando-se a resolução do contrato com culpa da Ré; caso assim não se entendesse, peticionava a Autora a anulação do contrato por erro na declaração negocial da Autora, condenando-se a Ré a restituir-lhe as importâncias recebidas a título de sinal, acrescidas de juros vencidos e vincendos até efectivo pagamento.
2) O tribunal considerou provados os seguintes factos:

A) "No dia 16 de Maio de 2007, os Réus, na qualidade de primeiros outorgantes, e a Autora e marido, na qualidade de segundos outorgantes, celebraram um contrato, que denominaram "Contrato-Promessa de compra e venda", com as seguintes cláusulas:

Primeira
A representada dos primeiros outorgantes é dona do prédio urbano, composto de parcela de terreno destinada a construção urbana, designada por terreno, com área de 451 m2 sito no lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de Ponte do Lima.

Segundo
Pelo presente contrato, a representada dos primeiros outorgantes promete vender aos segundos, que prometem comprar, o prédio urbano identificado na cláusula anterior, incluída a casa de habitação.

Terceira
O preço global da prometida venda é de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros) e será pago da seguinte forma:

a) No acto da assinatura do presente contrato, os segundos outorgantes entregam aos primeiros o valor de 45.000.00 € (quarenta e cinco mil euros) a título de sinal.
b) No dia da outorga da respectiva escritura pública, os segundos outorgantes pagarão aos primeiros o montante de 125.000,00 € (cento e vinte e cinco mil euros).

Quarta
A escritura pública de compra e venda será outorgada logo que a casa de habitação referida na cláusula primeira, estiver a documentação concluída. - b) A marcação da escritura será feita pelos primeiros outorgantes, os quais indicarão aos segundos, por escrito, com a antecedência mínima de 10 dias, a data e o local da celebração da mesma.

Quinta
As despesas decorrentes da celebração da escritura pública serão suportadas pelos segundos outorgantes.

Se x t a
Em caso de incumprimento do contrato, observar-se-á o seguinte:

a) A parte não faltosa pagará à outra parte, a título de cláusula penal, a quantia de 45.000,00 € (quarenta e cinco mil euros).
b) Em alternativa, a parte não faltosa poderá requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830.º do Código Civil. (…)

Oitava
Todos os outorgantes estão de acordo com o presente contrato, o qual, depois de datado, vão assinar em duplicado, ficando o original na posse dos segundos outorgantes.
Todos os outorgantes dispensam o reconhecimento das respectivas assinaturas, sem prejuízo da plena eficácia e validade do presente contrato promessa."

B) - No momento mencionado em A), a Autora entregou à Ré e marido a quantia de € 45.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento.
C) - Posteriormente, em 19 de Março de 2008, a Autora e a Ré mulher celebraram um contrato, que denominaram "aditamento a contrato-promessa de compra e venda", constando do mesmo: "( ... ) 3. Na cláusula quarta do contrato-promessa ficou estipulado que a escritura pública de compra e venda seria outorgada quando a documentação necessária estivesse pronta, sendo a marcação feita pela primeira outorgante. Na presente data, a documentação já está pronta com vista à celebração da escritura pública de compra e venda.
4. As outorgantes acordam em que a escritura pública seja realizada dentro do prazo de 60 dias a contar da presente data, cabendo a marcação à primeira outorgante.
5. Como reforço do sinal, a segunda outorgante entrega nesta data à primeira outorgante a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), de que esta dá quitação.
6. O presente aditamento faz parte integrante do contrato-promessa referido no número 1 supra."
D) - Na data mencionada em C), a Autora entregou à Ré e marido a quantia de € 20.000,00, a título de reforço de sinal.
E) - A Ré, por carta registada de 08.05.2008, com a referência de registo RC018383172PT, notificou a Autora para a outorga da escritura pública de compra e venda, a realizar no dia 19.05.2008, indicando também a hora e o Cartório Notarial.
F) - Por carta datada de 14.05.2008, a Autora comunica à Ré que "( ... ) Por razões alheias à minha vontade, ainda não foi possível vender o meu apartamento de Esposende, que é a condição conhecida de V.a Ex.cia para realização da supra referida compra; Assim, solicito a V.a Ex.cia a prorrogação do prazo para a realização da pretendida escritura por mais três meses ( ... )".
G) - No dia 19.05.2008, os Réus compareceram no Cartório Notarial da Notária S. B., em Ponte de Lima, tendo sido lavrado o competente Instrumento Público que atesta a falta de comparência da autora (fls. 37138).
H) - Por carta datada de 26.05.2008, a Ré comunicou à Autora que "(.. .)considero que V.Ex.a não cumpriu a obrigação decorrente do contrato-promessa. Em consequência, nos termos do artigo 442° do Código Civil, V. Ex.a perdeu as quantias que me entregou, todos com carácter de sinal".
I) - Em 2007.12.08, a Câmara Municipal de Ponte de Lima emitiu o Alvará de Utilização n.° 436/07, referente à moradia constante na alínea A), do qual consta que "por despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal, foi autorizada a seguinte utilização: Moradia Unifamiiar e anexo".
4.° - A Autora precisava de vender o seu apartamento em Esposende para pagar o preço fixado em A) para o acto da escritura.
7.º, 8.º - A Autora apresenta um quadro clínico psiquiátrico de neurose depressiva, sendo assistida há vários anos na especialidade de psiquiatria.
10.º - A Autora assinou o documento referido no pressuposto de que a Ré e seu marido eram os proprietários do imóvel em causa.
13.º - Entre a assinatura do acordo referido em A) e a do aludido em C), a Ré e o marido chegaram a dizer à Autora que poderiam, em permuta, ficar com o apartamento da Autora em Esposende.
17.º - Em Maio de 2008, a Ré e o marido não estavam interessados em aceitar, em permuta, o aludido apartamento da Autora.
18.º - A notificação mencionada em E) foi recepcionada pela Autora no dia 13 de Maio de 2008.
22º - A Autora sempre agiu no pressuposto da validade do contrato-promessa.
3) Na apreciação dos factos, decide o Tribunal a quo considerar inócuo e irrelevante a questão suscitada pela Autora aqui Recorrente, no sentido de que a Ré Recorrida, não cumpriu o estipulado no contrato quanto á antecedência mínima de dez dias para a marcação da audiência, entendendo que tal obrigação desapareceu por via do aditamento outorgado entre ambas.
4) Porém tal não nos parece adequado, na medida em que se esse fosse o entendimento, e pelos motivos aduzidos na Sentença, estando naquela data (da assinatura do aditamento) a documentação toda pronta, então poderiam desde logo apontar datas para a dita escritura.
5) Não o fizeram, apenas se consignando que a mesma seria realizada dentro do prazo de 60 dias, incumbindo á Recorrida notificar a Recorrente, de acordo com o estabelecido no contrato inicial.
6) Por outro lado, afirmar-se, que a Autora nada disse no que concerne á venda posterior do imóvel, como causa de incumprimento definitivo, não nos parece correcto, na medida em que tal é alegado na P1 (art°. 59 e 60), e dá a devida relevância á intenção da Recorrida em desvincular-se do contrato, retendo as quantias entregues, e acumulando-as com as da venda posterior que efectuou.
7) Pelo que atendendo aos documentos juntos (Docs 1, 2, 5,6) deveria o Tribunal entender que o prazo estipulado para a antecedência na marcação da escritura efectivamente não foi cumprido pela Ré/Recorrente, incorrendo esta no incumprimento do contrato.
8) Na apreciação do invocado fundamento de anulação do contrato por erro, o Tribunal a quo desvalorizou por completo e sem justificação os depoimentos das testemunhas.
9) Com efeito, pode ler -se na Sentença de que ora se recorre: "mal se compreende que a Autora invoque o incumprimento de um contrato do qual, linhas abaixo, afirma não ter consciência do conteúdo"
10) Ora, atentando nos depoimentos das testemunhas: Jorge prestado no dia 26/04/2011; O. P. prestado no dia 26-04-2011; J. L. prestado em 21-05-2013; C. C. prestado em 21-05-2013 e A. C., outra conclusão seria, a nosso ver, e com o devido respeito, de concluir de outra forma.
11) Com efeito, todas as testemunhas atrás referidas prestaram depoimento no sentido de que a Autora, aqui Recorrente é pessoa confusa, sem raciocínio coerente, e com grandes dificuldades em entender o sentido das coisas, muito por causa da doença do foro psiquiátrico que a afecta, facto este demonstrado pelos documentos juntos com a P1 como Docs. N°s 4 e 4ª, os quais não foram impugnados.
12) A testemunha Jorge afirma no seu depoimento ao minuto 1 e até ao minuto 3 que a Autora " é pessoa muito confusa… cada ano que vai passando ela fica mais confusa.. . Não tem a nocção das coisas que faz… É completamente desequilibrada...Hoje diz uma coisa e amanha já é outra completamente diferente… Não tem a nocção do que faz. .. Ela já anda acompanhada pelo psiquiatra há mui tos anos. Ela está reformada por causa da doença da cabeça... Ela não tem a nocção do que assinou " Ao minuto 7.34 e ss ".. . ela nem sequer pensou nisso, ela é completamente ingénua. Não tem a noção do que fez ... a palavra basta".
13) A testemunha O. P. afirma no seu depoimento ao minuto 4.17 e ss que "É pessoa perturbada. Faz tratamento… ela tem alturas.... E depois de fazer o negócio foi lá casa e disse que não tinha dinheiro... e nós fomos os culpados de ter comprado a casa.... Devíamos ter -lhe dito que casa era muito grande..."
14) A testemunha J. L. afirma, no seu depoimento ao minuto 13.04, quando instado sobre se a Autora tinha a noção do documento que tinha assinado, que "os negócios que ela ia fazendo tinham mais importância que os papeis... ela não dá a importância que nós damos aos papeis. . . ela dava mais importância ao que combinava pelo telefone... ela faz contactos e diligencias fora meu controlo com os promitentes - compradores, e eu era confrontado com factos consumados..."
15) A testemunha C. C. refere no seu depoimento ao minuto 2.37 e ss que "A D. Maria estava muitos dias a telefonar -me, e eu achei que podia ter um bocado de confusões com ela..... Porque às vezes era 115 outras 120, outras 100. Não era uma pessoa constante, e achei que podia ter um bocado de problemas com os valores... Ela chegou a mandar-me uma carta, que eu acabei por não perceber nada do que diz na carta....
16) Necessariamente os depoimentos atrás mencionados, cuja credibilidade não foi posta em causa pelo tribunal, deveriam levar á conclusão de que efectivamente a Recorrente não é pessoa de discernimento normal, e que a confusão e conturbação mental patente seria no mínimo susceptível de integrar o conceito de falta de consciência dos actos,
17) Já que todas as testemunhas foram unanimes, mesmo a arrolada pela Recorrida, em afirmar a instabilidade da mesma,
18) Por isso a Recorrente invoca o incumprimento de um contrato, de cujo conteúdo não tem noção.

E vejamos:
19) Porque a Recorrente é pessoa confusa e limitada no raciocínio acordou com os promitentes vendedores, que lhes compraria a casa se vendesse o apartamento de que é proprietária em Esposende e identificado nos autos.
20) E este acordo foi verbal. Foi verbal, e assumido por esta como plenamente válido, como o foi por todas as pessoas que intervieram no negócio, ou de alguma forma tomaram conhecimento do mesmo.
Com efeito:
21) A testemunha Jorge no seu depoimento (3m19s e ss) refere que 'Ela não tinha dinheiro para comprar a casa... e o dinheiro que ela pensava que ia ter era pela venda do apartamento que ela tem em Esposende Ela comprometeu-se com o vendedor a comprar a casa a ele, mas só depois de vender o apartamento dela ao minuto 4.08 " Fomos ver a casa... Ela não poderia comprar a casa se não conseguisse vender o apartamento dela.... O Sr.. disse a Senhora venda o seu apartamento, que se não vender eu estou aqui... em último caso eu estou aqui e fico-lhe com o apartamento"
22) A testemunha Olívia Araújo refere no seu depoimento ao minuto 2.00 e seguintes "Ela ia fazer o negócio vendendo o apartamento dela... eles sabiam que ela não tinha dinheiro.... Ela disse que não tinha dinheiro e ele disse: está bem venda o apartamento!!! E na altura ele nem estabeleceu prazo.... Continuaram o negócio... eu não fazia isso, mas ela não tem cabeça..."
23) A testemunha J. L. refere no seu depoimento (minuto 1,24 até minuto 46):Instado sobre se o contrato já estava assinado quando foi consultado como advogado, e sobre se era essencial para a Autora vender o apartamento dela para fazer o negócio "A D. Maria já tinha assinado o contrato... dos documentos que me foram apresentados isso não estava expresso... A D. Maria desde o inicio tinha firmado aquele contrato com os promitentes, ou com a empresa, não me lembro bem de como era o contrato, na condição de vender o apartamento dela para poder pagar a totalidade do preço... Instado sobre se os vendedores sabiam disso:"... os vendedores sabiam disso desde sempre. Instado pelo MM Juiz a quo da razão porque não está escrita uma clausula que traduza a real vontade da Recorrente, a testemunha leu os emails juntos aos autos designadamente o de 01 Fevereiro 2008 … “a minha constituinte prevê agora realizar a escritura de venda do apartamento que tem em Esposende, na próxima quarta feira... Por outro lado com a realização desta escritura estão reunidas todas as condições para conforme o acordado entre a m/constituinte e os V/Constituintes - independentemente do que está expressamente consignado no que chamam contrato promessa- poder realizar-se a escritura de compra e venda do prédio dos V/ constituintes... Nunca a D. Maria prescindiu dessa condição... Não está escrito, mas foi falado perante todos, perante o Sr. Dr. E perante mim e a D. Maria nunca prescindiu disso…”
24) A testemunha C. C. refere no seu depoimento ao minuto 1.52ss " disse que tinha comprado uma casa no ... e que tinha que vender o apartamento, pois mais tarde tinha que fazer a escritura da casa… Ao minuto 5.14ss eu o que sei é que a D. Maria chegou a transmitir que a D. Maria teria que vender o apartamento para conseguir comprar a casa"
25) A testemunha A. C. refere no seu depoimento ao minuto 1 e até ao minuto 6 "Tinha sido feita uma venda com o Sr. Manuel, em que tinha recebido um sinal e que havia um apartamento para vender, portanto que a proprietária queria vender o apartamento em determinado prazo... E entretanto nós fomos contactados pelo Sr. Manuel, onde nos forneceu o contacto da senhora, foi -se lá ver o apartamento, angariou-se e tivemos várias hipóteses de visita ao apartamento Não tivemos ninguém que oficializasse o negócio… ela não tinha capital suficiente…”
26) Estabelece o artigo 247 do CC que "quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda á vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorara essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro"
27) Tomando em consideração os depoimentos das testemunhas atrás referidas, e bem assim o teor dos documentos juntos pela Recorrente, designadamente os e-mail trocados entre a testemunha Dr. J. L. e o ilustre Mandatário da Recorrida, não se pode ignorar que para a Recorrente a venda do seu apartamento em Esposende, era essencial para concretizar o negócio prometido.
28) De outra forma, não tinha dinheiro para pagar o restante do preço.
29) E este facto era não só notório, porque claramente perceptível a todos os que intervieram no negócio, como para aqueles que dele tomaram conhecimento, como se revelou o entrave na concretização do negócio.
30) Com efeito, a escritura não se realizou assim que a Recorrida estava habilitada com a documentação necessária, porque a Recorrente ainda não tinha vendido o apartamento;
31) E os prazos foram sendo prorrogados, pelo mesmo motivo.
32) Também, foi o próprio marido da Recorrida, nas palavras da testemunha por si arrolada A. C., que deu o contacto da Recorrente á imobiliária onde este trabalha, para vender o apartamento da Recorrente.
33) E isto só poderia ter acontecido, porque era do conhecimento deles (Recorrida e marido) que sem vender o apartamento a Recorrente não tinha condições para concretizar o negócio.
34) De toda esta factualidade era razoável a conclusão de que a Recorrida e marido, na qualidade de promitentes vendedores conheciam e não podiam ignorar, que para a Recorrente a venda do apartamento era essencial para o negócio, e sem isso não existiam condições para o mesmo se concretizar.
35) Por isso mesmo foi aventada a hipótese de permuta do apartamento da Recorrente, para pagamento do restante do preço, (resposta ao quesito13º)
36) Por outro lado, dispõe o artigo 224 n.° 1 do CC que "a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida
37) Também dispõe o artigo 236 do CC "A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
No n.° 2 dispõe-se que:" sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida"
38) Ora entende o Tribunal a quo que a Autora não logrou demonstrar que existe uma divergência entre a vontade real no momento da celebração do contrato e aquilo que ela mesma declarou, porém, entendemos, com o devido respeito que o depoimento das testemunhas revela precisamente o contrário.
39) Isto é, revela que todos tinham conhecimento e sabiam, que a recorrente só podia fazer o negócio, se vendesse o seu apartamento, e revela que foi com este intuito que a mesma assinou o contrato.
40) Poder-se-á dizer que este facto deveria constar do contrato, e com razão. Mas não se pode ignorar o conhecimento que todos tinham do facto, designadamente os promitentes vendedores

DA VIOLAÇÃO DE NORMAS E ERRO DE JULGAMENTO:

O Tribunal a quo, salvo melhor opinião, e com o devido respeito, violou as seguintes normas jurídicas, ou não faz a sua correcta e adequada aplicação:

- pelo que deve ser revogada e declarado resolvido o contrato promessa por incumprimento da Recorrida, ou caso assim não se entenda,
- Artigo 224 n.° 1, 236 n.°s 1 e 2, 247 todos do CC, pelo que deve ser revogada e declarada a anulação do contrato
O Tribunal a quo, salvo melhor opinião, e com o devido respeito, não valorou positivamente e devidamente o depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrente Jorge, O. P., José Luís J. L., e das testemunhas arroladas pela Recorrida C. C. e A. C., pois que os seus depoimentos determinariam resposta positiva aos quesitos 1, 2, 3, 4, 5, 9, 11, 12, 14,15, e 16 da base instrutória.
O tribunal a quo, salvo melhor opinião e com o devido respeito não valorou positivamente nem devidamente os documentos n.º 2, 4 e 4ª juntos com a P1, e bem assim os documentos juntos em audiência pela Recorrida (e—mail trocados entre Mandatários), pois que da analise criteriosa e ponderada dos mesmos resultaria resposta positiva aos quesitos 1, 2, 3, 4, 5, 9, 11, 14, 15 e 16 da base instrutória.

CONCLUSÕES:

I. Recorrente e Recorrida outorgaram contrato promessa em 16-05-2007, nos termos constantes do Doc.1 junto com a P1;
II. Consignaram designadamente no referido contrato que a escritura pública seria realizada, logo que a documentação estivesse regularizada, e seria marcada pela Recorrida e marido mediante aviso escrito com a antecedência mínima de 10 dias
III. Em 16-05-2007 a Recorrente entregou á Recorrida a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de 45.000 euros
IV. Posteriormente em 16-05-2008 em aditamento ao contrato promessa a recorrente entrega á Recorrida e marido a quantia de 20.000 euros a título de reforço de sinal;
V. A Recorrida incumpriu o estipulado no contrato, contanto que marcou escritura publica prometida no contrato promessa sem cumprir a antecedência mínima prevista e acordada entre as partes;
VI. A Recorrente comprometeu-se a adquirir o imóvel á Recorrida e marido, nos termos constantes do contrato promessa junto aos autos, no pressuposto de que o negócio só se realizaria se e quando vendesse o apartamento de que é proprietária em Esposende;
VII. Esta factualidade era do conhecimento da Recorrida e marido
VIII. Se assim não fosse, a recorrente não teria outorgado o contrato promessa, porque não tinha capacidade económica para o negócio.
IX. Existe clara divergência entre a vontade expressa no contrato promessa e a vontade real da Recorrente.
X. A vontade real da recorrente é conhecida da Recorrida e pela mesma não podia ser ignorada atenta a prova produzida em audiência de julgamento

Termos em que, nos melhores de Direito, e sempre com o V/mui Douto Suprimento, em face de tudo o que ficou exposto, deverá este Venerando tribunal, dar provimento ao recurso, e em consequência:

a) Ordenar a revogação da decisão, por violação das normas art. 442 n.°2 do CC, declarando resolvido o contrato promessa por incumprimento da Recorrida e em consequência condena-ia na restituição do sinal em dobro, ou caso assim não se entenda:
b) Ordenar a revogação da decisão por violação da aplicação dos artigos 224 n.º, 236 n.°s 1 e 2 e 247 todos do CC, e pela errónea valoração dos depoimentos das testemunhas Jorge, O. P., José Luís J. L., C. C. e A. C., declarando a anulação do contrato promessa em crise nos autos e em consequência, condenando a Recorrida a restituir as quantias entregues a título de sina e reforço de sinal, acrescidas de juros vencidos e vincendos.” (conforme documento de fls. 105 a 122 e aqui se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos).
20. A sentença aludida em 16. foi confirmada por acórdão, proferido em 10.04.2014, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, conforme documento de fls. 123 a 136 e que aqui se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.
21. Não se conformando com o resultado obtido na ação, a autora, representada por novo mandatário, instaurou a ação que seguiu termos com o nº 130/14T8VCT, da Instância Central, Secção Cível, J3, tendo ali sido alegado o seguinte:
“Ex.mo Senhor(a) Juiz(a) de Direito
do Tribunal Judicial da Comarca
de VIANA DO CASTELO
MARIA, casada com João, sob o regime da comunhão de adquiridos, residente na rua …, Esposende, com o NIF …, vem instaurar contra
M. M. e marido MANUEL, residentes no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Ponte de Lima, respetivamente com os N.I.Fs. … e …, a presente
AÇÃO DECLARATIVA COM PROCESSO COMUM, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1. No dia 16 de Maio de 2007, os réus, na qualidade de primeiros outorgantes e de promitentes vendedores, e a autora, na qualidade de segunda outorgante e de promitente compradora, celebraram o contrato, que denominaram “Contrato-Promessa de compra e venda”, nos termos seguintes e cláusulas seguintes:

“Primeira
A representada dos primeiros outorgantes é dona do prédio urbano, composto de parcela de terreno destinada a construção urbana, designada por terreno, com a área de 451m2 sito no lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de Ponte de Lima.

Segundo
Pelo presente contrato, a representada dos primeiros outorgantes promete vender aos segundos, que prometem comprar, o prédio urbano identificado na cláusula anterior, incluída a casa de habitação.

Terceira
O preço global da prometida venda é de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros) e será pago da seguinte forma:

a) No acto da assinatura da presente contrato, os segundos outorgantes entregam aos primeiros o valor de 45,000.00€ (quarenta e cinco mil euros) a título de sinal.
b) No dia da outorga da respectiva escritura pública, os segundos outorgantes pagarão aos primeiros o montante de 125.000,00€ (cento e vinte e cinco mil euros).

Quarta
A escritura pública de compra e venda será outorgada logo que a casa de habitação referida na cláusula primeira, estiver a documentação concluída. - b) A marcação da escritura será feita pelos primeiros outorgantes, os quais indicarão aos segundos, por escrito, com a antecedência mínima de 10 dias, a data e o local da celebração da mesma.

Quinta
As despesas decorrentes da celebração da escritura pública serão suportadas pelos segundos outorgantes.

Sexta
Em caso de incumprimento do contrato, observar-se-á o seguinte:

a) A parte não faltosa pagará á outra parte, a título de cláusula penal, a quantia de 45.000,00 € (quarenta e cinco mil euros).
b)Em alternativa, a parte não faltosa poderá requer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830.º do Código Civil.

Sétima
Pelo presente contrato, a representada dos primeiros outorgantes promete aos segundos, por a funcionar a caldeira a gasóleo e os portões automáticos.

Oitava
Todos os outorgantes estão de acordo com o presente contrato, o qual, depois de datado, vão assinar em duplicado, ficando o original na posse dos segundos outorgantes.
Todos os outorgantes dispensam o reconhecimento das respectivas assinaturas, sem prejuízo da plena eficácia e validade do presente contrato promessa.”
(cfr. o documento que com o n.º 1 se junta e aqui se dá por reproduzido)
2. No momento mencionado na alínea a), da cláusula terceira, do referido contrato-promessa outorgado em 16 de Maio de 2007, a autora entregou aos réus a quantia de € 45.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento. (cfr. o documento n.º 1)
3. Posteriormente, em 19 de Março de 2008, a autora e a ré mulher celebraram um aditamento ao referido contrato-promessa que denominaram por “aditamento a contrato-promessa de compra e venda”, constando do mesmo o seguinte:
- “ (…) 3. Na cláusula quarta do contrato-promessa ficou estipulado que a escritura pública de compra e venda seria outorgada quando a documentação necessária estivesse pronta, sendo a marcação feita pela primeira outorgante. Na presente data, a documentação já está pronta com vista à celebração da escritura pública de compra e venda.
4. As outorgantes acordam em que a escritura pública seja realizada dentro do prazo de 60 dias a contar da presente data, cabendo a marcação à primeira outorgante.
5. Como reforço do sinal, a segunda outorgante entrega nesta data à primeira outorgante a quantia de € 20.000,00€ (vinte mil euros), de que esta dá quitação.
6. O presente aditamento faz parte integrante do contrato-promessa referido no número 1 supra” (cfr. o documento que com o n.º 2 se junta e aqui se dá por reproduzido)
4. No referido dia 19 de Março de 2008, com a outorga de tal aditamento ao contrato-promessa, a autora entregou aos réus a quantia de € 20.000,00, a título de reforço do sinal. (cfr. o doc. 2)
5. O bem prometido vender foi um prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, com logradouro, sito no lugar ..., da freguesia de ..., concelho de Ponte de Lima, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ... (cfr. o documento que com o n.º 5 se junta e aqui se dá por reproduzido).
6. Apesar de no referido aditamento ao contrato-promessa se referir que a escritura pública se realizaria “dentro do prazo de 60 dias” contados desde o dia 19-03-2008, os referidos contratantes condicionaram a realização dessa escritura á prévia venda pela autora de um apartamento de que era proprietária, situado em Esposende.
7. Com efeito, seria com o dinheiro dessa venda que a autora pagaria aos réus o remanescente do preço da compra e venda em falta.
8. No dia em que celebraram o contrato-promessa e no dia em que outorgaram o aditamento a tal contrato-promessa, os réus sabiam perfeitamente de tal condição e da necessidade que a autora tinha de vender o apartamento para poder pagar o remanescente do preço da compra e venda.
9. Entre o dia da celebração do contrato-promessa de compra e venda (16-05-2007) e o dia de realização do aditamento a tal contrato-promessa (19-03-2008), os réus, como forma de anteciparem a realização da escritura pública e pelo facto da realização desta ter ficado condicionada á venda do referido apartamento, chegaram a dizer à Autora que poderiam, em permuta, ficar com o apartamento da Autora em Esposende.
10. Porém, numa conduta contrária á referida no artigo anterior, em Maio de 2008, os réus disseram á autora que não estavam interessados em aceitar, em permuta, o aludido apartamento da Autora.
11. E, por carta registada de 08.05.2008, com a referência de registo RC018383172PT, a ré notificou a autora para a outorga da escritura pública de compra e venda, indicando o dia 19.05.2008, pelas 11,00 horas e o Cartório Notarial da Notária S. B., em Ponte de Lima, para realização de tal ato (cfr. o documento que com o n.º 3 se junta e aqui se dá por reproduzido).
12. Em resposta a tal carta, por carta datada de 14.05.2008, a autora comunicou à ré que “ (…) Por razões alheias á minha vontade, ainda não foi possível vender o meu apartamento de Esposende, que é a condição conhecida de V. a Ex.cia para realização da supra referida compra; Assim, solicito a V.a Ex.cia a prorrogação do prazo para a realização da pretendida escritura por mais três meses (…)” (cfr. o documento que com o n.º 4 se junta e aqui se dá por reproduzido).
13. Em virtude de não ter conseguido vender tal apartamento até ao dia 19-05-2008 e em virtude dos réus terem dito que não pretendiam receber o apartamento da autora em permuta e compensação, a autora não compareceu no referido cartório notarial designado pela ré, no dia 19.05.2008, para realizar a escritura pública de compra e venda, em virtude de não ter vendido aquele apartamento e de, por isso, não possuir o dinheiro para pagar o remanescente do preço.
14. Entretanto, por carta datada de 26-05-2008, a ré comunicou à autora o seguinte:

- “ (…) considero que V. Ex.ª não cumpriu a obrigação decorrente do contrato-promessa. Em consequência, nos termos do artigo 442º do Código Civil, V. Ex.ª perdeu as quantias que me entregou, todos com carácter de sinal”. (cfr. o doc. n.º 5).
15. Em 05-12-2008, a autora instaurou contra os réus, no Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, uma acção declarativa de condenação com processo comum sob a forma ordinária, que tramitou com o n.º 1114/08.4TBPTL, tendo ali efetuado o seguinte pedido:

- “Nestes termos, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e em consequência condenar-se a Ré a restituir á Autora o sinal em dobro na quantia de 130.000,00€, acrescida de juros vencidos desde a citação, e vincendos até efectivo integral pagamento, declarando-se a resolução do contrato com culpa da Ré, nos termos e com os efeitos previsto no artigo 442 n.º 2 do CC, ou caso assim V. Exa. não considere, seja anulado o contrato por vicio de erro na declaração negocial da Autora, nos termos do artigo 247 CC, condenando-se a Ré a restituir á Autora as importâncias que dela recebeu a título de sinal, acrescidas de juros vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento”. (cfr. o documento que com o n.º 6 se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido).
16. Alegou ali a autora, como causa de pedir do pedido de resolução do contrato por culpa dos réus, que não foi cumprido pelos réus o prazo de aviso prévio de 10 dias, tendo sido nesse alegado incumprimento de tal prazo que se fundou tal pedido (cfr. o referido documento 6, designadamente os artigos 32.º, 33.º, 34.º, 42.º, 47.º, 53.º, 55.º, 56.º e 64.º da petição inicial de tal ação).
17. E como causa de pedir do pedido anulação do contrato por erro, alegou a autora que quando assinou o contrato-promessa não tinha a real consciência das consequências desse ato (cfr. o referido documento 6, designadamente os artigos 6.º, 7.º, 8.º, 11.º, 13.º, 19.º, 71.º, 72.º e 75.º da petição inicial de tal ação).
18. Após tramitação e instrução do processo, foi proferida sentença, tendo o referido tribunal julgado provados os seguintes factos:

A) No dia 16 de Maio de 2007, os Réus, na qualidade de primeiros outorgantes, e a Autora e marido, ia qualidade de segundos outorgantes celebraram um contrato, que denominaram “Contrato-Promessa de compra e venda”, com as seguintes cláusulas:

“Primeira
A representada dos primeiros outorgantes é dona do prédio urbano, composto de parcela de terreno destinada a construção urbana, designada por terreno, com a área de 451m2 sito no lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de Ponte de Lima.

Segundo
Pelo presente contrato, a representada dos primeiros outorgantes promete vender aos segundos, que prometem comprar, o prédio urbano identificado na cláusula anterior, incluída a casa de habitação.

Terceira
O preço global da prometida venda é de € 170.000,00 (cento a setenta mil euros) e será pago da seguinte forma:

a) No acto da assinatura da presente contrato, os segundos outorgantes entregam aos primeiros o valor de 45,000.00 € (quarenta e cinco mil euros) a título de sinal.
b) No dia da outorga da respectiva escritura pública, os segundos outorgantes pagarão aos primeiros o montante de 125.000,00 € (cento e vinte e cinco mil euros).

Quarta
A escritura pública de compra e venda será outorgada logo que a casa de habitação referida na cláusula primeira, estiver a documentação concluída. - b) A marcação da escritura será feita pelos primeiros outorgantes, os quais indicarão aos segundos, por escrito, com a antecedência mínima de 10 dias, a data e o local da celebração da mesma.

Quinta
As despesas decorrentes da celebração da escritura pública serão suportadas pelos segundos outorgantes.

Sexta
Em caso de incumprimento do contrato, observar-se-á o seguinte:

a) A parte não faltosa pagará á outra parte, a título de cláusula penal, a quantia de 45.000,00€ (quarenta e cinco mil euros).
b) Em alternativa, a parte não faltosa poderá requer a execução especifica do contrato, nos termos do artigo 830.º do Código Civil. (…)

Oitava
Todos os outorgantes estão de acordo com o presente contrato, o qual, depois de datado, vão assinar em duplicado, ficando o original na posse dos segundos outorgantes.
Todos os outorgantes dispensam o reconhecimento das respectivas assinaturas, sem prejuízo da plena eficácia e validade do presente contrato promessa.”

B) No momento mencionado em A), a Autora entregou à Ré e marido a quantia de € 45.000,00, a título de sinal e principio de pagamento.
C) Posteriormente, em 19 de Março de 2008, a Autora e a Ré mulher celebraram um contrato, que denominaram “aditamento a contrato-promessa de compra e venda”, constando do mesmo:

“ (…) 3. Na cláusula quarta do contrato-promessa ficou estipulado que a escritura pública de compra e venda seria outorgada quando a documentação necessária estivesse pronta, sendo a marcação feit5a pela primeira outorgante. Na presente data, a documentação já está pronta com vista à celebração da escritura pública de compra e venda.
4. As outorgantes acordam em que a escritura pública seja realizada dentro do prazo de 60 dias a contar da presente data, cabendo a marcação à primeira outorgante.
5. Como reforço do sinal, a segunda outorgante entrega nesta data à primeira outorgante a quantia de € 20.000,00€ (vinte mil euros), de que esta dá quitação.
6. O presente aditamento faz parte integrante do contrato-promessa referido no número 1 supra”
D) Na data mencionada em C), a Autora entregou à Ré e marido a quantia de € 20.000,00, a título de reforço de sinal.
E) A Ré, por carta registada de 08.05.2008, com a referência de registo RC018383172PT, notificou a Autora para a outorga da escritura pública de compra e venda, a realizar no dia 19.05.2008, indicando também a hora e o Cartório Notarial.
F) Por carta datada de 14.05.2008, a Autora comunica à Ré que “ (…) Por razões alheias á minha vontade, ainda não foi possível vender o meu apartamento de Esposende, que é a condição conhecida de V. a Ex.cia para realização da supra referida compra; Assim, solicito a V.a Ex.cia a prorrogação do prazo para a realização da pretendida escritura por mais três meses (…)”.
G) - No dia 19.05.2008, os Réus compareceram no Cartório Notarial da Notária S. B., em Ponte de Lima, tendo sido lavrado o competente Instrumento Público que atesta a falta de comparência da autora (fls. 37/38).
H) Por carta datada de 26.05.2008, a Ré comunicou à Autora que “ (…) considero que V. Ex.ª não cumpriu a obrigação decorrente do contrato-promessa. Em consequência, nos termos do artigo 442º do Código Civil, V. Ex.ª perdeu as quantias que me entregou, todos com carácter de sinal”.
I) Em 2007.12.08, a Câmara Municipal de Ponte de Lima emitiu o Alvará de Utilização n.º 436/07, referente à moradia constante na alínea A), do qual consta que “por despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal, foi autorizada a seguinte utilização: Moradia Unifamiliar e anexo”.
4.º A Autora precisava de vender o seu apartamento em Esposende para pagar o preço fixado em A) para o acto da escritura.
7.º, 8.º A Autora apresenta um quadro clinico psiquiátrico de neurose depressiva, sendo assistida há vários anos na especialidade de psiquiatria.
10.º A Autora assinou o documento referido em A) no pressuposto de que a Ré e seu marido eram os proprietários do imóvel em causa.
13.º Entre a assinatura do acordo referido em A) e a do aludido em C), a Ré e o marido chegaram a dizer à Autora que poderiam, em permuta, ficar com o apartamento da Autora em Esposende.
17.º Em Maio de 2008, a Ré e o marido não estavam interessados em aceitar, em permuta, o aludido apartamento da Autora.
18.º A notificação mencionada em E) foi recepcionada pela Autora no dia 13 de Maio de 2008.
22.º A Autora sempre agiu no pressuposto da validade do contrato-promessa. cfr. o documento que com o n.º 7 se junta e aqui se dá por reproduzido).
19. E, por douta sentença, o referido tribunal da comarca de Ponte de Lima, julgou tal ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu os Réus M. M. e marido Manuel daqueles pedidos contra eles formulados pela autora. (cfr. o documento que com o n.º 7 se junta e aqui se dá por reproduzido)
20. Tal sentença foi impugnada por recurso de apelação, tendo sido confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães (cfr. o documento que com o n.º 8 se junta e aqui se dá por reproduzido).
21. Em 22 de Setembro de 2008, os réus, no Cartório Notarial do Notário Dr. R., em Ponte de Lima, através da escritura pública de compra e venda, exarada no Livro …, a fls. 11 e seguintes, os réus venderam a E. M. e marido Alexandre, que compraram, o bem objeto do contrato-promessa. (cfr. o documento que com o n.º 9 se junta e aqui se dá por reproduzido)
22. Entre a data da celebração do contrato-promessa de compra e venda e a presente data, os réus nunca interpelaram a autora do local, data e hora para a realização da escritura pública com a admonição ou cominação de que a sua falta de comparência importava a resolução do contrato-promessa e a inerente e consequente perda do sinal pago.
23. Aquela carta registada de 08.05.2008, com a referência de registo RC018383172PT, remetida pela ré á autora a comunicar-lhe que tinha designado o dia 19.05.2008, pelas horas, para a realização da escritura pública de compra e venda, no Cartório Notarial da Notária S. B., em Ponte de Lima, não constitui uma interpelação admonitória, nem tem a virtualidade de ser considerada incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte da autora. (cfr. o documento que n.º 3).
24. Realmente, na referida carta foi fixado apenas um prazo de referência de 60 dias, contados do dia 19-03-2008, podendo a escritura realizar-se nos 50 dias seguintes ou ser designada pela ré entre o dia 29-03-2008 (em virtude do aviso prévio de 10 dias) e o dia 18-05-2008 (último dia daqueles 60 dias contados desde o dia 19-03-2008). (cfr. docs.1, 2 e 3)
25. Ora, ao designar para o dia 19-05-2008 a data da escritura pública de compra e venda, a ré designou como data da escritura de compra e venda, não o 60 (sexagésimo) dia, mas sim o 61 (sexagésimo primeiro) dia após o dia 19-03-2008.
26. E até ao dia 19-05-2008, a autora nunca tinha estado sequer em mora.
27. A falta de comparência da autora naquele cartório, naquele dia 19-05-2008 e naquela hora, para a outorga da escritura, quando esta tinha já comunicado á ré, por carta datada de 14.05.2008 que, por razões alheias á sua vontade, ainda não lhe tinha sido possível vender o meu apartamento de Esposende, que era uma condição conhecida dos réus para realização da supra referida compra e tinha, através de tal comunicação, solicitado a prorrogação do prazo para a realização da pretendida escritura, por mais três meses, e quando já tinha decorrido aquele prazo de referência de 60 dias, não importa falta ou perda de interesse objetivo na realização do contrato prometido, nem importa incumprimento definitivo do contrato-promessa pela autora.
31. Nesse sentido, por unanimidade, decidiu-se assim no STJ, por douto acórdão de 08-05-2013:

I - A não comparência do promitente-comprador na celebração da respectiva escritura pública que, por três vezes consecutivas, lhe foi comunicada, não tendo as partes fixado um termo essencial para o cumprimento, mas, tão-só, um mero prazo de referência, que, aliás, a promitente-vendedora, anteriormente, não cumprira, não integra um caso de perda de interesse objectivo, não tem a virtualidade de traduzir a fixação de um prazo suplementar relevante capaz de gerar o incumprimento definitivo, nem o significado de uma interpelação admonitória, por não ser reveladora de uma intenção do promitente-vendedor, caso não fosse, sequencialmente, celebrada a escritura pública, em considerar, definitivamente, não cumprida a obrigação, não podendo, sem mais, dar lugar à resolução do contrato que este desencadeou.
II - E, não se tratando de um caso de impossibilidade superveniente absoluta da celebração da escritura pública, não pode a inércia do promitente-comprador ser interpretada como uma conduta concludente, reveladora de uma deliberada e definitiva intenção de não cumprir a obrigação contratual de celebrar a escritura, não sendo subsumível o caso à situação do não cumprimento definitivo, não tendo, por outro lado, o promitente-vendedor demonstrado que perdeu o interesse na prestação, objectivamente, apreciado, nem procedido à interpelação admonitória do promitente-comprador.
III - A opção acordada entre as partes de que “em caso de não comparência da autora na escritura, na data que for designada pela ré, esta poderá declarar à autora, através de uma simples notificação, que houve por parte da mesma, incumprimento do contrato-promessa, com as devidas consequências legais”, não consubstancia uma situação de impossibilidade da prestação geradora da resolução do contrato, por pretensa equivalência a uma cláusula convencional resolutiva expressa que a consagrasse, porquanto o fundamento geral da resolução com justa causa traduz-se num facto susceptível de impedir a prossecução do fim de cooperação que o contrato se propõe.
IV - Da cláusula resolutiva expressa genérica do incumprimento, perante a não comparência da autora à escritura, independentemente da modalidade que este pudesse assumir, não pode, automaticamente, resultar a consequência da resolução do contrato.
V - Não permitindo a situação de mora verificada, por via de regra, fora das três hipóteses típicas legais, a imediata resolução do contrato, a menos que se transforme em incumprimento definitivo, carece de fundamento legal a declaração de resolução do contrato-promessa, levada a cabo por iniciativa unilateral do promitente-vendedor.
VI - Quando a declaração resolutória não preenche os respectivos pressupostos legais consubstancia uma resolução ilícita, a qual, muito embora fora dos parâmetros em que é admitida, não é inválida ou ineficaz, pelo que, mesmo injustificada, produz efeitos, ou seja, determina a cessação do vínculo, representando o incumprimento do contrato, com a consequente responsabilidade do seu autor pelo prejuízo causado à contraparte.
VII - E, sendo possível, física e legalmente, o cumprimento das prestações contratuais, mantendo ambas as partes, objectivamente, interesse na sua realização, sendo certo, outrossim, que a prestação a cargo do promitente-vendedor que resolveu, ilicitamente, o contrato, não é, excessivamente, onerosa para o mesmo, subsiste o contrato-promessa celebrado, entretanto, repristinado, de acordo com o princípio fundamental da reconstituição natural.”
29. Ainda no mesmo sentido, por unanimidade, decidiu-se assim no STJ, por douto acórdão de 18-12-2012:

I - O contrato promessa caracteriza-se especificamente pelo seu objecto (uma obrigação de contratar), a qual pode ser relativa a qualquer outro contrato, do qual será, pois, um contrato preliminar.
II - A resolução, depois das alterações introduzidas pelo DL n.º 379/86, de 11-11 – enquanto declaração unilateral recipienda ou receptícia pela qual uma das partes, dirigindo-se à outra põe termo ao negócio retroactivamente, destruindo assim a relação contratual – além de pressupor o incumprimento definitivo de uma prestação contratual, exige a gravidade da violação, não sendo esta apreciada em função da culpa do devedor, mas das consequências desse incumprimento para o credor.
III - A interpelação admonitória, necessária à conversão da mora em incumprimento definitivo, nos termos do art. 808.º, n.º 1, do CC, supõe que se fixe prazo suplementar, entendido como aquele que, fixado pelo credor, segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, aos usos correntes e aos ditames da boa - fé, permite ao devedor satisfazer, dentro dele, o seu dever de prestar.
IV - A procuração irrevogável e o negócio que lhe está subjacente não são negócios inextinguíveis: aquela pode ser revogada por mútuo acordo ou por justa causa (art. 265.º, n.º 3, do CC) e a resolução deste pode determinar a extinção da procuração.
V - As quantias entregues, ainda que correspondentes à totalidade do preço, presume-se constituir sinal, a menos que haja convenção expressa das partes.
VI - Não constitui abuso do direito a resolução do contrato promessa pelo vendedor quando – ainda que o promitente - comprador já haja pago a totalidade do preço e disponha de procuração irrevogável que lhe permite celebrar o contrato prometido –, havendo sido fixado o prazo para realização do contrato prometido o dia 23-11-1991 e feita interpelação admonitória a 27-01-2005, aquele persiste (por mais de 13 anos) em não marcar a escritura, como lhe incumbia.
30. Consequentemente, aquela carta datada de 26.05.2008, através da qual a ré comunicou à autora que considerava resolvido o contrato-promessa e a perda do sinal prestado, constitui uma resolução unilateral ilícita do contrato-promessa por parte da promitente-vendedora, não tendo essa resolução fundamento ou suporte legal (cfr. aquele acórdão do STJ de 08-05-2013).
31. O comportamento da autora ao não comparecer naquele local, data e hora para a outorga da escritura, quando lhe era impossível proceder ao pagamento do remanescente do preço da compra e venda, por facto que lhe era alheio (não tinha ainda conseguido vender o apartamento de Esposende e não tinha, por isso, obtido o dinheiro em falta para entregar aos réus), quando muito, poderia ser considerado mora no cumprimento do contrato-promessa, mas não constitui incumprimento definitivo.
32. O que importou ou gerou incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte dos réus foi aquela compra e venda celebrada entre os réus e E. M. e marido Alexandre, no dia 22 de Setembro de 2008, através da qual transmitiram para os referidos compradores, a propriedade do bem objeto do contrato-promessa. (cfr. o documento n.º 3).
33. Realmente, a transmissão da propriedade do prédio prometido vender dos réus para E. M. e marido Alexandre, colocou os réus numa situação definitiva de incumprimento do contrato-promessa, pois deixou de depender da vontade dos réus a celebração da compra e venda com a autora.
34. Com efeito, ao venderem a terceiros o bem objeto do contrato-promessa de compra e venda, os réus manifestaram o claro e inequívoco propósito de não mais cumprirem com a autora a prestação a que se obrigaram naquele contrato-promessa.
35. Consequentemente, assiste á autora o direito de resolver o contrato-promessa – o que ora e aqui faz através da presente ação -, e assiste-lhe também o direito de exigir dos réus a restituição, em dobro, do sinal prestado (cfr. art. 442.º do Cód. Civil).
36. Ora, como vimos, a autora entregou aos réus, de sinal e princípio de pagamento do preço da venda, o montante total de 65.000,00€. (cfr. os documentos 1 e 2).
37. Consequentemente, nos termos do art. 442.º do Cód. Civil, assiste á autora o direito de exigir dos réus o dobro do que prestou, ou seja, a restituição da quantia de 65.000,00€ prestada a título de sinal e uma indemnização no montante de 65.000,00€, correspondente a outro tanto do sinal dado.
38. Sem prescindir do supra alegado, dir-se-á ainda que, tendo os réus vendido a terceiros, o bem que tinham prometido vender á autora, e tendo os réus resolvido ilicitamente o contrato-promessa, a não declaração da ilicitude dessa resolução importaria o enriquecimento patrimonial dos réus no montante de 65.000,00€.
39. E, por sua vez, para a ré, isso importaria o seu empobrecimento patrimonial em 65.000,00€.
40. O referido enriquecimento dos réus seria feito á custa do correspondente empobrecimento da autora.
41. Pelo que, também por aqui, os réus devem ser obrigados a restituir á autora o montante de que ilicitamente se locupletaram e respetivos juros contados da data em que decidiram incumprir definitivamente o contrato-promessa.
42. A presente ação colhe fundamentos se direito do disposto nos artigos 410.º e seguintes do Cód. Civil, 442.º e 808.º do mesmo diploma legal.

NESTES TERMOS e nos mais de Direito deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e consequentemente, deve:

1. Julgar-se ilícita e de nenhum efeito a resolução do contrato-promessa operada pelos réus em 26-05- 2008, através da carta que remeteram nessa data á autora.
2. Julgar-se resolvido o contrato-promessa de compra e venda em causa nos autos, por incumprimento culposo e definitivo do mesmo por parte dos réus.
3. Condenar-se os réus no pagamento do sinal em dobro, no montante total de 130.000,00€ (= 65.000,00€ de sinal + 65.000,00€ de indemnização), acrescido de juros, contados á taxa anual e legal de 4%, desde a citação e até ao efetivo e integral pagamento.
Ou, se tais pedidos 2. e 3. não procederem, julgar-se que
4. Aquela resolução do contrato-promessa pelos réus foi ilícita e importou o enriquecimento ilícito dos réus em 65.000,00€ á custa do correspondente empobrecimento da autora.
5. Condenar-se os réus a restituir á autora a quantia de 65.000,00€ de que indevidamente se locupletaram á custa da autora, com juros, contados á taxa legal, desde 26-05-2008 (data da resolução) e até ao efetivo e integral pagamento.
6. Condenar-se os réus em despesas e custas processuais.” (conforme documento de fls. 140 a 164 e aqui se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos).
22. Nesse processo, por sentença datada de 4.02.2015, foi apreciada oficiosamente e julgada verificada a exceção de caso julgado, tendo os aí réus sido absolvidos da instância, conforme documento de fls. 165 a 175 e aqui se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.
23. A autora interpôs igualmente recurso de tal sentença, conforme documento de fls. 176 a 196 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.
24. Por acórdão de 11.02.2016, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou o recurso interposto pela autora improcedente e confirmou a sentença aludida em 20., constando do respetivo sumário o seguinte: “Verifica-se identidade de causa de pedir, para efeito da exceção de caso julgado, quando a parte repete em ação os mesmos fundamentos da ação anterior no que tange à culpa do incumprimento do contrato, mesmo que no processo anterior não tenham sido deduzidos todos os argumentos jurídicos” (conforme documento de fls. 197 a 210 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos).
25. A autora interpôs ainda recurso de revista, o qual foi rejeitado pelo Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento na dupla conformidade, por decisão proferida em 14.07.2016, conforme documentos de fls. 211 a 235 e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais e devidos efeitos.
26. Na data em que a ré Dr.ª M. R. instaurou a ação que correu termos sob o n.º 1114/08.4TBPTL, a mesma tinha conhecimento de que os promitentes vendedores tinham já vendido a terceiros, em 22.08.2008, o prédio urbano que havia sido prometido vender à autora através do contrato-promessa, tendo inclusive instruído a petição inicial com uma certidão predial de tal prédio da qual constava tal transmissão.
27. A 2ª ré teve conhecimento da sentença proferida naquela ação em 22.07.2013, data em que a mesma lhe foi notificada.
28. A 2ª ré comunicou à autora a decisão proferida no aludido processo em data não concretamente apurada.
29. A 2ª ré enviou à autora uma carta datada de 30.05.2014 a informar que o Tribunal da Relação de Guimarães não tinha concedido provimento ao recurso, conforme documento de fls. 402 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.
30. A 2ª ré é advogada de profissão, titular da cédula profissional nº 4537p, inscrita na Ordem dos Advogados à data da instauração daquela primeira ação e com a inscrição em vigor.
28. (2) À data dos factos, a 2ª ré tinha a sua responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da profissão, transferida para a ré seguradora, nos termos e com o âmbito de apólice de seguro de responsabilidade civil profissional nº …, cujo capital de cobertura era de € 150.000,000, estando fixada uma franquia de € 5.000,00 por sinistro, conforme documento de fls. 364 a 385 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.
29. A apólice de seguro de responsabilidade civil profissional referida em 28. (2) foi celebrada pela Ordem dos Advogados, enquanto Tomador do Seguro, tendo como beneficiários todos os Advogados com inscrição em vigor na mesma, com data de início de 1.01.2014.
30. De acordo com a al. a) do artigo 3º das Condições Particulares da referida apólice: “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação”.
*
*
FACTOS NÃO PROVADOS

Não resultou provado qualquer outro facto com interesse para a boa decisão da causa, designadamente que:

· A 2ª ré referiu à autora que a sua pretensão (instaurar ação cível contra os promitentes vendedores e obter destes o pagamento duma indemnização no montante de 130.000,00€, acrescido de juros contados da citação dos réus, por incumprimento do contrato-promessa) tinha viabilidade;
· A autora estava ciente de ter incumprido o contrato;
· A autora sempre manifestou à 2ª ré que apenas pretendia a devolução do sinal;
· A ação intentada pela 2ª ré foi apenas um meio para levar os promitentes vendedores a um acordo que minimizasse a perda do sinal.
*
*

IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
*
A) Da nulidade da sentença por a sua fundamentação estar em oposição com a decisão


De acordo com o disposto na al. c), do n.º 1, do citado art. 615º, do C. P. Civil, a sentença será nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

Quanto à hipótese de contradição entre os fundamentos e a decisão, ela bem se compreende, pois que os fundamentos de facto e de direito, que fundamentam ou justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do denominado silogismo judiciário. Trata-se, pois, de a conclusão decisória decorrer logicamente das respetivas premissas argumentativas.

Assim sendo, existirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença quando os seus fundamentos conduzam logicamente a conclusão oposta ou diferente da que no mesmo resulta enunciada.

A propósito da nulidade de que ora curamos, de forma clara, refere Antunes Varela, em comentário ao preceituado no art. 668º, n.º 1, al. c), do pretérito CPC – correspondente ao atual art. 615º, n.º 1, al. c) do NCPC –, o que está em causa refere-se à “contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.” (sublinhámos).

No fundo, trata-se de “um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.(1)
Trata-se, pois, de um vício lógico, de uma contradição lógica entre a fundamentação convocada e o sentido decisório.

A fundamentação aponta, de forma inequívoca, no sentido da procedência da causa e a decisão é a oposta – improcedência da causa –, a fundamentação aponta no sentido da improcedência da causa e a decisão é a oposta – procedência – ou, ainda, a fundamentação aponta num determinado sentido decisório e este último acaba por seguir direção oposta ou contraditória. Tratar-se-á de um vício ostensivo para um leitor minimamente diligente e sagaz em face do conteúdo do ato jurisdicional proferido (despacho/sentença/acórdão) e a respetiva parte decisória final.

Em suma, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis, “quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a compromete. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. Como pode considerar-se justificada uma decisão que colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia?”. E acrescenta ainda o mesmo autor que há contradição entre os fundamentos e a decisão “quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”. (2)

Feitas estas considerações e compulsada a sentença recorrida resulta, a nosso ver, evidente que não ocorre a alegada contradição, pois que a argumentação de facto e de direito nela convocada, sem prejuízo de a apelante discordar da sua interpretação ou da sua aplicação, só podia conduzir à decisão que foi proferida no sentido da improcedência da ação.

Naturalmente, o recorrente pode discordar da factualidade que o tribunal a quo considerou relevante para a decisão tomada, como pode sustentar que o mesmo tribunal deveria ter considerado outra factualidade, ou, ainda, que houve erro na interpretação ou valoração da prova produzida e de subsunção jurídica aos factos apurados.

Todavia, uma tal argumentação não consubstancia uma qualquer contradição lógica entre os fundamentos de facto e de direito considerados pelo tribunal a quo e, igualmente, qualquer ambiguidade ou obscuridade da sentença recorrida, mas, quando muito, um erro de julgamento («error in iudicando»), que interfere, não com a conformidade lógico-formal da decisão em crise, mas com o seu mérito.

Por conseguinte, a questão suscitada pela apelante não contende, pois, com a nulidade da sentença recorrida, enquanto vício ou erro formal ou de procedimento, mas com a sua fundamentação fáctico-jurídica.

Improcede, pois, a apelação da recorrente neste particular.
*
B) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A questão que importa agora dirimir refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida.
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação.

Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “ (…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” (sublinhado nosso).

Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto.
Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida).
Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.

Assim, como salienta Abrantes Geraldes (3), o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto”. (4)

Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior.
Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos. (5)

Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir.

No caso em apreço, a recorrente cumprindo, no essencial, os apontados requisitos formais, pretende a alteração da factualidade dada como assente, aditando-se aos factos provados, a seguinte factualidade:

Se a 2.ª ré, na ação que seguiu termos com o Proc. n.º 1114/08.4TBPTL, tivesse fundamentado a resolução do contrato-promessa e o pedido de indemnização no montante de € 130.000,00, nessa venda da casa de habitação a terceiros, o extinto Tribunal Judicial de Ponte de Lima, na sua decisão de facto, teria julgado provado que em 22.09.2008, os promitentes vendedores, M. M. e marido Manuel, no Cartório Notarial do Notário Dr. R., em Ponte de Lima, outorgaram a escritura pública de compra e venda, exarada no Livro …, a fls. 11 e seguintes, através da qual declararam vender a E. M. e marido Alexandre, que declararam comprar, o prédio objeto do referido contrato-promessa”.
“Se a 2.ª ré, na ação que seguiu termos com o Proc. n.º 1114/08.4TBPTL, tivesse fundamentado a resolução do contrato-promessa e o pedido de indemnização no montante de € 130.000,00, nessa venda da casa de habitação a terceiros, com o aditamento dessa venda a terceiros da casa prometida vender ao elenco dos Factos Provados naquela ação que seguiu termos com o Proc. 1114/08.4TBPTL, era real, séria e considerável e/ou não desprezível a probabilidade do então Tribunal Judicial de Ponte de Lima julgar procedente aquela ação.”

A apelante defende, no essencial, que a prova de tais factos decorre da livre apreciação, análise e interpretação dos seguintes documentos:

a. Art. 59.º da petição inicial da ação que seguiu termos com o Proc. n.º 1114/08.4TBPTL (cfr. ponto 15. dos Factos Provados).
b. Da força probatória do documento 12 constituído pela certidão da referida escritura pública de compra e venda (cfr. pontos 15 e 16 dos Factos Provados);
c. Da sentença proferida naquela ação que seguiu termos com o Proc. n.º 1114/08.4TBPTL, em especial do teor da Nota de Rodapé 2 (cfr. ponto 16. dos Factos Provados).

Afigura-se-nos, porém, que a invocada matéria que a apelante pretende ver aditada trata-se de matéria claramente conclusiva, a retirar eventualmente dos factos já dados como provados, conforme, aliás, é salientado pela própria recorrente, quando se refere, neste particular, aos factos, já dados como provados, sob nºs 15 e 16.

Ademais, a referida nota de rodapé (n.º 2) traduz-se inclusivamente numa passagem da fundamentação jurídica defendida na decisão proferida naquele processo n.º 1114/08.4TBPTL.

Nesta medida, não podia o tribunal a quo – tal como também não pode este tribunal ad quem – dar como demonstrada tal matéria de caráter unicamente conclusivo, a extrair eventualmente dos demais factos provados (cfr. teor da referida petição inicial e do indicado doc. 12) e a avaliar em sede de decisão de mérito sobre a questão em apreço.

Por outro lado, não pode a autora pretender levar para a matéria de facto assente o seu próprio raciocínio jurídico com que funda a causa de pedir inerente à presente ação.

Deverá pois, soçobrar a pretensão da recorrente, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
*
C) Da nova fundamentação de direito

Aqui chegados, cumpre nesta fase avaliar se o tribunal a quo cuidou de efetuar uma correta subsunção jurídica à factualidade apurada.

Desde logo, o tribunal a quo enquadrou corretamente a causa de pedir com que a autora fundamenta a sua pretensão, designadamente afirmando:

Nos presentes autos, a autora alicerça a sua pretensão indemnizatória na actuação alegadamente ilícita e culposa da 2ª ré, no exercício da sua actividade de advogada e na qualidade de patrona oficiosa.

Com efeito, defende a autora que não tendo a ré advogada, a qual foi nomeada patrona oficiosa no processo nº 1114/08.4TBPTL, fundado a acção na venda a terceiro do bem prédio objecto do contrato promessa celebrado com os aí réus, obstou, ilícita e culposamente, à perda de chance de vencer a respectiva acção, verificando-se, portanto, o nexo de causalidade adequada entre essa conduta omissiva e o dano da perda da acção.

Vejamos então.
A evolução socioeconómica e cultural da sociedade em geral, mormente no sentido de maior bem estar e melhor acesso aos meios de educação e jurisdicionais, elevando o nível geral da população, torna-a mais consciente dos seus direitos estando, pois, mais predisposta na reparação dos prejuízos que sofre resultantes da violação dos seus direitos.
A responsabilidade profissional do advogado (nos seus aspetos penal e civil) é um dos fenómenos que ilustram esta súbita tomada de consciência do cidadão em geral sobre a ressarcibilidade de danos e prejuízos provenientes de atividades liberais que antes se supunha escaparem ao controlo da justiça.
Desta feita, é aceite sem discussão e sem quaisquer restrições a tese da admissibilidade da responsabilidade profissional do advogado nos termos gerais, entendendo-se que deve ser responsabilizado o advogado quando no exercício da sua profissão não tenha procedido de modo correto, mormente por não ter atuado com zelo, cuidado e cautela exigíveis ao caso concreto e, por via disso, cause dano a outrem.
Por conseguinte, para além da responsabilidade penal e/ou disciplinar a que a conduta de um advogado pode dar lugar, a responsabilidade que ora nos ocupa é sobretudo a responsabilidade civil, que ocorre quando o advogado com a prática de atos específicos do exercício da sua atividade liberal ou profissão causa dano a outrem, de tal modo que o constitua, face à lei civil, na obrigação de reparar esse dano.
Tal responsabilidade supõe necessariamente o dano, ou seja os prejuízos que a conduta do advogado deu origem na esfera jurídica do mandante, e a culpa, entendida esta, não tanto por não ter logrado obter o vencimento da ação ou da contestação e/ou da reconvenção – tanto mais que a obrigação a que o advogado está vinculado não é, em princípio, uma “obrigação de resultado”, mas antes uma “obrigação de meios” –, mas antes por não se ter usado o instrumental conhecimento, o esforço técnico, que se pode esperar ou que seria de esperar de qualquer advogado numa certa época e lugar.
Por último, tal responsabilidade supõe igualmente a verificação de um nexo de causalidade entre o dano sofrido e o comportamento adotado pelo advogado.

A responsabilidade civil nasce geralmente da prática de um ato ilícito que pode consistir na falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei ou na violação de direitos absolutos, designando-se aquela primeira como responsabilidade civil contratual e esta última como responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana. (6)
A responsabilidade civil contratual nasce do não cumprimento de uma prestação emergente de uma relação obrigacional (designadamente contrato) e pressupõe a existência de um vínculo já constituído entre os sujeitos – o que provoca e o que sofre o prejuízo (o dano) – havendo, deste modo, uma simples modificação do objeto da prestação a que se vinculara um desses sujeitos, ao dever de prestar, correspondente ao cumprimento da obrigação, substitui-se o dever de indemnizar correspondente ao seu não-cumprimento.
Diversamente, a responsabilidade extracontratual ou aquiliana não pressupõe a preexistência de qualquer vínculo entre os sujeitos, nascendo a obrigação de indemnizar, em regra, da violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios, ou de um direito substantivo.
A própria lei, na sua sistematização, trata estas duas formas de responsabilidade civil em lugares distintos – arts. 483º e segs. do C. Civil quanto à responsabilidade extracontratual ou aquiliana e arts. 798º e segs. do C. Civil, juntamente com o não cumprimento, quanto à responsabilidade civil contratual, muito embora uma série de problemas comuns às duas formas de responsabilidade, tenham sido conjuntamente tratadas a propósito do regime de obrigação de indemnizar a que ambas dão lugar.
A responsabilidade civil assume, pois, a forma contratual quando resulta do facto ilícito que é a violação de uma obrigação emergente de uma relação negocial, designadamente contratual, ou seja, do não cumprimento da obrigação assumida, o que no caso do contrato, traduz-se no não cumprimento desse contrato.
No caso em apreço, temos como demonstrado que a autora, em 12.06.2008, requereu perante o Centro Distrital da Segurança Social (processo n.º …/2008), a concessão de proteção jurídica, com dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono (cfr. doc. de fls. 76 a 78).
Na sequência de tal requerimento, a 2ª ré, pelas 10:38 horas, do dia 6.10.2008, recebeu uma comunicação eletrónica da Ordem dos Advogados, remetida por “notificacoes.aj@cg.oa.pt”, a comunicar-lhe que “nos termos e para os efeitos na Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais”, foi nomeada patrona da autora, destinando-se o apoio judiciário concedido à instauração da pretendida ação cível (cfr. doc. de fls. 79).
Uma vez conhecida tal nomeação, a autora dirigiu-se ao escritório da 2ª ré, então sito em Esposende, a fim de lhe transmitir os factos relativos ao supra referido contrato-promessa, de lhe entregar os documentos que tinha na sua posse e de lhe transmitir os demais factos e elementos necessários à instauração da ação cível.
E no dia 05.12.2008, a 2ª ré, no âmbito da proteção jurídica concedida à autora, na qualidade de patrona/advogada da autora, instaurou contra os referidos promitentes vendedores, M. M. e marido Manuel, no Tribunal Judicial de Ponte de Lima, a ação de processo comum sob a forma ordinária que correu termos com o processo n.º 1114/08.4TBPTL.

Independentemente de não estarmos concretamente perante um “contrato de mandato” (cfr. art. 1157º, do C. Civil), celebrado entre a autora e a 2º ré, não poderemos deixar de concluir que a 2ª ré estava adstrita a deveres e obrigações semelhantes às que incidem sobre o mandatário forense, pois que foi nomeada exatamente para patrocinar a autora (cfr. art. 16º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 34/2004, de 29.07), no âmbito de uma ação judicial, neste caso a propor pela patrocinada. (7)
Como antes expresso no art. 1336º do Código de Seabra (Código Civil de 1867), o encargo de confiança que o mandato representa constitui o mandatário na obrigação de dedicar toda a diligência e cuidado ao bom desempenho do mandato, recorrendo a todos os meios (“obrigação de meios”) para o bom desempenho da sua missão. (8)
Exige-se-lhe que, à semelhança do que dispõe o art. 1710º, do C. Civil italiano, exerça o mandato tendo por base a “diligência de um bom pai de família.(9)
No fundo, muito embora não estejamos perante uma “obrigação de resultado”, pois o advogado não pode garantir ao mandante o sucesso da ação, é-lhe exigível, na execução do mandato, os meios proficientes de o desempenhar.
Ricardo Lucas Ribeiro (10) define “as obrigações de resultado como sendo aquelas, em virtude das quais o devedor fica adstrito, em benefício do credor, à produção de um certo efeito útil, que actua satisfatoriamente o interesse creditório final ou primário, isto é, o interesse que em último termo o credor se propõe a alcançar”; já nas obrigações de meios “o devedor se obriga apenas a desenvolver uma actividade ou conduta diligente em direcção ao resultado final (realização do interesse primário do credor), mas sem assegurar que o mesmo se produza”.
Sendo assim, o mandato forense integra uma obrigação de meios (ou de diligência) já que o mandatário apenas se obriga a desenvolver uma atividade direcionada para uma solução jurídico-legal, pondo ao serviço do mandante (no nosso caso da autora patrocinada) todo o seu zelo, saber e conhecimentos técnicos, mas não garantindo qualquer desfecho da controvérsia que lhe é posta. (11)
Como é igualmente afirmado pelo Ac. do STJ de 04.12.2012 (12)no exercício do patrocínio forense, o advogado não se obriga a obter ganho da causa, mas a utilizar, com diligência e cuidado, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender, tão bem e adequadamente quanto possível, vale dizer, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as “leges artes”, os interesses do respectivo mandante. Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de competência (saber e experiência) e diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços.(13)
Todavia, estando em causa um mandato (ou patrocínio judiciário) conferido a um advogado, não basta a este a diligência do homem médio, como comportamento padrão ficcionado pela lei (cfr. art. 487º, n.º 2, do C. Civil), onde aqui a culpa é apreciada “in abstracto” (“bonus pater famílias” ou “reasonable man”) e se apela para o paradigma de conduta que teria uma pessoa medianamente cuidadosa.
Se, porém, o que está em causa é a conduta de um profissional de certa arte, a diligência exigível terá de encontrar-se no modo como investigou, atualizou, adequou e aplicou os conhecimentos da sua especialidade, exigindo-se um muito maior rigor do que se espera de um homem médio.

Sendo assim, caso estejamos perante um profissional a quem é imposto um muito maior rigor na investigação, atualização, adequação e aplicação dos conhecimentos da sua especialidade – como é o caso do advogado no exercício das suas habituais funções profissionais forenses – exige-se-lhe que atue de forma muito mais rigorosa do que se espera de um cidadão médio ou comum. (14)

Neste âmbito, iremos ainda chamar à colação algumas normas que, no caso, revelam do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 15/2005, de 16.01, vigente aquando do essencial dos factos que se discutem nesta lide (atualmente seria a Lei n.º 145/2015, de 09.09).
Assim, de acordo com o disposto no art. 83º, n.º 1, do EOA (naquela versão anterior à entrada em vigor da Lei n.º 145/2015), “o advogado (…) deve ter um comportamento público e profissional adequado á dignidade e responsabilidade da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.
Estando obrigado nas “relações com o cliente”, nos termos preceituados no art. 95º, n.º 1, do anterior EOA, designadamente das als. a) e b) a:

a) Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas (…);
b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e atividade.
Também de acordo com o Código Deontológico (aprovado em sessão do Conselho Geral em 15.09.1989), o advogado tem o dever de atuar da forma que mais conveniente for para defesa dos interesses do seu cliente (2.7), de aconselhar e defender o seu cliente com prontidão, consciência e diligência e assume responsabilidade pessoal pelo desempenho da missão que lhe foi confiada (3.1.2.).
A deontologia profissional é o conjunto de deveres, princípios e normas que regulamentam o comportamento público e profissional dos advogados que, na execução do acordado com o cliente, devem praticar, reciprocamente, a lealdade e a confiança, sob pena de colocarem em crise a relação jurídica criada, agindo segundo as exigências das “leges artis”, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos, então, existentes, de acordo com o dever objetivo de cuidado, sendo certo que “devem agir com total independência e autonomia técnica e de forma isenta e responsável, encontrando-se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão”, conforme emerge do estabelecido pelo artigo 12º, n.º 3, da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26.08) – anteriormente art. 6º, n.º 2, da LOFTJ.

A autora, no fundo, defende que a 2ª ré, naquela ação que seguiu termos com o n.º 1114/08.4TBPTL, não fundamentou a resolução do articulado contrato-promessa e o correspondente pedido de indemnização no montante de € 130.000,00 (dobro do sinal), na posterior venda do prédio prometido vender realizada pelos então promitentes vendedores a terceiros.
Para daí concluir que, caso tivesse fundamentado a resolução do contrato-promessa com aquele fundamento, resultando a aludida venda a terceiros dos factos provados, então era real, séria e não desprezível a probabilidade do então Tribunal Judicial de Ponte Lima julgar procedente a ação.

Como já vimos, nas “obrigações de meios” não tendo sido alcançado o resultado devido e que fora previsto, não é suficiente que o credor prove a não obtenção do efeito previsto com a prestação, para se considerar demonstrado o não cumprimento, não bastando alegar a perda da ação para que o advogado que patrocinou a causa se considere em falta. É igualmente, necessário provar sempre o facto ilícito do não cumprimento, uma concreta ilicitude da falta de cumprimento, que o advogado não realizou os atos em que, normalmente, se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão, ou seja, “que os meios não foram empregues pelo devedor ou que a diligência prometida com vista a um resultado não foi observada.(15)
Assim sendo, demonstrando o credor que o meio, contratualmente, exigível não foi empregue pelo devedor ou que a diligência requerida, de acordo com as regras da arte, foi omitida, competirá ao devedor provar que não foi por sua culpa que não utilizou o meio devido, ou que omitiu a diligência exigível (cfr. arts. 798º, 799º, n.º 1 e 342º, n.º 2, do C. Civil).

A sentença recorrida analisando esta questão, ainda que no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, acabou por concluir que, de facto, a 2ª ré, naquela ação que intentou, em nome e no interesse da sua patrocinada, não obstante ter alegado na petição inicial a dita venda a terceiros do prédio prometido vender a terceiros (juntando igualmente documentos demonstrativos de tal factualidade), não cuidou de esgrimir todos os argumentos jurídicos que vieram a ser evocados na segunda ação proposta pela autora.

Esclarecendo, o tribunal a quo fez igualmente constar que:

Na verdade, a 2ª ré não invocou de forma expressa que a autora, apesar de não ter comparecido no cartório notarial para realizar a escritura pública de compra e venda, apenas se encontrava em mora e que, nessa medida, a resolução do contrato promessa efectuada pela promitente vendedora era ilícita.
Ora, a apreciação de tais questões era indispensável para o tribunal poder chegar à conclusão de que a venda a terceiro constituía incumprimento do contrato promessa. Isto porque a venda a terceiro só se tornaria relevante caso se pudesse concluir previamente que a resolução do contrato efectuada em data anterior não tinha fundamento legal.
De acordo com o disposto no art.º 467º, nº 1, al. d), do CPC 95/96, em vigor à data dos factos, o autor, na petição inicial, deve não só expor os factos, como indicar as razões de direito que servem de fundamento à ação.
Deste modo, a falta de invocação dos argumentos jurídicos constituiu, a nosso ver, uma omissão, ético-juridicamente, censurável do normal exercício do patrocínio judiciário.
Para, em seguida, concluir que se mostram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, mais concretamente o facto voluntário, a culpa e a ilicitude. A idêntica conclusão também chegaríamos por via do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil contratual.
No fundo, na sentença recorrida aceitou-se – tal como também não é posto em causa pelas partes nesta fase – que a 2ª ré incorreu em omissão ilícita e culposa do cumprimento do meio diligente e adequado que lhe era exigível, de acordo as regras estatutárias e deontológicas da profissão de advogado.
Aqui chegados, importaria, pois, analisar o preenchimento dos demais requisitos da responsabilidade civil.
O dever de indemnizar com base em responsabilidade civil por factos ilícitos (cfr. art. 483º, n.º 1, do C. Civil), tanto no campo da responsabilidade contratual como da responsabilidade extracontratual ou delitual, pressupõe, de um modo geral, a verificação conjunta dos seguintes requisitos: a) o facto; b) a ilicitude; c) imputação do facto ao lesante, a título de dolo ou negligência; d) o dano; e e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano. (16)
Assim, no domínio da responsabilidade contratual a ilicitude de um facto danoso resulta da desconformidade entre o comportamento devido pelo seu autor (a prestação debitória) e o comportamento observado; daí também chamarem-lhe responsabilidade negocial ou obrigacional. A este tipo de responsabilidade subjaz uma relação intersubjetiva entre lesante e lesado e um desvio unilateral e por vezes bilateral do modo como aquela se devia processar, geralmente já na vigência do contrato.
Não havendo, em termos de regulamentação, uma compartimentação rigorosa entre os vários tipos de responsabilidade civil previstos na lei – já que os preceitos da responsabilidade civil extracontratual podem ter aplicação em certos aspetos da responsabilidade contratual – certo é que, nesta última, estão em causa particularmente os normativos legais dos artigos 798º e segs. do C. Civil.
Contudo, já em matéria de obrigação de indemnizar o Código trata estes dois tipos de responsabilidade de forma unitária, de harmonia com o disposto nos artigos 562º e segs. do C. Civil. (17)

Assim, um dos pressupostos que condicionam, no caso da responsabilidade civil por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante, consiste no nexo de causalidade entre o facto e o dano, pois que só quanto aos “danos resultantes da violação”, a lei impõe a obrigação de indemnização.
A propósito do nexo de causalidade, a lei concretizou, no art. 563º, do C. Civil que: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
De facto, nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito estão incluídos na responsabilidade do agente, mas apenas os que resultam do facto constitutivo da responsabilidade, na medida em que se exige entre o facto e o dano indemnizável “[u]m nexo mais apertado do que a simples coincidência ou sucessão cronológica(18); no fundo, “[o]s que ele tenha na realidade ocasionado, os que possam considerar-se pelo mesmo produzidos, pelo que o nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha, consequentemente, a dupla função de pressuposto da responsabilidade e de medida da obrigação de indemnizar”. (19)
Para que se possa reclamar o ressarcimento de certo dano, é necessário, mas não suficiente, que o ato seja condição dele, porquanto se exige, igualmente, que o mesmo, provavelmente, não teria acontecido se não fosse a lesão, o que reconduz a questão da causalidade a uma questão de probabilidade, sendo, então, causa adequada aquela que, agravando o risco de produção do prejuízo, o torna mais provável (20); e não aquela que, de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para o produzir, mas que só aconteceu devido a uma circunstância extraordinária. (21)
Assim, o ordenamento jurídico nacional consagra a doutrina da “causalidade adequada”, ou da imputação normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognose póstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuído ao agente como coisa sua, produzida por ele.
Trata-se da formulação negativa desta teoria, porquanto não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha, só por si, determinado o dano, aceitando que na sua produção possam ter intervindo outros factos concomitantes ou posteriores, não sendo qualquer relação fenomenológica ou, antes, ôntico-naturalística, embora condição próxima da produção de um resultado danoso (causal) entre dois fenómenos, que releva para efeitos da teoria da causalidade adequada, mas antes aquela condição que for determinante, no plano jurídico, isto é, entre um comportamento, juridicamente, censurável, e o resultado danoso. (22)

Ora, no caso em apreço, não obstante a conduta da 2ª ré, em não esgrimir convenientemente todos os argumentos jurídicos que tinham ao seu alcance na dita ação, não podemos concluir que, não fosse o comportamento da 2ª ré, a autora teria garantida o vencimento daquela ação.

Por assim dizer, apenas poderemos considerar que existe nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita e culposa da 2ª ré e a impossibilidade para a autora em ver discutida e apreciada judicialmente todos os argumentos jurídicos que eventualmente teria ao seu dispor para fundamentar a indemnização por incumprimento definitivo do aludido contrato-promessa pelos promitentes vendedores. Já não se verifica nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita e culposa da 2ª ré e a não atribuição para a autora da dita indemnização peticionada, por via do total vencimento da ação.

Porém, tal como é afirmado no Ac. do STJ de 05.02.2013 (23)[t]al não pode conduzir, irremediavelmente, à irresponsabilização do profissional que violou, nas circunstâncias apontadas, os seus deveres para com o cliente, sob pena de tal implicar, intoleravelmente, a existência de muitas infracções, sem sanção suficiente, com a consequente dificuldade de responsabilizar o advogado perante o cliente, por incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato”.
É então aqui que entra a tutela do dano conhecido por “perda de chance” ou perda de oportunidade, que ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a “chance” de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo.
A “perda de chance” tem vindo a ser apreciada na doutrina por diversos autores, designadamente por Carneiro da Frada (obra já citada Direito Civil, Responsabilidade Civil, O Método do Caso), Júlio Gomes (Direito e Justiça, Vol. XIX, 2002, II), Paulo Mota Pinto (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I), Armando Braga (A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual), Rute Pedro (A Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões sobre a noção da perda de chance e a tutela do doente lesado), Luís Medina Alcoz (La Teoria de la Perdida de Oportunidad – Estudio Doctrinal y Jurisprudencial de Derecho de Danos Público y Privado).
Também na jurisprudência a mesma tem vindo a ser acolhida. (24)

No já citado Ac. do STJ de 29.04.2010, depois de se ter concluído que “os Autores/recorridos não conseguiram provar lesão patrimonial que, provavelmente, e de acordo com o curso normal das coisas, não teriam sofrido se o recurso tivesse sido alegado e julgado”, ponderou-se: “Não foi, por isso, demonstrada a causalidade entre a conduta do recorrente e um dano material concreto e determinado (…).
Só poderia ficcionar-se o dano patrimonial através da figura de perda de chance mas tal implicaria conferir à indemnização uma função punitiva, que não meramente reparatória, esta a exigir a alegação e prova de um dano emergente ou de um lucro cessante que não se apurou em concreto (…).
De concluir agora que a mera perda de chance irreleva para efeitos indemnizatórios por, só por si, não se enquadrar no princípio da causalidade adequada, e a indemnização não ter como regra, função punitiva.
Só será de atender se demonstrado, nas instâncias, nexo de causalidade naturalístico e daí ser possível inferir pela normalidade, probabilidade e adequação da verificação do dano como resultado da conduta, em regra omissiva, do devedor.
Não pode, em consequência, perfilar-se qualquer dano patrimonial – mediato ou imediato – indemnizável, à excepção da provisão para o recurso entregue pelos Autores e que o Réu terá de restituir (…).
Contudo, no que se refere aos danos não patrimoniais decidiu-se nesse aresto ser devida indemnização por ter ficado provado que os autores tinham manifestado a vontade de recorrerem e que o comportamento do seu advogado ao não ter alegado o recurso, lhes causou sofrimento atendível merecedor de ressarcimento.

No Ac. do STJ de 10.03.2011 (25) decidiu-se fixar indemnização, com recurso à equidade nos termos dos arts. 4º e 566º, n.º 3, do C. Civil, por danos patrimoniais e não patrimoniais depois de se ter equacionado:

[s]eria absurdo fazer derivar necessariamente da “frustração da chance” a concretização da hipótese favorável ao demandante e isto porque estamos perante um acontecimento com um cariz aleatório. A indemnização deverá pois fundamentalmente equacionar-se em termos de causalidade adequada de molde a que só seja ressarcível o prejuízo que se possa filiar concretamente numa omissão grave. As probabilidades perdidas não têm todas o mesmo grau de concretização e a valoração da respectiva perda para efeitos ressarcitórios é, na maior parte dos casos, um escopo difícil; é por isso que não falta quem sustente pura e simplesmente a não atribuição, nestas hipóteses de qualquer indemnização. Mas considerando que nestas circunstâncias a fixação da indemnização total ou a sua recusa pura e simples não satisfazem o escopo da justiça material, bem como o cariz pouco convincente das construções jurídicas erigidas com vista a procurar dar uma resposta a esta problemática, não nos repugna à partida um meio-termo que considere de algum modo “a chance” como um valor a ponderar equitativamente em termos indemnizatórios, mau grado sem a preocupação excessiva de filiar nela o ressarcimento do “interesse negativo” ligado à omissão do comportamento adequado por parte do mandatário judicial. Claro que mesmo aqui perfilhamos a opinião dos que defendem que a “perda de chance” só poderá ser valorada em termos de uma “possibilidade real” de êxito que se frustrou.
A “chance”, quando credível, é portadora de um valor de per si, sendo a respectiva perda passível de indemnização, nomeadamente quanto à frustração das expectativas que fundadamente nela se filiaram”. (sublinhámos)
Também no Ac. do STJ de 05.02.2013 (já citado), foi acolhida a tese do dano de “perda de chance” e diz que este “deve ser avaliado, em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório, atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.
Por outro lado, uma vez que o dano que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que é, ainda, um dano certo, embora distinto daquele, pois que a chance foi, irremediavelmente, afastada por causa do acto do lesante, inexiste violação das regras gerais da responsabilidade civil que vigoram no nosso ordenamento jurídico, devendo a indemnização reflectir essa diferença, cuja expressão é dada pela repercussão do grau de probabilidade no montante da indemnização a atribuir ao lesado.
Assim sendo, a reparação da perda de uma chance deve ser medida, em relação à chance perdida, e não pode ser igual à vantagem que se procurava.
Consequentemente, a indemnização não pode ser nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final, devendo, assim, corresponder ao valor da chance perdida.
Para tanto, importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realizar a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em regra, traduzido num valor percentual.

Uma vez obtidos tais valores, aplica-se o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado de tal operação o valor da indemnização a atribuir pela perda da chance”.
Independentemente, da forma como chegamos à respetiva indemnização, somos da opinião que a “perda de chance” ou perda de oportunidade deve ser valorada como um dano autónomo e indemnizada segundo um julgamento de equidade, desde que seja possível formar a convicção de que a conduta negligente do mandatário judicial (ou patrono oficioso) frustrou uma séria probabilidade de êxito da pretensão ou da defesa do seu cliente (ou patrocinado).

Tal como é defendido no Ac. STJ de 01.07.2014 (já citado) “importa apreciar a conduta do lesante, não a ligando ferreamente ao nexo de causalidade – sem que tal afirmação valha como desconsideração absoluta desse requisito da responsabilidade civil –, mas, antes, introduzir como requisito caracterizador dessa autonomia que se possa afirmar que o lesado tinha uma chance, uma probabilidade, séria, real, de, não fora a actuação que lesou essa chance, obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse e/ou que a actuação omitida se o não tivesse sido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão danoso como o que ocorreu. Há perda de chance quando se perde um proveito futuro, ou se não se evita uma desvantagem por actuação imputável a terceiro.
Estando em causa uma obrigação de meios e não de resultado, a omissão da diligência postulada por essa obrigação evidencia, de forma mais clara, que a perda de chance se deve colocar mais no campo da causalidade e não do dano, devendo ponderar-se se a omissão das leges artis foi determinante para a perda de chance sendo esta real, séria e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo, provavelmente capaz de proporcionar a vantagem que o lesado prosseguia.

No caso de perda de chance não se visa indemnizar a perda do resultado querido mas antes a da oportunidade perdida, como um direito em si mesmo violado por uma conduta que pode ser omissiva ou comissiva; não se trata de indemnizar lucros cessantes ao abrigo da teoria da diferença, não se atendendo à vantagem final esperada.” (sublinhado nosso)

Por último, salientando mais uma vez o defendido no referido Ac. STJ de 05.02.2013, esclarece-se que:

Sendo a vitória judicial, sempre de natureza incerta, e tendo toda a causa um resultado aleatório, o autor não pode afirmar que a acção judicial, onde ocorreu semelhante omissão do seu mandatário, teria sido, sem ela, julgada, total ou parcialmente, procedente, muito embora com a mesma haja ficado, irremediavelmente, comprometida e, através dela, a obtenção do benefício subordinado que se mostrava inerente ao êxito do procedimento judicial.
Trata-se de uma situação em que não se pode afirmar, com absoluta segurança, que o conteúdo da decisão judicial teria sido distinto, caso não tivesse interferido o aludido facto ilícito, nomeadamente, porque tal dependia ainda do modo como o juiz aprecia determinados factos, interpreta as normas jurídicas pertinentes e procede à subsunção daquela factualidade ao Direito aplicável, mas em que já se sabe, por outro lado, com certeza suficiente, que a vítima perdeu uma oportunidade de obter essa decisão favorável.
Porém, este «juízo dentro do juízo» é, de facto, essencial, quer na determinação da existência de uma “chance” séria de vitória no processo, quer, posteriormente, na fixação do “quantum” indemnizatório correspondente.
(…) Considerando que a oportunidade perdida deve ser avaliada, o mais possível, com referência ao caso concreto, o juiz está obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo, segundo o prisma de avaliação do juiz da acção “falhada”, por ser aquele que mais se coaduna com a noção de «perda de chance».
Não se ignora que o cálculo da probabilidade de vitória na acção “falhada” será mais ou menos dificultado, consoante o tipo de acto ilícito em causa, sendo mais fácil nos casos em que, por exemplo, o advogado não interpôs recurso da decisão proferida, em primeira instância, deixando que a mesma transitasse em julgado e, ao invés, mais complexo quando o advogado não propôs a acção, prescrevendo, entretanto, o direito, não a contestou, ou não apresentou, tempestivamente, o requerimento probatório, porquanto, nesta última situação, a sorte da acção “falhada”, caso não tivesse ocorrido o acto faltoso, dependeria, em muito maior grau, do julgamento da matéria de facto, mais difícil de prever, sendo certo ainda que não será fácil replicar na acção de responsabilidade civil movida contra o advogado o julgamento que ocorreria naquela outra acção, e, desde logo, porque uma das partes da acção “falhada” não é, igualmente, parte na acção de responsabilidade civil, pelo que, em regra, poderá faltar, nesta última, todo o “apport” que por aquela parte seria levado para a “acção falhada”, mormente, ao nível dos meios probatórios, sendo, pois, mais difícil prever qual seria o desfecho da mesma.” (26) (sublinhámos)

No caso em apreço nos autos, o dano (final) para a recorrente traduziu-se na improcedência da ação proposta em que pedia uma indemnização no valor de € 130.000,00.
Neste particular, já temos como assente que a 2ª ré não cuidou de invocar argumentos jurídicos relevantes para a procedência da mesma ação.
O fundamento que a autora recorrente invoca em sede de recurso traduz-se essencialmente na ausência do pedido de resolução do articulado contrato-promessa com fundamento no incumprimento definitivo resultante da venda a terceiros do prédio prometido vender por parte dos promitentes vendedores, os quais conjugados com os restantes factos provados dariam lugar ao vencimento da ação proposta pela autora.
Não partilhamos, porém, desta posição.
Desde logo, note-se que a fundamentação jurídica que é realizada na sentença recorrida prende-se com o aludido prazo fixado para a realização da escritura definitiva, circunstância esta cuja verificação é anterior àquela citada venda a terceiros do prédio objeto do contrato.
Na realidade, tal como foi dado como assente, a promitente vendedora e a autora promitente compradora realizaram, em 19 de Março de 2008 (quase um ano depois da celebração do contrato-promessa inicial, que ocorreu em 16 de Maio de 2007) um “aditamento” ao referido contrato-promessa, consignando-se neste “aditamento” designadamente no último parágrafo do n.º 3 “Na presenta data, a documentação já está pronta com vista à celebração da escritura pública de compra e venda”.
E sob o n.º 4 do mesmo aditamento “As outorgantes acordam em que a escritura pública seja realizada dentro do prazo de 60 dias a contar da presente data, cabendo a marcação à primeira outorgante.” (cfr. facto provado n.º 4.)
Realce-se ainda que foi marcada pela promitente vendedora para o dia 19.05.2008 a celebração da escritura definitiva, sem que a autora apelante tivesse comparecido no respetivo cartório notarial (cfr. facto provado n.º 9.).
Na sequência, a promitente vendedora comunicou, em 26.05.2008, que, em face do incumprimento da autora, nos termos do disposto no art. 442º, do C. Civil, fazia suas as quantias entregues pela autora a título de sinal (cfr. facto provado n.º 10.).
Mais tarde, em 22.09.2008 (ou seja vários meses após a resolução do contrato operada pela promitente vendedora), os promitentes vendedores venderam a terceiros o prédio objeto do contrato-promessa (cfr. facto provado n.º 11.).

Nesta medida, tal como salienta o tribunal a quo, Assim sendo, teria a autora que demonstrar a verificação do termo final daquele prazo [fixado no referido “aditamento” ao contrato-promessa], contratualmente clausulado, não tinha a natureza de um prazo absoluto, e não determinava o incumprimento definitivo do contrato promessa.

A convenção de um prazo para o cumprimento de um contrato não tem, porém, sempre o mesmo alcance e significado, podendo querer dizer que, decorrido o prazo não pode já ser obtida a finalidade da obrigação, desaparecendo o interesse do credor (caso em que, findo o prazo, o contrato caduca), mas podendo também significar que o facto de o prazo terminar não torna impossível a prestação em momento ulterior, se esta ainda interessar ao credor, o qual pode, porém, se for caso disso, resolver o contrato, se este for bilateral (cfr. Vaz Serra, RLJ, 104º, p. 302; 110º, p. 326; e, 112º, p. 27).

Assim, nas chamadas obrigações de prazo fixo essencial absoluto ("negócios fixos absolutos" ou de "prazo fatal"), o decurso do prazo sem o devido cumprimento pode determinar, sem mais, a sua extinção, enquanto nas de prazo fixo relativo, simples ou usual o decurso do prazo poderá fundamentar o direito de resolução.

Importaria, então, averiguar o significado do prazo certo fixado pelas partes, com o objectivo de surpreender a presença ou não da essencialidade subjectiva do «termo fixado como característica inerente ao contrato, e na sua projecção no acordo celebrado», o "que terá de ser «deduzido» do material interpretativo fornecido pelas partes, da natureza da promessa, do comportamento posterior dos promitentes ou de outras circunstâncias adjuvantes" (J. C. Brandão Proença, "Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral", p. 110), sendo que, se estivermos perante um «termo fixo essencial» a resolução está automaticamente legitimada, enquanto se se tratar de um «termo relativamente fixo» a resolução é legítima se verificados os respectivos requisitos gerais (arts. 808º e 801º e 802º, do CC).
Para em seguida, concluir-se:

Ou seja, para obter vencimento naquela primeira acção, não bastava à autora alegar a venda do bem prometido vender a terceiro ou sequer que a resolução do contrato era ilícita, mas ainda invocar factos e argumentos que levasse o tribunal a concluir que o prazo indicado no aditamento ao contrato não representava um termo fixo essencial, peremptório ou preclusivo.

E mesmo que a acção tivesse assim sido instaurada não era possível prever o seu desfecho, estando dependente de produção de prova e da perspectiva do julgador na aplicação do direito aos factos, sendo certo ainda que se desconhece todo o “apport” que a parte contrária poderia ter levado para a acção, mormente ao nível dos meios probatórios, caso tais argumentos tivessem sido oportunamente deduzidos. Não se pode dizer como invoca a autora que perdeu uma acção que estaria ganha à partida.

Concordamos com esta fundamentação jurídica realizada pelo tribunal a quo, ou seja com este “julgamento dentro do julgamento” face aos elementos factuais apurados.
Esta questão da natureza do prazo fixado entre as partes, em sede de aditamento ao contrato-promessa, para a celebração do contrato prometido, assumia uma relevância fundamental e de que necessariamente dependia o sucesso da ação interposta pela autora.

Não resulta dos autos quaisquer factos donde se possa inferir que as partes não quiseram atribuir àquele prazo uma natureza essencial e definitiva para a celebração do contrato prometido.
Antes, emerge da factualidade apurada que os promitentes vendedores já haviam reunido toda a documentação necessária para a celebração da escritura definitiva, inexistindo assim qualquer impedimento por parte deles em celebrarem a mesma escritura, sendo certo que os mesmos tinham urgência em realizar o negócio no prazo estabelecido no aditamento ao contrato-promessa (cfr. facto provado n.º 6).

As partes contraentes não fizeram consignar naquele “aditamento” qualquer condição essencial para a celebração do contrato prometido, como seja a prévia venda pela autora de um outro imóvel que possuía em Esposende.

Tal condição não resulta igualmente dos factos provados e teria necessariamente que ser demonstrada pela autora.
Uma vez operada a resolução do contrato-promessa pela promitente vendedora, por via do incumprimento da autora, que desrespeitou aquele prazo fixado para a celebração da escritura definitiva, a venda do imóvel a terceiros é perfeitamente válida, a menos que a autora provasse a ilicitude da resolução do contrato operada, tarefa que se nos afigura francamente difícil nos termos supra expostos.

Tal como é afirmado no Ac. STJ de 05.05.2015 (já citado) “[O] dano da perda de oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligado de uma consistente probabilidade de a vencer. Para haver indemnização, a probabilidade de ganho há-de ser elevada.

Por conseguinte, a demonstração da venda do imóvel em causa a terceiros por parte dos promitentes vendedores, em data muito posterior ao terminus daquele prazo fixado no “aditamento” para celebração do contrato prometido e quando a promitente vendedora já havia resolvido o contrato-promessa, não nos permite antever um razoável grau de êxito da ação proposta nos moldes preconizados pela recorrente.
Do exposto, resulta que não se pode fundadamente afirmar que a conduta omissiva da 2ª ré tenha acarretado irremediavelmente a perda do direito da autora em ver, de forma vitoriosa, os réus condenados a indemnizar a recorrente por via daquela venda a terceiros do imóvel prometido vender, pelo que, para além de não se poder considerar demonstrada a verificação do denominado prejuízo final – do que resultaria, por falta do requisito “dano”, a improcedência da presente ação –, também não se pode concluir que se mostra preenchido o dano consistente na própria “perda de chance” autonomamente considerada, proveniente da conduta omissiva da 2ª ré, o que exclui o direito da autora em ser indemnizada pela presente ação, na medida em que não se mostram preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil de que depende tal peticionada indemnização.

Nesta medida, deverá soçobrar a pretensão recursiva da autora.
*
*

V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação em presença, confirmando-se, pois, a sentença recorrida.

Custas pela apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido
*
Guimarães, 05.04.2018

António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Marinho da Cunha
José Manuel Alves Flores

1. Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, págs. 689/690. Ao nível da jurisprudência, vide, no mesmo sentido, por todos, Ac. RP de 29.06.2015, proc. n.º 1106/12.9YYPRT-B.P1, relator Alberto Ruço; Ac. RP de 01.06.2015, proc. n.º 843/13.5TJPRT.P1, relator Caimoto Jácome; e Ac. STJ de 04.05.2017, proc. n.º 2886/12.7TBBCL.G1.S1, relator Tavares de Paiva, todos in www.dgsi.pt.
2. Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 141.
3. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª edição, pág. 164.
4. Cfr. ainda diversos Acs. do STJ, aludidos na ob. citada, págs. 161 a 165.
5. Abrantes Geraldes, ob. citada, págs. 165-166.
6. Por todos, vide Vaz Serra, Responsabilidade Contratual e Responsabilidade Extracontratual, BMJ 85, pág. 115, nota 1.
7. Neste sentido, cfr. por todos Ac. STJ de 01.07.2014, proc. n.º 824/06.5TVLSB.L2.S1, relator Fonseca Ramos, disponível em www.dgsi.pt; onde é defendido que o advogado, nomeado de defensor oficioso, possui um estatuto que não se distingue no essencial de um sui generis contrato de mandato forense – art. 1157º, do C. Civil.
8. Neste sentido, vide Manuel Januário da Costa Gomes, Contrato de Mandato, Direito das Obrigações, Vol. III, 1991, pág. 342, sob a coordenação de Menezes Cordeiro.
9. A este propósito, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, Coimbra, 3ª edição, pág. 714, em anotação ao art. 1161º, do C. Civil.
10. Obrigações de Meios e Obrigações de Resultado, Coimbra, 2010, pág. 19.
11. Neste particular, cfr. ainda Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 7ª edição, pág. 73; e Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 10ª edição, pág. 1039-1040.
12. Proc. n.º 289/10.7TVLSB, relator Alves Velho, acessível em www.dgsi.pt.
13. Neste particular, cfr. ainda Ac. STJ de 28.09.2010, proc. n.º 171/2002.S1, relator Moreira Alves; e Ac. STJ de 14.03.2013, proc. n.º 78/09.1TVLSB.L1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 05.05.2015, proc. n.º 614/06.5TVLSB.L1.S1, relator Silva Salazar; todos acessíveis em www.dgsi.pt.
14. Neste sentido, cfr. Ac. STJ de 29.04.2010, proc. n.º 2622/07.0TBPNF, relator Sebastião Póvoas; e Ac. RL de 29.10.2013, proc. n.º 1922/05.8TVLSB.L1-7, relator Tomé Gomes, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
15. Manuel Carneiro da Frada, Direito Civil, Responsabilidade Civil, O Método do Caso, Almedina, 2006, pág. 81.
16. Neste sentido, cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 7ª Edição, pág. 516.
17. Neste particular, vide Antunes Varela, ob. cit., págs. 508-512.
18. Antunes Varela, ob. cit., pág. 877.
19. Almeida e Costa, ob. cit., pág. 605.
20. Neste sentido, cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 7ª Edição, pág. 409.
21. Neste particular, vide Vaz Serra, Obrigação de Indemnização, BMJ 84, n.º 5.
22. Neste particular, cfr. por todos Antunes Varela, ob. cit. págs. 885-899; e Ac. STJ de 20.01.2010, proc. n.º 670/04.0TCGMR, relator Álvaro Rodrigues, acessível em www.dgsi.pt.
23. Proc. n.º 488/09.4TBESP.P1.S1, relator Hélder Roque, disponível em www.dgsi.pt.
24. Por todos cfr. Acs. do STJ de 28.09.2010, proc. n.º 171/2002, relator Moreira Alves; de 26.10.2010, proc. n.º 1410/04.0TVLSB, relator Azevedo Ramos; de 29.05.2012, proc. n.º 8972/06.5TBBRG, relator João Camilo; de 29.11.2012, proc. n.º 29/04.0TBAFE, relator Oliveira Vasconcelos; de 04.12.2012, proc. n.º 289/10.7TVLSB, relator Alves Velho; de 06.03.2014, proc. n.º 23/05.3TBGRD.C1.S1, relator Pinto de Almeida; de 01.07.2014, proc. n.º 824/06.5TVLSB.L2.S1, relator Fonseca Ramos; de 30.09.2014, proc. n.º 739/09.5TVLSB.L2-A.DS1, relator Mário Mendes; e de 05.05.2015, proc. n.º 614/06.5TVLSB.L1.S1, relator Silva Salazar, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
25. Proc. n.º 9195/03.0TVLSB.L1.S1, relator Távora Victor, disponível em www.dgsi.pt.
26. Neste particular, vide Patrícia Costa, O dano da perda de chance e a sua perspetiva no Direito Português, Dissertação de Mestrado, págs. 104 a 106.