Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1023/19.1T8BRG.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: RECURSO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FALTA DE CONCLUSÕES
REJEIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1- Sendo o CPC subsidiário do CPT (1º, 2, a), nos casos omissos é aplicável o quadro de referência constituído pela regulamentação processual civil, incluindo a obrigatoriedade de formulação de conclusões nos recursos (639º, 1, CPC) que antes da Lei 107/2019, de 9-09 não tinha consagração expressa no regime dos recursos do foro laboral.

2- Igualmente, no foro laboral, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve observar o cumprimento dos deveres primários e essenciais que integram o núcleo duro do ónus de especificação, onde se incluem a identificação dos concretos pontos de facto de que se discorda e a resposta alternativa proposta (art. 640º, 1, al.s a) e c), CPC).

3- Quer a não apresentação de conclusões, quer o não cumprimento dos deveres essenciais que integram os vícios mais graves leva à rejeição do recurso, sem haver lugar a convite de aperfeiçoamento.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

AUTOR/RECORRIDO- T. M..
RÉ/RECORRENTE- X - UNIPESSOAL, LDª.

PEDIDO - O autor pediu a condenação da ré a pagar a quantia de € 2.450,00, a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora. Estava em causa a existência de um contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré e o consequente pagamento de créditos laborais.
CONTESTAÇÃO - A ré contestou e sustenta que não está obrigada ao pagamento de qualquer quantia porque o autor não era seu trabalhador
Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo:
Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 2.100,00 (dois mil e cem euros), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento.
Considero que não ocorreu qualquer litigância de má-fé porque as partes se limitaram a sustentar a sua posição divergente quanto aos factos que estavam em discussão (art. 542º nº1 e 2 do Cód. de Processo Civil).
Custas a cargo do autor e da ré na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que foi concedido.

A RÉ RECORREU NOS SEGUINTES TERMOS:

“EX.MOS SENHORES JUÍZES DESEMBARGADORES:

O Tribunal a quo condenou parcialmente a Recorrente ex vi da verificação da presunção de laboralidade, ínsita no Art.º 12.º do Código do Trabalho.
Aos olhos da Recorrente, com o devido respeito andou mal o Tribunal a quo.
Na verdade, um Tribunal só recorre à presunção de laboralidade, de acordo com toda a Jurisprudência e Doutrina, quando, em suma, um(a) trabalhador(a) alega ter sido contratado(a) por uma determinada pessoa singular ou colectiva, que o nega.
Não é, de todo, o caso nos autos. Nos autos, o sócio-gerente de uma empresa que não é demandada admite ter contratado o Recorrido, que, por sua vez, em audiência de julgamento, confessa ter sido contratado para exercer funções nessa outra sociedade, quando iniciasse a sua actividade, que não a Recorrente.
Vejamos.
Lê-se na douta sentença posta em crise, a páginas 12, que “A matéria de facto provada não permite que se afirme que o autor foi admitido ao serviço da ré, como seu trabalhador, no dia 1 de Julho de 2017. Nesta data, o autor acordou que iria auxiliar no início da actividade da sociedade comercial Y e depois, quando esta sociedade comercial iniciasse a sua actividade, passaria a ser seu trabalhador, sendo a pessoa responsável pelo contacto e acompanhamento dos clientes.”.negrito e colorido nossos
O Tribunal a quo dá como assente que a matéria de facto provada não permite concluir que o Recorrido foi admitido ao serviço da Recorrente no dia 01.07.2017. Aliás, pelo contrário, expressa que o Recorrido “passaria a ser” trabalhador da Y quando esta iniciasse a sua actividade.
Ora, o A./Recorrido, na sua douta petição inicial, começou por alegar e passa-se a transcrever:
“Ex.mo Senhor Doutor Juiz
Tribunal Judicial da Comarca de Braga
Juízo do Trabalho de Braga
T. M., solteiro, maior, N.I.F. …, residente na Rua ..., freguesia de …, concelho de Braga (…),

Vem intentar contra,
“X UNIPESSOAL, L.DA.”, Sociedade Comercial Unipessoal, N.I.F. …, com sede na Av.ª …, V. N. de Famalicão (…),

ACÇÃO DE PROCESSO COMUM

DOS FACTOS:

O que o faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

1.º A Ré é uma Sociedade Comercial Unipessoal que se dedica, com fins evidentemente lucrativos, à actividade de compra, venda, importação e exportação de automóveis novos e usados.
2.º Ao seu serviço, no dia 01.07.2017, mediante Contrato de Trabalho verbal, válido por tempo indeterminado, admitiu o Autor, (…)”.”Colorido e sublinhado nossos
Por um lado, na sua petição inicial, o A./Recorrido, alegou ter sido contratado pela Recorrente em 01.07.2017.
Por outro, em plena audiência de julgamento, admitiu ter sido contactado e contratado para um projecto novo de uma sociedade a constituir que se dedicaria ao transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros de luxo e aluguer para eventos, nomeadamente casamentos, inspirado no conceito “Drive Me” (http://www.drive-me-89e.fr/pt/home.html).
Falseando, primeiro, a verdade, que admitiu posteriormente (em julgamento), o comportamento do Recorrido só poderia ter tido duas consequências, que este douto Tribunal não poderá deixar de ter em consideração:
i) a afectação da credibilidade de todo o seu depoimento em sede de audiência de julgamento;
ii) a condenação como litigante de má-fé.

Na sessão de julgamento de 03.06.2019, o Recorrido reconheceu ter sido contratado pelo P. R. para exercer funções na Y.
Com relevância, ouçamos o que disse o Recorrido aos MINUTOS 00:49 A 02:03, 04:03 A 04:37, 05:08 A 05:15, 05:20 A 05:32, 06:40 A 07:16, 11:05 A 11:30, 22:01 A 22:08, 23:06 A 23:16, 25:16 A 25:58, 26:10 A 26:17 da GRAVAÇÃO COM A REF.ª 20190603164600_5665224_2870519:
“Ilustre Mandatária do Autor: “Alguém estabeleceu um contacto consigo para uma oferta de emprego. (…) Quer contar aqui ao Tribunal os contornos dessa oferta por favor?”
Autor: “(…) O contexto é o seguinte. O Sr. P. R. é amigo do meu irmão. Falou-se na altura que eu estava a trabalhar no “…”, em Braga. Ele abordou o meu irmão para uma possível empresa de alugueres de automóveis de luxo, nomeadamente Ferraris, Lamborghinis e Bentleys. (…) Entretanto tive uma reunião aqui na Sé. (…) Falamos de ordenados e outras coisas e sobre o que eu iria fazer. (…) Eu iria estar no Porto e eventualmente em Lisboa. (…) Visitas com turistas no Porto, numa primeira fase.”
Ilustre Mandatária do Autor: “Apareceu a que horas?”
Autor: “De manhã, pelas 9 horas.”
Ilustre Mandatária do Autor: “E o que ficou a fazer?”
Autor: “Sr. P. R. não me disse nada, não falamos de nada”.
Autor: “Eu tomei a iniciativa, depois também estava lá a C. D. e o C. C., tomei a iniciativa de atender alguns clientes”.
Autor: “Apercebi-me que da possível empresa nada estava a ser tratado, ou melhor estava a ser tratado mas em águas de bacalhau”.
Autor: “Falei com o P. R., dirigi-me a ele e disse-lhe “P. R. se quiseres vou ao Porto, vou ao Turismo, vou à Câmara, (…) para tentar acelerar o processo”.
Autor: “Para aquilo que eu fui convocado e convidado a trabalhar. (…) Fui fazer um único serviço, a um sábado”.
Autor: “Ligava somente os computadores. Nunca mexi nos computadores. O Sr. P. R. nunca me deu autorização para mexer nos computadores. Apenas ligava os computadores para quando os meus colegas chegassem pudessem trabalhar”.
Mandatário da Ré: “Na sua cabeça o P. R. é que era o seu patrão?”
Autor:O P. R. é que me dava as ordens”.
Mandatário da Ré:O P. R. vendia automóveis, estava a solicitar os seus serviços, estava a convidar para trabalhar com ele era para um projecto que não vender automóveis num stand de automóveis, é isso?”
Autor:Sim”.
Autor:EU FUI CONTRATADO PARA A EMPRESA DE TURISMO”.
Autor:Durante um ano e meio tive a fazer tudo o que era possível na empresa”.”
Após esta última afirmação do Recorrido, vale a pena parar por umas breves linhas, para análise mais profunda. O então A. confessou que, durante “um ano e meio fez tudo o que era possível”, mas de sua iniciativa.
De tal modo, que se lê na sentença “(…) O autor exercia estas funções por determinação dos outros trabalhadores da ré, o que era do conhecimento do gerente da ré (…)”.
Mas o que se retira do depoimento em audiência de julgamento dos “outros” trabalhadores da Ré não é exactamente isso.
As testemunhas C. C. e C. D., respectivamente aos MINUTOS 07:19 A 08:02 e 00:53 A 00:56, 01:16 A 01:24, 01:40 A 01:46, 01:58 A 02:14, 03:20 A 03:37, 06:26 A 06:53 e 09:12 A 10:00 das GRAVAÇÕES COM AS REF.as 20190613104537_5665224_2870519 e 20190708113020_5665224_2870519, são peremptórias em afirmações como:
“Mandatário da Ré: “O T. M. disse aqui que foi, enfim, contratado para um projecto ligado a carros de turismo. Tem conhecimento?”
Testemunha C. C.:Sim. Tenho”.
Testemunha C. C.:Realmente eu sabia que o T. M. tinha sido contratado para essas funções (projecto ligado a carros de turismo)”.
Testemunha C. D.:Ele (T. M.) estava lá para o arranque da empresa da Y”.
Testemunha C. D.: “Ele prontificava-se a fazer algumas coisas. O trabalho era feito por mim e pelo Colega, o C. C.”.
Testemunha C. D.: “Quando eu não podia ir aos Bancos o T. M. oferecia-se para ir”.
Testemunha C. D.:Ele (T. M.) vinha de comboio e chegava cedo e para não ficar cá fora foi-lhe disponibilizada uma chave”.
Testemunha C. D.: Nem fazia o mesmo horário que nós”.
Testemunha C. D.:Quando havia reuniões da empresa éramos os dois chamados e não os três (referindo-se a ela própria e ao Colega C. C.)”.
Testemunha C. D.: “Como nos foi apresentado o T. M. viria para a Y. O que me foi dito é que ele viria para a Y”.
Testemunha C. D.: “Quando eu não podia. Ir aos Bancos acontecia esporadicamente”.
Mandatário da Ré: “O T. M. era, digamos assim, um colega de trabalho “normal”, isto é, tinha um horário de trabalho, podia vender automóveis, também referiu aqui que chegou a ir comprar produtos de limpeza e café?”.
Testemunha C. D.: “Isso era as minhas funções. Quando eu não podia ir, o T. M. prontifica-se logo a ir”.
Mandatário da Ré: “Era o P. R. que lhe dizia “Ó T. M. quando a C. D. não puder vais tu” ou era a C. D. que, estavam ali “Ó T. M. agora estou aqui a mandar um orçamento”? Era nesse sentido?”.
Testemunha C. D.: “Sim. Nesse sentido”.”.

Ora, como não podem todas estas declarações, em especial a do próprio Recorrido de que “durante um ano e meio tive a fazer tudo o que era possível na empresa”, contender com a circunstância do Tribunal a quo sentenciar que “Porém, a situação alterou-se a partir do final mês de Dezembro de 2017. (…) A partir desta data, o autor continuou a apresentar-se diariamente no stand de automóveis que era explorado pela ré. O autor passou a abrir diariamente o stand, tendo-lhe sido entregue uma chave e fornecidos os códigos do sistema de alarme, deslocava-se habitualmente a instituições bancárias para proceder ao depósito de quantias que eram entregues à ré, lavava veículos da ré, transportava veículos às oficinas sempre que era necessário e adquiria produtos de limpeza para a ré. O autor exercia estas funções por determinação dos outros trabalhadores da ré, o que era do conhecimento do gerente da ré. (…) Esta factualidade permite que se afirme que a partir do final do mês de Dezembro de 2017, ou seja, com início no mês de Janeiro de 2018, o autor passou a ser trabalhador da ré”?”.negrito e sublinhado nosso

Resulta das declarações acima transcritas:

i) que não foi a partir de dezembro de 2017 que o Recorrido passou a abrir habitualmente o stand, porque já o fazia antes;
ii) que não foi a partir de dezembro de 2017 que o Recorrido passou a ter chave do stand e o código do alarme, porque já tinha antes;
iii) que não foi a partir de dezembro de 2017 que o Recorrido passou a ir a instituições bancárias porque já o fazia antes esporadicamente e a pedido da testemunha C. D.;
iiii) que não foi a partir de dezembro de 2017 que o Recorrido passou a adquirir produtos de limpeza, porque já o fazia antes;
iiiii) que o “fazer tudo o que era possível” era feito com o conhecimento do sócio-gerente da Recorrente (ao minuto 28:30 a 28:53 da GRAVAÇÃO COM A REF.ª 20190603164600_5665224_2870519, o A./Recorrido disse que recebia indicações directas do P. R.).
Como passou a ter chave, a abrir o stand e a ter código do alarme em Janeiro de 2018 se, segundo o próprio, já o fazia em Novembro de 2017, em Outubro de 2017, em Setembro de 2017, em Agosto de 2017 e em Julho de 2017?
O Recorrido tinha chave e o código do alarme porque, quando ia para o stand, era o primeiro a chegar, vindo de Braga, não fazendo qualquer sentido esperar à porta ao sol e à chuva.
Por isso entende a Recorrente que o Tribunal a quo não esteve bem.
Certo é que o Recorrido foi contactado pelo P. R., sócio-gerente da X e da Y, para se juntar a ele num projecto novo, como ambos referiram em julgamento. Assim que iniciasse a sua actividade, o Recorrido passaria a trabalhar para a Y, que não tem nenhuma intervenção neste processo nem foi demandada.
Projecto que teria o seu período de arranque, como qualquer novo negócio, que teve as dificuldades elencadas por ambas as partes (nomeadamente com a obtenção das licenças camarárias), mas que não morreu em dezembro de 2017 (ao minuto 27:06 a 27:36 da GRAVAÇÃO COM A REF.ª 20190603164600_5665224_2870519, o A./Recorrido disse, em 2018, um mês antes de sair, que estava a ser preparado um vídeo promocional).
Aliás, se a Recorrente necessitasse de serviços indiferenciados, que interesse teria negar a contratação se a Y é detida pelo mesmo sócio-gerente? Às testemunhas C. D. e C. C., a Recorrente pagava salários e por transferência. Ao T. M. não faria o mesmo porquê?
Não cabe nas regras da experiência, Senhores Juízes Desembargadores.
E sobretudo porque o Recorrido escondeu a verdade que acabou por admitir em julgamento.
Há, por isso, erro manifesto na apreciação da prova.
De acordo com a prova produzida, o facto essencial que é consubstanciado no objecto da acção não é imputável à Recorrente. Não se relaciona com ela.
Sem este facto não poderia ser a Recorrente condenada no que quer que fosse. Aliás, toda a matéria a jusante não diz respeito à Recorrente.
Os elementos alegados pelo Recorrido e os dois critérios a que o Tribunal se agarrou para condenar a Recorrente não lhe respeitam, mas antes sim à Y, que o A./Recorrido não demandou.
Não há articulação entre o facto e a parte condenada, logo a Recorrente teria que ser absolvida da instância, sob pena de se violarem princípios basilares de Direito.
O acordo foi feito entre o Recorrido e o P. R., individualmente considerado, enquanto pessoa singular, que, por acaso, é sócio-gerente da Recorrente e da Y. Mas esse acordo valia para futuro, para uma empresa em formação que não é aqui demandada.
Não é legítimo tirar a conclusão de que a partir de Janeiro de 2018 esse acordo feito com uma empresa não demandada passasse a valer para a empresa aqui demandada. Não há elementos de prova que o sustentem. Aliás, todos os principais elementos de prova apontam em sentido contrário: um deles, desde logo, é que não há uma data demarcada.
Não obstante o facto do sócio-gerente de ambas as sociedades ser a mesma pessoa, juridicamente são totalmente distintas, o que mostra por isso um erro de apreciação da prova.
A presunção de laboralidade não tem efeito nos autos, porque o P. R. admitiu que ia contratar o Recorrido para a Y, como o próprio Recorrido acabou por confessar. O Recorrido aceitou ficar à espera que a Y passasse a laborar em pleno, o que atrasou por razões burocráticas totalmente alheias à sua vontade.
De acordo com a prova, nunca houve a menor intenção nem da Recorrente nem do Recorrido de que este se tornasse funcionário daquela. Então como se pode presumir algo que é confessado em contrário em julgamento?
Do exposto advém que o que o Recorrido fez, Senhores Juízes Desembargadores, foi intentar uma acção indevida contra a Recorrente para tentar obter descontos para a Segurança Social no período em que aceitou aderir a um projecto novo e aliciante, mostrando-se surpreendido quando alegadamente terá sabido pela contabilidade da empresa que não estava a fazer descontos, como resulta do declarado ao minuto 36:30 a 37:54 da GRAVAÇÃO COM A REF.ª 20190603164600_5665224_2870519. E fê-lo, sejamos claros, contra a Recorrente por saber que a Y não tinha nem actividade nem bens. Aproveitando-se ilegitimamente do facto de ambas as sociedades terem o mesmo sócio-gerente e a sede em ruas distintas mas no mesmo edifício.
Acresce que, perguntado se tinha declarado em sede de IRS os alegados vencimentos recebidos em 2017, afirmou que não (minuto 38:28 a 38:57 da GRAVAÇÃO COM A REF.ª 20190603164600_5665224_2870519), fazendo cair por terra a ideia que fez passar de ter ficado muito surpreendido com a falta de descontos.
Resulta também da prova que a Recorrente foi alvo de um processo aberto pela Segurança Social, por queixa com base nos mesmos fundamentos, o qual foi arquivado.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, e, em consequência, substituir-se a douta sentença por outra que absolva a Recorrente.

CONTRA-ALEGAÇÕES DO AUTOR: defende que o recurso deve ser rejeitado por incumprimento do ónus de apresentação de conclusões e por incumprimento dos ónus (primários e secundários) impostos para a impugnação decisão sobre a matéria de facto e que, no mais, a decisão deve ser mantida.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO (art. 87º, 3, CPT): propugnou pela rejeição do recurso por falta de conclusões.

RESPOSTA DA RÉ: A ré respondeu que quando apresentou o recurso ainda se encontrava em vigor a redacção antiga do CPT, a qual não exigia a formulação de conclusões, só exigíveis quando o art. 81º passou a ter a versão dada pela Lei 107/19, de 9-09. Subsidiariamente alega que deve haver despacho de convite a correcção.
Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado em conferência – art. s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR:
A - Falta de conclusões no recurso;
B - Falta de cumprimento do ónus de especificação respeitante à impugnação da matéria de facto.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes(1), as questões de direito a decidir são as acima sumariadas em sede de relatório.

Quanto à falta de conclusões de que padece o recurso:

É sabido que o Código de Processo Trabalho não regula exaustivamente o regime de recursos no foro laboral, tendo sempre o Código de Processo Civil funcionado como o quadro geral normativo de referência. Existindo uma remissão legal que consagra a subsidiariedade de aplicação do código de processo civil aos casos omissos do código de processo de trabalho, o que inclui naturalmente matéria de recursos – 1º, 2, a), CPT.
Assim, a regra é a da aplicação em primeiro lugar do CPT e, subsidiariamente, o recurso ao CPC quando naquele não se encontre regulamentação específica. Sempre assim foi e, de resto, continua a ser, mesmo após as últimas alterações introduzidas no CPT, pela Lei 107/19, de 9-09, fruto deste entendimento de que no processo laboral se regula sobretudo o que este tem de particular.
Ora, é pacífico que é plenamente aplicável aos recursos laborais determinados ónus que constam no processo civil, nenhuma particularidade existindo no foro laboral que justifique a sua desaplicação, regendo, assim, na sua plenitude a lei subsidiária. Entre esses ónus consta o de formular conclusões, bem como o ónus de observar certas regras na impugnação da decisão da matéria de facto, sendo assim totalmente aplicáveis os artigos 639º e 640º do CPC (2).
Ónus esses que a ré não cumpriu de todo.
Desde logo, não apresentou as conclusões, incumprindo o disposto no art. 639º, 1, CPC, ex vi art. 1º, 2, a), CPT.
Sendo pacífica e uniforme a jurisprudência que estende que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso e a área de intervenção do tribunal ad quem. Quando em absoluto faltem as conclusões ocorre a denominada ineptidão semelhante à falta de indicação do pedido, gerando indeferimento do recurso, sem possibilidade de despacho de aperfeiçoamento, o qual é reservado para as situações menos graves em que, embora deficientes, ainda assim aquelas sejam apresentadas – 641º, 1, b), 639º, 3, CPC (3).

Falta de cumprimento do ónus de impugnação da decisão da matéria de facto:

Ainda que assim não fosse, a ré impugnou a matéria de facto, mas não cumpriu minimamente o ónus de impugnação especificada que a lei impõe.
Sendo evidente que não cumpriu, pelo menos, dois deveres essenciais que impendem sobre o recorrente quando impugne a decisão sobre a matéria de facto – art. 640º, nº 1, al.s a), e c), do CPC.
O primeiro respeita à obrigação de o recorrente especificar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. O que deve ser feito quer nas alegações, quer nas conclusões, dado que são estas que delimitam o objecto do recurso e que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal (4). Sem eles não há recurso, digamos assim (5) – art. 640º, 1, al. a), conjugado com os art.s 639º/1 e 635º, CPC.
Ora, a ré nem sequer nas alegações cumpriu este ónus, não indicando quais os pontos concretos da sentença que alegadamente foram mal julgados, limitando-se a discordâncias genéricas e globalizantes. Ora, este é o patamar mínimo do ónus da especificação respeitante aos concretos pontos de facto que se pretendem ver reapreciados. Se o recorrente não cumpre este dever não está delimitado o objecto do processo. Não se sabe o que a parte quer. Colocando o tribunal de recurso em dificuldade relevante no acesso aos pontos de facto, potenciando a formação de dúvida e de erro (6).
A segunda regra respeita à obrigação de o recorrente especificar, pelo menos na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – 640º, 1, al. c), CPC. Trata-se da chamada resposta alternativa, ou seja, o recorrente deve propor a resposta a dar a um ponto específico da matéria de facto, fazendo uma análise crítica da prova. Este requisito insere-se no ónus de alegação e tem em vista evitar recursos genéricos e inconsequentes (7).
A ré também não cumpriu este ónus tecendo nas alegações, mais uma vez, considerações genéricas, limitando-se a discorrer sobre o alegado facto de “o tribunal não ter estado bem “, sem apontar a resposta concreta a dar ao ponto que, aliás, que como se disse, não identifica previamente.
Refira-se que não há despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da decisão da matéria de facto (8), levando o incumprimento deste ónus à rejeição do recurso, ao contrário do que sucede em matéria de direito onde subsiste uma “solução paliativa” relativamente a certa deficiências do ónus de alegar e apresentar conclusões– art.s 640º, 1, 639, 3 a contrario relacionado com o art. 652º, 1, al. a), b, CPC.
Em síntese, a ré além de não apresentar conclusões, também nas alegações não observou manifestamente dois deveres essenciais que integram um ónus primário de especificação que, quando incumpridos, levam à rejeição imediata do recurso, sem possibilidade de convite de aperfeiçoamento. Por integrarem o núcleo duro do ónus de delimitação e de fundamentação do objecto e por se considerar a possibilidade de aperfeiçoamento geradora de atrasos processuais e de potenciais abusos (9).
Consequentemente, deve o recurso ser rejeitado pelos motivos acima referidos.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do Cód. de Proc. Civil, acorda-se em negar provimento ao recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 06-02-2020

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C

1- Sendo o CPC subsidiário do CPT (1º, 2, a), nos casos omissos é aplicável o quadro de referência constituído pela regulamentação processual civil, incluindo a obrigatoriedade de formulação de conclusões nos recursos (639º, 1, CPC) que antes da Lei 107/2019, de 9-09 não tinha consagração expressa no regime dos recursos do foro laboral.
2- Igualmente, no foro laboral, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve observar o cumprimento dos deveres primários e essenciais que integram o núcleo duro do ónus de especificação, onde se incluem a identificação dos concretos pontos de facto de que se discorda e a resposta alternativa proposta (art. 640º, 1, al.s a) e c), CPC).
3- Quer a não apresentação de conclusões, quer o não cumprimento dos deveres essenciais que integram os vícios mais graves leva à rejeição do recurso, sem haver lugar a convite de aperfeiçoamento.



1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
2. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., p. 545 e segs, parte respeitante aos recursos no processo laboral.
3. António Santos Abrantes Geraldes, ob cit., p. 153-4.
4. Ac. STJ, 11/09/2019, revista 42/18.0T8SRQ.L1.S1, in www.dgsi.pt.
5. António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., 165 e ss.
6. Ac.s STJ 12-05-2016, revista 324/10.9TTALM.L1.S1, 31-05-2016, revista 1184/10.5TTMTS.P1.S1, 7-07-2016, revista 220/13.8TTBCL.G1.S1, todos quanto a este dever essencial de identificação dos pontos de facto.
7. Ac. STJ de 11-07-2019, revista 334/16.2T8CMN-G.G1.S2.
8. António Santos Geraldes, O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, p. 770.
9. Neste sentido Ac.s STJ, 3-10-2019, revista nº 77/06.5TBGVA.C2.S2; de 29-10-2015, revista 233/09.4TBVNC.G1.S1; de 11-07-2019, revista 121/06.6TBOBR.P1.S1.