Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3298/16.9T9VCT-B.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
COMPENSAÇÃO
RECONVENÇÃO
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Nas ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias reguladas no anexo do DL nº269/98, de 01.09., não é admissível a dedução de pedido reconvencional, nos termos do art.266º/2 do CPC, em face: do escopo dos procedimentos especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias ser o de conferir força executiva aos requerimentos iniciais (art.7º e 2º do anexo do diploma); da ação especial apenas dispor de dois articulados, seguidos da audiência de julgamento (arts.3º e 4º do anexo do diploma), que exclui a possibilidade de apresentação de réplica, nos termos do art.584º do CPC da ação comum.

2. Nestas ações especiais não pode vir a ser admitida a reconvenção, também: nem pela via da norma remissiva do art.549º/1 do CPC, uma vez que não existe lacuna da lei na tipificação do regime processual da ação especial; nem por força da adequação formal, nos termos dos arts.6º e 547º do CPC, uma vez que a referida adequação não serve para resolver de forma estrutural a possibilidade de dedução de pedidos reconvencionais nas ações especiais limitadas a dois articulados, sempre que os réus nas mesmas tivessem vontade e fundamento para formular um pedido reconvencional, nos termos do art.266º/2 do CPC.

3. Nestas ações especiais, em que não é admissível a reconvenção, o réu que pretenda invocar a compensação de créditos, pode defender-se por via de exceção perentória contra o pedido e o direito invocado pelo autor, pois: a compensação dos arts.847º ss do CC é uma exceção extintiva, nos termos dos arts.395º e 342º/2 do CC e do art. 571º/2- 2ª parte do CPC; a exceção assegura os direitos constitucionais de defesa do réu, nos termos do art.20º/1 da Constituição da República Portuguesa, e conduz ao equilíbrio entre os dois direitos em discussão (o direito do autor em obter a celeridade na discussão e decisão sobre o crédito por si invocado, o direito do réu se defender contra o crédito invocado pelo autor).

4. O despacho de convite a aperfeiçoar a prestação de serviços invocada no requerimento de injunção contestado e a juntar documentos, nomeadamente, para viabilizar a requisição de um meio de prova, constitui um despacho irrecorrível, nos termos do art.590º/7 do CPC e 630º/1 do CPC.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório:

Na presente ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, movida por J. C. e Associados, SP, RL, contra M. L.:

1. Por despacho de 2.5.2019, foi decidido:

«Como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, só em casos muito pontuais é que é admissível a reconvenção no âmbito das ações especiais para cumprimento de obrigações, nomeadamente quando o valor da ação é superior a € 15.000,00. Ora, não é isso que se verifica no caso. Estamos perante uma ação cujo valor são € 929,07. O réu atribuiu à reconvenção o valor de € 4.230,00.
Com efeito, nos casos em que o procedimento de Injunção tem valor inferior a € 15.000 e aos quais tenha sido deduzida oposição, a ação segue a tramitação da ação declarativa especial, concretamente, as normas constantes do DL n.º 269/98 de 1 de Setembro, a qual não comporta outros articulados e, por maioria de razão, a dedução de reconvenção.
Pelo exposto, não se admite a reconvenção deduzida pelo réu.
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Considerando que o réu desde já solicitou a elaboração de um laudo de honorários, e porque a petição é omissa quanto aos serviços concretamente prestados, convida-se a autora a apresentar, em 10 dias, petição inicial aperfeiçoada, na qual discrimine os concretos serviços que prestou ao réu. Mais deverá juntar aos autos os documentos que os comprovem.
Acedendo a autora ao convite, poderá o réu exercer o contraditório, no prazo de 10 dias.»

2. M. L. interpôs recurso de apelação, no qual:

2.1. Apresentou as seguintes conclusões:
«I.ª – O processo sumário tem, em regra, apenas dois articulados – a petição inicial e a contestação.
II.ª – Todavia, é de se admitir a existência de um articulado de resposta à contestação quando o réu tenha alegado matéria de excepção ou tenha deduzido reconvenção – artº 785º e 786º do CPC – e só em relação a tais matérias se pode o Autor pronunciar. Neste sentido, aliás, o Acórdão do Tribunal da Rel. de Lisboa, datado de 05-03-2015, in Processo: 1331/11.0TVLSB-L1-2
III.ª - Por força da redação dada ao art.º 266.º n.º 2, al. c), do C.P.C. vigente, foi intenção do legislador que a compensação de créditos devesse ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor do contra crédito.
IV.ª - A forma de se efectivar processualmente a compensação, com extinção da obrigação da outra parte, é a reconvenção, ainda que apenas para aquele fim. De facto, estabelece o artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do CPC que a reconvenção é admissível quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito,
i) seja para obter a compensação,
ii) seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.
V.ª – O valor da injunção e a forma de processo que ela seguirá com a oposição (a acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, nos termos do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio) não impedem a dedução (processual) de reconvenção para efeitos de mera compensação de créditos entre as partes: e foi isso o que o Recorrente fez, com vista ao reconhecimento judicial da compensação dos créditos, cfr., artigos 847, nºs 1 e 2, e 854º do CC. Neste sentido, aliás, vejam-se os acórdãos seguintes:
- do Tribunal da Rel de Lisboa, proferido no processo n.º 285518/10-8YIPRT.L1-7, de 20-05-2014, - e do Tribunal da Rel de Coimbra, de 16/1/2018, no processo n.º 12373/17.1YIPRT-A.C1;
- E, por todos, o Acórdão de 2018-06-13 (Processo n.º 26380/17.0YIPRT.P1), In DR - Quinta-feira, 16 de Maio de 2019, onde se sumariou:
I - Face à redação do art.º 266º, nº 2, al. c) do atual Cód. do Proc. Civil é de concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação de créditos terá sempre de ser operada por via da reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis.
II - Embora seja entendimento generalizado que no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98 (emergente de injunções de valor não superior a 15.000,00€), não é admissível reconvenção, essa possibilidade, nesta forma de processo, deve ser dada ao réu de modo a que este possa invocar a compensação de créditos, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respectiva tramitação à dedução do pedido reconvencional.
III - Com efeito, não faz sentido que se retire ao réu a possibilidade de numa acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, quando essa mesma compensação poderá ser depois por ele invocada como fundamento de oposição à execução, conforme decorre do art. 729º, al. h) do Cód. do Proc. Civil.
VI.ª - Mutatis mutandis, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 06-06-2017, no Processo: 147667/15.5YIPRT.P1.S2, onde se Sumariou :
I - Inexiste motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir a reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra um outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da Relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção do pagamento de importâncias de valor inferior.
II - Pretendendo a ré exercer o direito à compensação de créditos (e assim deixar de suportar, pelo menos em parte, o risco de insolvência da contraparte), a rejeição da reconvenção perfila-se como um prejuízo não menosprezável para aquela, cabendo, por outro lado, que não esquecer que o legislador civil facilita a invocação daquela forma de extinção das obrigações e que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça.
III - A partir do momento em que é deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção e este adquire cariz jurisdicional, há que aplicar as regras dos arts. 299.º e seguintes do CPC (que o disposto no n.º 2 do art. 10.º do DL n.º 62/2013 não afastam), cabendo então e caso os pedidos sejam distintos, adicionar o valor do pedido formulado pelo réu ao valor do pedido formulado pelo autor.
VII.ª – De facto, face à imperatividade do disposto na alínea c), do n.º 2, do art.º 266.º, do actual CPC (que impõe a reconvenção como meio processual para o exercício do direito de compensação, suscitando um problema acrescido: o facto de tal articulado implicar automaticamente a adição do valor (art.º 299.º CPC), o que se pode traduzir numa alteração da forma da ação declarativa, de especial para comum, não podia deixar de ser assim.
VIII.ª - Assim, havendo créditos recíprocos entre as partes, estando os mesmos já compensados, com extinção das obrigações respectivas, nos termos dos artigos 847º e seguintes do Código Civil, e sendo a forma processualmente adequada a essa finalidade, neste momento, a reconvenção, nos termos previstos no artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do CPC, ela tem que ser admitida nesta acção, sob pena de, por mero conceptualismo, criarmos judicialmente uma realidade que não existe substantivamente e de onerarmos os cidadãos no acesso à justiça, contra tudo o que deve ser a sua proporcionalidade, a sua promoção, a sua celeridade e a sua economia (artigo 20º da CRP).
IX.ª - Conclui-se que andou mal o Tribunal a quo ao considerar que a tramitação da acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de prestação de serviços e injunção apenas prevê dois articulados – petição inicial e contestação -, não admitindo a reconvenção, quando esta se destina apenas à efectivação de compensação.
X.ª - Impunha-se, atenta a legislação aplicável (266.º, n.º 2, alínea c) do CPC) e a jurisprudência, uma decisão diversa da proferida, que considerasse ser a reconvenção admissível, em sede de oposição à injunção, como objectivo de alegar que o crédito peticionado pela Recorrida já se encontrava extinto por uma compensação.
XI.ª – Mas mesmo que, assim, não fosse de se entender, a causa de pedir é sempre o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido e corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido.
XII.ª – Logo, a petição inicial sub judice não padece de qualquer vício de ineptidão, razão pela qual o despacho, ora, recorrido, não pode ser mantido ou, vale o mesmo, é de proceder a presente apelação.
XIII.ª - De facto, o pedido contido na P I., não está intrinsecamente em contradição com a causa de pedir invocada, nem padece de qualquer nexo de ilogicidade.
XIV.ª – Consecutivamente, a ineptidão da petição inicial decorrente de contradição entre o pedido e causa de pedir pressupõe a ausência de um nexo lógico entre a causa de pedir e o pedido formulado, logo, em só a falta total (não a escassez) ou a ininteligibilidade da causa de pedir é que geram a ineptidão da petição inicial, pelo que a petição inepta jamais se confunde com uma peça simplesmente defeituosa ou deficiente.
XV.ª – Ora, como aliás melhor resulta dos autos, se o Réu, ao contestar, interpretou devida e cabalmente a petição inicial, compreendeu qual a fonte do crédito invocado, exerceu plenamente o contraditório, quanto ao alegado na petição inicial, mostra-se sanda a eventual ineptidão da petição por ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, não devendo ser julgada procedente a sua arguição, em obediência ao disposto no n.º 3, do art.º 186.º, cfr., o art.º 193, n.º 3, do CPC.
XVI.ª - Assim, não se pode afirmar que seja ininteligível o pedido ou a sua causa de pedir, antes se afigurando bastante percetível, ou seja, a Autora pede a condenação do Réu, aqui Recorrente, no pagamento de despesas que efetuou e prestações forenses.
XVII.ª – Nesta senda, face ao preceituado no art.º 195, nº 1, do CPC, a referida nulidade principal, prevista no art.º 186º do CPC, só pode ser apreciada no despacho saneador, se o não tiver sido antes, podendo conhecer-se dela até à sentença final, se o processo não comportar despacho saneador, pelo que deste preceito legal resulta, claramente, que não há qualquer nulidade por ineptidão da petição inicial e,
XVIII.ª - Muito menos, qualquer eventual insuficiência desta está irremediavelmente precludida no momento em que transitou em julgado a decisão, proferida em 1ª instância, pelo Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim, não podendo, consequentemente, ter-se por verificada, mesmo por impulso oficioso do Tribunal (local de Caminha), o supracitado convite ao seu aperfeiçoamento.
XIX.ª - Na verdade, como já salientava Alberto dos Reis, Comentários ao CPC, Vol. 2.º, 364, “Se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretende obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta”. (sublinhado nosso).
XX.ª - E acrescenta (pág. 372): “Importa não confundir a petição inepta com a petição simplesmente deficiente. Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito de autor, não pode taxar-se de inepta; o que, então, sucede é que a ação naufraga”.
XXI.ª - E o Réu, aqui, Recorrente, por sua vez, compreendeu e interpretou cabalmente a petição inicial da Autora, como se pode ver da sua contestação, exercendo plenamente o contraditório quanto ao alegado na petição inicial, razão suficiente para julgar improcedente essa exceção, ex vi legis do n.º 3, do art.º 186, do CPC).
XXII.ª - Com efeito, questão diversa é saber se a petição encerra deficiências quanto à exposição da matéria de facto, o que nos remete para improcedência da acção
XXIII.ª - Assim, mais é de se manter a reconvenção do Réu, tanto mais que se afigura caricato e, sempre, contraditório, rejeitar-se a mesma e simultaneamente invocar-se um dos seus fundamentos para se convidar a parte adversária a aperfeiçoar a sua P. Inicial, qual seja, o “Laudo”,
XXIV.ª - Assim, e salvo sempre o devido respeito que é muito, entendemos que se trata efetivamente de pedidos que estão limitados ao exercício dos respetivos direitos pela via reconvencional.».

2.2. Pediu:

«Termos em que Deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser lavrado acórdão que revogue a decisão recorrida e mais ordene a redistribuição dos presentes autos na 1ª espécie de distribuição e, consequentemente, admita, por legalmente admissível, o pedido reconvencional formulado pelo Recorrente e, em consequência, ser a Recorrida condenada ao pagamento das quantias reconvindas.
Ou, em alternativa, deverá proceder-se à compensação do valor peticionado pela Requerida e, em consequência, ser esta obrigada a pagar ao, aqui, Recorrente, a correspectiva diferença.
Seguindo os autos os seus termos ulteriores.».

3. O autor/recorrido respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:

«1. Insurge-se o R. Apelante contra o despacho proferido pelo Tribunal a quo em 30- 04-2019, que não admitiu a reconvenção deduzida pelo R./recorrente, mas sobretudo porque considera que o Tribunal a quo não devia ter convidado a A. a aperfeiçoar a petição inicial, alegando que tal convite constituiu uma nulidade;
2. Com a devida vénia, não assiste qualquer razão ao R./recorrente na justa medida em que o despacho recorrido não aborda nenhuma situação de alegada ineptidão da petição inicial, nem o fundamento para o convite ao aperfeiçoamento tem em causa qualquer vício de ineptidão, obscuridade ou contradição com a causa de pedir;
3. O julgador a quo em momento algum do seu despacho alega que a petição inicial é inepta, o convite ao aperfeiçoamento da p.i. e junção de documentos deriva do facto de sendo o processo oriundo de uma injunção onde não é possível anexar documentos, e da solicitação do R., em oposição, da elaboração de um laudo de honorários;
4. O R. não especificou na sua douta oposição que o requerimento para a elaboração de laudo de honorários se cingia à parte do pedido reconvencional, antes pelo contrário, decorre da sua oposição que a solicitação do laudo é matéria de impugnação, ou eventualmente excepção de compensação;
5. Também não assiste qualquer razão ao recorrente quando alega que “qualquer eventual insuficiência desta está irremediavelmente precludida no momento em que transitou em julgado a decisão, proferida em 1.ª instância, pelo Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim, não podendo, consequentemente, ter-se por verificada, mesmo por impulso oficioso do Tribunal (local de Caminha), o supracitado convite ao seu aperfeiçoamento”,
6. Na justa medida em que o Juízo Local da Póvoa de Varzim oficiosamente apreciou a questão da incompetência territorial do Tribunal, e tendo julgado incompetente esse tribunal, é obvio que não poderia apreciar a questão de mérito da causa, e consequentemente não poderia ter tramitado a mesma e seguido com o eventual convite ao aperfeiçoamento de petição inicial;
7. O convite à A. para aperfeiçoar a petição inicial em nada contende com a reconvenção deduzida;
8. O Mm Juiz a quo ao decidir convidar a A. a aperfeiçoar a p.i. agiu nos poderes que lhe são conferidos de gestão processual, celeridade e eficiência processual, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do CPC; bem como, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto,
9. Resulta, assim, expresso na lei que, sendo deduzida oposição à injunção por incumprimento de pagamento em transacções comerciais de valor inferior a € 15.000,00, a ação segue a tramitação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, ou seja, segue as normas constantes do DL 269/98, de 1 de Setembro;
10. No caso em apreço, o valor da injunção é 929,07 €, e mesmo considerando o valor da reconvenção (4.320,00 €) – o que não se concebe a não ser por mera hipótese lógica e de raciocínio – o valor da acção é manifestamente inferior a 15.000,00 €, daí que a ação tenha sido distribuída como acção de honorários (Sumário);
11. Ora, in casu, o pedido deduzido pela A. tem valor inferior à alçada do Tribunal da Relação, e o valor processual que há a atender, para efeitos de prosseguimento da injunção como processo especial, é o do montante do pedido injuntivo e juros de mora vencidos até à apresentação do respectivo requerimento-tipo, não tendo qualquer influência sobre o mencionado valor (em termos do seu aumento quantitativo) aquele que vier a ser aditado por uma eventual reconvenção que venha a ser formulada na oposição do requerido – cfr artigo 18.º do DL 269/98 e Acórdão da Relação de Lisboa de 02/07/2009, processo n.º 5504/07.1TBAMD, disponível in www.dgsi.pt;
12. Seguindo-se a tramitação da acção declarativa especial, não é admissível a reconvenção, já que a simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a injunção e subsequente acção especial, cuja especificidade se centra na celeridade derivada da reduzida importância dos interesses susceptíveis de a envolver, não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional;
13. Por força da distribuição a que se refere o artigo 16.º, n,º 1, do DL 269/98, de 1 de Setembro, não tendo a A. apresentado na injunção, porque não é possível anexar documentos ou demais meios probatórios ao requerimento de injunção, o juiz pode convidar a A. a suprir essa apresentação e aperfeiçoar a petição inicial, após a oposição, devendo ser dada às partes a oportunidade de apresentarem os respectivos requerimentos probatórios, ex vi do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do CPC;
14. Se pensarmos na unidade do sistema faz sentido que o legislador que instituiu o processo simplificado, tenha tido como corolário resolver a questão de uma forma mais célere, convidando as partes, neste caso a A., a aperfeiçoar o seu articulado, o que não se compadeceu com uma alegada ineptidão da petição inicial, mas com a agilização do processo, já que a A. poderia juntar documentos na audiência de julgamento (artigo 3.º, n.º 4, do CPC);
15. O Tribunal a quo providenciou, e bem, pelo aperfeiçoamento do requerimento de injunção, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 17.º diploma anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro, convidando a A. a juntar os documentos que comprovem os serviços prestados como complemento essencial desse requerimento e dando nova oportunidade de contraditório ao R.;
16. Por isso, em nome da economia processual, é de todo admissível a via do convite ao aperfeiçoamento do articulado, não se tratando se suprir uma excepção mas de adequar um articulado à nova forma de processo, surgida por imperativo legal.
17. Face a tudo o que antecede, não se vislumbra qualquer nulidade do despacho sindicado, pelo que é absolutamente improfícuo o recurso do R./recorrente;
18. No que respeita às ações com processo especial (de valor não superior a €15.000,00, como a dos presentes autos) a jurisprudência tem entendido que não é admissível a reconvenção, uma vez que o legislador pretendeu um processo particularmente célere;
19. Devendo concluir-se que a previsão de reconvenção e de réplica no processo declarativo comum não é transponível ex lege para os processos declarativos especiais.
20. Tal interpretação não é inconstitucional, porquanto não viola os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva contidos no art. 20º da Constituição da República.
21. O R./recorrente não fica impedido de arguir a compensação, apenas não o pode fazer por via da exceção e, não podendo operar a compensação de créditos no processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98, por nele não ser admissível reconvenção, não está impedido de fazer valer o seu crédito através da propositura de uma acção autónoma para esse efeito. (vide neste sentido Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 22/06/2017 (processo n.º 69039/16.0YIPRT.G1), acessível in www.dgsi.pt;
22. Em suma, consideramos legítima a tramitação processual que o Mm juiz a quo entendeu adequado às especificidades da causa, adaptando o conteúdo e a forma do ato processual em causa ao fim que se visa atingir: assegurar um processo equitativo (art.º 547.º do CPC).
23. Nenhuma norma jurídica foi violada no douto despacho recorrido, não merecendo o mesmo qualquer censura;
24. Face a tudo o que antecede, deve manter-se integralmente o douto despacho recorrido improcedendo a apelação, uma vez que o douto despacho não merece qualquer reparo por ter realizado correcta aplicação da lei;
Assim e em conclusão, devem improceder todas as conclusões do Apelante, e consequentemente confirmar-se in totum o despacho recorrido, assim se fazendo J U S T I Ç A!».

4. Recebido o recurso, colheram-se os vistos.

II. Questões a decidir:

1. Reapreciação de direito da rejeição do pedido reconvencional na ação especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato, regulada no DL nº269/98, de 01.09., na redação atualizada.
2. Recorribilidade do despacho de aperfeiçoamento.

III. Fundamentação:

0. Enquadramento processual:

O presente processo iniciou-se como uma providência de injunção, deduzido pela sociedade de advogados J. C. & Associados, Sociedade de Advogados, Sp, RL, contra M. L., no qual a requerente pediu a condenação deste no valor de € 929, 07, acrescido de juros vincendos (fls.24).
O requerido deduziu oposição a este procedimento de injunção: defendendo-se por impugnação e por exceção de abuso de direito; pedindo a condenação do requerente em reconvenção na devolução do valor já pago de € 615, 00 e no pagamento da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais de incumprimento contratual no valor de € 4 230, 00 (fls.25 a 27).
Após a oposição o processo foi distribuído como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15 000, 00, aprovada e regulada pelo DL nº269/98, de 01.09., na sua atual redação, a que corresponde a 2ª espécie prevista no art.212º do CPC, ex vi do art.16º do referido DL nº269/98, de 01.09.

1. Reapreciação de direito quanto à rejeição do pedido reconvencional.

A decisão recorrida não admitiu a reconvenção em ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, com valor processual global fixado em € 5 159, 00, nos seguintes termos:

«Como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, só em casos muito pontuais é que é admissível a reconvenção no âmbito das ações especiais para cumprimento de obrigações, nomeadamente quando o valor da ação é superior a € 15.000,00. Ora, não é isso que se verifica no caso. Estamos perante uma ação cujo valor são € 929,07. O réu atribuiu à reconvenção o valor de € 4.230,00.
Com efeito, nos casos em que o procedimento de Injunção tem valor inferior a € 15.000 e aos quais tenha sido deduzida oposição, a ação segue a tramitação da ação declarativa especial, concretamente, as normas constantes do DL n.º 269/98 de 1 de Setembro, a qual não comporta outros articulados e, por maioria de razão, a dedução de reconvenção.»
O recorrente pediu a reapreciação de direito deste despacho, por entender: que, nos termos do art.266º/2-c) do CPC de 2013, o legislador passou a exigir que a compensação, como via de extinção da obrigação da contraparte, fosse invocada por reconvenção; que a dedução da injunção e o seguimento da mesma como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias não impedem a dedução de reconvenção; que havendo créditos recíprocos e estando os mesmos compensados com a extinção das obrigações recíprocas, deve a reconvenção ser admitida, sob pena de se onerar desproporcionalmente os cidadãos com o acesso à justiça.
Impõe-se apreciar a decisão recorrida, em face do regime jurídico aplicável, que tem estado sujeito a uma controvérsia doutrinária e jurisprudencial de aplicação.
O art. 1º do DL nº269/98, de 01.09. (com redação revista pelo DL nº303/2007, de 24.08. quanto ao valor dos contratos abrangidos pelo regime) aprovou «o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma», procedimentos estes que integram a ação declarativa especial regulada nos arts.1º ss e a providência de injunção regulada nos arts.7º ss do referido anexo.
A providência de injunção «tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações a que se refere o art.1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto- Lei n.º32/2003, de 17.02.» (art.7º do DL nº269/98, de 01.09.).

A ação declarativa especial dos arts.1º ss do DL nº269/98, de 01.09., em cuja espécie é distribuída a providência de injunção quando sofre oposição, tem também como escopo principal «conferir força executiva à petição», «com valor de decisão condenatória», o que o juiz se limitará a realizar imediatamente se o réu não contestar e não ocorrerem de forma evidente, exceções dilatórias ou o pedido não seja manifestamente improcedente (art.2º do DL nº269/98, de 01.09.).

Nesta ação especial, finda a fase dos articulados (com petição inicial ou requerimento de injunção e com a oposição), se não for julgada procedente alguma exceção dilatória ou nulidade ou não for conhecido imediatamente o mérito da causa, segue-se imediatamente a realização da audiência de julgamento em 30 dias, nos termos dos arts.3º e 4º do DL nº nº269/98, de 01.09, ex vi do art.17º/1 do mesmo diploma.
Assim, esta ação especial, no contexto dos procedimentos especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias, não contempla, por força da sua finalidade e do seu regime, a dedução de um pedido reconvencional, nos termos do art.266º/2 do CPC, com vista à condenação do autor/reconvindo na pretensão do autor: quer porque esta pretensão ultrapassa o fim dos procedimentos especiais (conferir força executiva à petição inicial ou ao requerimento de injunção); quer porque a limitação expressa da forma especial à existência de dois articulados, por razões de celeridade processual, não admite a apresentação de réplica que responda à reconvenção, nos termos do art.584º do CPC.
Neste sentido, Rui Pinto refere «São, pelo menos, duas as razões pelas quais esta ação especial não admite reconvenção. Por um lado, a reconvenção “pede” um articulado de resposta, o que o regime especial afasta; por outro lado, a reconvenção postula um pedido de condenação do autor ou, pelo menos, de reconhecimento do direito do devedor, o que está fora do escopo da ação especial: formar título executivo contra o devedor, nos termos do artigo 2º do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro.» (1)

Nesta situação, a dedução da reconvenção (que modifica objetivamente a instância, e apenas é admissível nas situações previstas por lei, nos termos dos arts.260º e 266º do CPC), também não pode vir a ser admitida na ação e procedimento especial para cumprimento de obrigações pecuniárias: nem por força da norma remissiva do art.549º/1 do CPC; nem por força da adequação formal, nos termos do art.547º do CPC, defendida por razões de justiça material por parte da Doutrina e da Jurisprudência (2).
O art.549º do CPC prevê que «Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o que não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum».

No entanto, e como refere Rui Pinto, não existe qualquer lacuna quanto à limitação prevista e definida no legislador quando previu que na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias existiriam apenas dois articulados, lacuna essa que pudesse ser resolvida com o aditamento de um articulado, pela via remissiva de aplicação ao processo especial do regime do processo comum, ex vi do do art.549º do CPC:

«os processos especiais não são processos incompletos ou lacunares, a que o artigo 549º acrescentaria articulados, mas processos que veriam diminuída a sua eficácia específica se fossem engordados por normas do processo comum. Na verdade, a relação de subsidiariedade entre processo especial e processo comum guia-se por um princípio paradoxal: o legislador especial regulou o que considerou mais importante e deixou para a lei processual comum o que era secundário.
Assim, quando o legislador especial determina que um processo especial apenas tem dois articulados, quis mesmo limitar esse número. Não há lacunas. Mas se o legislador não regula questões como as do procedimento instrutório, i.e., o direito probatório formal, é porque as quis deixar para o disposto no processo civil comum.
Aliás, é este tipo de raciocínio que permitia, no passado, a diferenciação entre processo comum ordinário, sumário e sumaríssimo. Se assim não fosse, todos os processos teriam, em maior ou menor grau, o procedimento do processo ordinário ou, atualmente, do processo comum.» (3).
O princípio da adequação formal previsto no art.547º do CPC, por sua vez, define que «O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo», em cumprimento de um dever de gestão processual, nos termos do art.6º do CPC. Esta previsão foi antecedida, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, em relação à Lei nº41/2013, de 26 de junho, que aprovou o atual Código de Processo Civil, da explicação «Mantém-se e amplia-se o princípio da adequação formal, por forma a permitir a prática dos actos que melhor se ajustem aos fins do processo, bem como as necessárias adaptações, quando a tramitação processual prevista na lei não se adeqúe às especificidades da causa ou não seja a mais eficiente.» (4).
Todavia, este relevante instrumento processual não serve para resolver de forma estrutural a dedução de pedidos reconvencionais nas ações especiais limitadas a dois articulados, sempre que os réus nas mesmas tivessem vontade e fundamento para formular um pedido reconvencional, nos termos do art.266º/2-a) a d) do CPC.

Neste sentido, Eduardo Bianchi Sampaio refere:

«A utilização do princípio da adequação formal para admitir a reconvenção nas formas de processo em que não é admissível não se nos afigura indicada. (…) o princípio da adequação formal destina-se a ser aplicado em situações específicas que, pelas suas excecionais particularidades, impõem a adoção de uma solução diversa da que foi prevista pelo legislador. Trata-se de um princípio de utilização pontual, para uma determinada situação concreta, que não pode ser utilizado para alterar genericamente um instituto jurídico ou o quadro legal relativo à tramitação de uma forma de processo, introduzindo uma alteração que apenas o legislador poderia introduzir. Como se afirma no Ac. da Relação de Coimbra de 14 de outubro de 2014, 'o princípio da adequação formal, consagrado no artigo 547.º do Código de Processo Civil, não transforma o juiz em legislador'» (5).

Por fim, também na particular situação da enorme controvérsia jurídica sobre a admissibilidade da invocação da compensação pelo réu nas ações especiais, não existem razões de justiça material que exijam a admissibilidade da dedução excecional do pedido reconvencional, nos termos do art.266º/2-c) do CPC, por a compensação poder ser invocada como exceção perentória que permite ao réu defender-se por via extintiva contra o pedido e o direito invocado pelo autor, assegurando os seus direitos constitucionais de defesa, nos termos do art.20º/1 da Constituição da República Portuguesa.

Como refere Rui Pinto, «O ponto de partida, inquestionável, é o de que a compensação constitui um dos factos extintivos das obrigações além do cumprimento, como decorre do artigo 395º CC, da sua arrumação no Capítulo do Código Civil com essa epígrafe e do teor do artigo 847º nº 1 CC. Em consequência, o devedor que dela faça uso, como provoca a extinção total ou parcial da dívida, há de querer invocar aquele facto extintivo no processo civil.» (6)
Para quem defenda que a atual redação do art.266º/2-c) do CPC não obriga a que a compensação seja deduzida por reconvenção, como Lebre de Freitas (7), a dedução da compensação por exceção não está impedida pela lei processual.
Entre os que têm entendido que o art.266º/2-c) do CPC exigiu a dedução da compensação por reconvenção (tomando partido quanto à polémica jurisprudencial sobre a invocação da compensação como exceção ou por reconvenção), (8) tem sido defendido, de forma que se considera adequada e correta, que nas ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias, em que não é admissível a dedução da reconvenção, deve ser admissível a dedução da compensação por via de exceção perentória, nos termos do art.342º/2 do CC e 571º/2- 2ª parte do CPC, em harmonização das exigências substantivas e processuais.
De facto, para Rui Pinto: «O que é importante é que o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental. Por isso, mesmo os processos especiais têm de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, necessariamente fora da reconvenção. Essa possibilidade tem lugar pela contestação por exceção perentória. Em qualquer caso, o que nenhum processo – e muito menos os processos especiais - tem de assegurar é que o réu devedor possa obter a condenação do autor credor na parte do crédito não compensada.» (9)
Idêntica posição adotou Gabriela Cunha Rodrigues- «É, pois, de concluir que, ainda que se entenda que, deduzida a compensação, o réu tem o ónus de reconvir, o tratamento da compensação não pode deixar de ser o da exceção perentória nos processos em que não é admissível a reconvenção’» (10).

Também, Eduardo Bianchi Sampaio defendeu uma interpretação restritiva do art.266º/2-c) do CPC, nas ações em que não é possível a dedução da reconvenção, (atendendo, nomeadamente, à proposta de alteração legislativa de Miguel Teixeira de Sousa, inA compensação em processo civil: uma proposta legislativa”, disponível na academia.edu):

«A sua proposta consiste em estabelecer-se expressamente que o réu pode invocar ou provocar a extinção do crédito alegado pelo autor através da compensação com um crédito próprio e alterar a redação do artigo 266.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil no sentido que a reconvenção é admissível quando o réu, na ação em que tenha alegado a exceção de compensação, pede a condenação do autor no pagamento do excedente do seu crédito sobre o crédito do autor.
Cremos que este entendimento confirma uma interpretação restritiva do artigo 266.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil. Por um lado, a necessidade de uma alteração do regime atual e o sentido da alteração que é proposta, confirmam que este preceito deve ser interpretado no sentido que a intenção do legislador foi que a reconvenção passasse a ter que ser sempre invocada através de reconvenção, independentemente do valor do crédito de que o réu é titular, o que afasta o entendimento de que nada mudou, permanecendo a utilização da reconvenção para invocar a compensação a ser meramente facultativa, tal como acontecia anteriormente. Por outro lado, simultaneamente, é reconhecido que o regime atual consagrou uma solução excessiva, cujos resultados vão além do que era pretendido pelo legislador, o que justifica uma interpretação restritiva, tal como propomos

Por acórdão desta Relação de Guimarães de 10.07.2019, relatado por Ramos Lopes, em termos que se perfilham e para que se remete, após ter sido bem discutido e contestado cada um dos argumentos das teses antagónicas (dos que têm defendido a admissibilidade da reconvenção nas ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias para poder ser invocada a compensação; dos que se têm pronunciado contra a admissibilidade da invocação da compensação por via de defesa por exceção), defendeu-se que o equilíbrio de interesses entre as partes nestas ações especiais se obtém pela admissão da invocação da compensação por via de exceção perentória:

«deve buscar-se a compatibilização prática entre os interesses do autor em ver o seu direito apreciado em acção especial (…) e do réu em invocar a compensação (…). A prevalência dum interesse em sacrifício do outro só é de considerar se ambos não puderem coexistir e compatibilizar-se, (…)
Porque os interesses merecedores de tutela são os do autor em ver a sua pretensão apreciada em acção especial cujos trâmites primam pela simplicidade e celeridade e o do réu em invocar a compensação (pondo-se a coberto dos riscos da insolvência da contraparte) – não já de obter o pagamento do valor em que o contra-crédito excede o do autor –, o tratamento da invocação da compensação como excepção peremptória permite a coexistência e compatibilização de ambos – a exigência da sua invocação através da via reconvencional redundaria numa alteração dos trâmites processais do processo especial para alcançar efeitos que a simples consideração da matéria alegada como excepção permite obter.
Concluímos, assim, que nas acções em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não deve ao réu ser coarctada a possibilidade invocar a compensação, devendo o seu tratamento ser, nesses casos, o da excepção peremptória.» (11).
Desta forma, julga-se improcedente o recurso de apelação e confirma-se o despacho recorrido de rejeição da reconvenção, sem prejuízo da apreciação pelo tribunal da 1ª instância da matéria que possa integrar uma invocação de compensação, como exceção perentória.

1. Recorribilidade do despacho de aperfeiçoamento:

O recorrente impugnou a prolação de despacho proferido pelo tribunal a quo, após finda a fase dos dois articulados, no qual este realizou o seguinte convite:

«Considerando que o réu desde já solicitou a elaboração de um laudo de honorários, e porque a petição é omissa quanto aos serviços concretamente prestados, convida-se a autora a apresentar, em 10 dias, petição inicial aperfeiçoada, na qual discrimine os concretos serviços que prestou ao réu. Mais deverá juntar aos autos os documentos que os comprovem.
Acedendo a autora ao convite, poderá o réu exercer o contraditório, no prazo de 10 dias
Este despacho foi proferido pelo Tribunal a quo, finda a fase dos articulados, após o Juízo local (a quem foi distribuído o requerimento de injunção com oposição) ter conhecido a incompetência por conexão e ter enviado o processo para apensar ao processo onde foram prestados os serviços em relação aos quais foram pedidos os honorários de mandatário no requerimento de injunção.
Nos procedimentos especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15 000, 00, finda a fase dos articulados, nos termos dos arts.3º e 4º do DL nº nº269/98, de 01.09, ex vi do art.17º/1 do mesmo diploma, prevê-se: a possibilidade de ser julgada procedente alguma exceção dilatória ou nulidade ou de ser conhecido imediatamente o mérito da causa; a realização da audiência de julgamento em 30 dias, caso o processo deva prosseguir.

Estas fases tabelares do procedimento especial não excluem, naturalmente, nos termos do art.549º/1 do CPC, nomeadamente:

a) A prolação, nos termos do art.152º/4 do CPC: de despachos de expediente destinados a «prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses das partes» (nos quais se pode contar o convite à prática de um ato instrumental para a requisição e produção de uma prova pedida); de despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário «que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador» (nos quais se incluem, nomeadamente, atos oficiosos relativos à produção de prova documental, pericial, inspetiva, testemunhal requisições técnicas- arts.436º, 468º/1-a), 487º/2, 490º/1, 511º/4, 601º, 604º/8 do CPC (12)).
b) A prolação de despachos de aperfeiçoamento e de sanação de irregularidades, nos termos dos arts.6º e 590º/2 a 6 do CPC.

Ora, qualquer um destes referidos despachos é irrecorrível: os de mero expediente e os proferidos ao abrigo de um poder discricionário, nos termos do art.630º/1 do CPC; os despachos de aperfeiçoamento, nos termos do art.590º/7 do CPC (a este propósito, o acórdão desta Relação de Guimarães de 15-11-2018, relatado por Jorge Teixeira, explica a irrecorribilidade destes despachos, porque «as considerações expendidas encerram um juízo de valoração juridicamente relevante apenas enquanto fundamento da decisão de convidar ao aperfeiçoamento», não encerrando «uma decisão definitiva sobre a valoração jurídica de tais factos (…), não constituindo uma decisão definitiva quanto à relação processual») (13)
Examinando o despacho proferido e recorrido, verifica-se que este: convidou o autor ao aperfeiçoamento dos serviços jurídicos e junção de documentos comprovativos, com sujeição a contraditório da outra parte, e com vista também a realizar a requisição de laudo à Ordem dos Advogados pedido pela ré na sua contestação.
Ora, este despacho, pelo seu segmento de convite ao aperfeiçoamento (que não apreciou qualquer exceção dilatória, nomeadamente de ineptidão da petição inicial, como pretendeu o recorrente) e pelo seu segmento instrumental de viabilização de um meio de prova pedido pela própria ré/recorrente, constitui um despacho irrecorrível.
Desta forma, rejeita-se a apreciação do recurso de apelação quanto a este despacho.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as juízes da 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação de Guimarães, julgam improcedente o recurso de apelação do despacho de rejeição da reconvenção e julgam inadmissível o recurso do despacho de aperfeiçoamento.
*
Custas pelo recorrente.
*
Guimarães, 5 de março de 2020

Elaborado, revisto e assinado eletronicamente pelas Juízes desembargadoras Relatora e Adjuntas

Alexandra Viana Lopes
Anizabel Sousa Pereira
Rosália Cunha


1. Rui Pinto, inA Problemática da dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013”, disponível em https://www.academia.edu/35539814/A_problematica_da_compensacao
2. Neste sentido, nomeadamente: Miguel Teixeira de Sousa in https://blogippc.blogspot.com/search?q=reconven%C3%A7%C3%A3o; Ac. RG de 17.12.2018, relatado por Fernanda Proença, que expõe a discussão doutrinal e jurisprudencial e opta pela dedução da reconvenção das AECOP pela via da adequação formal, disponível in https://blook.pt/caselaw/PT/TRG/554998/
3. Rui Pinto, in artigo citado em i supra, págs.17 e 18.
4. Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=37372
5. Eduardo Bianchi Sampaio, inA compensação nas formas de processo em que não é admissível reconvenção”, Revista Julgar, Maio 2019, disponível em http://julgar.pt/author/manuel-eduardo-sampaio/
6. Rui Pinto, in artigo citado em i supra, pág.4.
7. Lebre de Freitas, inAção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, Almedina, 2017, pág.153
8. Neste sentido, nomeadamente, Miguel Teixeira de Sousa, in “A compensação em processo civil: uma proposta legislativa”, 2019, disponível em https://www.academia.edu/38563274/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._A_compensa%C3%A7%C3%A3o_em_processo_civil_-_uma_proposta_legislativa_03.2019_.pdf
9. Rui Pinto, in artigo citado em i, págs.18 e 19.
10. Gabriela Cunha Rodrigues, in “A Acção Declarativa Comum” , Universidade Lusíada – Direito – n.º 11 (2013), in www.repositorio.ulusiada.pt, pág. 54 disponível em http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/1088/1/LD_11_4.pdf
11. Ac. RG de 10.07.2019, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/a02dea4b867b292b80258477002eaeca?OpenDocument&Highlight=0,Ramos,Lopes
12. Elencados por António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, pag.79.
13. AC RG 15-11-2018, disponível em www.dgsi.pt -http://www.dgsi.pt/JTRG.NSF/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/fb172262ed2d9f458025835f0037157d?OpenDocument