Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
364/17.7T8BCL-E.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE PARTILHA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

1. Sendo título executivo uma sentença homologatória da partilha efectuada em inventário que condena os interessados no pagamento a terceiro do passivo, a execução tem de observar os limites objectivos e subjectivos daquele.

2. Resultando do título que foi repartida pelos dois interessados a responsabilidade pelo pagamento da dívida ao terceiro, não pode um deles, com base no mesmo e a pretexto de a ter pago na íntegra ao credor, cobrar, na execução movida contra o outro interessado, a quota imputada a este na partilha, ainda que fundamentando tal pretensão na alegada solidariedade da dívida e do enriquecimento sem causa deste.

3. É que, partilhados, por efeito do divórcio equiparável à dissolução por morte (artºs 1688º, 1689º e 1788º, CC) o activo e o passivo, aliás com a intervenção de todos os interessados incluindo os credores, a natureza da dívida daqueles, em consequência da sentença, modificou-se nos termos que dela e da partilha resultam e que passaram a impor-se por força do seu trânsito em julgado, quer quanto ao montante aprovado ou reconhecido quer quanto à forma de o pagar (nesta se incluindo a divisão pelos interessados devedores).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

C. A. intentou, em 24-05-2013, no Tribunal de Barcelos, com apoio judiciário, acção executiva, com base numa sentença homologatória de partilha subsequente a divórcio, efectuada em inventário.

Além das tornas à mesma devidas, segundo o mapa respectivo, por F. S. (1) mas por este não pagas, pediu ainda o pagamento de metade do invocado valor do passivo da responsabilidade dele (bem como os juros). (2)

Alegou, quanto a este, que, no mapa, existe passivo da herança no valor de 5.273,29€ (3) e que “na qualidade de cabeça de casal, procedeu ao pagamento ao credor J. P., do montante de 6.000,00€, a que chegaram por acordo, no apenso D destes autos, que compreendia o capital em dívida (que constituía o passivo da herança) e custas” e, ainda, que “Assim, é o executado devedor, à Exequente, da quantia de 3.000,00€, correspondente a metade do valor por esta pago” (pontos 5, 6 e 7, do requerimento executivo). (4)

O referido executado, em 08-04-2016, com apoio judiciário, deduziu embargos.

Neles pediu que, uma vez julgados provados e procedentes, deve:

A)- Ser reconhecido ao Executado o direito de proceder à compensação do seu crédito pelo crédito da Exequente, e aqui supra indicado nos pontos 5 a 11, nas condições constantes supra também nestes mesmos pontos, direito de compensação este que o Executado aqui e agora invoca a seu favor, nos termos do disposto nos Artº. 729, al. h) do NCPC, e Artº. 847, e ss do CC., declarando-se, por isso, que o Executado nada deve à Exequente, nesta data, a título de tornas e respectivos juros de mora (Artº. 729, nº 1, als. g) e h) do NCPC), assim como o Executado absolvido do pedido de pagamento da quantia de € 3.000,00 e juros de mora, a título de pagamento do alegado passivo a favor de J. P., e indicado nos pontos 6 e 7 do requerimento executivo, porque por si não autorizado.
B)- Caso assim se não entenda, deverá ser reconhecido ao Executado o direito a compensar o seu dever de pagar tornas à Exequente pelo seu direito de crédito sobre esta no crédito por si aqui invocado e ainda não liquidado - € 61.200,00, a título de compensação pelo uso e utilização exclusiva por parte da Exequente dos bens móveis e do bem imóvel indicados nestes autos e adjudicados na partilha que deram origem ao crédito de tornas aqui incoado pela Exequente, -, dado que este é devido, pelo que tal situação não impede a compensação, como dispõe o Artº. 847, nº 3 do CC, o que também se requer, desde já.
C)- Ser ordenado o levantamento e cancelamento da penhora que incide sobre o imóvel indicado na verba um do auto de penhora de 07/01/2016, e que correspondem ao prédio urbano descrito sob o nº 111/19900430, da freguesia de ...., do concelho de Vila Nova de Famalicão
D)- Ser a Exequente condenada nas custas do processo, procuradoria condigna e no mais de lei.”

Para tanto, alegou, resumindo, que nada tem a opor a alguns dos factos alegados no requerimento executivo mas impugna outros.
Assim, “nada tem a opor” ao alegado ponto 5 (ou seja, que, no mapa da partilha, existe passivo da herança no valor de 5.273,29€).
Porém, apenas aceita ser devedor, segundo tal mapa, a título de tornas, da quantia de 48.630,30€ e respectivos juros de mora (somente os reportados aos últimos cinco anos contados até à data de entrada do requerimento executivo, que calcula em 9.731,39€, uma vez que prescreveram os vencidos em data anterior). Tal dívida, no total de 58.361,30€, está extinta, em consequência de compensação que ora exerce.
Com efeito, o imóvel penhorado era bem comum dele e da exequente (enquanto cônjuges) e foi a sua casa de habitação. Na partilha, tal bem e outros móveis, do recheio, igualmente comuns, foram-lhe adjudicados, obrigando-se, em consequência, ao pagamento de tornas, no valor de 48.630,30€.
Acontece, todavia, que todos eles estão a ser usufruídos, em exclusivo, pela exequente pelo menos desde 01-01-2005. Tal vantagem económica cifra-se, quanto aos móveis, no valor de 100,00€/mês, perfazendo até Abril de 2016 a quantia de 13.600,00€; e, quanto ao imóvel, no valor de 350,00€/mês, o que, naquela data, perfaz 47.600,00€. Com estes valores, que totalizam 61.200,00€, está ela enriquecida.
Este contracrédito é superior ao referido crédito da exequente, pelo que nada deve.
Alegou, ainda, que “desconhece o alegado pela Exequente nos pontos 6º e 7º do requerimento executivo, pelo que se têm por impugnados os factos aqui alegados e respectivo documento nº 2 junto” (item 3º), que “não aceita qualquer pagamento que esta possa ter feito de qualquer dívida de que fosse responsável o aqui Executado junto de terceiros, pois para tal não autorizou o Executado a Exequente” (item 24º) e que, “Assim sendo, e descontado o valor reclamado pela Exequente a título de pagamento a terceiros de dívidas cuja responsabilidade possa ser do Executado, o que se desconhece, como supra se alegou, o valor dos presentes autos apenas será de €58.316,30€, à data de 24/05/2013”(item 25º).
Daí a “absolvição do pedido de pagamento da quantia de 3.000,00€ e juros de mora”.

Tal oposição foi, assim, liminarmente admitida.

Em contestação, a exequente C. A., aceitou que o valor das tornas é, apenas, 48.630,30€. Impugnou que o valor devido, delas e dos juros, fosse o alegado. Bem assim os factos relativos à compensação. Na verdade, a casa foi-lhe atribuída pelo tribunal para nela habitar com a filha menor em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais. Nunca o embargante lhe exigiu que a desocupasse nem qualquer contrapartida. Os bens móveis foram todos levados pelo embargante. Dois automóveis foram vendidos por ele. Os outros são por si comprados ou os que lhe foram adjudicados de entre os comuns.

Ainda assim, os eventuais créditos a compensar anteriores aos últimos cinco anos estão prescritos quanto.

Sempre seria abuso de direito exigir agora a compensação.

Quanto ao passivo de 6.000,00€, metade do qual da responsabilidade do embargante segundo o inventário, teve de ser e foi pago na totalidade pela exequente para se livrar da penhora do seu vencimento efectuada em execução contra si movida pelo respectivo credor terceiro (J. P.) para garantia daquele valor. Sendo solidária tal dívida, exerce o direito de regresso pela dita metade.

Juntou documentos relativos à execução movida contra si e contra o ex-cônjuge pelo terceiro J. P. e ao pagamento da quantia de 6.000,00€.

Em audiência prévia, fixou-se o valor da causa, sanearam-se tabelarmente os autos, identificou-se o objecto do litígio, enunciaram-se os temas da prova e decidiram-se os respectivos requerimentos (nos termos que se podem ver de fls. 37 a 39), ordenando-se, designadamente, uma perícia sobre o valor locatício da casa (5).

Junto o relatório desta e prestados, ainda, os solicitados esclarecimentos, marcou-se e realizou-se a audiência final, nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas (fls. 66 a 69 e 78), após o que, com data de 06/07/2018, foi proferida a sentença, nela se tendo decidido:

“Pelo exposto, julgam-se os presentes embargos de executado intentados por F. S. contra C. A., parcialmente procedentes, termos em que se decide retirar à quantia exequenda todos os valores relativos ao crédito de J. P..
Custas pelo embargante e pela embargada, na proporção do respetivo decaimento.
Registe.
Notifique. ”

A exequente/embargada C. A. não se conformou e apelou a que esta Relação revogue a sentença e a “substitua por outra que julgue totalmente improcedentes os embargos, ou, em alternativa, reduzindo a quantia exequenda no que diz respeito ao valor peticionado quanto ao crédito de J. P., ao montante de 2.636,65€”, tendo para tal alegado e concluído:

“1 - Resulta da matéria de facto não provada no seu ponto n.º 5, que resultou não provado que o embargante haja pago à embargada metade do valor respeitante ao passivo indicado no requerimento executivo.
2 - Destarte, é inquestionável a existência desse passivo, bem como inquestionável que o embargante não o pagou à embargada. A dívida em causa, correspondente ao passivo, é de natureza solidária.
3 - Deste modo, tendo a Recorrente procedido ao pagamento integral de uma dívida que era solidária, provando-se que o embargante não lhe pagou a sua quota-parte nesse passivo, verifica-se que o embargante lhe deve esse montante.
4 - E portanto, entendemos que o Tribunal a quo mal andou, ao julgar parcialmente procedentes os embargos, decidindo retirar à quantia exequenda todos os valores relativos ao crédito de J. P..
5 - Ao fazê-lo, o Tribunal a quo violou o disposto no Art.º 524.º, do Código Civil, nos termos do qual “o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete”.
6 - Em alternativa, mesmo que assim não fosse, sempre estaríamos perante um enriquecimento sem causa por parte do Recorrido F. F. – conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo 1867/08.0TBVIS.C1, “o enriquecimento tanto pode traduzir-se num aumento do activo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas”.
7 - In casu, claramente que estamos perante uma diminuição do passivo do Recorrido, pois que viu diminuído o seu passivo perante o credor J. P., sem que tenha pago qualquer quantia. Também aqui, entendemos que o Tribunal a quo violou o disposto no Art.º 473.º, do Código Civil.
8 - Por último, não concedendo, mas meramente admitindo como hipótese o constante da fundamentação do Tribunal a quo, nunca o Tribunal poderia julgar os embargos parcialmente procedentes retirando à quantia exequenda todos os valores relativos ao crédito de J. P. – devendo, em alternativa, considerar, nessa hipótese, que a ora Recorrente procedeu ao pagamento do passivo constante do processo de inventário e que, por isso, os embargos procederiam com a redução da quantia exequenda no que diz respeito ao passivo peticionado, no montante constante do mapa de partilha, isto é, 2.636,65 €, valor esse que lhe é devido pelo Embargante, ora Recorrido.”

Não houve resposta.

Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, importa apreciar e decidir se a sentença deve ser revogada e substituída por outra que julgue improcedentes os embargos também quanto à pretendida metade do valor total alegadamente pago pela recorrente a um credor terceiro ou, pelo menos, quanto a metade do valor do passivo inscrito no mapa de partilha.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido, nesta sede considerou serem relevantes para boa decisão da causa segundo as várias soluções jurídicas plausíveis e decidiu julgar como provada a seguinte “factualidade” (6):

“a) C. A. intentou ação executiva comum, para pagamento de quantia certa, contra F. S., para deste haver o pagamento da quantia de € 63.109,77, acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento.
b) No requerimento executivo, na parte referente à exposição e “factos”, C. A. expôs o seguinte:
“1. A Exequente e o Executado foram ambos intervenientes num processo de Inventário e Partilha de bens, que configura o Apenso C destes autos.
2. A fls 195 e ss do Apenso C, consta o mapa de partilha, (cfr. Doc. n.º 1, que se junta), o qual foi posteriormente homologado por sentença, constante de fls 202, o qual, em virtude da não existência de reclamações, transitou em julgado.
3. No mapa de partilha constam as operações de pagamentos e recebimentos, a ocorrer entre ambos os intervenientes, sendo que, conforme consta, o Executado F. F. ficou obrigado a repor tornar a C. A., aqui Exequente, no montante de 49.665,30 €, que corresponde a metade da soma total do valor dos bens móveis sob as verbas n.º 1 a 17 e o imóvel verba n.º 18, os quais ficaram adjudicados ao Executado.
4 . Sucede que, apesar de por diversas vezes interpelado nesse sentido, o Executado nunca procedeu ao pagamento de qualquer montante, à Executada.
5. No mesmo mapa de partilha, se verifica que existe passivo da herança, no montante de 5.273,29 €.
6. A Exequente, na qualidade de cabeça de casal, procedeu ao pagamento ao credor J. P., do montante de 6.000,00 €, a que chegaram por acordo, no apenso D destes autos, que compreendia o capital em dívida (que constituia o passivo da herança) e custas. - cfr. Doc. n.º 2, que se junta.
7. Assim, é o Executado devedor, à Exequente, da quantia de 3.000,00 €, correspondente a metade do valor por esta pago.
8. A Exequente beneficia de apoio judiciário, nas modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono e atribuição de agente de execução, motivo pelo qual se encontra a mesma dispensada de proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação do Requerimento Executivo. - cfr. Doc. n.º 3, 4 e 5.”

c) Na parte relativa à “Liquidação da Obrigação”, consta o seguinte:

“Valor Líquido: 52.665,30 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 10.444,47 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total: 63.109,77 €
O valor dependente de simples cálculo aritmético resulta da aplicação de juros à taxa civil, sobre os seguintes montantes:
- sobre o montante de 49.665,30 €, desde a data do trânsito em julgado do mapa de partilha, até à presente data - no entanto, por imposição legal, só se contarão os juros vencidos dos últimos 5 anos = 9.938,50 €
- sobre o montante de 3.000,00 €, desde a data em que a Exequente procedeu ao pagamento, ao credor, da totalidade desse passivo ( em 05-03-2009) e até à presente data = 505,97 €
Tem a Exequente direito, ainda, aos juros vincendos, até efectivo e integral pagamento, o que ora requer.” – tudo cfr. requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
d) No Processo de Inventário para partilha de bens comuns do ex-casal constituído pelo embargante e pela embargada foi apresentada a relação de bens constante de fls. 106-111 do apenso C, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
e) A conferência de interessados referente ao processo de inventário procedeu-se nos seguintes moldes:

“Pelos requerente e requerida e pelos seus ilustres mandatários, Exmºs. Senhores Doutores Joaquim M. e Aline C., foi requerido o seguinte:

I - Se procedesse à rectificação da descrição da verba nº. 18 da relação de bens de fls. 110 de forma a ficar a constar que o seu solo se encontra inscrito na matriz sob o artº. 251º. Urbano e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º. 00111 de ...., Vila Nova de Famalicão, como da descrição consta;
II - Se procedesse à rectificação dos móveis das verbas nº.1 a 4 da relação de bens de fls. 107 de forma a ficar a constar que cada uma delas tem o valor de 500,00 € (quinhentos euros);
II - Se procedesse à rectificação dos móveis das verbas nº. 4 a 17 da relação de bens de fls. 107 de forma a ficar a constar que cada uma delas tem o valor de 5,00 € (cinco euros);

- Seguidamente a Mermª. Juiz proferiu o seguinte despacho:

DESPACHO
- “ Em face da posição assumida por ambos os interessados defiro ao requerido e ordeno se proceda às rectificações nos termos requeridos.
- Notifique.”
- Do despacho acabado de proferir foram devidamente notificados todos os presentes que declararam ficar bem cientes, tendo de imediato procedido às ordenadas rectificações.
- Por ambos interessados presentes foi aprovado o passivo relacionado. O Digno Magistrado do Ministério Público declarou:-“Dou aprovação ao referido passivo e, dado que o mesmo se encontra documentado, aprovo-o para efeitos fiscais ”.
- No prosseguimento dos trabalhos verificou-se que não era possível chegar a acordo quanto à adjudicação dos móveis e imóvel relacionados.
Contudo, acordaram todos os presentes que os bens fosses licitados e declararam que se encontram aptos para licitar.
- Em virtude do que foi declarado, passou-se imediatamente às licitações que tiveram o seguinte resultado:
- O móveis das verbas nºs. 1 ( um ) a 17 ( dezassete) da relação de bens de fls. 107 a 110 não obtiveram licitantes.
- O imóvel da verba nº. 18 ( dezoito ) da relação de bens de fls. 110 foi licitado pelo interessado F. S., pelo valor de 97.265,60 € ( noventa e sete mil duzentos e sessenta e cinco euros e sessenta cêntimos), correspondente a mais 45.290,86 € do que o valor constante da relação de bens.
- No prosseguimento da conferência e em virtude de os bens móveis não terem obtido licitante passou-se de imediato a realizar o sorteio dos Lotes, entrando numa urna 17 (sete) papeis, tendo-se previamente escrito em cada um deles o número correspondente a cada uma das verbas que representa.

Procedeu-se, seguidamente à extracção dos papeis, que deu o seguinte resultado:

1 - O interessado F. S. extraiu os papeis correspondentes aos móveis das verbas nºs. 2, 3, 7, 11, 12, 14, 15 e 17, tendo-lhe sido adjudicados;
2 – A interessada C. A. extraiu os papeis correspondentes aos móveis das verbas nºs. 1, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 13 e 16, tendo-lhe sido adjudicados.” – tudo cfr. ata de fls. 181-182 do apenso C, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
f) Por sentença proferida aos 01-03-2005, devidamente transitada em julgado foi homologada a partilha e foram adjudicados aos interessados os respetivos quinhões nos termos decorrentes da conferência de interessados - – tudo cfr. sentença de fls. 202, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
g) J. P., intentou ação executiva comum, para pagamento de quantia certa, contra C. A. e F. S., para destes haver o pagamento da quantia de € 5.508,49.
h) No requerimento executivo, na parte referente à exposição e “factos”, J. P. expôs o seguinte:
“1 - Nos autos de inventário supra identificados para separação de bens do dissolvido casal que foi formado pelos Executados, reconheceram estes dever ao Exequente a quantia de 5.273,29 euros.
2 - A verba em causa foi inscrita no mapa de partilha na rubrica "passivo", tendo sido proferida sentença homologatória em 1 de Março de 2005.
3 - Embora interpelados por diversas vezes pelo Exequente para pagar a quantia em dívida, os Executados recusaram-se a fazê-lo; daí a necessidade desta execução.
4 - O crédito do Exequente é certo, líquido e exigível, dispondo este do competente título executivo.”
i) Na parte relativa à “Liquidação da Obrigação”, consta o seguinte:
“Valor Líquido: 5.273,29 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 235,20 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total: 5.508,49 €
5273,29 € x 4%/ano (juros relativos ao período compreendido entre 1 de Março de 2005 e a data de entrada desta execução)
= 235,20 €
+ juros vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento da quantia exequenda.” – tudo cfr. requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
j) No âmbito da execução mencionada em g), a exequente/embargada pagou a J. P. o valor de €6.000,00.
k) Desde 01 de janeiro de 2005 até à presente data, a embargada habita o imóvel identificado com o n.º 18 da relação de bens junta aos autos de inventário.
l) A utilização do imóvel mencionado k), no período dos anos de 2015 a 2017, implicaria o pagamento de renda de valor entre €200,00 a €340,00.
m) A exequente/embargada nada pagou pela utilização do imóvel descrito em k).”

Mais decidiu considerar ainda como relevante, mas não provada, esta outra “factualidade”:

1- Desde 01 de janeiro de 2005 até à presente data, a embargada haja utilizado o recheio do imóvel adjudicado ao embargante.
2 – A utilização dos móveis mencionados em 1. determinasse o pagamento de um valor nunca inferior a € 100,00 (cem euros) por mês.
3- O embargante nunca haja consentido a utilização mencionada em k)
4- E haja interpelado a embargada para pagar o valor da sua utilização.
5- O embargante haja pago à embargada metade do valor respeitante ao passivo indicado no requerimento executivo.
*
A restante matéria de facto alegada não tem qualquer relevância para a decisão da causa, nomeadamente por constar da mesma conceitos jurídicos, conclusivos ou repetidos.”

IV. APRECIAÇÃO

É geralmente sabido que, como em todas as acções executivas, a destinada ao pagamento de quantia certa tem de ter por base um título e que por este se determinam, além da respectiva finalidade, os limites daquela (nºs 5 e 6, do artº 10º, do CPC).

Estes limites são de natureza subjectiva, uns. De natureza objectiva, outros.

Assim, por um lado, a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que nesse título tenha a posição de devedor (artº 53º).

Sendo este um limite subjectivo, é óbvio que a acção executiva (salvo nas situações de sucessão no direito ou na obrigação das pessoas que no título figurem como credor ou como devedor, dos terceiros titulares de bens dados em garantia real da dívida e daqueles contra quem, no caso de sentença, esta tenha força de caso julgado – artºs 54º e 55º) não pode ser exercida nem o processo dirigido contra quem é estranho ao título.

Por outro lado, a execução tem de confinar-se à obrigação, tal como pela sua natureza ou espécie está definida no título, e, tratando-se de prestação pecuniária, ao valor ou quantum neste fixados (salvo desvios legalmente consentidos). É o limite objectivo.

Se se quiser executar obrigação que exorbita do título, seja porque de todo nele não consta, seja porque em parte ele a não contempla, ocorre falta ou insuficiência dele (artº 726º, nº 2, alínea a).

Além disso, a obrigação exequenda deve ser certa, exigível e líquida (artº 713º).

Como também é geralmente sabido, à cabeça dos títulos taxativamente definidos por lei como capazes de servir de base a uma execução, constam as sentenças condenatórias transitadas em julgado (artº 703º, nº 1, alínea a), e 704º).

Mesmo no regime processual civil anterior (o geral e o especial relativo ao inventário), era claro que a sentença homologatória do mapa de partilha se considerava como condenatória.

De resto, no artº 52º do código revogado (7), previam-se os requisitos específicos de exequibilidades da certidão extraída do inventário e, no seu nº 3, destinando-se ela a provar a existência de um crédito, que devia incluir o que do processo constasse a respeito da aprovação ou reconhecimento dele e forma do seu pagamento, sendo entendimento pacífico na jurisprudência e prática judiciária corrente que a sentença devia expressamente condenar no pagamento do passivo. (8)

No caso aqui em apreço, como base da execução e, portanto, como título executivo, foi invocada precisamente a sentença condenatória que teria sido proferida no inventário.

Sucede que desta sentença não há, nos embargos e na execução, o menor rasto. Aliás, tendo-se mandado aqui juntar certidão do requerimento e do título executivo, vê-se que deste só faz parte o mapa da partilha que se encontra fotocopiado a fls. 101-vº e 102. Apenas se remete para ela, sem mais. E, dos factos elencados como provados, não resulta qual o passivo relacionado, quem nas respectivas verbas figura como credor, mas tão só que na acta de conferência ficou a constar que “por ambos os interessados presentes foi aprovado o passivo relacionado”.

Apesar dessas falhas e das discrepâncias já anotadas entre o que se alegou e pediu na execução e o que dali consta, o certo é que esta e os embargos prosseguiram sem qualquer intervenção reguladora e com a tramitação que exibem.

Assim, do mapa da partilha não resulta qualquer discriminação sobre quem é a pessoa (singular ou colectiva) titular do passivo e nele constando apenas imputada a responsabilidade pelo pagamento de metade a cada um dos ex- cônjuges, nada se estabelece sobre a quem ficaram eles obrigados a pagar.

Além dessa contingência de natureza subjectiva (9), salienta-se outra de natureza objectiva.

É que tendo a aqui exequente invocado que pagou a quantia de 6.000,00€ ao credor J. P., na execução por aquele movida, e, por isso, que quer receber do executado – por si considerado devedor solidário – a respectiva metade, o certo é que não é aquele o valor no passivo constante como devido ao mesmo, não se percebendo por que razão tal credor terceiro, na outra execução contra ambos, alegou e pediu o pagamento a seu favor do valor total do passivo (5.273,29€), mais juros liquidados sobre esse montante, nem se sabendo os motivos e termos em que aquele terá alegadamente acordado com a aqui recorrente C. A., em tal processo, o pagamento do valor global de 6.000,00€ por ela feito. (10)

Neste contexto, para chegar à decisão proferida – no recurso apenas quanto a este segmento impugnada – e que, na procedência parcial dos embargos, mandou retirar à quantia exequenda “todos os valores relativos ao crédito de J. P.”, a sentença (11) manifestou o seguinte entendimento:

“Ora, compulsados os termos da decisão proferida nos autos de inventário, em conjugação com a relação de bens apresentada, verifica-se que ao credor J. P. não foi reconhecido um crédito no valor de €5.273,29, mas de apenas de €3.740,98, sendo que aquele valor representa a soma do crédito daquele com o crédito reconhecido a favor da Companhia de Seguros X, S.A., no montante de €757,98.

Assim, J. P. intentou ação executiva peticionando o pagamento de um valor que não lhe era totalmente devido, pelo que, se a exequente pagou uma quantia superior à devida, este facto não pode ser imputado ao executado.

Deste modo, não cumprindo ao Tribunal averiguar que valor é devido ao credor J. P., a título de capital e juros, terá de se considerar que, nesta parte, a quantia peticionada não possui título executivo suficiente e que tal obrigação exequenda é incerta, devendo a exequente instaurar nova execução pelo montante do crédito reconhecido nos autos de inventário àquele. “
[…]
Destarte, nesta parte, os embargos procederão, com redução da quantia exequenda no que diz respeito ao valor peticionado quanto ao crédito de J. P. e respetivos juros.” (12)

A exequente/embargante, discordando, baseia o seu apelo no sentido de que também nesta parte os embargos sejam julgados totalmente improcedentes e prossiga a execução quanto a todo o valor pago ao J. P. ou, pelo menos, quanto ao valor de 2.636,65€ correspondente a metade do passivo total descrito.

Ora, sendo certo que, embora em termos inexactos, o executado/apelado defendeu que o título executivo em causa não abrange o pagamento de quaisquer valores pela exequente ao terceiro e que, no fundo, na sentença lhe foi dada razão, uma vez que, além das divergências de montantes, “a quantia peticionada não possui título executivo suficiente” – ou seja, que nele se considerou não figurarem, na sentença homologatória da partilha nem no respectivo mapa, a exequente como credora do valor de 3.000,00€ sobre o executado nem este como devedor à mesma de tal quantia nem de qualquer outra por “incerta, devendo a exequente instaurar nova execução”, a verdade é que a exequente/apelante não ataca propriamente este entendimento e consequente decisão.

De harmonia com as suas alegações e conclusões, ela baseia-se, em primeiro lugar, na circunstância por si enfatizada de ter resultado não provado que o embargante lhe pagou metade do valor do passivo.

Embora isso se constate como certo, pois que, entre os factos não provados, tal se inclui no ponto nº 5, a verdade é que nunca a excepção de pagamento foi pelo embargante alegada, nem, aliás, na sentença considerada, apesar de ser um dos fundamentos possíveis de oposição (artº 729º, alínea g).

Daí, portanto, nenhuma ilação pode a contrário tirar no sentido da improcedência total dos embargos.

Baseia-se ainda no entendimento de que a dívida do passivo tem natureza solidária e que, portanto, tendo ela pago a totalidade (6.000,00€), deve o embargante pagar-lhe a sua quota-parte, nos termos do artº 524º, do CC, ou, pelo menos, nos do artº 473º (enriquecimento sem causa).

Só que não é assim.

Lembre-se que a recorrente lançou mão do processo executivo. Não pode ir além do que no título consta, objectiva e subjectivamente.

No mapa de partilha ela não figura como credora do recorrido. Nenhuma quantia aí consta ele ter ficado obrigado a pagar-lhe. Nem na sentença obviamente tal poderia ter sido decidido. Esta só poderia condená-lo a pagar a metade, definida como da sua responsabilidade no passivo global aprovado, ao credor ou credores identificados como titulares activos do mesmo.

Manifestamente, portanto, o título não abarca tal obrigação.

De resto, depois da partilha, a obrigação que era comum, enquanto dívida da responsabilidade do casal e por ela respondendo os respectivo bens comuns e então sim nisso consistindo a alegada “solidariedade”, deixou de o ser.

Partilhados, por efeito do divórcio equiparável à dissolução por morte (artºs 1688º, 1689º e 1788º) o activo e o passivo, aliás com a intervenção de todos os interessados incluindo os credores, o crédito destes, em consequência da sentença, modificou-se nos termos que dela e da partilha resultam e se impõem face ao seu trânsito em julgado, quer quanto ao montante aprovado ou reconhecido quer quanto à forma (nesta se incluindo a divisão pelos interessados devedores) de o pagar. (13)

Tendo a recorrente lançado mão do processo executivo e invocado como sua base a sentença e o mapa de partilha, tem ela de se cingir ao que nesse título se define.

Caso entenda discutíveis e pretenda discutir questões derivadas da circunstância de, na execução cumulada pelo terceiro contra ambos por dívidas de cada um, ter pago, sozinha, não só a sua mas também a do co-executado, isto a despeito dos limite e do regime de responsabilidade adveniente da partilha e, enfim, tudo o que considere invocável contra aquele em termos da alegada “solidariedade” e do pretenso “enriquecimento sem causa“, não é de certeza neste processo executivo que poderá fazê-lo, atenta a sua natureza e fins.

Debalde, aliás, invoca aresto de tribunal superior proferido sobre caso concreto que nenhuma similitude tem com este.

É, de resto, incompreensível (14) que, sem discutir o que na sentença consta quanto à titularidade do passivo (por dois credores) e à responsabilidade do executado (por metade do mesmo), insista que, a não lhe ser reconhecido o direito de executar metade daquilo que (indevidamente?) lhe foi exigido (por um só dos titulares, na respectiva execução), ou seja, 3.000,00€, ainda assim continue a batalhar por que lhe seja reconhecido o direito de executar, pelo menos, metade, ou seja, 2.635,00€ dos 5.273,29€ em que se inclui o crédito, segundo a sentença, de uma companhia de seguros.

Não merece provimento a apelação. Deve, pelo quer se referiu e apesar das notadas tergiversações quanto à instauração e orientação do processo, manter-se o decidido.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela recorrente – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
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Notifique.
Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

José Fernando Cardoso Amaral
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Pedro Damião e Cunha


1. Que – erradamente – alegou serem de 49.665,30€, quando em tal mapa consta que o valor delas é de 48.630,30€, resultando aquele da soma, obviamente para este efeito desconsiderável, do valor de tais tornas a haver por ela com o valor dos bens móveis que lhe foram adjudicados!
2. Somou, pois, ao valor de 49.665,30€ o valor de 3.000,00€. Somou também os juros dos últimos cinco anos sobre as tornas, no valor de 9.938,50€, com os devidos sobre aquela metade no valor de 505,97€. Assim, obteve o total de 63.109.77€ = 52.665,30€ + 10.444,47€.
3. Não consta, nesse mapa, a quem pertence tal crédito, efectivamente nesse montante total de 5.273,29€.
4. Apesar de, no mesmo mapa, estar mencionado que “a responsabilidade no passivo” de cada um dos ex-cônjuges é de metade, no valor de 2.636,645€, não consta a quem, cada um deles, a pagaria, ou seja, qual o credor ou credores da mesma, nem, portanto, aí está explicitado qual o crédito do dito J. P. nem qual dos ex-cônjuges lho pagaria.
5. Respeitante à pretendida compensação declarada pelo executado/embargante que, na sentença, se disse não deveria ter sido admitida com fundamento dos embargos e foi julgada improcedente!
6. Que se transcreve na íntegra, apesar do seu teor, para melhor se compreenderem os contornos e o desenvolvimento do processo e com eles se relacionar este recurso.
7. Norma hoje reproduzida no artº 20º, da Lei 23/2013, de 5 de Março.
8. Aliás, sob pena de nulidade – cfr. Lopes Cardoso, Partilhas, volume II, 1990, página 520.
9. Não despicienda porque, afinal de contas, a sentença foi descobrir “compulsados os termos da decisão proferida nos autos de inventário, em conjugação com a relação de bens apresentada” – mas não elencados no rol dos factos provados – que, afinal, há dois credores do passivo e não apenas um.
10. É que a sentença detectou também, embora nada disso conste elencado nos factos provados, que ao credor J. P. não foi reconhecido crédito no tal montante de 5.273,29€ “mas apenas de 3.740,98€, sendo que aquele valor representa a soma do crédito deste com o crédito reconhecido a favor da Companhia de Seguros X, SA, no montante de 757,98€”!
11. Depois de anunciar que importava averiguar se há título executivo – sendo certo que as partes aceitam que o há mas apenas discutem os seus limites, mormente quanto a tal crédito do J. P. – de transcrever o texto do artº 729º, CPC, de considerar que o fundamento dos embargos respeitam às alíneas a) e h), ou seja, inexistência ou inexequibilidade do título e contracrédito compensável, de longamente inserir citações doutrinais sobre a definição, conceito e função do título executivo.
12. No mais, a sentença julgou improcedentes os embargos relativamente às tornas e juros, mandando quanto a estes prosseguir a execução por entender que, a respeito da compensação, eles nem deveriam ter sido admitidos e que, citando extensamente jurisprudência, ela é inadmissível.
13. Lopes Cardoso, Partilhas, volume II, 1990, páginas 522 e sgs, 530 e sgs e534 e sgs..
14. A não ser pela circunstância de ambas as partes litigarem com o benefício de apoio judiciário!