Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
648/15.9T8BRG.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO
RISCO
RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Apenas dos factos considerados provados é que se deve partir para a aplicação do direito, não sendo admissível na discussão jurídica do mérito da causa em sentido estrito a introdução da prova como a testemunhal para se obter o sentido interpretativo que se julgue mais consentâneo.

2- Nos acidentes de trabalho não basta que se verifique a inobservância das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho para se excluir a responsabilidade da seguradora, sendo necessário provar o nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente.

3- A norma do artº 14º, nº 2 da LATDP não é taxativa.

4- A descaracterização não abrange, nomeadamente, as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distracção, esquecimento, ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco e, por isso, condutas com causa justificativa que pode ser uma inadvertência ou momentânea negligência, uma imprudência, ou mesmo um impulso instintivo ou altruísta.

5- “O risco relevante para efeitos do contrato de seguro, dada a sua especificidade típica, deve ser configurado no respectivo contrato através da chamada declaração inicial dos riscos cobertos; na prática negocial, tal delimitação, mormente na vertente causal, é tecnicamente feita através de dois vectores complementares: primeiramente, através de cláusulas definidoras da chamada cobertura de base e, subsequentemente, pela descrição de hipóteses de exclusão ou de delimitações negativas daquela base, com o que se configura um tipo abstracto de sinistro coberto pelo seguro”.
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Neste processo especial emergente de acidente de trabalho é sinistrado José F., representado pelo MºPº, seguradora AS - Companhia de Seguros, SA e empregadora PB, Lda..
Foi realizado exame singular e tentativa de conciliação na qual não se consideraram as partes conciliadas porque, designadamente: a seguradora, “não aceita a existência do acidente nas precisas circunstâncias descritas neste acto pelo sinistrado, não aceita a sua caracterização como acidente de trabalho, não aceita o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente.
Aceita a existência de uma apólice por acidente de trabalho sendo transferida a retribuição de € 620,00 x 14 meses, ou seja, retribuição anual de € 8.680,00.
Não aceita o resultado do exame médico atribuído pelo G.M.L..
Não aceita pagar qualquer quantia a título de indemnização pelo acidente de trabalho, uma vez que a apólice não dá cobertura ao Domingo e o sinistrado estava a trabalhar em situação de ITA.
Não aceita pagar a quantia de € 15,00 de transportes, propostos pelo Mº. Pº. nos seus precisos termos”; e
a entidade patronal, “aceita a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente e a responsabilidade da diferença salarial não transferida para a seguradora.
Aceita o resultado do exame médico atribuído pelo G.M.L..
Aceita pagar a pensão anual de € 210,33, com início em 07.02.2015, calculada com base na retribuição supra referenciada e na IPP 24,8320%, proposta pelo Mº. Pº. nos seus precisos termos.
Aceita pagar € 226,47 de diferença de indemnização pelas ITS propostos pelo Mº. Pº. nos seus precisos termos”.
O sinistrado pediu a condenação no pagamento:
da pensão anual e vitalícia, com inicio em 07.2.2015, de 1.719,12€, devida pela incapacidade permanente parcial para o trabalho de que ficou a padecer, sendo o montante de 1.508,79€ da responsabilidade da 1ª R e o montante de 210,33€ da responsabilidade da 2ª R;
da quantia de 1.843,88€, a título de indemnização pelos períodos em que esteve com incapacidade temporária absoluta e parcial para o trabalho, sendo o montante de 1.618,38€ da responsabilidade da 1ª R e o montante de 226,47€ da responsabilidade da 2ª R;
das quantias de 15,00€ e 637,50€ que despendeu em deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos e exames médicos; e
dos juros de mora sobre estas quantias, a calcular à taxa legal supletiva.
Alegou, em síntese: no dia 16.11.2014, nas instalações da 2ª R, estava a proceder à limpeza do telhado de um pavilhão, quando se partiu uma telha e caiu de uma altura de cerca de seis metros, de que resultou traumatismo craniano; e trabalhava por conta desta R do qual é sócio gerente, mediante a remuneração de 620,00€ x 14 meses, acrescida de 5,00€ x 22 x 11 meses de subsídio de alimentação; sofreu ITA e ITP; e ficou com uma IPP de 24,8320%, com alta em 06.2.2015.
Nas respectivas contestações as RR alegaram, em súmula, no sentido que declararam na tentativa de conciliação, bem como:
a 1ª R, que a 2ª R, caracterizou o risco que pretendia transferir como sendo “Tratamento e Revestimento de Metais” a apólice não previa a cobertura de trabalhos aos domingos e feriados e que o sinistro encontra-se descaracterizado por violação sem causa justificativa das condições de segurança previstas na lei; e,
a 2ª R, que o sinistrado procedia ao acondicionamento de peças de metal-depositadas no pavilhão para serem entregues ao cliente no dia seguinte, algumas delas estavam danificadas devido à chuva que caía no interior do pavilhão, o mesmo apercebeu-se que o pavilhão apresentava uma telha partida pelo que sendo premente e urgente deslocou-se ao telhado a fim de proceder à sua limpeza/reparação, não obstante toda a prudência, quando se encontrava no telhado perdeu o equilíbrio, escorregou e caiu e na proposta de seguro e respectiva apólice não estavam apostas limitações quanto à prestação de trabalho do sinistrado e demais trabalhadores, nomeadamente ao domingo.
O A respondeu mantendo a sua posição inicial.
Proferiu-se despacho saneador, onde se procedeu à selecção da matéria fáctica (factos assentes e controvertidos) e ordenou o desdobramento do processo para fixação do grau de incapacidade.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento.
Proferiu-se sentença:
“Pelo exposto, decido julgar a presente acção integralmente procedente e, em consequência, condeno as rés a pagar ao autor:
1. A pensão anual e vitalícia de € 1.719,12 (mil setecentos e dezanove euros e doze cêntimos), sendo o montante de € 1.508,79 (mil quinhentos e oito euros e setenta e nove cêntimos) da responsabilidade da primeira ré e o montante de € 210,33 (duzentos e dez euros e trinta e três cêntimos) da responsabilidade da segunda ré, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o dia seguinte ao da alta até integral pagamento;
2. Esta quantia é devida desde o dia seguinte ao da alta e obrigatoriamente remida no correspondente capital de remição;
3. A quantia de € 1.843,88 (mil oitocentos e quarenta e três euros e oitenta e oito cêntimos), sendo o montante de € 1.618,38 (mil seiscentos e dezoito euros e trinta e oito cêntimos) da responsabilidade da primeira ré e o montante de € 226,47 (duzentos e vinte seis euros e quarenta e sete cêntimos) da responsabilidade da segunda ré, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data da tentativa de conciliação até integral pagamento e podendo esta quantia ser paga juntamente com a entrega do capital de remição;
4. As quantias de € 15,00 (quinze euros) e € 637,50 (seiscentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos), as quais são da responsabilidade da primeira ré, acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data da tentativa de conciliação até integral pagamento e podendo estas quantias serem pagas juntamente com a entrega do capital de remição”.
A seguradora recorreu.

Conclusões:
1- O objecto do recurso confina-se à questão de saber:
1. a) Se o contrato de seguro 194966 celebrado entre a aqui recorrente e a empresa PB, Lda., cobre ou não, o acidente dos autos, ou seja, se dá cobertura ao risco do acidente sofrido pelo autor quando procedia à reparação de uma telha, uma vez que a atividade segura era a de “tratamento e revestimento de metais”;
2. b) Se o contrato de seguro cobre trabalhos aos domingos, quando se encontra exarado nos itens da proposta que não são realizados trabalhos aos domingos e feriados;
3. c) Se o acidente se ficou a dever a ato do autor que importe violação sem causa justificativa das condições de segurança previstas na lei.
2- Relativamente à 1ª questão importa realçar que a PB, tinha transferido a sua responsabilidade infortunística laboral para a aqui recorrente através do contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho por conta de outrem, titulado pela apólice 10.10.19...., na modalidade de prémio variável por folhas de férias, abrangendo o Autor, como sócio gerente da empresa e trabalhador.
3- Enquanto proponente, a referida empresa caracterizou o risco que pretendia transferir como sendo o de “Tratamento e Revestimento de Metais”.
4- O referido contrato rege-se pelas disposições e cláusulas constantes da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho por conta de Outrem, nos termos da Portaria n.º 256/2011 de 05/07 e norma regulamentar n.º 1/2009-R de 08/01 do Instituto de Seguros de Portugal.
5- Neste domínio contratual, as partes acordam previamente sobre o risco, a natureza dos trabalhos e demais circunstâncias tidas como influentes na avaliação do risco concreto e nas contrapartidas correspondentes, não podendo ser exigido, que uma das partes se obrigue para além dos termos desse negócio jurídico bilateral e formal.
6- Ora, no caso em apreço o prémio pago pelo tomador de seguro correspondia ao risco assumido, determinado em função da actividade segura, número de trabalhadores, salários indicados nas folhas de férias e outras declarações constantes da proposta de seguro.
7- Admite-se que, para além da atividade predominante da empresa, se incluam nas garantias contratuais, atividades secundárias ou complementares da actividade económica desenvolvida, nomeadamente e a título exemplificativo, limpeza de resíduos, mudança de uma lâmpada, uma pequena reparação de máquina que avariou.
8- Porém, não parece lícito a inclusão nas coberturas do contrato, de actividades estranhas e sem qualquer relação com a atividade da empresa e ainda que acessórias, complementares e esporádicas, desde que impliquem um risco muito superior ao que na realidade foi contratado.
9- Dos factos provados resulta que o autor, para além de sócio gerente da empresa era trabalhador e no dia do acidente deslocou-se ao telhado do pavilhão da fábrica, para reparar uma telha de fibrocimento que se partiu e originou a sua queda ao solo, de uma altura de seis metros.
10- Salvo o devido respeito é entendimento da recorrente que o ato praticado pelo autor no momento do acidente não se insere na actividade do empregador, nem no seu objeto social, nem possui qualquer relação de acessoriedade ou complementaridade com a actividade económica da empresa tomadora de seguro.
11- Igualmente não tem qualquer correspondência ou enquadramento na categoria profissional do autor
12- Acresce referir que os riscos inerentes a actividades perigosas, designadamente trabalhos em altura, porque implicam um maior risco, tem uma taxa agravada e, consequentemente, o pagamento de um prémio superior.
13- Relativamente à segunda questão a recorrente igualmente discorda do Mm.º Decisor, por entender que esta prova é essencialmente documental e da proposta de seguro que se encontra junta aos autos, extrai-se que a apólice não dá cobertura a trabalhos aos domingos e feriados, facto que o tomador não pode desconhecer uma vez que a proposta tem o carimbo da empresa e a sua assinatura.
14- Assim, atenta esta exclusão e estando provado que o acidente ocorreu a um domingo, o mesmo encontra-se excluído das garantias contratuais.
15- No tocante à terceira e última questão, atenta a factualidade dada por assente parece lícito concluir-se que o Autor incumpriu as obrigações legais que se lhe impunham constantes do art.º 17º n.º 1 f) da Lei 102/2009, de 10/09, art.ºs 36º a 39º do D.L. 50/2005 de 25/02
16- Aliás qualquer cidadão comum, minimamente cauteloso e sensato, não assumiria o ato praticado pelo autor, dado o perigo eminente que representava subir ao telhado a seis metros de altura, para reparar uma telha de fibrocimento, com o telhado molhado, sem dispor de qualquer dispositivo de segurança, designadamente o arnês.
17- Desde logo não é justificável a argumentação expendida para este comportamento que, alegadamente, se deveu a uma situação de urgência, uma situação próxima do estado de necessidade, a fim de evitar que a água da chuva danificasse as peças de metal que se encontravam no interior do pavilhão, o que causaria um prejuízo considerável.
18- Por sua vez a recorrente entende que o autor teria evitado o acidente se tivesse agido com sensatez e prudência, além de que existiam alternativas menos perigosas, para acautelar os materiais.
19- Inexiste pois, qualquer causa justificativa para o comportamento do Autor ao subir a um telhado de 6 metros de altura, sem utilizar qualquer equipamento de protecção individual adequado, cinto ou arnês de segurança, pondo em risco a sua vida
20- Facto este que descaracteriza o acidente como de trabalho e exclui o direito à reparação nos termos do disposto no n.º 1 al. a) e n.º 2 do art.º 14º da Lei 98/2009 de 04/09.
21- A decisão recorrida fez uma errada interpretação do estatuído no regime jurídico do contrato de seguro e disposições complementares, Portaria 256/2011 de 05/07, art.ºs 236º a 238º do C.C. e n.º 1 al. a) e n.º 2 do art.º 14º da Lei 98/2009 de 04/09.
22- Donde, na consecução da Justiça, impõe-se, consequentemente, a revogação dessa concreta decisão, com a absolvição da ora recorrente.
Contra-alegou-se sem dedução formal de conclusões.
Efectuado o exame preliminar cumpre decidir.
Indagar-se-á sucessivamente da descaracterização do acidente por violação, sem causa justificativa, das condições de segurança previstas na lei e da exclusão da responsabilidade da recorrente devido ao contrato não cobrir o risco do sinistro nem o trabalho ao domingo.

Os factos considerados assentes na sentença
1. O autor exercia a actividade profissional de gerente como trabalhador da segunda ré;
2. O autor auferia a retribuição anual de € 9.890,00;
3. No dia 11 de Novembro de 2014, pelas 12.00 horas, o autor encontrava-se num pavilhão onde a segunda ré guardava peças de metal;
4. O autor estava acondicionar peças de metal que a segunda ré tinha que entregar a um cliente no dia seguinte;
5. A certa altura, apercebeu-se que algumas destas peças de metal estavam danificadas pela água da chuva;
6. Após, constatou que uma telha do telhado do pavilhão estava partida;
7. O autor foi ao telhado do pavilhão reparar esta telha;
8. Quando se encontrava no telhado, uma telha partiu-se e o autor caiu;
9. O autor caiu de uma altura de cerca de 6,00 m;
10. A telha que se partiu era de fibrocimento;
11. O autor não utilizava arnês preso à linha de vida ou a qualquer outro ponto fixo quando ocorreu o acidente;
12. Como consequência directa e necessária do acidente, o autor esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho pelo período de oitenta e dois dias;
13. Como consequência directa e necessária do acidente, o autor esteve com incapacidade temporária parcial para o trabalho de 40,00% pelo período de trinta e oito dias;
14. Como consequência directa e necessária do acidente, o autor ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 24,8320%;
15. O autor teve alta clínica no dia 6 de Fevereiro de 2015;
16. O autor despendeu as quantias de € 15,00 e € 637,50 em deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos e exames médicos;
17. A responsabilidade por acidentes de trabalho com o autor estava transferida para a primeira ré por contrato de seguro titulado pela apólice nº10.10.19….;
18. Este contrato de seguro cobria a retribuição anual de € 8.680,00;
19. O dia 11 de Novembro de 2014 era um domingo;
20. O objecto social da segunda ré consistia na actividade de tratamento e revestimento de metais;
21. O autor nasceu no dia 2 de Fevereiro de 1971”.

Da descaracterização do acidente por violação, sem causa justificativa, das condições de segurança previstas na lei
Apenas dos factos considerados provados se deve partir para a aplicação do direito.
Nesta linha temos que a recorrente não impugnou a decisão relativa à matéria de facto, pelo que importa agora ponderar apenas a matéria de facto assente na sua subsunção ao pertinente direito substantivo.
Daí que na actividade interpretativa do direito quanto aos fatos não dever-se-á conformá-la aos elementos de prova que se teve à disposição na audiência, designadamente testemunhal, para a tornar mais consentânea com a tese de cada uma das partes.
Uma segunda nota é que a recorrente não questiona que o acidente tenha ocorrido em termos tais que deva ser considerado como de trabalho segundo a definição prevista nos artºs 8º nº 1 e 9º nº1 da Lei nº 98/2009 de 04.09.
Unicamente descaracterizou-o argumentando que se intuía o incumprimento por parte do recorrido “das obrigações legais constantes do art.º 17º n.º 1 f) da lei 102/2009 de 10/09, art.ºs 36º a 39º do D.L. 50/2005 de 25/02”, já que se posicionou sobre o telhado sem utilizar qualquer dispositivo de segurança, estando a seis metros de altura para reparar uma telha de fibrocimento que estava partida.

Vejamos.

Ao contrário do que a recorrente afirma não se pode concluir da factualidade assente que estava um dia de chuva e o telhado molhado ou que para esse trabalho o recorrido não tinha formação profissional, matéria de resto nem sequer alegada na contestação, tal como acontece com a circunstância alegada no recurso que como solução o mesmo poderia ter retirado “as peças de metal do local onde chovia, para outro sítio no interior da fábrica, visto que só uma telha estava partida, ou protege-las com um tolde impermeável”.
Igualmente não foram alegadas pela recorrente outras alternativas que se afigurassem mais seguras para a prevenção pretendida pelo recorrido para salvaguarda do património da 2ª R e para a satisfação dos seus compromissos comerciais.
Entende-se que o ónus da prova dos factos correspondentes, porque impeditivos do direito da impetrante, cabe à entidade responsável pela reparação do acidente, atento ao artº 342º, nº 2 do CC.
Pois bem, visto que a conduta do recorrido foi motivada pela tentativa de salvaguarda de bens que se destinavam a ser entregues no dia seguinte a um domingo e alguns deles estavam já danificadas pela água da chuva deve-se aceitar este contexto como causa justificativa bastante para a iniciativa do sinistrado.
E reza o artº 14º da Lei nº 98/2009, sob a epígrafe descaracterização do acidente:
1- O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
(…)
2- Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
(…).
A norma do citado nº 2 não é taxativa.
E o tribunal a quo ajuizou devidamente tais circunstâncias quando expende:
“Nos termos do art. 14º nº 1 al. a) da Lei nº 98/2009 de 4 de Setembro, a responsabilidade pela reparação dos danos resultantes de um acidente de trabalho é excluída se o acidente for causado por um acto ou omissão do sinistrado que importe a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei.
A exclusão da responsabilidade pelo acidente exige que tenha ocorrido uma violação consciente e suficientemente grave das regras de segurança pelo trabalhador ou, como afirma PEDRO ROMANO MARTINEZ, ‘uma negligência grave assente na violação consciente das regras estabelecidas’ (in Direito do Trabalho, pág. 939).
Na jurisprudência tem sido entendido que nesta causa de exclusão da responsabilidade apenas se incluem violações voluntárias e conscientes das regras de segurança, o que afasta a relevância de condutas assentes em culpa leve ou mera inadvertência do trabalhador. No essencial, exige-se, como é referido habitualmente, que a conduta do trabalhador revele uma vontade iluminada pela intencionalidade ou dolo. Neste sentido pode ver-se o Ac. da Relação de Lisboa de 19 de Dezembro de 2012, de acordo com o qual ‘a causa excludente do direito à reparação do acidente a que se alude na segunda parte da alínea a) do nº1, a conjugar com o nº2, do art. 14º da Lei nº98/2009 de 4 de Setembro, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) que se trate de uma conduta do acidentado, seja ela por acção, seja por omissão; (ii) que essa conduta seja representativa de uma vontade do mesmo iluminada pela intencionalidade ou dolo na adopção dela; (iii) que inexistam causas justificativas, do ponto de vista do acidentado, para a violação das condições de segurança; (iv) que existam, impostas legalmente ou por estabelecimento da entidade empregadora, condições de segurança que foram postergadas pela conduta do acidentado; sendo um dos requisitos exigidos, a voluntariamente na violação das regras de segurança, quer legais quer estabelecidas pela entidade patronal, ficam excluídos da descaracterização os actos ou omissões que resultem as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distracção, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco’(in www.dgsi.pt.; no mesmo sentido pode ver-se CARLOS ALEGRE, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pág. 61, e JOSÉ AUGUSTO CRUZ DE CARVALHO, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais - Legislação Anotada, pág. 50 para quem 'não exige a lei, que a violação das condições de segurança (…) seja propositada ou intencional – por isso que fala em acto ou omissão - mas exige que tenha sido sem causa justificativa).
Assim, não estão ali compreendidos não só os actos involuntários, como até os cometidos com violação daquelas condições de segurança por espírito de abnegação e sentimento de caridade ou impulso meramente instintivo ou altruísta de salvar outrem ou o intuito de beneficiar o patrão ou ainda os devidos a imprudência ou imprevidência resultante do longo hábito ao contacto diário com o perigo'.
Da matéria de facto provada resulta que o autor não estava a utilizar arnês preso à linha de vida ou a qualquer outro ponto fixo quando ocorreu o acidente.
A não utilização de arnês configura uma violação das regras de segurança previstas na lei. Todavia, entendemos que não é possível afirmar que a conduta do autor foi intencional ou dolosa no sentido da violação das regras de segurança. O autor deparou-se com uma situação de urgência em que a água da chuva estava a danificar as peças de metal que a segunda ré tinha que entregar no dia seguinte. Para evitar um prejuízo que podia ser considerável, com a necessidade da substituição das peças de metal e o incumprimento do prazo que havia sido assumido com o cliente, o autor decidiu ir ao telhado do pavilhão para reparar a telha que estava partida e permitia a entrada da água da chuva. Nestas circunstâncias, é compreensível que o autor não tenha ponderado a necessidade de utilizar um arnês, tendo a sua conduta ficado a dever-se mais a falta de ponderação do que a uma intenção ou dolo no sentido da violação das regras de segurança. Por outro lado, também não é possível afirmar que, no contexto em que ocorreu o acidente, a violação das regras de segurança não era justificada. O autor deparou-se com uma situação próxima do estado de necessidade, nos termos do art. 339º nº1 do Cód. Civil, em que ou reparava imediatamente a telha que estava partida e permitia a entrada da água da chuva ou deixava que as peças de metal que a segunda ré tinha que entregar no dia seguinte fossem danificadas, tendo optado pela reparação da telha para evitar um prejuízo que considerava que era superior”.
Em consonância com o predito cita-se o acórdão do STJ de 03.03.2016, procº nº 568/10.3TTSTR.L1.S1, www.dgsi.pt, bem como os aí invocados.
Acresce, podem alvitrar-se várias hipóteses para o sinistro ter ocorrido, designadamente em violação de uma dada regra de segurança e nomeadamente no que respeita à relação entre essa violação e o resultado. Contudo não se pode asseverar que o acidente não ocorria sem essa violação que não para além da simples inadvertência, imperícia, distracção, esquecimento, ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultante ou não da habituação ao risco necessariamente.
Também e segundo o conspecto factual sempre se poderá afirmar que se apresentam sensivelmente diminuídos os fundamentos da tutela dos interesses a salvaguardar pelas rigorosas exigências advindas das regras de segurança, máxime as citadas pela recorrente, deste modo não se impondo simplesmente a sua inobservância.
Apesar das assinaladas omissões de alegação pelas quais se pudesse discorrer sobre o efectivo risco de queda ou ainda o seu acentuar, que a conduta do recorrido estivesse apta a produzir restaria ainda averiguar em que medida o sistema de segurança que a recorrente sugere através da indicação das normas legais respeitantes ao mesmo poderia ser aplicável e em que medida poderia, ou não, oferecer protecção adequada.
O mesmo será dizer que nos acidentes de trabalho não basta que se verifique a inobservância das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho para se excluir a responsabilidade da seguradora sendo necessário provar o nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente, o que a recorrente não demonstra.
A solução da sentença impõem-se, pois.
Aqui chegados, não havendo lugar à descaracterização averiguemos se a recorrente é a responsável pela reparação dos danos causados pelo sinistro por força do contrato de seguro celebrado com a 2ª R.
Dois motivos são avançados.
O primeiro que os riscos contratualizados não incluem aquele mediante o qual o sinistro se verificou: “enquanto proponente a referida empresa caracterizou o risco que pretendia transferir como sendo “Tratamento e Revestimento de Metais””.
Não está em causa que o objecto do contrato é a actividade da 2ª R na prossecução do seu objecto social.
Nesta matéria não se divisa, nem as partes o alegam, qualquer ponto omisso no contrato a exigir a sua integração nos termos do artº 239º do CC.
O cenário também não é de interpretação do contrato em função da vontade real uma vez que, inclusivamente, nem sequer se apurou que “o autor e a primeira ré acordaram que o contrato de seguro apenas cobria o risco de acidentes de trabalho relacionados com a actividade de tratamento e revestimento de metais”, ou seja eventual elemento da vontade real a delimitar as declarações emitidas pelos outorgantes (artº 236º do CC).
Sendo os riscos designados nos mesmos termos que o objecto social da 2ª R, na perspectiva da recorrente ponto é que da averiguação do risco por si coberto deve ser restringido às actividades específicas desse objecto ao ponto de não incluir a tarefa de que decorreu o acidente.
Mas na sentença ponderou-se devidamente a possibilidade dessa inclusão:
“O risco assumido pela seguradora no contrato de seguro de acidentes de trabalho não se confunde com o objecto social, tal como é definido no contrato de sociedade, nas situações em que o tomador do seguro é uma sociedade comercial (Nos dizeres de MARGARIDA LIMA REGO, in Contrato de Seguro e Terceiros, pág. 96, a cobertura de risco pode ser definida como ‘o universo de factos possíveis previstos no contrato de seguro, cuja verificação determinará a realização da prestação por parte do segurador (cobertura-objecto) ou como o estado de vinculação do segurador durante todo o período do seguro conducente à constituição de uma obrigação de prestar em caso de ocorrência de um desses factos (cobertura garantia)’). É habitual nas propostas para a celebração do contrato de seguro ou no próprio contrato de seguro a transposição do objecto social, nos termos em que consta do contrato de sociedade ou do registo comercial, o que se traduz naquilo que é designado como declaração inicial de riscos cobertos ou disclosure of risk (A este propósito, pode ver-se o Ac. do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 10 de Março de 2016, in www.dgsi.pt, de acordo com o qual “o risco relevante para efeitos do contrato de seguro, dada a sua especificidade típica, deve ser configurado no respectivo contrato através da chamada declaração inicial dos riscos cobertos; na prática negocial, tal delimitação, mormente na vertente causal, é tecnicamente feita através de dois vectores complementares: primeiramente, através de cláusulas definidoras da chamada cobertura de base e, subsequentemente, pela descrição de hipóteses de exclusão ou de delimitações negativas daquela base, com o que se configura um tipo abstracto de sinistro coberto pelo seguro”). Porém, isto não significa que o risco que é assumido pela seguradora seja restringido ao objecto social.
O legislador não foi particularmente exigente quanto à identificação do objecto social no contrato de sociedade. Como bem salienta PAULO OLAVO DA CUNHA, ‘nada impede que uma sociedade de ter um objecto mais ou menos vasto (...), um objecto determinado pelo recurso à caracterização de uma actividade e a diversos aspectos em que exemplificativamente a mesma se pode decompor (...) ou mais do que um objecto’ (in Direito das Sociedades Comerciais, pág. 79). Por outro lado, o que é mais relevante, o objecto social não limita a capacidade das sociedades comerciais, tal como resulta expressamente do art. 6º nº 4 do Cód. das Sociedades Comerciais (A este propósito, está em causa a transposição para o direito interno do art. 9º nº 1 da Directiva 68/151/CEE do Conselho, de 1 de Março de 1968, Publicada no JOCE nº L 65/8 de 14 de Março de 1968, nos termos do qual a sociedade vincula-se perante terceiros pelos actos realizados pelos seus órgãos, mesmo se tais actos forem alheios ao seu objecto social. No essencial, este preceito atribui ao limite do objecto social uma natureza meramente contratual, restrita às relações entre os sócios e os administradores da sociedade). Neste sentido pode ver-se ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA para quem ‘o objecto da sociedade não limita a capacidade de direito desta’ (in Sociedades Comerciais, pág. 291; e, no mesmo sentido pode ver-se JORGE COUTINHO DE ABREU, in Curso de Direito Comercial - Das Sociedades - Vol II, pág. 291).
Neste contexto, deve entender-se que o risco que é assumido pela seguradora não é limitado rigorosamente pelo objecto social, ainda que este seja transposto para a proposta do contrato de seguro. Este aspecto tem sido salientado pela jurisprudência, na qual é comum a referência a que o risco assumido pela seguradora corresponde à actividade económica desenvolvida, o que inclui uma multiplicidade de tarefas, ainda que possam não constituir o núcleo ou o cerne dessa actividade. Neste sentido, pode ver-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 2010, no qual se afirma que ‘o ponto é que todas essas tarefas se enquadrem na actividade económica que constitui objecto do contrato de seguro’ (in www.dgsi.pt).
O objecto social, quando é transposto para a proposta do contrato de seguro, limita o risco que é assumido pela seguradora fundamentalmente pela negativa, excluindo actividades que sejam estranhas ou não tenham qualquer relação com a actividade económica desenvolvida. Em contrapartida, devem considerar-se incluídas no risco actividades que, embora possam não estar inseridas directamente no objecto social, têm com este uma relação de acessoriedade ou complementariedade ou, mais concretamente, são acessórias ou complementares da actividade económica desenvolvida pela sociedade comercial.
Neste sentido, pode ver-se o Ac. da Relação do Porto de 12 de Abril de 2010 que, numa situação em tudo idêntica aos presentes autos, decidiu que ‘o âmbito da actividade coberta pelo seguro há-de encontrar-se quer pela positiva, abrangendo todos os trabalhos (próprios e acessórios, conexos ou relacionados) dessa área económica, quer pela negativa, ou seja, através das exclusões que expressamente hajam sido previstas; tendo o acidente ocorrido quando o trabalhador procedia à limpeza das caleiras do telhado de um armazém de fruta, a cinco metros de altura, deve entender-se que tal tarefa, porque acessória ou conexa, se inclui ainda na actividade do sector económico objecto do seguro contratado – seguro agrícola genérico, por área; ainda que assim se não entendesse, sempre seria então de considerar que essa limpeza constituiria trabalho relacionado com uma pequena reparação, rectius, manutenção ou limpeza de edificação ou infra-estrutura ligada exclusivamente à unidade de exploração agrícola’ (in www.dgsi.pt).
O autor encontrava-se num pavilhão onde a segunda ré guardava peças de metal e estava a acondicionar peças de metal que a segunda ré tinha que entregar a um cliente no dia seguinte. A certa altura, apercebeu-se que algumas destas peças de metal estavam danificadas pela água da chuva. Após, constatou que uma telha do telhado do pavilhão estava partida.
O autor foi ao telhado do pavilhão reparar esta telha, sendo que, quando se encontrava no telhado, uma telha partiu-se e caiu de uma altura de cerca de 6,00 m.
A reparação de uma telha do telhado do pavilhão não se insere directamente no objecto social da segunda ré, o qual consistia na actividade de tratamento e revestimento de metais. Porém, tem uma relação de acessoriedade ou complementariedade com a actividade económica que era desenvolvida pela segunda ré, mormente se atentarmos que o autor apenas foi reparar a telha do telhado porque estava partida e permitia a entrada de água da chuva que estava a danificar peças de metal que a segunda ré tinha que entregar no dia seguinte”.
Ora, daqui decorre que não se deixa de ter a actividade económica exercida pela tomadora como referência delimitadora do objecto do contrato.
É certo que a cláusula 8ª da parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, aprovada pela Portaria nº 256/2011, de 05.07, sob a epígrafe “declaração do risco, inicial e superveniente” determina:
1- O tomador do seguro está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
2- O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.
3- O segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do tomador do seguro com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer-se:
a) Da omissão de resposta a pergunta do questionário;
b) De resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos;
c) De incoerência ou contradição evidente nas respostas ao questionário;
d) De facto que o seu representante, aquando da celebração do contrato, saiba ser inexacto ou, tendo sido omitido, conheça;
e) De circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando são públicas e notórias.
4- O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.
Porém, obviamente, não obstante também o disposto nos artºs 236º a 238º do CC, 79º e 81º da Lei 98/2009, não faz sentido apelarmos somente às declarações conscientes e completas sobre a amplitude e rigor do tipo de risco que está em causa por banda do tomador de seguro quando a própria recorrente admite a incursão por actividades secundárias ou complementares assimiladas ao objecto do contrato: “Isto não significa que para além da actividade predominante, fiquem excluídas do âmbito do contrato actividades secundárias ou complementares ao desempenho da predominante, como a título de exemplo, a limpeza dos resíduos de metais, a mudança de uma lâmpada que fundiu, a pequena reparação de uma máquina que seja utilizada no desempenho da actividade; mas não parece lícito que se considerem incluídas actividades que implicam um risco muito superior, ainda que esporádicas”.
E para que assim não fosse seria de qualquer forma necessário alegar e provar no mínimo pelo essas circunstâncias actividades secundárias ou complementares seriam do conhecimento do tomador do seguro ou previsíveis, não bastando afirmar no recurso que “não se pode dizer que a actividade praticada pelo Autor, aquando do acidente, fosse residual ou acessória, atento o enorme risco que implicava, além de não ter qualquer correspondência ou enquadramento na categoria profissional do Autor, sócio gerente da empresa e polidor de metais, nem se inseria na actividade do empregador”.

Vejamos o segundo motivo.

Estamos perante matéria cujo ónus de prova é pertence à recorrente e esta não logrou provar que foi acordado que o contrato de seguro não cobria o trabalho prestado aos domingos.
Também não impugnou a decisão sobre a matéria de facto nessa parte, ademais compreendendo tarefa probatória que segundo a sua motivação redundou em multiplicidade de prova, inclusivamente oral:
“As testemunhas D. Machado, pessoa que trabalhava com o autor, e V. Oliveira, casada com o autor e funcionária da segunda ré, confirmaram a versão do acidente que foi considerada provada, o que fizeram por forma que se afigurou sincera e isenta. Estas testemunhas afirmaram que não assistiram ao acidente, mas demonstraram que sabiam o que tinha sucedido. Estas testemunhas esclareceram que a segunda ré trabalhava essencialmente para exportação, o que implicava prazos curtos e rigorosos de entrega aos clientes. Por este motivo, era habitual trabalharem aos sábados e aos domingos, quando existiam entregas na segunda-feira e não tinha sido possível terminar atempadamente as peças de metal a entregar, sendo que foi precisamente isto que se passou quando ocorreu o acidente. (…).
(…)
O tribunal não considerou provado que foi acordado que o contrato de seguro não cobria o trabalho prestado aos domingos porque a testemunha Hélder A., funcionário da primeira ré, afirmou expressamente que, atendendo à divergência entre as propostas para a celebração do contrato de seguro que foram juntas aos autos, não podia afirmar que tinha sido acordada esta exclusão (cfr. fls. 123 e 162).
O tribunal não considerou provado que foi acordado que o contrato de seguro apenas cobria o risco de acidentes de trabalho relacionados com a actividade de tratamento e revestimento de metais porque o mais que se pode concluir da proposta para a celebração do contrato de seguro que foi junta aos autos pela primeira ré é que nesta proposta constava que a ‘natureza dos trabalhos a segurar’ era o tratamento e revestimento de metais, o que, todavia, não significa que foi acordado que o risco coberto pelo contrato de seguro se restringia rigorosamente a estes trabalhos, sendo certo que era isto que a primeira ré pretendia com a posição que assumiu (cfr. fls. 162)”.
Por isso é agora irrelevante aludir a proposta constante de documento cujo valor probatório não foi aceite pela parte contrária, tal como mencionar-se que “se extrai da proposta de seguro que a apólice não dava cobertura a trabalhos aos domingos e feriados, facto este que o tomador/Autor não podia desconhecer uma vez que a proposta tem o carimbo da empresa e a assinatura do tomador, e uma das partes não se pode “obrigar para além dos termos desse negócio jurídico bilateral e formal”.
Por seu turno não constar da apólice a previsão dos trabalhos ao domingo também não obsta à conclusão que adoptamos já que na definição do tempo de trabalho, do período de funcionamento e dos horários de trabalho das empresas o domingo pode constituir um dos seus elementos e inexiste qualquer condição especial adrede no contrato que exclua esse dia de semana.
Nestes termos será julgado improcedente o recurso.

Sumário, da única responsabilidade do relator

1- Apenas dos factos considerados provados é que se deve partir para a aplicação do direito, não sendo admissível na discussão jurídica do mérito da causa em sentido estrito a introdução da prova como a testemunhal para se obter o sentido interpretativo que se julgue mais consentâneo.

2- Nos acidentes de trabalho não basta que se verifique a inobservância das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho para se excluir a responsabilidade da seguradora, sendo necessário provar o nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente.

3- A norma do artº 14º, nº 2 da LATDP não é taxativa.

4- A descaracterização não abrange, nomeadamente, as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distracção, esquecimento, ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco e, por isso, condutas com causa justificativa que pode ser uma inadvertência ou momentânea negligência, uma imprudência, ou mesmo um impulso instintivo ou altruísta.

5- “O risco relevante para efeitos do contrato de seguro, dada a sua especificidade típica, deve ser configurado no respectivo contrato através da chamada declaração inicial dos riscos cobertos; na prática negocial, tal delimitação, mormente na vertente causal, é tecnicamente feita através de dois vectores complementares: primeiramente, através de cláusulas definidoras da chamada cobertura de base e, subsequentemente, pela descrição de hipóteses de exclusão ou de delimitações negativas daquela base, com o que se configura um tipo abstracto de sinistro coberto pelo seguro”.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em não conceder provimento ao recurso, confirmando-se a sentença.
Custas pela recorrente.
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O acórdão compõe-se de 19 folhas, com os versos não impressos.
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11.07.2017

Eduardo Azevedo,
Vera Maria Sottomayor
Antero Veiga