Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
17579/15.5T8PRT.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: DEFICIÊNCIA DE GRAVAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ATIVIDADE PERIGOSA
DETONAÇÃO DE EXPLOSIVOS
RELAÇÃO CAUSAL ATIVIDADE - DANOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Sendo a lei expressa ao estabelecer o início da contagem do prazo para a arguição da deficiência da gravação dos meios de prova no momento em que é disponibilizada, deve entender-se que tal não envolve a entrega do suporte digital contendo cópia dessa gravação mas a mera colocação do referido registo, pela secretaria judicial, à disposição das partes, a qual deve ocorrer no prazo de 2 dias contados de cada um dos atos sujeitos à gravação;

II - O artigo 155.º, n.º 4, do CPC impõe às partes o ónus de invocar o vício da falta ou deficiência da gravação no prazo perentório nele previsto;

III - Não o fazendo, o vício fica sanado pelo decurso do prazo, não podendo ser conhecido oficiosamente pela Relação;

IV - A deficiência da gravação dos depoimentos produzidos em sede de audiência final é impeditiva da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto sempre que torne inviável a ponderação de tais meios de prova e estes se revelem essenciais para a apreciação do recurso na parte em que ocorre impugnação da matéria de facto, devendo a Relação estar nas mesmas condições em que se encontrou o Tribunal de primeira instância;

V - A detonação de uma carga de explosivos, tendo 2.780 Kg de carga de fundo, em trabalhos de desmonte de rocha, efetuados pela Ré e coordenados pelo Réu, no âmbito de uma subempreitada, configura uma “atividade perigosa” atenta a natureza dos meios utilizados e as circunstâncias em que foi exercida, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 493.º, n.º 2, do CC;

VI - Porém, tal constatação apenas releva no âmbito da prova da culpa do autor da lesão, não implicando a dispensa da prova pelo lesado quanto ao estabelecimento ou à determinação da relação causal entre o exercício da atividade considerada perigosa e o dano.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

A. C., instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra X – Escavações e Desmonte de Rocha, S.A., agora designada por Y – Engenharia, S.A. e contra T. J., todos melhor identificados, pedindo a condenação dos Réus no pagamento ao Autor da quantia de € 5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais e € 145.525,00 de danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros à taxa legal desde a condenação até integral pagamento.

O Autor formula o aludido pedido a título de indemnização, por danos sofridos em consequência de um incêndio que atingiu um prédio rústico, de que o Autor é proprietário, em consequência do qual arderam as árvores que o Autor tinha nesse prédio, causando-lhe prejuízos, que descreve, em consequência da detonação feita pela Ré, sob coordenação do Réu, seu funcionário, de uma carga de explosivos para realização trabalhos de desmonte da rocha para construção do IC5, em 09-08-2010.

Os Réus contestaram, invocando as exceções de incompetência territorial e de prescrição do direito invocado pelo Autor e impugnando grande parte da factualidade invocada pelo Autor. Requereram a intervenção acessória da W - Companhia de Seguros, S.A.

O Autor exerceu o contraditório relativamente à exceção de prescrição.

Foi apreciada a excepção de incompetência territorial, julgando-se os Juízos Centrais Cíveis da Comarca do Porto territorialmente incompetentes para conhecerem da causa e competentes, para o efeito, os Juízos Centrais Cíveis da Comarca de Vila Real, após o que foi proferida decisão que admitiu a intervenção acessória da W - Companhia de Seguros, S.A.

A interveniente acessória apresentou contestação, invocando também a excepção de prescrição, com os mesmos fundamentos que a Ré havia invocado, e impugnou grande parte da factualidade invocada pelo Autor.

Os autos prosseguiram com a realização da audiência prévia, no decurso da qual foi proferido o despacho saneador, tendo sido selecionados os temas da prova e admitidos os meios de prova.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, datada de 07-06-2018, que decidiu o seguinte:

“ (…)
Pelo exposto, julgo a acção improcedente, e, em consequência, absolvo os R.R. do pedido.
Custas a cargo do A. (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que beneficia) – art. 527º, n º 1 a 3, do C.P.C.
Registe – art. 153º, n º 4, do C.P.C.
Notifique – art. 220º, n º 1, do C.P.C.
Após trânsito, remeta o processo 202/10.1GAALJ ao juízo de Alijó.”

Por requerimento apresentado a 10-07-2018 veio o Autor invocar a existência de manifestas e sérias deficiências na gravação dos depoimentos prestados em audiência pelo Autor e pelas testemunhas por ele arroladas, sustentando que as mesmas impedem a cabal reapreciação da matéria de facto pelo tribunal superior, ao mesmo tempo que constituem um obstáculo intransponível para o Autor quanto ao cumprimento do ónus de alegação, vendo assim arredado o seu direito de recurso sobre a matéria de facto. Requereu a apreciação de tal nulidade, com a consequente renovação do ato.

Foi então proferido despacho, em 13-07-2018, indeferindo o requerimento apresentado pelo Autor em 10-07-2018.

Inconformada, veio o Autor interpor recurso da sentença proferida a 07-06-2018 pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«Assim em Conclusão,


A. C., Autor nos autos à margem referenciados e neles já devidamente identificado, notificado da douta sentença de fls. ... proferida nos mesmos,

E com ela não se conformando, vem com o beneficio do Apoio Judiciário na modalidade do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, interpôr recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, com efeito suspensivo, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 629º, 631º, nº 1; 638º, 644º, e 647º todos do CPC, apresentando as suas alegações.
Da questão prévia

Em 04/07/2018 foi requerido ao Tribunal a Quo o envio de CD com a gravação da prova, tal CD foi recepcionado em 10/07/2018,

Ao proceder à audição do mesmo, verifica-se que ocorreram manifestas e sérias deficiências na gravação dos depoimentos do Autor e das testemunhas por ele arroladas prestados em audiência,

As deficiências registadas na gravação impedem a cabal reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal Superior, ao mesmo tempo que constituem um obstáculo intransponivel para o Autor quanto ao cumprimento do ónus de alegação especial previsto no artigo 640º do C.P.C., que vê assim arredado o seu direito de recurso sobre a matéria de facto legalmente consagrado.

Dispõe o artigo 155º, nº 4 que "... A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada...".Tal facto constitui nulidade processual, que uma vez arguida tem como consequência a repetição parcial da audiência de julgamento com as consequências a tirar nos termos posteriores praticados no processo.

Nesse sentido se pronunciou o Venerando Tribunal da Relação de Évora no Acórdão 104/09.4-B.E1 em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/920b12 1cdf3c9a2580257fb2005001e4?OpenDocument

O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELO ORA RECORRENTE A. C. TEM COMO OBJECTO A SENTENÇA PROFERIDA A FLS. ..., DOS AUTOS, EM QUE A ACCÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO, TRAMITADA SOB A FORMA DE PROCESSO COMUM, QUE JULGOU “A PRESENTE ACÇÃO IMPROCEDENTE, E, EM CONSEQUÊNCIA,

ABSOLVEU OS R.R. X – Escavações e Desmonte de Rocha, S.A., agora designada por Y – Engenharia, S.A., e contra T. J. e W - Companhia de Seguros, S.A cuja intervenção acessória foi requerida, DO PEDIDO.
10º
A AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO FOI GRAVADA, E ASSIM, DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 640 DO C.P.C., CONSIGNA-SE QUE O RECURSO ORA INTERPOSTO ABRANGE AS SEGUINTES QUESTÕES:
11º
Reapreciação da matéria de facto com prova gravada, - Erro quanto à apreciação da matéria de facto.
12º
O Recorrente não se conforma quanto à Douta Decisão da Matéria de Facto, pelo que o presente Recurso tem por objecto a Reapreciação da matéria de facto com a reapreciação da prova gravada.
13º
Ponderando a matéria de facto dada como provada, a Douta Decisão recorrida não procedeu ao correcto e criterioso enquadramento jurídico-penal da matéria de facto ali dada como provada, pelo que violou o disposto no artigo 607º,nº 4 do C.P.C..
14º
O Recorrente não se conforma quanto à Decisão da Matéria de facto e consequentemente, quanto à aplicação do Direito.
15º
Importa desde logo referir que, “Os vícios da decisão proferida sobre a matéria de facto não tornam a sentença nula;... os meios de reacção contra erros de julgamento da matéria de facto são a rectificação da sentença prevista no nº 2 do art. 613º e 614º do CPC e a IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO NOS TERMOS DO DISPOSTO NO art.º 644º do mesmo Código)” – Ac. RP de 7.4.2003, in www.dgsi.pt
16º
Ao impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente tem de : especificar, isto é, individualizar, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, o que significa, que não se pode limitar a pedir pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª Instância;
17º
Indicar, relativamente a cada um desses pontos de facto, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que, em sua opinião, impunham uma decisão diferente, o que significa que não pode limitar-se a remeter abstractamente para todos os meios probatórios;
18º
Indicar, quando os meios probatórios por ele invocados tenham sido gravados, o suporte físico onde se encontra gravado cada um dos depoimentos em que fundamenta a impugnação e a localizar, por referência aos elementos contidos na acta da diligência em que os mesmos foram produzidos, o início e o termo de cada um deles.” – Ac. S.T.J de 25.6.09 in www.dgsi.pt
19º
E, ainda se lê no citado Acórdão “... A garantia de duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.”
20º
E acrescenta-se “... Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância”.
21
O Autor prestou depoimento de parte, e arrolou testemunhas que foram inquiridas.
22º
Os Réus arrolaram testemunhas que foram inquiridas
23º
Discutida a Causa o Tribunal a quo deu como provado (Cfr. fls. ...) da Douta Decisão os seguintes factos:
24º
"1 - A obra de Subconcessão do Douro Interior, Lanço IC5 – Murça (IP4) / Nó de Pombal, Trecho Murça/... (Km 0+000 a Km 7+000) foi adjudicada à sociedade MT, Engenharia & Construção, S.A.
2 - Os trabalhos para desmonte de rocha na referida obra foram, por “subempreitada”, entregues à R., que tinha como objecto social, nomeadamente, o planeamento e execução de trabalhos de desmonte de rocha.
3 - O R. é engenheiro geotécnico de formação, e, em Agosto de 2010, exercia a sua actividade profissional por conta, sob a direcção e às ordens da R., sendo o responsável técnico da frente de desmonte, tendo como funções elaborar o plano de fogo e coordenar toda a equipa na frente de desmonte.
4 - Para a execução da “subempreitada” supra referida, a R. elaborou um Plano de Trabalhos com Riscos Especiais/Procedimento de Trabalho para Desmonte de Rocha com recurso a explosivos.
25º
5 - No dia 9 de Agosto de 2010, cerca das 18.00 horas, na localidade de ..., quando decorriam os trabalhos de desmonte de rocha, efectuados pela R., e coordenados pelo R., a R. procedeu à detonação de uma carga de explosivos, tendo 2.780 Kg de carga de fundo.
6 – Passados alguns segundos após a deflagração dessa carga de explosivos e a algumas dezenas de metros de distância da área de deflagração, iniciou-se um foco de incêndio, que, de seguida, se propagou ao terreno florestal contíguo.
7 – A R. não dispunha de meios de combate a incêndio.
26º
8 – Pela Ap. 4325 de 2009/08/26, mostra-se registada, a aquisição, por partilha, a favor do A., do prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., pela referida freguesia de ..., sob o n º 2841/..., composto por vinha, cultura de sequeiro, amendoeiras e pinhal.
9 - Tal prédio foi atingido pelo referido incêndio.
10 – Em consequência, arderam ao A., no referido prédio: o pinhal, com uma área de cerca de 2 ha., 14 oliveiras, 9 amendoeiras, 3 marmeleiros, 4 figueiras e 700 videiras.
11 - Tais árvores tinham um valor indeterminado.
27º
12 – O A. costumava colher uvas nas 700 videiras, que lhe permitiam produzir uma média de 500 litros de vinho, que vendia por cerca de € 500,00.
13 – O A. costumava colher uma quantia indeterminada de frutos, das demais árvores de fruto, e a venda que deles fazia, propiciava-lhe uma quantia indeterminada.
14 - Em resultado do incêndio, o A. deixou de poder colher os mencionados frutos durante cerca de 5 anos.
15 – O A. ficou, e andou, nervoso e angustiado, por ter visto o fruto do seu trabalho completamente destruído, pelo incêndio em causa.
16 - Os factos supra referidos, deram origem a um processo crime, que correu termos pelos Serviços do Ministério Público de Alijó, sob o nº 202/10.1GAALJ, tendo sido proferido despacho de acusação e posteriormente, em 29-11-2013, decisão instrutória de não pronúncia.
28º
17 - Por contrato de seguro, titulado pela apólice n º ...36, a X – Escavações e Desmonte de Rocha, S.A., transferiu para a W – Companhia de Seguros, S.A., que posteriormente alterou a sua designação para Z – Companhia de Seguros, S.A., a sua responsabilidade civil extracontratual por danos patrimoniais causados a terceiros, no exercício da sua actividade de construção civil, e que à data do sinistro garantia um capital de € 1.500.000,00
18 - Por escritura pública de 08-10-2014, a X – Escavações e Desmonte de Rocha, S.A., foi objecto de incorporação, por fusão, na MA – Engenharia e Construção, S.A.
19 – Por escritura pública de 23-12-2014, a MA – Engenharia e Construção, S.A., alterou a sua denominação social para Y – Engenharia, S.A."

Factos não provados:

29º
"1 – A deflagração da carga de explosivos ocorreu a 20 metros do local onde se iniciou o foco de incêndio.
2 – Foi a deflagração da carga de explosivos, efectuada pela R., que provocou o início do foco de incêndio.
3 - Os funcionários da R. tentaram, por meios próprios, que improvisaram, controlar o incêndio.
4 - Cada uma das oliveiras do A. valia € 100,00;
5 - Cada uma das amendoeiras do A. valia € 100,00;
6 - Cada um dos marmeleiros do A. valia € 50,00;
7 - Cada uma das figueiras do A. valia € 50,00;
8 - Cada uma das videiras do A. valia € 80,00;
9 - Os pinheiros do A. valiam € 15.000,0
10 – O A. costumava colher, em média:
a) Em cada uma das oliveiras, 250 Kg de azeitona, num total de 3.500 Kg por ano, que lhe permitiam produzir 875 litros de azeite por ano, que vendia pelo preço de € 4.375,00.
b) Em cada uma das amendoeiras, 200 Kg de amêndoa, num total de 1800 Kg por ano, que vendia pela quantia total de € 1.200,00;
c) Em cada um dos marmeleiros, 300 Kg de marmelos, num total de 900 Kg por ano, que vendia pela quantia total € 2.700,00;
d) Em cada uma das figueiras, 350 Kg de figos, num total de 1.400 Kg anuais, que vendia por € 5.600,00"

FACTOS INCORRECTAMENTE JULGADOS PELO TRIBUNAL A QUO

Porém,
30º
Não se desconhece que “O fim da prova, como do processo, é a verdade judiciária, quer dizer, o que o Juiz terá por verdadeiro “ (Rui Freitas Rangel, Registo da Prova: A motivação das Sentenças Civis no Âmbito da Reforma do processo Civil e as Garantias dos Cidadãos, Lex 1996, pág. 24,)
31º
O que por vezes se torna difícil obter – “A vida é curta, a arte é longa, a oportunidade fugidia a experiência traiçoeira e o juízo difícil. “, refere o Quinteto de Epigramas de Hipócrates, citado por João Lobo Antunes – in Numa Cidade Feliz, Gradiva, 1999, pág. 203):
32º
Em concreto conjugada toda a prova produzida, tudo ponderado (prova testemunhal e documental) – o Juízo feito crê-se como bem espelhado na factualidade apurada e não apurada.
Dizia Óscar Wilde, que “a verdade nunca é pura e raramente é simples”, Sendo que, por outro lado,
33º
“ não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes, equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano “(Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais (à luz do Código Revisto) Coimbra Editora, 1996, pág. 160),
34º
Bastando que assente num juízo de suficiente verosimilhança, que dê em consciência – ao julgador, garantias de que os factos terão ocorrido de certa forma, fora de dúvida razoável.
35º
ASSIM, em face destes Princípios que devem presidir a qualquer julgamento ENTENDE O RECORRENTE QUE NÃO DEVERIA TER SIDO DADA COMO PROVADA A MATÉRIA CONSTANTE DOS PONTOS 11, 13 e 14 da Douta Decisão.
Erro quanto à apreciação da matéria de facto

Princípios gerais quanto à aquisição da prova:

36º
Por vezes dizemo-lo, com o respeito e consideração que merecem os julgadores, e quando a realidade não corresponde às nossas convicções que emergem de uma única cena judiciária, do mesmo palco, e por isso comum a todos os sujeitos processuais com o distanciamento devidos – determinar – mude-se a realidade.
37º
Todavia, sendo certo que nem sempre temos a capacidade para reconstruir a verdade histórica dos factos, não é menos certo que a nossa verdade (e a de quem decide) não pode contrariar a realidade dos factos nem o juízo de probabilidade que deles se retira.
38º
E referimos juízos de probabilidade na medida em que, em última instância, todo o julgamento é uma avaliação de probabilidades (dado que nem sequer a prova resultante da confissão nos dá certezas absolutas) encontrando-se o julgador vinculado a decidir-se por julgar só provados os factos quando a sua probabilidade se situar para além da dúvida razoável.
39º
Dúvidas sempre existirão mas a dúvida relevante (quer em crime, quer cível, trabalho etc.) é a dúvida razoável.
40º
A consideração da inexistência dessa dúvida razoável não pode resultar de considerações “secas” sem história nem raízes que justifiquem o quadro geral onde decorrem os factos que têm de ser avaliados.
41º
Uma coisa é a realidade aprendida com os seus contornos possíveis, outra é a visão diferente sobre esses factos distorcidos à partida pela conjectura de que alguns não têm interesse e outros porque se podem integrar no que se “consta”.
42º
Uma coisa é a procura da verdade, outra coisa é a verdade que foi possível ser encontrada pela composição da prova, mas que não se viu ... porque o que está perto demais às vezes não se vê
A PROVA É A COLUNA CERVICAL DO PROCESSO.
43º
Há provas e provas ... mas o que importa é a procura da verdade material alcançável pela pesquisa.
44º
A verdade material que diz respeito à compatibilidade do pensamento com o objecto pensado, do próprio pensamento, e não do pensamento consigo mesmo.
45º
A lógica inserida nesse contexto racional é a lógica da materialidade, ou seja, aquela que busca o entendimento sobre a coisa conforme a natureza meramente formal de uma estrutura de um pensamento qualquer.
46º
A verdade material também chamada de substancial ou absoluta não pode ser alcançada pelo senso humano, pois tudo que é objecto de conhecimento humano constitui sobretudo objecto de representação pois nós só conhecemos aquilo que podemos simbolizar e uma simbolização apenas nos liga alguma coisa que a convenção cultural alinhou como sendo prevalecente para a definição pretendida.
47º
Por isso, em nosso entender as regras da experiência comum do homem médio, chocam desde logo com tais simbolizações pois que ligadas a convenções culturais.
Só se consegue ver o que está imbuído, entranhado na base cultural seja ela judicial ou outra.
As regras da experiência comum terão de estar ligadas à materialidade em concreto apurada em julgamento.
48º
Mas, para a procura dessa verdade necessário se torna trabalhar para investigar e apreender através de todos os factos mais próximos e até remotos e, quando esses factos surgem naturalmente, é óbvio, que nenhum deles pode ser desvalorizado, porque é a procura da verdade que se investiga, não a verdade meramente formal, é toda a verdade factual.
Com base naqueles princípios, vejamos então a prova produzida:
A prova produzida em Julgamento encontra-se gravada.
50º
Conforme consta da Acta de Audiência de Discussão e Julgamento os depoimentos prestados pelo Autor e pelas testemunhas encontram-se gravados no sistema de gravação digital integrado, em aplicação neste Tribunal.
51º
Assim, o AUTOR A. C. no seu DEPOIMENTO DE PARTE que se encontra gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação neste Tribunal com a duração de 00":01" a 01":32":15"referiu:
Deficiente gravação não se conseguindo transcrever o depooimento
52º
A testemunha M. M., no seu depoimento que se encontra gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação neste Tribunal, com a duração de 00":01"
a 25":50" referiu que Deficiente gravação não se conseguindo transcrever o depooimento
53º
A testemunha A. G., no seu depoimento que se encontra gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação neste Tribunal, com a duração de 00":01" a 19":08" referiu que Deficiente gravação não se conseguindo transcrever o depooimento
54º
A testemunha M. E., n seu depoimento que se encontra gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação neste Tribunal, com a duração de 00":01" a 09":11" referiu que Deficiente gravação não se conseguindo transcrever o depooimento
55º
A testemunha M. V., no seu depoimento que se encontra gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação neste Tribunal, com a duração de 00":01"
a 04":58" referiu Deficiente gravação não se conseguindo transcrever o depooimento
56º
A testemunha A. E., no seu depoimento que se encontra gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação neste Tribunal, com a duração de 00":01" a 12":31"
referiu que Deficiente gravação não se conseguindo transcrever o depooimento
As testemunhas indicadas pelos R.R.:
57º
A testemunha R. T., no seu depoimento que se encontra gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação neste Tribunal, com a duração de 00":01" a 01”:11":00" referiu em resumo que trabalhou para a “X – Escavações e Desmontes de Rocha, S.A.” desde 2002 até 2013, empresa que atualmente integra a aqui Ré "Y - Engenharia, S.A.".
58º
E que trabalhava para a R. na direcção de produção, desempenhando as suas funções na obra em causa quando ocorreu o incêndio em questão, contudo não se encontrava presente no local quando se deu a deflagração dos explosivos e se iniciou o incêndio, não havendo possibilidade da existência de mão humana que provocasse o incêndio entre o local da detonação e onde começou o incêndio.- m35.20 ao m39.40
59º
A testemunha P. M., no seu depoimento que se encontra gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação neste Tribunal, com a duração de 00":01" a 26":24" referiu em resumo conhecer o Réu T. J. na qualidade de colega de trabalho, trabalhou para a “X – Escavações e Desmontes de Rocha, S.A.” no período de 2005 a 2014,
60º
Só tendo, trabalhado na obra em questão, passado algum tempo após a ocorrência do incêndio em causa. Informou quais os procedimentos que eram usados na realização de rebentamentos, a forma como funciona a explosão das emulsões ... m22.30 a m23.11 disse que não se encontrava lá, perguntaram-lhe generalidades do processo não estava lá, não acha provável que isso aconteça.
61º
A testemunha A. J., no seu depoimento que se encontra gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação neste Tribunal, com a duração de 00":01" a 20":04" referiu em resumo ser responsável pelo fornecimento e aplicação de explosivos na zona Norte e conhecer o Réu T. J. na qualidade de responsável da Ré “X – Escavações e Desmontes de Rocha, S.A.”, sua cliente disse ainda a instâncias da Mandatária do A. do m 13.20 ao m. 14.55 que
62º
"...
Mandat. ... No caso que nós estamos aqui a tratar foi um incêndio, o sr. já disse que é fornecedor não esteve presente
Test.-Não
Mand.- Disse também aí, se estiver à superfície, se o explosivo estiver à superfície provoca muito fumo e cria cratera.
Test.-Não disse que provocava fumo disse que fazia muito barulho
...
Mand. - ...Fazia barulho e cria cratera, essa cratera pode ter dimensões
Test. - Eu não sei porque isso não se faz
Mand. - Está bem, mas o sr. disse, estamos a falar em hipóteses porque o sr. não estava lá não sabe como é que foi
Test. - Sim, sim
Mand. - Que dimensões é que poderá ter essa cratera?
Test. - As dimensões não faço a mínima ideia que dimensões é que pode criar porque quando eu falei que o explosivo cria crateras, é se fizer uma coisa que é errada que é colocar explosivo a céu aberto ...
Mand. - Pode haver utilização errada do produto?
Test. - Se pode haver utilização errada do produto, como em tudo na vida pode haver utilização errada do produto
Mand. - O sr. não sabe neste dia como é que foram utilizados e nem quais os produtos, não sabe se foram aqueles que foram fornecidos, pois não?
Sabe que era habitual ..."
63º
As testemunhas arroladas pelos R.R. têm em comum o facto de no dia e hora da deflagração que provocou o incêndio não estarem junto à obra (local).
64
Na verdade, a testemunha R. T. 35.27 a 39.40 referiu que não estava no local;
65º
A testemunha P. M. 22.37 a 24.22 também disse que não estava no local;
66º
A testemunha A. J. 13.30 a 20.03 também referiu que é fornecedor, que não estava presente na obra, referindo a dado momento "... pode haver utilização errada do
produto..."
67º
Refere a Douta Decisão recorrida na Motivação da decisão de facto que "... O tribunal fundou a sua convicção na prova por confissão, documental, no depoimento de parte do A. e nos depoimentos das testemunhas inquiridas... , referindo,ainda,
68º
O A. prestou depoimento de parte. Foram também inquiridas as seguintes testemunhas: Maria, A. G., M. E., M. V., A. E., R. T., P. M. e A. J.. O A. Relatou essencialmente os prejuízos patrimoniais que sofreu em consequência do incêndio que queimou tudo quanto tinha no seu prédio. Maria, filha do A., que era costume ajudar o seu pai a cuidar das culturas que tinha no prédio em questão, relatou essencialmente os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais que o seu pai sofreu, em consequência do incêndio que assolou o seu prédio.
69º
A. G., irmã do A., que também costumava ajudar o seu irmão no cultivo do prédio, relatou também os danos patrimoniais que o A. sofreu em consequência do incêndio que queimou tudo quanto tinha no prédio;
70º
Mais tendo referido, ter ouvido o rebentamento ocorrido e logo de seguida ter constatado a ocorrência de um incêndio nas proximidades. M. E., M. V. e A. E., relataram terem ouvido um estrondo/rebentamento, e, logo de seguida, terem visto iniciar-se um incêndio, nas proximidades, (negrito e sublinhado nosso) tendo a primeira testemunha dado também conta de que, o referido incêndio queimou o prédio do A., e a terceira que, o A. tinha amendoeiras, vinha e pinhal no seu prédio.
"..."
71º
A questão fulcral destes autos foi/é a de saber se foi a deflagração de uma carga de explosivos por parte da R., que foi a causa do início do foco de incêndio em questão ...,
72º
Da prova testemunhal produzida, concretamente, dos depoimentos das testemunhas A. G., M. E., M. V. e A. E., decorre ter havido uma grande proximidade temporal (de segundos) entre a ocorrência da deflagração dos explosivos e o início do incêndio.
73º
Acresce ter-se o incêndio iniciado nas proximidades do local onde ocorreu a deflagração da carga de explosivos. Por outro lado, em termos de senso comum, associa-se o uso de explosivos ao risco de causar incêndios. Da conjugação destes elementos, decorre a associação, que nos parece normal, que as testemunhas A. G., M. E., M. V. e A. E. terão feito, no sentido de imputarem a eclosão do incêndio à deflagração dos explosivos.
74º
Porém, estes são os únicos elementos que permitem estabelecer um possível nexo causal, entre os factos em questão. Serão eles suficientes para permitirem formar convicção segura de que, foi a deflagração dos explosivos que causou o incêndio?
75º
As testemunhas arroladas pela R. (R. T., P. M. e A. J.), pessoas conhecedoras do tipo de explosivo usado por esta, emulsões, e dos perigos associados à sua utilização, quer por formação técnica, quer por experiência profissional, declararam, de forma ...
76º
Tais declarações, feitas por quem tem formação técnica e experiência profissional na matéria - e que não tem qualquer interesse na causa, até porque as testemunhas que foram funcionários da R., já o não são - não foram postas em crise por outro meio de prova, nem nós temos conhecimentos técnicos que nos permitam pô-las em causa.
77º
Feita também uma brevíssima pesquisa de quais possam ser as causas de um incêndio florestal, como o que ocorreu, constata-se que estes podem ter diversas origens. Entre eles referiremos o atirar do resto de um cigarro não apagado, ou mal apagado; um simples pequeno pedaço de vidro quebrado, que, posicionado angularmente em relação ao sol, pode funcionar como lente convergente e servir de elemento incendiador, quando o respectivo feixe incida sobre vegetação seca; há também certos produtos, essencialmente químicos, que estão sujeitos a inflamação por si mesmos. Não sabemos se o incêndio não poderá ter tido uma destas causas.
78º
Nomeadamente, é possível que, um trabalhador, possa ter lançado o resto de um cigarro mal apagado no local onde se viria a iniciar o incêndio, alguns minutos antes da deflagração do explosivo, e que o mesmo, minutos depois, pudesse ter dado origem ao eclodir do incêndio. Poderia haver no local em causa um pequeno resto de vidro, que pudesse ter feito eclodir o incêndio segundos depois da deflagração do explosivo. Não é também de pôr de parte a possibilidade de, nas proximidades de uma zona de obras, poder haver algum produto que, só por si, sujeito à elevada temperatura que se fazia sentir, pudesse ter sido a causa do início do incêndio..
79º
Dito isto, em conclusão, importa referir que, a existência de grande proximidade temporal entre a deflagração do explosivo e o início do incêndio e a existência de alguma proximidade geográfica entre o local onde foram deflagrados os explosivos e o local onde se iniciou o incêndio, aponta para a possibilidade de ter sido a deflagração dos explosivos a causa do início do incêndio.
80º
Porém, as explicações aventadas pelas testemunhas arroladas pela R., que afastaram a possibilidade de a deflagração do tipo de explosivo usado pela R. poder causar um incêndio (pessoas com razão de ciência, por formação técnica e experiência), e tratando-se de matéria algo técnica, que não foi posta em causa por outro meio de prova, e da qual não temos conhecimento técnico para a pôr em crise; associado ao facto de não haver sido produzida qualquer prova de como se iniciara o incêndio ou de como poderia a deflagração do explosivo ter causado o incêndio, deixou-nos dúvidas quanto à matéria em causa, e, portanto, uma convicção insuficientemente segura da existência de um nexo de causalidade naturalístico entre uma coisa e a outra, ou seja, de que a deflagração dos explosivos haja sido condição sem a qual o incêndio não se teria verificado, e daí havermos considerado tal matéria como não provada, por força do disposto no art. 414º, do C.P.C.
81º
No que aos danos sofridos pelo A. diz respeito, resultou inequívoco dos depoimentos do A. e das testemunhas Maria e A. G., as árvores que arderam ao A. e respectivo número. Porém, não se produziu qualquer prova quanto àquele que seria o valor médio de cada árvore de fruto ardida. No que ao valor dos pinheiros ardidos diz respeito, não se produziu também qualquer prova acerca do mesmo, sendo que, nem sequer se produziu qualquer prova de quantos pinheiros teriam ardido ao A. e de qual o valor médio de cada um, para que pudéssemos concluir qual seria o valor total dos pinheiros ardidos. ...
82º
A este propósito, importa registar a curiosidade de o aqui A. haver deduzido pedido de indemnização civil no âmbito do processo de inquérito acima mencionado e de ter ali invocado ter sofrido um prejuízo de € 4.000,00 com a morte do pinhal, e ter agora, no âmbito desta acção, vindo invocar que, a morte do pinhal lhe causou um prejuízo de € 15.000,00. A prova produzida no que diz respeito às produções das árvores de fruto e quantias que o A. auferiria com a venda das mesmas, reconduziu-se aos depoimentos do A. e da sua filha Maria (pessoas com interesse na decisão da causa).
83º
Cremos que, o A. exagerou nos valores que relatou como serem os das produções das suas árvores (com a ressalva relativa à das videiras) e que a sua filha terá procurado vir repetir o que provavelmente o seu pai lhe transmitira a esse respeito. Tenha-se em conta que, sendo a irmã do A. agricultora, e quem essencialmente ajudava o A. nos trabalhos agrícolas em causa, não foi capaz de adiantar as produções das árvores em causa. No que aos valores de venda dos produtos diz respeito, para se saber do efectivo prejuízo sofrido pelo A. com a não venda dos frutos que colhia, importaria também ter em conta os valores em que importariam os custos de produção, que os há sempre, sem prejuízo de mais deles no caso concreto não existirem, dado o facto de serem o A., filhos, familiares e amigos, que executavam a maioria dos trabalhos agrícolas. Na falta de outra prova, ficaram-nos dúvidas quanto às produções das árvores de fruto ardidas ao A. e aos proventos que o mesmo obteria com a sua venda, com a ressalva das produções da vinha e preço da venda do vinho produzido com as uvas colhidas, que foram relatadas pelo A. e pela sua filha e que correspondem aos valores normais médios."
84º
É essencialmente uma, a grande questão em causa nestes autos e respeita ao entendimento errado, no entender do Recorrente, de que sofre a decisão recorrida – a causa do início do foco de incêndio não ter sido a deflagração de uma carga de explosivos por parte da R.
85º
Conforme dispõe o artigo 607º nº 4 do C.P.C. “... Na fundamentação da sentença o Juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ... o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos, ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência .... ”
Refere o Mmº Juiz a quo na fundamentação “De Direito” que
86º
"... A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que provavelmente não teriam ocorrido se não fosse a lesão – art. 563º, do C.C. Verificados que sejam estes pressupostos, nasce a obrigação de indemnizar a cargo do lesante, nos termos dos arts. 483º, n º 1, 562º e 564º, n º 1, do C.C. Analisemos então do preenchimento, no caso dos presentes autos, dos referidos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. Da factualidade provada resulta, a nosso ver, a existência de um facto voluntário, qual seja, a deflagração de explosivos que a R. levou a cabo, através do R.
87º
Acresce ter o A. sofrido danos, de natureza patrimonial e não patrimonial. Porém, não se provou a existência de um nexo de causalidade naturalística entre a conduta em causa e os danos sofridos pelo A., ou seja, que a deflagração dos explosivos levada a cabo haja sido condição sem a qual o dano não se teria verificado (os danos sofridos pelo A. tiveram como causa naturalística e adequada, um incêndio, mas não se provou que o incêndio, que causou os danos ao A., tenha tido como causa a deflagração dos explosivos em questão), e, logo, não se pode concluir pela existência de um nexo de causalidade adequada entre a conduta em causa e os danos sofridos pelo A.
88º
Assim, perante a não verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a acção tem de improceder..."
89º
Ora, omo referido, nos factos provados no ponto "5 - No dia 9 de Agosto de 2010, cerca das 18.00 horas, na localidade de ..., quando decorriam os trabalhos de desmonte de rocha, efectuados pela R., e coordenados pelo R., a R. procedeu à detonação de uma carga de explosivos, tendo 2.780 Kg de carga de fundo, e no ponto 6 – Passados alguns segundos após a deflagração dessa carga de explosivos e a algumas dezenas de metros de distância da área de deflagração, iniciou-se um foco de incêndio, que, de seguida, se propagou ao terreno florestal contíguo..."
90º
E na fundamentação de facto da Douta Decisão
"A testemunha A. G., irmã do A., que também costumava ajudar o seu irmão no cultivo do prédio, relatou também os danos patrimoniais que o A. sofreu em consequência do incêndio que queimou tudo quanto tinha no prédio; mais tendo referido, ter ouvido o rebentamento ocorrido e logo de seguida ter constatado a ocorrência de um incêndio nas proximidades. M. E., M. V. e A. E., relataram terem ouvido um estrondo/rebentamento, e, logo de seguida, terem visto iniciar-se um incêndio, nas proximidades,
(negrito e sublinhado nosso) tendo a primeira testemunha dado também conta de que, o referido incêndio queimou o prédio do A., e a terceira que, o A. tinha amendoeiras, vinha e pinhal no seu prédio."
91º
"Da prova testemunhal produzida, concretamente, dos depoimentos das testemunhas A. G., M. E., M. V. e A. E., decorre ter havido uma grande proximidade temporal (de segundos) entre a ocorrência da deflagração dos explosivos e o início do incêndio. Acresce ter-se o incêndio iniciado nas proximidades do local onde ocorreu a deflagração da carga de explosivos. Por outro lado, em termos de senso comum, associa-se o uso de explosivos ao risco de causar incêndios. Da conjugação destes elementos, decorre a associação, que nos parece normal, que as testemunhas A. G., M. E., M. V. e A. E. terão feito, no sentido de imputarem a eclosão do incêndio à deflagração dos explosivos."
92º
Dito isto, em conclusão, importa referir que, a existência de grande proximidade temporal entre a deflagração do explosivo e o início do incêndio e a existência de alguma proximidade geográfica entre o local onde foram deflagrados os explosivos e o local onde se iniciou o incêndio, aponta para a possibilidade de ter sido a deflagração dos explosivos a causa do início do incêndio. Porém, as explicações aventadas pelas testemunhas arroladas pela R., que afastaram a possibilidade de a deflagração do tipo de explosivo usado pela R. poder causar ..."
93º
Conforme já referido, e se encontra nos depoimentos gravados, as testemunhas dos R.R. não se encontravam no local da obra no momento da deflagração, seguido do foco de incêndio, contendo os seus depoimentos generalidades respeitantes ao modo de funcionamento das ncargas de explosivos e não o que aconteceu no dia 09/08/2010, quando houve a deflagração seguida de incêndio.
94º
Quanto ao valor das árvores posto em crise na Douta Decisão, é o valor atribuído pelo Autor, não tendo sido posto em crise por qualquer testemunha, assim, como o valor obtido com a venda dos frutos, de lembrar que o incêndio varreu completamente o prédio do Autor e desde a data do incêndio até à presente data 8 anos decorridos não voltou a nascer um rebento de planta.(árvore).
95º
Assim, pelo exposto e tudo conjugado, impunha-se uma decisão diversa da proferida na Douta Decisão.
96º
Houve entendimento errado do Tribunal A Quo sobre a decisão recorrida, no que tange ao não concluir pela existência de um nexo de causalidade adequada entre a conduta em causa deflagração da carga explosiva e os danos sofridos pelo A.
97º
Houve entendimento errado do Tribunal A Quo sobre a decisão recorrida, no que concerne ao pedido indemnizatório no respeitante aos danos sofridos pelo Autor.
98º
A divergência entre os pontos 11, 13 e 14 de facto que foram dados como provados e os factos dados como não provados e a sua fundamentação de Direito versus à matéria de facto dada como provada e não provada na douta sentença ora recorrida e a confirmação e apreciação jurídicas da situação fáctica descrita.
99º
Análise dos concretos meios probatórios constantes do processo e do registo da gravação, que impunham uma decisão diversa da proferida na douto sentença.

Por todo o exposto entende o Recorrente que a Douta Decisão enferma, do vício de nulidade, e de entendimento errado sobre a decisão da matéria de facto, constando do processo factos que só por si implicavam decisão diversa da proferida, tendo havido violação do disposto nos arts. 609º, nºs 1 e 2 e 616º nº 2 als a) e b) do C.P.C., devendo a decisão ser nula atento o disposto no artigo 615º, nº1 al.) a) 1ª parte C.P.C., caso assim se não entenda seja a Douta Decisão substituída por outra que condene os R.R. conforme o petitório.

Assim, face ao exposto dos depoimentos gravados em conjunto com o supra referido, impunham claramente uma decisão diversa da recorrida, entendendo o Recorrente que o Tribunal A Quo, deverá reformar adouta decisão, nos termos do disposto nos artigos 615º e 616º,) do C.P.C., o que requer.

Caso assim se não entenda, deverá ser dado provimento ao recurso interposto pelo apelante e tal douta decisão recorrida ser revogada e ser substituída por outra, que julgue procedente a acção condenando os R.R..

Como é de inteira JUSTIÇA”

O Autor veio ainda interpor recurso do despacho proferido em 13-07-2018 pelo Tribunal a quo, pugnando no sentido da revogação do despacho com a consequente anulação da gravação por não se encontrar audível, mandando renovar o acto. Termina as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«Assim em Conclusão,

A. C., Autor nos autos à margem referenciados e neles já devidamente identificado, notificado do douto despacho de fls. ... proferido nos mesmos e com ele não se conformando, vem com o beneficio do Apoio Judiciário concedido nos mesmos, interpor recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, nos termos do disposto nos artºs do CPC,

O presente recurso interposto pelo ora Recorrente A. C. tem como objecto o despacho proferido a fls.... dos autos.

O mencionado despacho do Tribunal A Quo refere que “ ... Tendo em conta o exposto, importa registar o seguinte percurso cronológico de actos processuais com relevância para apreciação da questão em apreço: a audiência de julgamento realizou-se em 22-05-2018; a disponibilização da gravação da prova produzida na mesma foi feita de 06/07-2018, na sequência de solicitação do A. de 04-07-18; e no dia 10-07-2018 veio o A. invocar a nulidade do "acto", por deficiência da gravação.

Tendo em conta o supra referido, revela-se manifesto que, quando o A. invocou a deficiência da gravação, já havia decorrido, há muito, o prazo a que alude o art. 155º, nº 4, do C.P.C., sendo assim extemporânea a sua invocação, mostrando-se, consequentemente, sanada uma eventual nulidade que pudesse ocorrer, por força de uma eventual deficiência da gravação ", indeferindo o requerido pelo Autor.”

O Recorrente A. C. intentou Acção de Processo Comum contra X – Escavações e Desmonte de Rocha, S.A., agora designada por Y – Engenharia, S.A., T. J. e W - Companhia de Seguros, S.A cuja intervenção acessória foi requerida.

Os R.R. foram absolvidos.

Inconformado o Autor recorreu da decisão.

Todavia, ao proceder à audição do CD com a gravação da prova produzida em sede de julgamento, verificou existirem manifestas e sérias deficiências na gravação dos depoimentos do Autor e das testemunhas por este arroladas, tendo, por tal motivo, requerido a anulação e a renovação do acto.

Mediante tal requerimento o Mmº Juiz A Quo decidiu indeferindo a renovação dos depoimentos do Autor e das testemunhas por este arroladas.
10º
Fundamentando conforme transcrito no “Desenvolvimento” desta peça, para onde se remete que por uma questão de economia processual se não transcreve.
11º
Não concorda o recorrente com tal despacho.
12º
Efectivamente, a cópia do CD foi pedida quando havia possibilidade de intentar o recurso, partindo do pressuposto que a gravação estaria audível, tanto mais, que havia uma decisão em cuja fundamentação se faz referência aos depoimentos prestados.
13º
A gravação dO CD ouvido pelo Mmº Juiz A Quo encontra-se em boas condições de audição e a cópia fornecida à parte é que não é audivel?
14º
Poder-se-á dizer que a decisão foi proferida por apontamento, contudo, entende-se dever ser necessário o Tribunal A Quo ouvir a gravação para aferir das manifestas e sérias deficiências existentes na gravação dos depoimentos do A. e das testemunhas por si arroladas uma vez que como referido, o Mmº Juiz A Quo no despacho começou por dizer "não se perceber o que é que concretamente sejam “manifestas e sérias deficiências"".
15º
Dispoe o nº 3 do artº 155º do C.P.C. que "... A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias, a contar do respectivo ato"
16º
E no nº 4 do já mencionado artigo que "...A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada ..."
17º
Ora, a entender-se à letra, a gravação deveria estar disponível dois dias após o julgamento, o que nos parece não fazer sentido.
18º
O legislador não refere que a deficiência da gravação tem que ser invocada dois dias após a notificação da sentença, mas sim dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada e esta só é disponibilizada às partes quando pedida.
19º
A gravação chegou à posse da signatária em 09-07-2018 e em 10-07-2018 foi enviado requerimento ao Tribunal A Quo invocando a nulidade do acto, por deficiência da gravação, requerendo a renovação dos depoimentos por a gravação não estar audível, merecendo tal requerimento o despacho de indeferimento, do qual se recorre.

Entende a Recorrente que houve entendimento errado do Tribunal A Quo, sobre o despacho recorrido, violando o disposto nos nºs 3 e 4 do artº 155º do C.P.C. devendo reformar o douto despacho, nos termos do disposto no artigo 616º, do C.P.C., o que requer.

Caso, assim se não entenda, deverá ser dado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, mandando anular a gravação por não se encontrar audível mandando renovar o acto.

Como é de inteira JUSTIÇA”

A Interveniente Z Portugal – Companhia de Seguros, S.A., apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência de ambos os recursos e a consequente manutenção do decidido.
Ambos os recursos foram admitidos, sendo o recurso do despacho proferido em 13-07-2018 para subir com o recurso da decisão final e nos próprios autos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto da presente Apelação circunscreve-se às seguintes questões:

A) Recurso do despacho proferido em 13-07-2018 pelo Tribunal a quo:

- da extemporaneidade da arguição da alegada deficiência da gravação de depoimentos prestados na sessão da audiência final realizada em 22-05-2018;

B) Recurso da sentença:

- questão prévia: da nulidade processual decorrente das deficiências da gravação;
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da nulidade da sentença;
- pressupostos da responsabilidade extracontratual;
- obrigação de indemnizar.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1.Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos relativos à tramitação processual, com interesse para a apreciação da questão suscitada no recurso do despacho de 13-07-2018:

1.1.A) A audiência final realizou-se em 22-05-2018;
1.1.B) O autor A. C. foi ouvido em declarações de parte na sessão da audiência final realizada em 22-05-2018;
1.1.C) As testemunhas M. M., A. G., M. E., M. V., e A. E., arroladas pelo Autor, prestaram depoimento na sessão da audiência final realizada em 22-05-2018;
1.1.D) A sentença foi registada e notificada aos mandatários das partes em 08-06-2018;
1.1.E) No dia 04-07-2018, o autor requereu a gravação de CD da audiência de discussão e julgamento e o respetivo para a morada do escritório da sua mandatária, referindo ter sido notificado da sentença;
1.1.F) Por notificação de 06-07-2018 foi informado o Autor que seguiu por correio normal o CD contendo a gravação;
1.1.G) No dia 10-07-2018, o Autor apresentou requerimento, no qual invocou a existência de manifestas e sérias deficiências na gravação dos depoimentos do Autor e das testemunhas por ele arroladas, prestados em audiência final arguindo a nulidade do ato e requerendo a renovação do mesmo;
1.1.H) No requerimento aludido em 1.1.G), o Autor alegou ainda, além do mais, que “As deficiências registadas na gravação impedem a cabal reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal superior, ao mesmo tempo que constituem um obstáculo intransponível para o Autor quanto ao cumprimento do ónus de alegação especial previsto no artigo 640º do C.P.C., que vê assim arredado o seu direito de recurso sobre a matéria de facto legalmente consagrado”;
1.1.I) O requerimento referido em 1.1.G) foi indeferido, por extemporaneidade, por despacho proferido a 13-07-2018 (fls. 357 a 358 verso).

Factos considerados provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:

1.1.1. A obra de Subconcessão do Douro Interior, Lanço IC5 - Murça (IP4) / Nó de Pombal, Trecho Murça/... (Km 0+000 a Km 7+000) foi adjudicada à sociedade MT, Engenharia & Construção, S.A.;
1.1.2. Os trabalhos para desmonte de rocha na referida obra foram, por “subempreitada”, entregues à R., que tinha como objeto social, nomeadamente, o planeamento e execução de trabalhos de desmonte de rocha.
1.1.3. O R. é engenheiro geotécnico de formação, e, em Agosto de 2010, exercia a sua atividade profissional por conta, sob a direção e às ordens da R., sendo o responsável técnico da frente de desmonte, tendo como funções elaborar o plano de fogo e coordenar toda a equipa na frente de desmonte;
1.1.4. Para a execução da “subempreitada” supra referida, a R. elaborou um Plano de Trabalhos com Riscos Especiais/Procedimento de Trabalho para Desmonte de Rocha com recurso a explosivos;
1.1.5. No dia 9 de Agosto de 2010, cerca das 18.00 horas, na localidade de ..., quando decorriam os trabalhos de desmonte de rocha, efetuados pela R., e coordenados pelo R., a R. procedeu à detonação de uma carga de explosivos, tendo 2.780 Kg de carga de fundo.
1.1.6. Passados alguns segundos após a deflagração dessa carga de explosivos e a algumas dezenas de metros de distância da área de deflagração, iniciou-se um foco de incêndio, que, de seguida, se propagou ao terreno florestal contíguo;
1.1.7. A R. não dispunha de meios de combate a incêndio;
1.1.8. Pela Ap. 4325 de 2009/08/26, mostra-se registada, a aquisição, por partilha, a favor do A., do prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., pela referida freguesia de ..., sob o n º 2841/..., composto por vinha, cultura de sequeiro, amendoeiras e pinhal;
1.1.9. Tal prédio foi atingido pelo referido incêndio;
1.1.10. Em consequência, arderam ao A., no referido prédio: o pinhal, com uma área de cerca de 2 ha., 14 oliveiras, 9 amendoeiras, 3 marmeleiros, 4 figueiras e 700 videiras;
1.1.11. Tais árvores tinham um valor indeterminado;
1.1.12. O A. costumava colher uvas nas 700 videiras, que lhe permitiam produzir uma média de 500 litros de vinho, que vendia por cerca de € 500,00;
1.1.13. O A. costumava colher uma quantia indeterminada de frutos, das demais árvores de fruto, e a venda que deles fazia, propiciava-lhe uma quantia indeterminada;
1.1.14. Em resultado do incêndio, o A. deixou de poder colher os mencionados frutos durante cerca de 5 anos;
1.1.15. A. ficou, e andou, nervoso e angustiado, por ter visto o fruto do seu trabalho completamente destruído, pelo incêndio em causa;
1.1.16. Os factos supra referidos, deram origem a um processo crime, que correu termos pelos Serviços do Ministério Público de Alijó, sob o nº 202/10.1GAALJ, tendo sido proferido despacho de acusação e posteriormente, em 29-11-2013, decisão instrutória de não pronúncia;
1.1.17. Por contrato de seguro, titulado pela apólice n º ...36, a X – Escavações e Desmonte de Rocha, S.A., transferiu para a W – Companhia de Seguros, S.A., que posteriormente alterou a sua designação para Z – Companhia de Seguros, S.A., a sua responsabilidade civil extracontratual por danos patrimoniais causados a terceiros, no exercício da sua actividade de construção civil, e que à data do sinistro garantia um capital de € 1.500.000,00;
1.1.18. Por escritura pública de 08-10-2014, a X – Escavações e Desmonte de Rocha, S.A., foi objecto de incorporação, por fusão, na MA – Engenharia e Construção, S.A.;
1.1.19. Por escritura pública de 23-12-2014, a MA – Engenharia e Construção, S.A., alterou a sua denominação social para Y – Engenharia, S.A.;
1.2. O Tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:
1.2.1. A deflagração da carga de explosivos ocorreu a 20 metros do local onde se iniciou o foco de incêndio;
1.2.2. Foi a deflagração da carga de explosivos, efectuada pela R., que provocou o início do foco de incêndio;
1.2.3. Os funcionários da R. tentaram, por meios próprios, que improvisaram, controlar o incêndio;
1.2.4. Cada uma das oliveiras do A. valia € 100,00;
1.2.5. Cada uma das amendoeiras do A. valia € 100,00;
1.2.6. Cada um dos marmeleiros do A. valia € 50,00;
1.2.7. Cada uma das figueiras do A. valia € 50,00;
1.2.8. Cada uma das videiras do A. valia € 80,00;
1.2.9. Os pinheiros do A. valiam € 15.000,00;
1.2.10. O A. costumava colher, em média:
a) Em cada uma das oliveiras, 250 Kg de azeitona, num total de 3.500 Kg por ano, que lhe permitiam produzir 875 litros de azeite por ano, que vendia pelo preço de € 4.375,00.
b) Em cada uma das amendoeiras, 200 Kg de amêndoa, num total de 1800 Kg por ano, que vendia pela quantia total de € 1.200,00;
c) Em cada um dos marmeleiros, 300 Kg de marmelos, num total de 900 Kg por ano, que vendia pela quantia total € 2.700,00;
d) Em cada uma das figueiras, 350 Kg de figos, num total de 1.400 Kg anuais, que vendia por € 5.600,00.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Recurso do despacho de 13-07-2018

Está em causa, no recurso agora em apreciação, o despacho que indeferiu, por extemporânea, a arguição da nulidade decorrente da deficiente gravação da prova produzida em sede de audiência final, relativamente aos depoimentos do Autor e das testemunhas M. M., A. G., M. E., M. V., e A. E., arroladas pelo Autor.

Foram invocadas deficiências existentes na gravação de alguns dos depoimentos prestados em sede de audiência final, vindo alegada a impercetibilidade do registo dos mesmos, pedindo-se a anulação da gravação por não se encontrar audível e a renovação do ato.

No que ao caso respeita, dispõe o artigo 155.º do CPC, além do mais, o seguinte:

Gravação da audiência final e documentação dos demais atos presididos pelo juiz

1 - A audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho, decisão e alegações orais.
2 - A gravação é efetuada em sistema sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor.
3 - A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato.
4 - A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada. (…).

O recorrente discorda do despacho recorrido, defendendo que a deficiência da gravação tem que ser invocada nos dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada e esta só é disponibilizada às partes quando pedida. Sustenta que a gravação só chegou à sua posse em 09-07-2018 pelo que, em 10-07-2018 invocou a nulidade do ato por deficiência da gravação.

Por seu turno, o despacho recorrido baseou-se no entendimento expresso de que o legislador não quis estabelecer como início de contagem do prazo em causa aquele em que a gravação é entregue à parte, mas sim o momento em que a gravação está ao seu dispor, retirando-se do despacho recorrido, além do mais, o seguinte:

(…) Tendo em conta o exposto, importa registar o seguinte percurso cronológico de actos processuais com relevância para apreciação da questão em apreço: a audiência de julgamento realizou-se em 22-05-2018; a disponibilização da gravação da prova produzida na mesma foi feita por notificação de 06-07-2018, na sequência de solicitação do A. de 04-07-18; e no dia 10-07-2018 veio o A. invocar a nulidade do “acto”, por deficiência da gravação.

Tendo em conta o supra referido, revela-se manifesto que, quando o A. invocou a deficiência da gravação, já havia decorrido, há muito, o prazo a que alude o art. 155º, n º 4, do C.P.C., sendo assim extemporânea a sua invocação, mostrando-se, consequentemente, sanada uma eventual nulidade que pudesse ocorrer, por força de uma eventual deficiência da gravação.

Como se viu, decorre do n.º 4 do citado artigo 155.º CPC que a deficiência da gravação tem de ser arguida no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.

A controvérsia reside, então, em aferir a partir de quando se conta este último prazo.

Porém, sendo a lei expressa ao estabelecer o início da contagem do prazo para a arguição da deficiência da gravação no momento em que é disponibilizada, deve entender-se que tal não envolve a entrega do suporte digital contendo cópia dessa gravação mas a mera colocação do referido registo, pela secretaria judicial, à disposição das partes(1), a qual deve ocorrer no prazo de 2 dias contados de cada um dos atos sujeitos à gravação.

Com efeito, perfilhando o entendimento sufragado, entre outros, no Acs. do TRG, de 30-11-2017 (relator: José Amaral) (2), do TRL de 30-05-2017 (relator: Luís Filipe Pires de Sousa) (3), do TRL de 19-05-2016 (relator: Jorge Leal) (4), do TRC de 10-07-2014 (relator: Teles Pereira) (5), do TRP de 13-02-2014 (relator: Aristides de Almeida) (6) e no Ac. do TRP de 17-12-2014 (relatora: Judite Pires) (7) entendemos, como se escreve neste último, que “o artigo 155º do NCPC fixa um prazo, peremptório, para as partes interessadas arguirem vícios da falta ou deficiência da gravação da prova - 10 dias contados do momento em que a gravação é disponibilizada, tendo a secção de processos um prazo de 2 dias a partir do acto em que ocorreu a gravação para o fazer - e que o vício fica sanado, decorrido esse prazo, se não for arguido, não podendo o mesmo ser arguido perante a Relação nas alegações de recurso, ainda que reclamando-se desta o reexame das provas produzidas em primeira instância, nem podendo a Relação dele conhecer oficiosamente”.

Revertendo à situação dos autos, procedemos à audição do suporte informático que contém a gravação dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência final, confirmando-se a total impercetibilidade da gravação na parte relativa aos depoimentos do Autor e das testemunhas M. M., A. G., M. E., M. V., e A. E..

Estando em causa, no caso presente, a deficiência da gravação de depoimentos prestados na sessão da audiência final realizada no dia 22-05-2018, o prazo a que alude o n.º 3 do citado artigo 155.º do CPC, para disponibilização da gravação às partes terminou no dia 24-05-2018 e o subsequente prazo a que alude o n.º 4 do citado preceito, para arguição da deficiência da gravação, terminou no dia 4-06-2018, como tal em data anterior à arguição deduzida pelo Autor através do requerimento apresentado no dia 10-07-2018, já após a notificação da sentença final.

Como tal, mostra-se extemporânea a arguição da nulidade do ato, por deficiência da gravação, apresentada pelo Autor a 10-07-2018.

Nestes termos, resta concluir que o despacho recorrido não violou os preceitos legais invocados pelo apelante nas conclusões das alegações de recurso.

Improcedem, assim, as conclusões do apelante quanto ao recurso do despacho proferido em 13-07-2018 pelo Tribunal a quo.

Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.

2.2. Apreciação do objecto do recurso da sentença

2.2.1. Questão prévia

A título de questão prévia, o recorrente invoca a existência de manifestas e sérias deficiências na gravação dos depoimentos prestados em audiência pelo Autor e pelas testemunhas por este arroladas.

Sustenta que as deficiências registadas na gravação impedem a cabal reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal superior, ao mesmo tempo que constituem um obstáculo intransponível para o Autor quanto ao cumprimento do ónus de alegação especial previsto no artigo 640.º do CPC, que vê assim arredado o seu direito de recurso sobre a matéria de facto legalmente consagrado.

Conclui que, tal facto constitui nulidade processual, levando à repetição parcial da audiência de julgamento, com as consequências a tirar nos termos posteriores praticados no processo.

No caso presente, constata-se que a questão agora invocada foi já suscitada pelo Recorrente junto do Tribunal recorrido, por meio de requerimento apresentado em 10-07-2018, arguindo a nulidade do ato e requerendo a renovação do mesmo. Mais se observa que tal questão foi apreciada e decidida por despacho proferido a 13-07-2018 (fls. 357 a 358 verso), o qual indeferiu o referido requerimento, por extemporaneidade. De tal requerimento foi oportunamente interposto recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir com o presente recurso da decisão final, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Com efeito, tratando-se de uma nulidade processual, terá de ser arguida autonomamente, sendo submetida a posterior decisão do juiz a quo, não sendo admitida a sua inserção imediata nas alegações de recurso (8).

Acresce que, tal como se constatou a propósito da apreciação do objecto do recurso do despacho de 13-07-2018, o artigo 155.º, n.º 4, do CPC impõe à parte o ónus de invocar o vício em causa no prazo perentório nele previsto.

Ora, a improcedência do recurso do despacho de 13-07-2018 que indeferiu, por extemporânea, a arguição da nulidade decorrente da deficiente gravação da prova produzida em sede de audiência final, tal como decidido em 2.1. supra, importa se considere sanado, pelo decurso do prazo, o invocado vício, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação.

Pelo exposto, improcede a questão prévia aqui suscitada, nada obstando à apreciação do objecto do recurso da sentença final.

2.2.2. Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto

O Apelante impugna ainda a decisão relativa à matéria de facto, alegando a propósito, o seguinte:

i) Não devia ter sido dada como provada a matéria constante dos pontos 11, 13 e 14 da decisão (conclusão 35.ª das alegações);
ii) Menciona como “incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo” os pontos 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9. e 10., als. a), b), c), e d), dos “Factos não provados” (conclusão 29.ª das alegações).
iii) Refere o entendimento errado de que sofre a decisão recorrida - “a causa do início do foco de incêndio não ter sido a deflagração de uma carga explosivos por parte da Ré” (conclusão 84.ª).

Nas contra-alegações apresentadas, a Interveniente Z Portugal - Companhia de Seguros, S.A., pronuncia-se relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Sustenta, em síntese, que apesar de apontar erro de julgamento dos factos dos pontos 11, 13 e 14 dos factos provados, o Recorrente não só não especifica os concretos meios probatórios constantes do processo ou da gravação, que impunham decisão diversa, como também não especifica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões (exceto que essa factualidade deve ser julgada não provada o que, declara aceitar). Conclui que, quanto a tal matéria, o Recorrente não cumpriu minimamente com aquele ónus, pelo que o recurso, que tem por objeto o erro de julgamento das decisões dos artigos 11, 13 e 14 dos factos provados, deve ser rejeitado.

Defende que o Recorrente limita-se a sustentar, na conclusão 96.ª, que “houve entendimento errado do Tribunal a quo sobre a decisão recorrida, no que tange ao não concluir pela existência de um nexo de causalidade adequada entre a conduta em causa e a deflagração da carga explosiva e os danos sofridos pelo A.”, sem que especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou da gravação que impunham decisão diversa, nem a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essa questão, sustentando que esse incumprimento deve levar à rejeição do recurso quanto a esta matéria.

Mais alega que, estando a parte do recurso que incide sobre a decisão relativa à matéria de facto dos pontos 11, 13 e 14 dos factos provados e ponto 2 dos factos não provados, suportado exclusivamente nos depoimentos prestados pelo Autor e pelas testemunhas por si arroladas, os que se encontram deficientemente gravados, esta Relação está impedida de conhecer na íntegra o teor do que foi dito pelas depoentes em sede de audiência de julgamento, e, por isso, impossibilitada de formar a sua convicção e, assim, apreciar a decisão impugnada, não podendo nem devendo conhecer a parte do recurso que tem por objeto um eventual erro de julgamento dos pontos 11, 13 e 14 dos factos provados e do ponto 2 dos factos não provados.

Cumpre apreciar

A impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências. Neste domínio, o artigo 640.º do CPC, prevê diversos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo o seguinte:

Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Relativamente ao alcance do regime decorrente do preceito legal acabado de citar, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 126), que “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar, com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto”.

No caso vertente, verifica-se pela análise das alegações do Recorrente que este indica os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, nos termos supra enunciados.

Relativamente à decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, resulta da análise das alegações apresentadas que o Recorrente não especifica expressamente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da impugnação da matéria de facto supra enunciados sob i) e ii), apenas referindo que não devia ter sido dada como provada a matéria constante de i) - relativa aos pontos 11., 13., e 14., da decisão - resultando das conclusões apresentadas que o Recorrente pretende que tais factos sejam substituídos por outros que não concretiza nem nas conclusões das suas alegações nem nas próprias alegações.

Ora, como se viu, era exigível que tivesse indicado claramente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da impugnação da matéria de facto que considera viciados por erro de julgamento.

Não o tendo feito, ao abrigo do disposto no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, é de rejeitar, parcialmente, a impugnação da decisão da matéria de facto, na parte em que se reporta aos pontos i) e ii), este último com exceção do ponto 2.º dos factos não provados, sendo, porém, de admitir a impugnação referida em iii), visto que nesta parte - e confrontando as conclusões com o corpo das alegações - entende-se resultar suficientemente compreensível que o Recorrente pretende que tal matéria, vertida no ponto 2.º dos “Factos não provados”, seja dada como provada.
Analisando a decisão recorrida, verifica-se que o concreto ponto da matéria de facto que o recorrente considera incorretamente julgado tem a seguinte redação:

2 - Foi a deflagração da carga de explosivos, efectuada pela R., que provocou o início do foco de incêndio.

Analisando o corpo das alegações, verifica-se que o Recorrente alude à valoração da prova que foi feita pelo tribunal recorrido, com transcrição da motivação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida.

Faz referência a todos os depoimentos prestados em sede de audiência final, designadamente ao depoimento prestado pelo Autor e por todas as testemunhas inquiridas - M. M., A. G., M. E., M. V., A. E., R. T., P. M., e A. J. - para concluir, de forma genérica, que a análise dos concretos meios probatórios constantes do processo e do registo da gravação impunham uma decisão diversa da proferida da sentença (conclusão 99.ª).

Tal como decorre do exposto, verifica-se que o recorrente remete para todos os depoimentos prestados em sede de audiência final, com indicação das passagens da gravação relevantes, relativamente a todos, e transcrição dos excertos considerados importantes quanto às testemunhas arroladas pelos réus - R. T., P. M., e A. J.. Quanto ao depoimento prestado pelo Autor e aos depoimentos das testemunhas arroladas por este - M. M., A. G., M. E., M. V., A. E. - assinala, relativamente a todos eles, a “deficiente gravação não se conseguindo transcrever o depoimento”.

Ora, ainda que a referência feita aos meios de prova se afigure algo genérica e ampla, por mencionar todos os depoimentos prestados em sede de audiência final, julgamos que, relativamente ao ponto 2.º dos factos não provados, está minimamente cumprido o ónus de indicação dos concretos meios probatórios, especificando o Recorrente os meios probatórios que imporiam decisão diversa, ainda que, como se viu, assentando no conjunto dos depoimentos prestados em sede de audiência final.

Relativamente ao concreto ponto da matéria de facto agora em apreciação, cumpre salientar que o mesmo está directamente relacionado com os factos que foram enunciados sob os pontos 6., e 9., dos “Factos provados”, resultando da motivação da decisão sobre a matéria de facto que, quanto a tais factos, foram decisivos os depoimentos das testemunhas A. G., M. E., M. V., A. E. e R. T., conjugadamente com a prova documental de fls. 527 a 596 (ponto 6.º), as declarações das testemunhas Maria, A. G., M. E., M. V., A. E. e ainda o depoimento do Autor (ponto 9.º). Acresce decorrer ainda da referida motivação da decisão sobre a matéria de facto que os depoimentos das testemunhas A. G., M. E., M. V. e A. E., para além das testemunhas R. T., P. M., e A. J., foram considerados no juízo subjacente à matéria considerada não provada em 2.

Com vista à reapreciação da matéria de facto impugnada, foram revistos e analisados os concretos meios probatórios indicados pelo Recorrente, procedendo-se à audição integral dos registos da gravação efetuada em sede de audiência final, constantes do suporte físico que se encontra junto aos autos (CD) e também o registo constante do Citius, relativamente a todos os depoimentos prestados.

A audiência final realizou-se em 22 de maio de 2018, pelas 10h30 com o depoimento do Autor, A. C., e audição das testemunhas - M. M., A. G., M. E., M. V. e A. E. - tendo sido interrompida para continuar no mesmo dia, pelas 14h05 com a inquirição das testemunhas arroladas pela Ré - R. T., P. M. e A. J.. Ora, relativamente à gravação dos depoimentos prestados em sede de audiência final, verifica-se que apenas os registos referentes às testemunhas arroladas pela Ré - R. T., P. M. e A. J. - são normalmente compreensíveis. Ao invés, todos os registos de gravação referentes aos depoimentos prestados pelo Autor, A. C., e pelas testemunhas - M. M., A. G., M. E., M. V. e A. E. - apresentam deficiências que os tornam totalmente impercetíveis, tal como referido pelo Recorrente em sede de alegações.

Tal como decorre do disposto no artigo 662.º, n.º1, do CPC, a reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado em 1.ª instância, dispondo para tal a Relação de autonomia de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição.

Isto mesmo tem vindo a ser sublinhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, conforme resulta do sumário do Ac. do STJ de 24-09-2013 (relator: Azevedo Ramos) (9): “I - Ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, o legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise.

II - A reapreciação da prova pela Relação (…), tem a mesma amplitude de poderes que tem a 1.ª instância.

III - A Relação não pode remeter para o juízo de valoração da prova feito na 1.ª instância, pois tem de fazer, com autonomia, o seu próprio juízo de valoração que pode ser igual ao primeiro ou diferente dele.
(…)”.

Por conseguinte, deve concluir-se que a deficiência da gravação dos depoimentos produzidos em sede de audiência final é impeditiva da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, sempre que torne inviável a ponderação de tais meios de prova e estes sejam essenciais para a apreciação do recurso na parte em que ocorre impugnação da matéria de facto, devendo a Relação estar nas mesmas condições em que se encontrou o Tribunal de primeira instância - cf. a propósito, os Acs. do TRE de 12-04-2018 (relatora: Albertina Pedroso) (10), do TRL de 30-05-2017 (relator: Luís Filipe Pires de Sousa) (11), do TRG de 11-09-2014 (relator: Heitor Gonçalves) (12). Em sentido idêntico, o Ac. do TRG de 11-10-2018 (relator: Joaquim Boavida) (13) e em que o ora relator interveio como 1.º adjunto.

Revertendo à situação dos autos, após audição integral dos registos da gravação efetuada em sede de audiência final, confirma-se que todos os registos de gravação referentes aos depoimentos prestados pelo Autor, A. C., e pelas testemunhas - M. M., A. G., M. E., M. V. e A. E. - apresentam deficiências que os tornam totalmente impercetíveis. Deste modo, resulta indiscutível que tal prova, sendo inaudível, não pode ser reapreciada por esta Relação, impedindo, assim, a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto relativamente a todos os factos enunciados pelo Recorrente na impugnação sobre tal decisão, designadamente sobre a matéria vertida no ponto 2.º dos “Factos não provados”, posto que sobre tal matéria foram também ouvidas as testemunhas cujos depoimentos não estão disponíveis.

Em consequência, decide-se rejeitar o recurso relativo à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, na parte atinente aos pontos supra enunciados sob i) e ii) - este último com exceção do ponto 2.º dos factos não provados – e não reapreciar a decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto impugnada pelo Apelante, relativa ao ponto 2.º dos “Factos não provados” por não dispor este Tribunal dos elementos necessários para o efeito.

Em consequência, improcede a apelação nesta parte.

2.2.3. Da nulidade da sentença

Sustenta o Apelante que “a Douta Decisão enferma, do vício de nulidade”, tendo havido violação do disposto nos artigos 609.º, nºs 1 e 2 e 616.º, n.º 2. als a) e b) do CPC, devendo a decisão ser nula atento o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. a), 1.ª parte do CPC, arguição que enuncia na conclusão 99.ª das correspondentes alegações.

Neste aspeto em particular, verifica-se que o Recorrente não indicou de forma precisa qual a concreta causa de nulidade da sentença, contrariamente ao que prevê o artigo 639.º, nºs 1 e 2, alínea a), do CPC, sendo que a referência feita ao artigo 615.º, n.º 1, al. a), 1.ª parte do CPC, bem como aos restantes preceitos legais enunciados, quando em confronto com a decisão sob censura, não permitem vislumbrar a existência de qualquer vício gerador de nulidade à luz do disposto no artigo 615.º, n.º 1, do CPC.

Em consequência, cumpre concluir que tal alegação não configura a arguição de qualquer nulidade da sentença recorrida, antes traduzindo a discordância do Recorrente quanto ao mérito da decisão proferida, tal como decorre das alegações apresentadas.

Pelo exposto, não enferma a decisão recorrida de qualquer nulidade, improcedendo, nesta parte, a apelação.

2.2.4. Pressupostos da responsabilidade extracontratual

Atenta a improcedência da impugnação da matéria de facto, resulta evidente que os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados sob os n.ºs 1.1.1. a 1.1. 19. supra.

Tal como resulta das conclusões 11.ª a 99.ª das alegações apresentadas, grande parte da argumentação desenvolvida pelo Apelante visava a alteração da decisão da matéria de facto no que concerne aos pontos concretamente impugnados.

Suscita, porém, algumas questões a propósito da fundamentação jurídica utilizada na decisão recorrida, designadamente a propósito da “confirmação e apreciação jurídicas da situação fáctica descrita” - cf. conclusão 98.ª das alegações.

Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado e não provado pelo Tribunal a quo, vejamos, ainda assim, se existe qualquer desacerto da solução jurídica dada ao caso sub judice, tal como parece sustentar o Recorrente.

O Tribunal a quo julgou totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolveu os Réus do pedido deduzido pelo Autor, entendendo, em síntese, não existir fundamento para a pretensão indemnizatória do Autor, por não estar demonstrada a ilicitude, pressuposto da obrigação de indemnizar que pretendia assacar os RR nem ter resultado demonstrada a existência de um nexo de causalidade naturalística entre a conduta em causa e os danos sofridos pelo Autor, ou seja, que a deflagração dos explosivos levada a cabo haja sido condição sem a qual o dano não se teria verificado (os danos sofridos pelo Autor tiveram como causa naturalística e adequada, um incêndio, mas não se provou que o incêndio, que causou os danos ao A., tenha tido como causa a deflagração dos explosivos em questão), entendendo não se poder concluir pela existência de um nexo de causalidade adequada entre a conduta em causa e os danos sofridos pelo Autor.

Pela presente ação pretende o Autor obter a condenação dos Réus no pagamento da quantia de € 5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais e € 145.525,00 de danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros à taxa legal desde a condenação até integral pagamento, a título de indemnização por danos sofridos em consequência de um incêndio que atingiu um prédio rústico, de que o Autor é proprietário, em consequência do qual arderam as árvores que o Autor tinha nesse prédio, causando-lhe prejuízos, que descreve.

O princípio geral em matéria de responsabilidade por factos ilícitos encontra-se plasmado no artigo 483.º, n.º 1, do CC, norma que impõe a quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

São, assim, vários os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto voluntário do agente, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Relativamente à ilicitude, enquanto requisito necessário para que o ato seja gerador de responsabilidade civil extracontratual, a mesma tanto pode consubstanciar a violação de direitos subjetivos - os quais podem ser absolutos (direitos de personalidade, direitos reais), mas também direitos familiares, de conteúdo patrimonial ou, mesmo, pessoal - como a de uma norma protetora de um interesse alheio.

Já a culpa pondera o lado subjectivo do comportamento do agente do facto, pressupondo um juízo de censura ou de reprovação da conduta, podendo surgir fundamentalmente na modalidade de mera culpa (culpa em sentido estrito ou negligência), nos casos em que o agente não previu o resultado ilícito ou, tendo-o previsto, confiou temerariamente na sua não ocorrência, ou de dolo, quando o agente, tendo previsto o resultado, o aceitou como possível, isto é, não deixou de atuar em razão dessa possibilidade (14).

Mas o facto ilícito culposo só implica responsabilidade civil caso ocorra um dano ou prejuízo a ressarcir, consubstanciado este de forma genérica como toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica (15).

Por último, além do facto e do dano, exige-se o nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que o facto constitua causa do dano, requisito que desempenha a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar (16).

No caso em apreciação, mostra-se, além do mais, provado o seguinte:

- No dia 9 de Agosto de 2010, cerca das 18.00 horas, na localidade de ..., quando decorriam os trabalhos de desmonte de rocha, efetuados pela R., e coordenados pelo R., a R. procedeu à detonação de uma carga de explosivos, tendo 2.780 Kg de carga de fundo (ponto 1.1.5. dos factos provados);
- Passados alguns segundos após a deflagração dessa carga de explosivos e a algumas dezenas de metros de distância da área de deflagração, iniciou-se um foco de incêndio, que, de seguida, se propagou ao terreno florestal contíguo (ponto 1.1.6. dos factos provados).

Provou-se, ainda, que:

- Pela Ap. 4325 de 2009/08/26, mostra-se registada, a aquisição, por partilha, a favor do A., do prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., pela referida freguesia de ..., sob o n º 2841/..., composto por vinha, cultura de sequeiro, amendoeiras e pinhal (ponto 1.1.8. dos factos provados);
- Tal prédio foi atingido pelo referido incêndio (ponto 1.1.9. dos factos provados);
- Em consequência, arderam ao A., no referido prédio: o pinhal, com uma área de cerca de 2 ha., 14 oliveiras, 9 amendoeiras, 3 marmeleiros, 4 figueiras e 700 videiras (ponto 1.1.10. dos factos provados);
- Tais árvores tinham um valor indeterminado (ponto 1.1.11. dos factos provados);
- O A. costumava colher uvas nas 700 videiras, que lhe permitiam produzir uma média de 500 litros de vinho, que vendia por cerca de € 500,00 (ponto 1.1.12. dos factos provados);
- O A. costumava colher uma quantia indeterminada de frutos, das demais árvores de fruto, e a venda que deles fazia, propiciava-lhe uma quantia indeterminada (ponto 1.1.13. dos factos provados);
- Em resultado do incêndio, o A. deixou de poder colher os mencionados frutos durante cerca de 5 anos (ponto 1.1.14. dos factos provados);
- O A. ficou, e andou, nervoso e angustiado, por ter visto o fruto do seu trabalho completamente destruído, pelo incêndio em causa (ponto 1.1.15. dos factos provados).

Contudo, não logrou o Autor/Recorrente fazer prova, nomeadamente, de que a deflagração da carga de explosivos ocorreu a 20 metros do local onde se iniciou o foco de incêndio (ponto 1.2.1. da factualidade não provada), e que foi a deflagração da carga de explosivos, efectuada pela R., que provocou o início do foco de incêndio (ponto 1.2.2. da factualidade não provada). Deste modo, resulta indiscutível que a factualidade provada não permite consubstanciar a ilicitude do facto voluntário, da conduta ou ação que a Ré levou a cabo, através do Réu, traduzida na detonação de uma carga de explosivos, tendo 2.780 Kg de carga de fundo trabalhos para desmonte de rocha na obra referida em 1.1.1., nem o nexo de causalidade entre tal facto e os danos concretamente apurados, tal como se concluiu na sentença recorrida.

E idêntica conclusão se impõe no caso de se qualificar a actividade desenvolvida pelos Réus, no contexto dos factos em apreciação, como uma atividade perigosa, circunstância que a sentença recorrida não ponderou.

Vejamos.

Sob a epígrafe Danos causados por coisas, animais ou atividades, dispõe o artigo 493.º do CC, no seu n.º 2, o seguinte: “Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”.

Tal como referem Pires de Lima e Antunes Varela (17), o referido preceito prevê “ uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas ou de animais ou exerce uma actividade perigosa. Abre-se mais uma excepção à regra do n.º1 do artigo 487.º, mas não se altera o princípio do artigo 483.º de que a responsabilidade depende de culpa. Trata-se, portanto, de responsabilidade delitual e não de responsabilidade pelo risco ou objectiva. (…) ”.

Neste âmbito, a jurisprudência tem vindo a coincidir no sentido de que a qualificação de uma atividade como perigosa deve ser aferida em função da análise das circunstâncias concretas de cada caso, devendo o conceito de perigosidade ser integrado em função da especial aptidão ou maior suscetibilidade de determinada atividade causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral, em razão da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados (18).

Neste contexto, resulta manifesto que a detonação de uma carga de explosivos, tendo 2.780 Kg de carga de fundo, em trabalhos de desmonte de rocha, efetuados pela Ré, e coordenados pelo Réu, no âmbito de subempreitada referente à obra de Subconcessão do Douro Interior, Lanço IC5 - Murça (IP4) / Nó de Pombal, Trecho Murça/... (Km 0+000 a Km 7+000), configura uma “atividade perigosa” atenta a natureza dos meios utilizados e as circunstâncias em que foi exercida (19), nos termos e para os efeitos previstos no artigo 493.º, n.º 2, do CC.

O artigo 493.º, n.º 2, do CC, prevê, como se viu, uma presunção legal de culpa quanto aos danos decorrentes do exercício de uma atividade perigosa “por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados”.

Porém, tal constatação apenas releva no âmbito da prova da culpa do autor da lesão - porquanto, conforme decorre do preceituado nos artigos 342.º, n.º 1, e 487.º, n.º 1, do CC, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa - não implicando a dispensa da prova quanto ao estabelecimento ou à determinação do nexo de causalidade naturalística entre o facto e o dano.

Assim, a presunção de culpa só funciona após a prova de que o evento se ficou a dever a razões relacionadas com a atividade perigosa, ou seja, após demonstração de que a atividade perigosa constituiu a causa jurídica dos prejuízos ou dos danos sofridos, cabendo ao lesado o ónus dessa prova (20).

Ora, como se viu, não se mostra configurada nos autos a ilicitude do facto voluntário, da conduta ou ação que a Ré levou a cabo, através do Réu, traduzida na detonação de uma carga de explosivos, tendo 2.780 Kg de carga de fundo trabalhos para desmonte de rocha na obra referida em 1.1.1., nem o nexo de causalidade entre tal facto e os danos concretamente apurados, tal como se concluiu na sentença recorrida.
Por conseguinte, é manifesto que não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.

2.2.5. Obrigação de indemnizar

Baseando o pedido indemnizatório formulado em responsabilidade extracontratual, incumbia ao Autor, ora Apelante, o ónus de alegar e provar a ocorrência dos respetivos pressupostos, conforme resulta do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CC.

Tendo-se concluído, na análise realizada em 2.2.4., que não se mostra configurada a ilicitude do facto voluntário, da conduta ou ação que a Ré levou a cabo, através do Réu, traduzida na detonação de uma carga de explosivos, tendo 2.780 Kg de carga de fundo trabalhos para desmonte de rocha na obra referida em 1.1.1., nem o nexo de causalidade entre tal facto e os danos concretamente apurados, é manifesto que não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.

Em consequência, improcede o pedido indemnizatório formulado pelo Autor.
Pelo exposto, cumpre concluir, tal como na 1.ª instância, pela improcedência total da ação e a consequente absolvição dos Réus da totalidade do pedido formulado.
Improcede, assim, a apelação.

Sumário:

I - Sendo a lei expressa ao estabelecer o início da contagem do prazo para a arguição da deficiência da gravação dos meios de prova no momento em que é disponibilizada, deve entender-se que tal não envolve a entrega do suporte digital contendo cópia dessa gravação mas a mera colocação do referido registo, pela secretaria judicial, à disposição das partes, a qual deve ocorrer no prazo de 2 dias contados de cada um dos atos sujeitos à gravação;
II - O artigo 155.º, n.º 4, do CPC impõe às partes o ónus de invocar o vício da falta ou deficiência da gravação no prazo perentório nele previsto;
III - Não o fazendo, o vício fica sanado pelo decurso do prazo, não podendo ser conhecido oficiosamente pela Relação;
IV - A deficiência da gravação dos depoimentos produzidos em sede de audiência final é impeditiva da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto sempre que torne inviável a ponderação de tais meios de prova e estes se revelem essenciais para a apreciação do recurso na parte em que ocorre impugnação da matéria de facto, devendo a Relação estar nas mesmas condições em que se encontrou o Tribunal de primeira instância;
V - A detonação de uma carga de explosivos, tendo 2.780 Kg de carga de fundo, em trabalhos de desmonte de rocha, efetuados pela Ré e coordenados pelo Réu, no âmbito de uma subempreitada, configura uma “atividade perigosa” atenta a natureza dos meios utilizados e as circunstâncias em que foi exercida, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 493.º, n.º 2, do CC;
VI - Porém, tal constatação apenas releva no âmbito da prova da culpa do autor da lesão, não implicando a dispensa da prova pelo lesado quanto ao estabelecimento ou à determinação da relação causal entre o exercício da atividade considerada perigosa e o dano.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a presente apelação e, em consequência, confirmam o despacho e a decisão recorridos.

Custas pelo Apelante.
Guimarães, 14 de fevereiro de 2019
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Eva Almeida (2.º adjunto)


1. A propósito do que significa “disponibilizar”, para efeitos das normas constantes dos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 155.º do CPC, cf. o Ac. TRE de 12-10-2017 (relator: Vítor Sequinho dos Santos), p. n.º 1382/14.2TBLLE-A.E1, disponível em www.dgsi.pt
2. P. n.º 229/17.2T8VVD.G1, disponível em www.dgsi.pt
3. P. n.º 298/13.4TBSCR.L1-7, disponível em www.dgsi.pt
4. P. n.º 941/08.7TBMFR-H.L1-2, disponível em www.dgsi.pt
5. P. n.º 64/13.7T6AVR-A.C1, disponível em www.dgsi.pt
6. P. n.º 142046/08.3YIPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt
7. P. n.º 927/12.7TVPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt
8. Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 130
9. P. n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1 – 6.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt
10. P. n.º 1004/16.7T8STR.E1, disponível em www.dgsi.pt
11. P. n.º 298/13.4TBSCR.L1-7, disponível em www.dgsi.pt
12. P. n.º 4464/12.1TBGMR.G1, disponível em www.dgsi.pt
13. P. n.º 484/13.7TBBRG.G2, disponível em www.dgsi.pt
14. Cf., Ana Prata, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 627-628
15. Cf., Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 591
16. Cf., Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 605
17. Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 495
18. Neste sentido, na jurisprudência recente do STJ, entre muitos outros, cf. o Ac. de 17-05-2017 (relator: António Joaquim Piçarra), revista n.º 1506/11.1TBOAZ.P1.S1 – 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt
19. No sentido de que “o emprego de explosivos em rebentamentos de rocha é, claramente, pelos meios utilizados, uma actividade perigosa”, cf. o Ac. do STJ de 12-03-2009 (relator: Santos Bernardino), proferido na revista n.º 08B4010 disponível em www.dgsi.pt
20. Neste sentido, cf. o Ac. do TRG de 26-04-2018 (relator: Alcides Rodrigues), p. 3702/16.6T8BRG.G1, disponível em www.dgsi.pt e o Ac. do TRL de 20-03-2001 (relator: Vaz das Neves), CJ Ano XXVI - 2001, T. II, p. 83-84