Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
147/18.7YRGMR.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
PRESCRIÇÃO DA PENA
SENTENÇA NÃO EXEQUÍVEL EM PORTUGAL
ARTºS 12º DA LEI 65/2013
DE 23.08
LEI 35/2015
DE 4.05
E 26º
AL. A) E 17º
1
E)
AMBOS DA LEI 158/2015
DE 17.09
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I. Encontrando-se prescrita, de acordo com a lei portuguesa, a pena de 9 (nove) meses de prisão em que o requerido, cidadão romeno residente em Portugal, foi condenado pela Autoridade Judiciária Espanhola, cujo cumprimento está na génese do Mandado de Detenção Europeu ora em apreço, não pode o Estado Português assumir o compromisso de a executar, previsto na parte final da alínea g) do art. 12º, n.º 1, da Lei nº 65/2003, de 23/8, pois a dita prescrição impede o Tribunal da Relação de declarar a exequibilidade da sentença em Portugal e de confirmar a pena (art. 12º, n.ºs 3 e 4 daquela Lei e arts. 26º, alínea a) e 17º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 158/2015, de 17/9).

II. Tal prescrição também não inviabiliza a execução do mandado, por não constituir causa da sua recusa facultativa, nos termos do art. 12º, n.º 1, e), ainda da mesma Lei, porque os tribunais portugueses não são competentes para o conhecimento dos factos que motivaram a sua emissão, à luz do preceituado nos arts. 4º a 7º do C. Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 – RELATÓRIO

O Ministério Público veio requerer, nos termos do disposto no artigo 16º, n.º 1, da Lei n.º 65/03, de 23 de Agosto, na redacção conferida pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio, a Execução de Mandado de Detenção Europeu (MDE), emitido, em 13/07/2018, pelo Jusgado De Lo Penal N 1 de Burgos, Espanha, contra V. C., de nacionalidade romena, nascido a (…), em (…), Roménia, filho de (…) e de (…) e actualmente residente na Rua (…), Viana do Castelo, Portugal, detido no dia 17/7/2018 e restituído à liberdade no dia 18/07/2018, com apresentações bi-diárias, junto da autoridade policial competente da área da sua residência.

O Ministério Público indicou ter o mandado por finalidade o cumprimento da pena de 9 (nove) meses de prisão aplicada ao requerido, por decisão proferida pelo mencionado Jusgado De Lo Penal N 1 de Burgos, em 10/02/2014, transitada em julgado em 7/07/2014, por factos cometidos no dia 4/10/2007, que integram a prática de um crime de roubo previsto e punido pelo art. 237 do Código Penal Espanhol, referindo, ainda, que não se verifica nenhuma das situações que permitam a recusa do mandado, nomeadamente as aludidas nas alíneas do arts. 11º e 12º da Lei n.º 65/2003. Concluiu, requerendo a audição do detido, com a validação e manutenção da detenção, e subsequente entrega às Autoridades Judiciárias Espanholas.

Detido no dia 17/07/2018, pelas 11:30 horas, em Viana do Castelo, foi o requerido presente para interrogatório a este Tribunal, que procedeu à sua audição, com a assistência da defensora oficiosa, no prazo e nos termos legais.

Em declarações, o requerido disse não consentir na sua entrega às Autoridades Espanholas, pretendendo cumprir a pena em Portugal, opondo-se, assim, à execução do presente MDE, e não renunciar ao princípio da especialidade, requerendo prazo para apresentar a sua defesa, o que lhe foi concedido.

Findo o interrogatório, foi determinado que o requerido aguardasse o desenvolvimento dos ulteriores termos do processo com apresentações bi-diárias, junto da autoridade policial competente da área da sua residência e com a proibição de se ausentar para o estrangeiro.

No mesmo acto foi solicitado ao processo que originou a emissão do mandado o envio do auto da detenção do requerido, a sentença condenatória, a indicação da data em que a mesma lhe foi notificada e se o este esteve ou não presente no julgamento ou se fez representar por defensor.

Satisfazendo o solicitado, a Autoridade Judiciária Espanhola remeteu aos autos cópia da sentença proferida em primeira instância, da sentença proferida em recurso de apelação, informando, ainda, que pelo arguido foi apresentado requerimento a solicitar a suspensão da execução da pena por trabalho a favor da comunidade, o que lhe foi indeferido.

O requerido deduziu oposição, por escrito, invocando que se encontra integrado socialmente na comunidade portuguesa, tem regularizada a sua situação perante a segurança social, vive em união de facto há mais de 30 anos com a companheira, que actualmente se encontra acamada em instituição particular de solidariedade social por ter sido vítima de enfarte, e que se mostra preenchida a causa da recusa facultativa prevista na al. g) do artigo 12º do enunciado diploma legal. Terminou a oposição requerendo que se considerem provados todos os factos desta e, consequentemente, se recuse a execução do mandado de detenção, comprometendo-se o Estado Português a executar a pena em que foi condenado.

Juntou prova documental e arrolou testemunhas.

Notificado da oposição, o Ministério Público veio requerer a realização de relatório social tendo em vista apurar da efectiva integração social do requerido, o que foi deferido.
Foi junto aos autos o relatório social elaborado pela DGRSP relativo às condições pessoais do requerido e foram ouvidas as testemunhas indicadas.

Em sede de inquirição de testemunhas, foi requerido pelo Ministério Público e pela defesa do requerido a apresentação de alegações escritas e, produzidas estas, o Ministério Público, embora com diferente argumentação, manteve a posição que deve ser deferida a execução do mandado, enquanto o requerido reitera que lhe deve ser concedida a possibilidade de cumprimento da pena em território nacional.

Em 17/9/2017, na sequência do alegado pelo Ministério Público, o requerido veio manifestar a pretensão de que este Tribunal, se assim o entendesse, solicitasse às Autoridades Judiciárias Espanholas informação sobre se, também à luz da lei espanhola, a pena que lhe foi imposta se encontra prescrita.
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Remetidos os autos para conferência e colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, sendo este Tribunal territorialmente competente para o efeito.
Não se verificam nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

A - Com relevo para a decisão resultou provado que:
1. Pela Autoridade Judiciária Espanhola competente, no âmbito do processo n.º 199/2012 do Jusgado De Lo Penal N 1 de Burgos, foi em 13/07/2018 emitido o presente mandado de detenção europeu (MDE), e inserida no Sistema de Informação Schengen (SIS) a indicação da necessidade de detenção e entrega às Autoridades Espanholas do cidadão Romeno V. C., para cumprimento da pena de 9 meses de prisão em que foi condenado por sentença, proferida em 10/02/2014, transitada em julgado em 7/07/2014, pela prática de um crime de roubo previsto e punido pelo art. 237 do Código Penal Espanhol.
2. O pedido de execução do MDE, tem subjacente a circunstância de o requerido V. C., de nacionalidade romena, nascido a (...), em (...), Roménia, filho de (...) e de (...), haver sido submetido a julgamento – que decorreu na sua ausência, apesar de devidamente notificado, tendo sido representado por defensor – e pessoalmente notificado da sentença no dia 17/3/2014.
3. O requerido foi condenado pelo facto de, no dia 4 de Outubro de 2007, pelas 23, 30 horas, juntamente com outros indivíduos, ter partido a tampa do tanque de combustível do camião com a matrícula (...) e, usando uma mangueira de borracha, ter aspirado o combustível do tanque e o colocado em recipientes de plástico que tinham levado para esse fim.
4. O requerido e os demais indivíduos não lograram atingir o seu objectivo porque foram interceptados pelas autoridades.
5. No referido processo, em cujo âmbito o requerido foi condenado, não se verificaram quaisquer circunstâncias que em virtude da lei portuguesa pudessem suspender ou interromper a prescrição da pena imposta.
6. O requerido viveu em diversos países, nomeadamente em Espanha, tendo fixado residência em Portugal desde 2011.
7. Tem uma companheira com quem vive há cerca de 35 anos, a qual se encontra internada numa instituição de solidariedade social desde 30/4/2018, na sequência de um problema de saúde.
8. O Ministério Público instaurou contra a companheira do requerido um processo de interdição, tendo o mesmo sido notificado para comparecer no dia 26/9/2018, a fim de prestar declarações.
9. O requerido efectuou um desconto para a Segurança Social no montante de € 62,36 em 9/04/2018.
10. O requerido, no seu meio de residência, tem uma imagem social sem referências significativas, dispõe de condições habitacionais precárias e não tem ocupação profissional consistente, vivenciando uma situação económica carenciada.
11. O requerido não consente na sua entrega às autoridades de Espanha, para efeitos de cumprimento da pena em que foi condenado, e não renuncia à regra da especialidade.

B - Inexistem factos não provados com relevância para a decisão.
C - Motivação da decisão de facto:

A prova dos factos descritos alicerçou-se no teor do MDE e da documentação anexa ao mesmo, bem como dos documentos remetidos pela Autoridade Judiciária Espanhola e informações prestadas e que se mostram juntos aos autos. Os factos atinentes às condições pessoais e situação do arguido provaram-se com base nas suas declarações e no teor do relatório social e documentos juntos pelo mesmo aquando da apresentação da sua oposição.
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O Direito

O regime jurídico do mandado de detenção europeu foi aprovado pela Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (em cumprimento da Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao MDE e aos processos de entrega entre os Estados membros) e veio a ser alterado pela Lei nº. 35/2015, de 4 de Maio (aprovada em cumprimento da Decisão Quadro nº. 2009/299/JAI, do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009), que, visando a substituição das relações clássicas que até então haviam prevalecido, reforçou os direitos processuais das pessoas e promoveu a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo no que se refere às decisões proferidas na ausência do arguido.

A génese e a eficácia do MDE radica, pois, no princípio da cooperação judiciária, tendo por base a confiança entre os Estados membros da UE, relativamente aos respectivos ordenamentos e sistemas jurídicos e à aceitação e reconhecimento mútuo das decisões dos respectivos tribunais – cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ de 10/03/2016, proc. 1240/15.3YRLSB.SB.S1, e de 30/03/2016, proc. 1642/15.5YRLSB, ambos acessíveis no endereço www.dgsi.pt.

Tal como decorre do disposto no art. 1º, nº.1, do respectivo Regime Jurídico, o MDE tem por finalidade a detenção e entrega pelo Estado membro da execução ao Estado membro que emitiu a decisão judiciária (MDE), de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

Prescreve o art. 2º, da citada Lei, na redacção dada pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio:

“1-O mandado de detenção europeu pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do estado membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas da liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena ou de medida de segurança, desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses.
2- Será concedida a entrega da pessoa procurada com base num mandado de detenção europeu, sem controlo da dupla incriminação, sempre que os factos, de acordo com a legislação do estado membro de emissão, constituam as seguintes infracções, puníveis no Estado membro de emissão com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a três anos:
(…) 3- No que respeita às infracções não previstas no número anterior só é admissível a entrega da pessoa reclamada se os factos que justificam a emissão do mandado de detenção europeu constituírem infracção punível pela lei portuguesa, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação.”

Está em causa a execução do mandado de detenção europeu emitido pela Autoridade Judiciária Espanhola relativo ao cidadão romeno acima identificado, cuja entrega é requerida, para cumprimento da pena de 9 (nove) meses de prisão em que foi condenado, por sentença transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 199/2012 do Jusgado De Lo Penal N 1 de Burgos, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 237º do Código Penal Espanhol, correspondendo-lhe em Portugal o crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º do C. Penal.

Assim, atento os factos considerados provados, é por demais evidente que se encontram reunidos os pressupostos relativos ao âmbito de aplicação, previstos no artigo 2º da Lei n.º 65/2003, bem como presentes os requisitos de conteúdo, forma e transmissão do MDE – (cf. artigos 3º, 4º e 5º do mesmo diploma).

Com efeito, pese embora os factos por cuja prática o requerido foi penalmente responsabilizado em Espanha não respeitarem a infracção catalogada na previsão de nenhuma das alíneas do n.º 2 do art. 2 da Lei 65/03, o certo é que constituem infracção punível pela lei portuguesa, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação – nº. 3 do art. 2 da Lei 65/03.

E aqui chegados, uma vez que não ocorre nenhuma causa de recusa obrigatória prevista no artigo 11º da citada lei, importa que nos debrucemos sobre a causa de recusa facultativa de execução do MDE, invocada pelo requerido e prevista no art. 12º, n.º 1, al. g), da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto (na redacção introduzida pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio), que dispõe:

1- A execução do mandado de detenção pode ser recusada quando:
(…) g) A pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa.
(…) 3 - A recusa de execução nos termos da alínea g) do n.º 1 depende de decisão do tribunal da relação, no processo de execução do mandado de detenção europeu, a requerimento do Ministério Público, que declare a sentença exequível em Portugal, confirmando a pena aplicada.
4 - A decisão a que se refere o número anterior é incluída na decisão de recusa de execução, sendo-lhe aplicável, com as devidas adaptações, o regime relativo à revisão e confirmação de sentenças condenatórias estrangeiras.
A razão de ser do princípio expresso nesta norma reside na reserva de soberania, que nela está implícita e que se compreende pela ligação subjectiva e relacional entre a pessoa procurada e o Estado da execução, como esclareceu o ac. do STJ, de 27/04/2006, proferido no proc. 06P1429 e relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar (1).

No caso dos autos, apesar de o requerido se encontrar a residir em território português e o mandado se destinar ao cumprimento de pena de prisão, o estado português não se pode comprometer a executar a pena de acordo com a lei portuguesa.
Efectivamente, não podemos deixar de concordar com o Exmo. Procurador-Geral Adjunto quando, na sua douta alegação final, invoca que a pena que constitui o desiderato do presente mandado se encontra prescrita e tal circunstância consubstancia causa de recusa do reconhecimento e da execução da sentença.

Com efeito, como se extrai dos factos provados, o requerido foi condenado por decisão transitada em julgado em 7/07/2014 na pena de 9 meses de prisão, prescrevendo, por isso, nos termos do disposto no art. 122º, alínea d) e n.º 2 do C. Penal, no prazo de quatro anos, a contar do dia do trânsito em julgado da decisão da sua aplicação.

Acresce que, desde então, não sobreveio qualquer circunstância que em virtude da lei portuguesa pudesse suspender ou interromper tal prazo, pelo que, a pena aplicada ao requerido, segundo a lei portuguesa encontra-se prescrita desde o dia 7/07/2018, tendo o requerido sido detido apenas no dia 17/8/2018.

A prescrição da pena de acordo com a lei portuguesa não constitui causa de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu, a não ser que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu, como expressamente decorre da alínea e), do n.º 1, do citado art. 12º, que faculta tal recusa quando: «Tiverem decorrido os prazos de prescrição do procedimento criminal ou da pena, de acordo com a lei portuguesa, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu».

Ora, à luz do preceituado nos arts. 4º a 7º do C. Penal, os Tribunais Portugueses não são competentes para o conhecimento dos factos que motivaram o mandado, sendo certo que o requerido já foi julgado e condenado por tais factos por decisão transitada em julgado, tendo o MDE sido emitido para cumprimento da pena que lhe foi aplicada.

Por outro lado, como se disse, não pode o Estado Português comprometer-se a executar tal pena, pela razão de a mesma se encontrar prescrita e a prescrição impedir que o tribunal declare a sentença exequível em Portugal, confirmando a pena, nos termos dos mencionados n.ºs 3 e 4 do art. 12º da Lei 65/2003, de 23 de Agosto, com a redacção introduzida pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio e arts. 26º, alínea a) e 17º, n.º 1, alínea e), ambos da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro.

Explicitando:

A Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, aprovou o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, bem como o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças e de decisões relativas à liberdade condicional para efeitos da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas.

Este diploma, transpondo a Decisão-Quadro 2008/909/JAI, de 27 de Novembro, do Conselho, veio substituir o regime de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, previsto e regulado nos arts. 234º a 240º do Código de Processo Penal, estabelecendo para estes casos um procedimento específico mais simples e célere, que se insere no âmbito da cooperação internacional em matéria penal, visando concretamente o reconhecimento da sentença penal estrangeira e a execução, em Portugal, da condenação.

Realmente, de acordo com o disposto no art. 229º do mencionado código, os efeitos das sentenças penais estrangeira são regulados pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial e ainda pelas disposições do seu Livro V (Relações com autoridades estrangeiras e entidades judiciárias internacionais).
E sobre a execução de condenações, na sequência de um mandado de detenção europeu, dispõe o artigo 26.º da Lei n.º 158/2015:

«Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, alterada pela Lei n.º 35/2015, de 4 de maio, o disposto na presente lei aplica-se, na medida em que seja compatível com as disposições dessa lei, à execução de condenações, se:

a) O mandado de detenção europeu tiver sido emitido para efeitos de cumprimento de uma pena de prisão ou medida de segurança privativa da liberdade, quando a pessoa procurada se encontrar no Estado de execução, for sua nacional ou sua residente e este Estado se comprometa a executar essa pena ou medida de segurança nos termos do seu direito nacional; (…)».

Prescrevendo o artigo 17.º do mesmo diploma, sob a epígrafe Causas de recusa de reconhecimento e de execução:

1 – A autoridade competente recusa o reconhecimento e a execução da sentença quando:
(…) e) A pena a executar tiver prescrito, nos termos da lei portuguesa;(…)».

Da concatenação das normas citadas, resulta que, encontrando-se prescrita, de acordo com a lei portuguesa, a pena de prisão em que o requerido foi condenado, mostra-se inviável a recusa de execução do MDE com o fundamento invocado pelo requerido – previsto na citada alínea g) do n.º 1 do artigo 12.º – porquanto ao Estado Português está vedado assumir, para tanto, o compromisso de executar tal pena, declarando a respectiva sentença exequível no país e confirmando a pena aplicada.
Mostra-se, assim, afastada a enunciada causa de recusa da execução do mandado invocada pelo requerido, concluindo-se estarem verificados todos os pressupostos de que depende a execução do Mandado de Detenção Europeu, conforme é solicitado.
*
Já se retira do ofício junto a estes autos em 30/8/2018, a resposta (de conteúdo negativo) ao pedido de informação formulado pelo requerido em 17/9/2017.
*
Decisão:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em julgar totalmente improcedente a oposição deduzida e, por consequência:

a) Deferir a execução do Mandado de Detenção Europeu emitido pelas autoridades Judiciárias de Espanha, para entrega do cidadão V. C., de nacionalidade romena, nascido a (...), em (...), Roménia, filho de (...) e de (...) e actualmente residente na Rua (…), Viana do Castelo, Portugal, à competente autoridade judiciária de Espanha, para efeito de cumprimento da pena de 9 (nove) meses de prisão fixada, pelos factos e pelo crime que a motivou;
b) A entrega à autoridade de emissão será efectuada com a expressa menção de que o requerido não renunciou ao benefício do princípio da especialidade;
c) Consigna-se, ainda, que o requerido foi detido pelas 11.30 horas do dia 17/7/2018 e restituído à liberdade pelas 15.40 horas do dia 18/7/2018;
d) Indefere-se o aludido pedido formulado em 17/9/2017.
Sem tributação.
Notifique.
Proceda às legais comunicações.
Cumpra o disposto no artigo 28º, da Lei n.º 65/2003, de 23.08.
Após trânsito, proceda-se em conformidade com o disposto no artigo 29º da Lei n.º 65/2003, de 23.08.
Guimarães, 24/09/2018

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado
Maria José dos Santos de Matos


1 Extrai-se desse aresto:
«A reserva de soberania que está implícita na norma e na faculdade compromissória que prevê e que a justifica, apenas se compreende pela ligação subjectiva e relacional entre a pessoa procurada e o Estado da execução.
A norma contém, verdadeiramente, um contraponto facultativo ou um mecanismo para protecção de nacionais, que no contexto pretende reequilibrar o desaparecimento total ou a desvinculação no regime do mandado de detenção europeu do princípio tradicional da não entrega (e da não extradição) de nacionais – princípio, porém, já excepcionalmente atenuado com a revisão constitucional de 1997 e a alteração do artigo 33º, 3 da Constituição, e posteriormente com a alteração de 2001, em que ficou ressalvada a aplicação de normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia.
A faculdade de recusa de execução prevista na referida alínea g) do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 65/2003, constitui, assim, uma espécie de “válvula de segurança”, que, aliás, constava já materialmente – aí não como faculdade, mas como exigência de garantia e como condição – do regime de extradição do artigo 32º, nº 3 da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, nos casos em que, em limitadas situações, se admite a extradição de nacionais: a extradição só terá lugar para procedimento «se o Estado requerente der a garantia da devolução da pessoa extraditada a Portugal, para cumprimento da pena ou medida que lhe venha a ser aplicada, após revisão e confirmação nos termos do direito português, salvo se essa pessoa se opuser à devolução por declaração expressa».
Em idêntico sentido, pronunciaram-se os acórdãos do mesmo Tribunal de 07.07.2016 (proc. n.º 47/16.5YREVR.S1) e de 12.05.2011 (proc. n.º 50/11.1YFLSB), bem como o recente acórdão da RC de 21/02/2018 (proc. nº 2/18.0YRCBR), onde se afirma que a razão de ser da recusa está na evidente ligação da pessoa procurada ao território nacional, competindo ao Estado de execução (tribunal da relação – n.º 3 do art. 12 da cit. Lei) verificar, caso a caso, o grau, a consistência e as consequências dessa ligação, ao mesmo tempo que se compromete a dar execução no território nacional à pena objecto do mandado.