Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
412/18.3T8MDL.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
FACTOS ÍNDICES: ÓNUS DE ALEGAÇÃO E DE PROVA
PRESUNÇÃO DE INSOLVÊNCIA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA DA INSOLVÊNCIA
ILIDIR A PRESUNÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – É sobre o credor que requeira a declaração de insolvência que recai o ónus de alegação e prova de algum ou alguns dos factos-índice previstos nas alíneas do nº 1 do art. 20º do CIRE.

II – Provando o credor a verificação de algum dos factos-índice, a presunção de insolvência dele decorrente pode ser ilidida pelo devedor, sobre quem, nesse caso, recai o ónus de prova da sua solvência.

III – Se o credor não provar qualquer dos factos-índice, é irrelevante que o devedor também não tenha provado que é solvente.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

X Investimento, S.A., anteriormente designado por Banco ..., S.A., Instituição de crédito, com sede na Rua …, Porto requereu a insolvência(1) de M. S., solteira, maior, residente na Rua …, em Mirandela, sustentando, em suma, que a requerida se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações, dando conta da existência de outros processos executivos e da insuficiência do único imóvel por ela detido (melhor identificado em 5º da p.i.) para satisfazer o respectivo passivo.

A requerida opôs-se, sustentando, em suma, a sua solvência, explicitando as razões do incumprimento, questionando o montante que a requerente afirma estar em dívida, afirmando ter celebrado planos prestacionais com os demais credores que vem cumprindo pontualmente e alegando que o seu activo é superior ao passivo (sendo que o imóvel já não é uma parcela de terreno para construção, outrossim, integra moradia com o valor aproximado de € 200.000,00), encontrando-se a requerida e o seu companheiro presentemente empregados e a granjear um rendimento mensal nunca inferior a € 1.200,00.

Realizou-se a audiência de julgamento, com produção de prova, tendo sido observadas todas as formalidades legais.

No final, foi proferida sentença, declarando-se a acção improcedente por não provada.
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Inconformado com essa decisão, o requerente interpôs recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

A. Por notificação elaborada a 27.02.2019, foi a ora Recorrente notificada da Sentença proferida nos autos supra identificados, nos seguintes termos: “Por tudo o exposto, (…) julgo a presente ação improcedente, por não provada, e, em consequência, não decreto a insolvência da requerida.”.
B. Como fundamento de tal decisão é referido pelo tribunal a quo que a Recorrida é proprietária de um bem imóvel avaliado em € 193.550,00, e que aufere um vencimento mensal nunca inferior a € 600,00 como feirante, considerando, a final, que a mesma “não se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, pois tem património suficiente para o fazer.”
C. Não concordando com a decisão proferida na aludida Sentença, a Recorrente vem dela interpor recurso, pois no seu entender, não foi devidamente apreciada a prova produzida, nem os pressupostos da Insolvência.
D. Parece igualmente desajustada a visão que é preconizada pelo Tribunal a quo acerca de quem recai o ónus de provar a efetiva situação de insolvência.
E. A final, entende a ora Recorrente que o Tribunal a quo não levou a cabo uma apreciação acertada dos elementos constantes nos autos.
F. Do teor da Sentença proferida nos autos supra identificados, resulta que: “(…) a Requerida é feirante, auferindo a quantia mensal nunca inferior a € 600,00, sendo que o seu companheiro, que quando em Portugal, exerce a mesma atividade e com idêntico proveito, fazendo, ainda, campanhas em França de, pelo menos, 5 meses por ano, em que aufere um rendimento mensal líquido nunca inferior a € 1.200,00. (…)”
G. Nos termos da mesma, veio o douto Tribunal a quo considerar que “Ora, desde já se diga que perante esta factualidade resulta que o ativo da requerida é muito superior ao seu passivo. (…)”
H. Não pode a ora Recorrente perfilhar de tal decisão.
I. Em momento algum, nos presentes autos, a Recorrida juntou aos autos um único recibo de vencimento, que prove que aufere, através da sua atividade, um vencimento líquido, certo e regular, ou até mesmo a declaração de rendimentos.
J. O único facto que resultou da prova produzida é que a Recorrida é feirante.
K. Auferindo, no âmbito da atividade que exerce, um vencimento irregular e imprevisível, variando consoante o número de feiras que a mesma faça por mês, bem como do número de vendas que faça em cada feira a que assiste.
L. A prova de rendimentos e capacidade económica da Recorrida não se pode bastar com a prova testemunhal produzida, prova esta com interesse direto na causa, uma vez que a testemunha G. M. é fiador do contrato incumprido perante a Recorrente.
M. Não pretendendo a Recorrente colocar em causa o princípio da livre apreciação da prova observado pelo tribunal a quo, a verdade é que o mesmo se bastou com prova testemunhal pela prova de factos que são facilmente comprovados por prova documental.
N. Na própria prática jurídica é a esse meio de prova que as partes em juízo normalmente recorrem para provar rendimentos auferidos, por via da junção da Declaração Anual de Rendimentos, pelo que não se compreende que neste caso em concreto o tribunal a quo tenha dado como provados tais factos, sem recurso aos mesmos.
O. A final, não resulta provada da prova produzida nos presentes autos, a liquidez da Recorrida para cumprir com as suas obrigações vencidas, quando era ónus da própria provar que não preenche os pressupostos da Insolvência e juntar documentos nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea c) do CIRE e artigo 342.º do CC.
P. A Recorrente pediu a Insolvência da Recorrida, e apenas desta, pelo que não se entende a valoração e apreciação de rendimentos igualmente não provados do companheiro da Recorrida.
Q. Os presentes autos têm como finalidade julgar a situação de insolvência, tão somente, da Recorrida M. S., pessoa singular, com estado civil de solteira.
R. A Recorrente considera não poder ter qualquer pertinência para a causa decidendi qualquer referência à liquidez do companheiro da Recorrida, quando o mesmo não faz parte do seu agregado familiar.
S. Entende, ainda, o Tribunal a quo que a Recorrida “apesar de se encontrar numa situação de incumprimento para com a Requerente, o seu património imobiliário é suficiente para pagamento dessas obrigações.”.
T. Proferindo ainda, em jeito conclusivo que: “Com efeito, de tudo o exposto resulta claro que a requerida não se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, pois tem património suficiente para o fazer.”.
U. Tal não corresponde à verdade dos factos.
V. Não é o facto de a Recorrida ser detentora de um bem de elevado valor patrimonial que a torna viabilizada para cumprir com as suas obrigações.
W. Razão pela qual, considera a ora Recorrente, que o douto tribunal a quo aplicou erradamente o direito, ajuizando a liquidez da Recorrida com referência a um único bem que a mesma detém na sua esfera patrimonial.
X. Ainda que, de facto, tal bem exista na esfera patrimonial daquela, e esteja, de facto, avaliado num valor elevado – e superior ao valor da quantia em dívida da Recorrida à Recorrente – não significa que a Recorrida seja capaz de cumprir pontualmente com as obrigações a que está adstrita.
Y. Tal factualidade não é relevante para efeitos de apreciação da liquidez da pessoa em causa.
Z. O que está em causa para efeitos de qualificação de Insolvência de alguém é o seu ativo líquido disponível face ao seu passivo.
AA. Neste sentido, preceitua o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 24.01.2006, com o n.º 05A3958 (2), ao referir o que “É considerada em situação de insolvência a empresa que se encontre impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações, em virtude de o seu ativo disponível ser insuficiente para satisfazer o seu passivo exigível (…)”, referindo ainda que “O que verdadeiramente caracteriza a insolvência é a insuficiência do ativo líquido face ao passivo exigível.”, bem como que O devedor pode ser titular de bens livres e disponíveis de valor superior ao ativo, e mesmo assim, estar insolvente por esse ativo não ser líquido e o devedor não conseguir com ele cumprir pontualmente as suas obrigações..
(negrito e sublinhado nossos)
BB. Ora, tal factualidade é a que se verifica precisamente in casu.
CC. Pois que se a Recorrida tivesse capacidade e liquidez para cumprir as suas obrigações, não estaria em incumprimento para com a Recorrente desde junho de 2012, ou seja há quase 7 anos!
DD. Também no mesmo sentido preceitua o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 16.02.2016, com o n.º 2519/15.0T8LRA-A.C1 (3), bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 10.11.2016, com o n.º 815/16.8T8GMR.G1 (4), e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 07.03.2013, com o n.º 785/12.1T2STC.E1 (5).
EE. Sendo que, in casu, e atendendo a toda a prova produzida nos presentes autos, não subsistem dúvidas quanto à inexistência de ativo líquido disponível da aqui Recorrida, para cumprimento pontual das suas obrigações.
FF. Pois, o vencimento da mesma é – conforme supra se explanou – irregular, incerto e imprevisível, e a própria não é detentora de mais nenhum outro bem, com exceção do bem imóvel anteriormente melhor identificado.
GG. Não pode a ora Recorrente compactuar com a argumentação aduzida pelo douto tribunal a quo quando refere que “apesar de se encontrar numa situação de incumprimento para com a Requerente, o seu património imobiliário é suficiente para pagamento dessas obrigações.
HH. Pois tal não corresponde à realidade, como até agora vem sendo defendido, pois verifica-se uma incapacidade da Recorrida para cumprimento pontual das suas obrigações nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea c) do CIRE e artigo 342.º do CC.
II. Ora, resulta de tudo o quanto alegado, bem como de toda a prova produzida e oportunamente junta aos presentes autos, que a Recorrida é devedora da aqui Recorrente, auferindo um vencimento irregular e imprevisível, e sem um ativo líquido e disponível capaz de satisfazer as suas obrigações.
JJ. Por tudo o exposto, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a situação de insolvência da Recorrida, declarando-a, nos termos e com os fundamentos supra expostos.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser admitido e julgado totalmente procedente, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-se por outra que determine a situação de insolvência da Recorrida, declarando-a, nos termos e com os fundamentos supra expostos, assim fazendo V. Exas. Senhores Venerandos Juízes Desembargadores o que é de inteira JUSTIÇA.
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Não consta dos autos terem sido apresentadas contra-alegações.
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A Exmª Juíz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, a questão que importa decidir é se o pedido de insolvência não devia ter sido deferido.
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3OS FACTOS

4.1. Atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como os documentos juntos aos autos dão-se como assentes os seguintes factos:

1º) A Requerente tem por objeto social a realização de todas as operações permitidas por lei aos bancos.
2º) No exercício da sua atividade, por escritura pública celebrada em 06/10/2004, lavrada de fls. 48 a 50 do livro n.º 219-D, a Requerente concedeu aos mutuários, uma deles a aqui Requerida e o outro o companheiro desta, G. M., um contrato de Mútuo com Hipoteca, através do qual lhes concedeu um crédito no montante de € 54.000,00, a título de empréstimo, quantia que os mutuários receberam e da qual se confessaram devedores.
3º) Para garantia do integral pagamento da quantia mutuada, bem como das obrigações assumidas no contrato, foi constituída hipoteca voluntária, pela Requerida a favor da Requerente, sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mirandela, como “prédio urbano – … – Parcela de terreno para construção urbana – 360 m2”, inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de Mirandela sob o artigo … e descrito na CRP sob o n.º ….
4º) Esta hipoteca, definitivamente registada a favor da Requerente sob a Ap. 8 de 2004/11/02, destinava-se a garantir o capital mutuado no valor de € 54.000,00 (cinquenta e quatro mil euros), juros remuneratórios à taxa nominal anual estipulada no contrato, acrescida da sobretaxa de 4%, em caso de mora, a título de cláusula penal, sendo o montante máximo assegurado de € 71.145,00.
5º) No contrato ora em análise ficou estipulado que, sobre o montante de capital mutuado, vencer-se-iam juros à taxa nominal anual nele indicada, sendo que, em caso de incumprimento do contrato e se a Requerente tivesse de recorrer a juízo para recuperação dos seus créditos, seria acrescido de uma indemnização com natureza de cláusula penal, de quatro pontos percentuais ao ano, calculada sobre o capital em dívida desde a data da mora.
6º) Nos termos do referido contrato, as despesas e encargos emergentes do mesmo e as suas eventuais renovações, ficariam sempre por conta da parte devedora.
7º) Ficou ainda estipulado, contratualmente, que a Requerente poderia resolver o contrato, considerando o crédito imediatamente vencido, desde que se verificasse o incumprimento das obrigações contratualmente assumidas.
8º) Em virtude do incumprimento de tal contrato, a Requerente lançou mão da competente ação executiva, que correu termos no extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela, sob o n.º 198/06.4TBMDL, em que são executados a aqui Requerida e o seu companheiro, nos termos do qual acordaram: “2- O executado na impossibilidade de cumprir a última prestação no montante acordado e manifestando a vontade em liquidar a dívida pretende celebrar um novo acordo, ao abrigo do disposto no art. 882º do CPC nas seguintes condições:

a) Os executados obrigam-se a pagar a quantia de € 41.497,07.
b) Os executados obrigam-se a pagar a aludida quantia em sessenta prestações mensais, sendo cinquenta e nove no montante de € 500,00 e a última no montante de € 18.888,18, com início em 1 de Julho de 2011 e termo em 1 de Junho de 2016.
3- O pagamento das prestações será efetuado por depósito na conta com o nº 30332443, com o descritivo DSR …, devendo o comprovativo ser enviado para o serviço de contencioso do Porto sito na Rua …, no Porto.”.
9º) Tal acordo, com caráter irregular, foi cumprido até Julho de 2012, tendo tal prestação sido paga em Dezembro de 2012, altura em que estaria previsivelmente em dívida a quantia de € 38.369,47, sendo que todas as prestações incluíam capital e juros à taxa de 4%, bem como o Imposto do Selo devido, e data a partir da qual não mais foram pagas as prestações acordadas.
10º) Sobre tal quantia, acrescem juros à taxa então acordada de 4%, que, desde 01/07/2012, se computa em € 9.402,09 entre 01/07/2012 e 15/08/2018, a que acresce o imposto do selo devido.
11º) A dívida da Requerida, que se computa num total de, pelo menos € 43.843,75, é certa, líquida e exigível.
12º) A Requerida não procedeu ao pagamento do valor total em dívida.
13º) A Requerida tem pendentes contra si os seguintes processos de execução:
a) Processo n.º 19974/04.6TJPRT, que corre termos no Juízo de Execução do Porto, Juiz 4, em que é exequente Credibom; e
b) Processo de Execução Fiscal n.º 0531201401000764 e Apensos (entre os quais o processo 0531201101011413), em que é exequente a ATA, sendo que a dívida se prende com IMI respeitante ao prédio a que se alude em 3º, IUC e portagens de veículos e coimas.
14º) No que concerne ao Processo 19974/04.6TJPRT, em 27/08/2018, foi celebrado acordo entre a ora Requerida e a ali exequente, nos seguintes termos:

“Banco ... SA, Exequente nos autos acima identificados e a Executada M. S. vêm requerer a V. Exa. a extinção da presente ação executiva nos seguintes termos:
1- Fixam a quantia exequenda em 2.098,01€, à qual acresce:
- taxa de justiça no valor de 24€;
- juros calculados desde a data da interposição até 01.08/.2018 no valor de 537,89€;
- honorários com a Agente de Execução no valor de 560,25€;
- emolumentos conversão da penhora em hipoteca 100€;
- Imposto de selo da conversão da penhora em hipoteca de 16,60€.
Perfazendo o total de 3.336,75€.
2- O valor de 3.336,75€ será pago pela executada ao exequente em 34 prestações mensais e sucessivas, com início em Agosto de 2018 e fim em Maio de 2021 e pagos até ao último dia de cada mês. Sendo:
a) 33 prestações iguais, mensais e sucessivas de 100€ cada de Agosto de 2018 a Abril de 2021;
b) 1 prestação de 36,75 em Maio de 2021.
3- Sendo as referidas 34 prestações pagas ao Banco ..., S.A. por Multibanco em pagamento de serviços, Entidade 20741, Referência 022318950 e o valor correspondente a cada uma das prestações.”
15º) Deste acordo, que levou à extinção da referida excução, nos termos previstos no artigo 806º, n.º2 do CPC em 28/08/2018, estão pagas, até à presente data, pelo menos, 6 prestações.
16º) Relativamente ao processo de execução fiscal n.º0531201401000764 e Apensos, a Requerida requereu, em 28/08/2018, e foi-lhe deferido, em 02/09/2018, um plano prestacional para pagamento da quantia exequenda de € 3.574,61, em 35 prestações de € 102,13, a que acresceriam juros de mora vencidos, sendo as custas processuais pagas nas primeira e última prestações.
17º) No âmbito deste acordo, a Requerida efetuou, pelo menos, o pagamento da quantia de € 553,50, em 30/10/2018, € 114,73 em 29/11/2018, €114,96 em 28/12/2018, € 159,78 em 29/11/2018, € 116,44 em 28/12/2018, € 110,96 em 29/01/2019 e € 115,31 em 29/01/2019.
18º) Era, ainda, a Requerida devedora perante o Banco ..., em 06/10/2017, da quantia de € 4.942,26.
19º) Em 27/04/2018, o companheiro da requerida (que é igualmente devedor) celebrou acordo de pagamento com a …debt para pagamento da referida quantia em prestações mensais, iguais e sucessivas de € 100,00, tendo pago, desde então e pelo menos 10 prestações.
20º) No prédio identificado em 3º foi edificada uma moradia unifamiliar destinada a habitação, com o valor atual de € 193.550,00 e valor de liquidação forçada de € 148.884,00, assinalando-se que o mútuo a que se alude em 2º se destinava a regularizar empréstimo concedido para financiar a construção da referida moradia.
21º) A referida moradia está completamente mobilada e equipada.
22º) A Requerida tentou evitar o incumprimento das suas obrigações, porém, em 26/08/2010, o seu companheiro foi preso, originando uma diminuição de rendimentos do agregado familiar.
23º) Todavia, apesar das dificuldades, durante cerca de dois anos fez depósitos em conta que o Banco, na altura denominado Banco ..., lhe forneceu para pagamento do empréstimo a que se alude em 2º.
24º) Por sua vez, no dia 13/06/2013, também a Requerida foi detida e, consequentemente, ficou privada de rendimentos.
25º) A Requerida e o companheiro tentaram negociar, sem sucesso, com a Requerente o pagamento da dívida para com ela em causa nestes autos.
26º) Após a sua libertação, em Março de 2018, a Requerida iniciou a sua atividade profissional de feirante, com o que aufere um rendimento mensal nunca inferior a € 600,00.
27º) Durante os meses de Setembro a Janeiro, o companheiro da Requerida trabalha em França, em campanhas, com o que granjeia um rendimento mensal líquido não inferior a € 1.200,00, e nos restantes meses, faz feiras, com o que aufere rendimento mensal líquido não inferior a € 600,00.
28º) A Requerida e o companheiro estão a negociar na Banca para obter empréstimo que lhes permita regularizar a dívida perante a Requerente.
4.2. Por outro lado, não se demonstrou que:
a) À data de 09/08/2018 o crédito da Requerente relativamente ao contrato descrito em 2º ascendesse à quantia de € 59.645,29, que acrescida dos juros remuneratórios e moratórios acordados, cifrem a dívida, em 15/08/2018, em € 61.800,71;
b) que o valor do imóvel descrito em 3º seja insuficiente para cobrir o montante da dívida da Requerida perante a Requerente e demais credores;
c) que os depósitos a que se alude em 23º se destinassem a constituir uma reserva para cumprir as obrigações em caso de ocorrer alguma eventualidade que a impedisse a Requerida de honrar os seus compromissos.
4.3. Com relevância para a decisão da causa, não existem outros factos provados ou não provados.

4.4. Motivação

A factualidade provada funda-se na análise crítica e ponderada dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento.

Com efeito, relevante foi sobretudo a abundante prova documental junta aos autos, como seja, o assento de nascimento de fls. 9, escritura e documento complementar de fls. 10-39 (que, não obstante se ter dado por não escrita a factualidade alegada e a propósito da qual foram juntos, não deixa de ser relevante para enquadrar o segundo contrato e a relação entre a Requerente e a Requerida), informação não certificada da CRP de fls. 40-41, escritura pública e documento complementar de fls. 42-73, requerimento e plano de pagamento de fls. 73v.-74v., certidão de dívidas de fls. 81 v.- 94, notificação de fls. 104-107, pedido de pagamento em prestações de fls. 107 v., notificação de fls. 108, certidão matricial de fls. 108 v.- 109, interpelação de fls. 109 v., e-mail de fls. 110, comprovativos de depósitos de fls. 110 v.-112, Relatório Pericial de fls. 127-168, talões de depósito de fls. 175-180, comprovativos de pagamento de fls. 181-192, comprovativos de transferências de fls. 193 (tendo presente, ainda, o comprovativo de fls. 105v.).

Desde logo, os factos alegados pela requerente resultam provados por força da documentação junta com o requerimento inicial. Estes factos foram ainda confirmados pelas testemunhas O. B. e M. G., funcionários da requerente, os quais, pese embora nenhum dos dois tenha evidenciado conhecimento exato dos montantes em dívida, até porque desde 1999 (no caso da primeira testemunhas) e 2014 (no caso da segunda), não trabalham no balcão onde os contratos entre a Requerente e a Requerida foram celebrados, tão pouco tendo contacto com o departamento de contencioso, pelo que, o que transmitiram se reporta à consulta de elementos internos da Requerente.

As referidas testemunhas não deixaram de referir, por ser do seu conhecimento direto, que foi celebrado um primeiro contrato de mútuo para financiar a construção de habitação da Requerida, mais confirmando que a mesma foi concluída (como, aliás, resulta evidente do Relatório Pericial de fls. 127-168), e que o segundo contrato visou liquidar o primeiro. Referiram, igualmente, ser do seu conhecimento que a Requerida e o seu companheiro estiveram em situação de reclusão, corroborando, pois, o alegado por esta e confirmado pelas testemunhas por esta arroladas.

Desmentem, contudo (levando o Tribunal a dar como não provada tal factualidade, que, de resto, não tem apoio em qualquer outro elemento probatório), ter a Requerida alguma vez constituído uma qualquer reserva, afirmando, ao invés, que do que constataram quando ao balcão, é que a conta era provisionada com o montante necessário ao pagamento da prestação a pagamento, desconhecendo, aliás, outras contas à Requerida.

Quanto às vicissitudes económicas, pessoais e familiares da Requerida, o Tribunal considerou o depoimento do seu companheiro, que não obstante o óbvio interesse nestes autos, não deixou de depor com objectividade, tendo, aliás, o seu depoimento suporte quer na prova documental junta (mormente comprovativos de pagamentos/depósitos, acordos de pagamento, contratos de mútuo, relatório pericial, etc.), quer na prova testemunhal, mormente no depoimento das testemunhas arroladas pela própria Requerente (nos aspetos supra referenciados), quer no depoimento de H. S. (cujo depoimento pôde ser valorado quanto à construção da moradia, à atividade desenvolvida por Requerida e companheiro e rentabilidade associada a tal atividade).

A propriedade do imóvel referido no facto 3º não foi posta em causa, sendo que a avaliação foi realizada já durante a pendência do julgamento, a pedido da Requerida, e consta de fls. 127 e ss. dos autos.

Quanto à factualidade considerada não provada, a convicção do Tribunal resulta da ausência de prova (valor em dívida ou constituição de reserva monetária pela Requerida) ou da produção de prova em sentido contrário ao da alegação (como seja o valor do prédio).

Por fim, a matéria não elencada nos factos provados, nem nos infirmados, foi considerada meramente impugnatória e/ou de natureza conclusiva ou de direito ou irrelevante para a boa decisão da causa.

[transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Apesar de constar das conclusões algumas afirmações que poderiam integrar a pretensão de ver alterada a matéria de facto (6), verifica-se que nada foi deduzido nesse sentido. Temos, pois, como assente o quadro factual julgado provado e não provado pelo Tribunal a quo, o que torna dispensável aferir do cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC e inócuas todas as referências sobre a apreciada prova produzida.

Vejamos, pois, a única questão colocada no recurso, que é relativa ao mérito da acção: saber se o pedido de insolvência não devia ter sido deferido.
Ora, adiantando desde já a decisão, temos que não assiste qualquer razão ao recorrente, pois, perante o quadro factual julgado provado e não provado pelo Tribunal a quo, é de manter a decisão jurídica da causa nos seus precisos termos, uma vez que se mostra adequada e correcta (face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis).

Com efeito, como bem é referido na sentença, da factualidade apurada verifica-se que a requerida não se encontra numa situação de insolvência conforme esta é caraterizada pelo art. 3º, n.º 1 do CIRE. Ou seja, essa factualidade é manifestamente insuficiente para permitir a declaração de insolvência da requerida.

É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas” – art. 3º/1 do CIRE.

De há muito que tem sido geral e pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de incumprimento não tem de abranger todas as obrigações vencidas do insolvente (7).

O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos (8).

O art. 20º/1 do CIRE prevê que a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos factos descritos nas suas oito alíneas, nomeadamente, pelo interesse que revestem para o caso dos autos, nas alíneas a), b) e g)-i (9).

Trata-se daquilo a que, correntemente, se designa por factos-índices ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto”. (10)
Ao credor que requeira a declaração de insolvência do devedor incumbe alegar e provar algum ou alguns dos factos-índice enumerados no nº 1 do art. 20º, cuja verificação faz presumir a situação de insolvência, tal como a caracteriza o art. 3º (11).
Ao devedor que discorde e pretenda opor-se, competirá, se for o caso, impugnar a existência do(s) facto(s)-índice invocados pelo requerente e/ou ilidir a presunção de insolvência deles decorrente, provando a situação de solvência – art. 30º/3 e 4 (12).

Ou seja, provado(s) o(s) factos(s)-índice alegado(s) pelo requerente, a insolvência só não será declarada se o requerido ilidir a presunção dele(s) decorrente, demonstrando que, apesar da sua verificação, não se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, isto é, provando a sua solvência.

Não se provando o(s) factos(s)-índice alegado(s) pelo requerente, a insolvência não poderá ser declarada, nada precisando o requerido de provar.

Traçado, vagamente, o quadro geral das regras sobre ónus de prova no processo de insolvência, apliquemo-las ao caso ora em análise.

O requerente alegou factualidade na p.i. que integraria os factos-índice previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 20º.

Por sua vez, a requerida opôs-se, negando a existência desses factos-índice e a situação de insolvência.

No facto-índice previsto na al. a) do nº 1 do art. 20º – suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas – o vocábulo «suspensão» é utilizado como sinónimo de paragem ou paralisação, não estando, por isso, em causa uma situação necessariamente transitória a que a ideia de suspender poderia apelar (13).

E a suspensão prevista tem de ser «generalizada», isto é, respeitar à generalidade das obrigações do requerido, dessa generalização decorrendo a incapacidade de pagar. É que a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações integra um facto-índice próprio e autónomo, constante da al. b).

Atendendo à matéria de facto provada, afigura-se-nos claro que dela não pode extrair-se a conclusão de que haja uma suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas por parte da requerida. Pelo contrário, à excepção da dívida ao requerente, que se encontra garantida por hipoteca, todas as demais dívidas, incluindo as tributárias, se encontram a coberto de planos de pagamentos prestacionais, os quais se encontram a ser cumpridos, como resultou apurado. O que indica que, apesar das dificuldades de liquidez por parte da requerida, aquela suspensão não ocorreu.

Resta averiguar mais de perto o facto presuntivo da al. b) do nº 1 do art. 20º, isto é, a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. Ora, atendendo à dívida da requerida ao requerente, que como já referido está garantida por hipoteca, também não é possível concluir pela verificação desse facto-índice. É que, se resulta dos factos provados que a requerida incumpriu as suas obrigações para com o requerente, tal não justifica a conclusão de que a mesma se encontra numa situação de penúria tal que não seja capaz de, ainda que com dificuldades e negociando com tal credor, cumprir os seus compromissos. Até porque a dívida se encontra garantida por hipoteca. Sendo que, como bem se diz na sentença a quo, “Ademais, apesar de se encontrar numa situação de incumprimento para com a Requerente, o seu património imobiliário é suficiente para pagamento dessas obrigações.”. Relembrando-se que é sobre o requerente que recai o ónus de prova dos factos-índice, nomeadamente, no que ao da al. b) do nº 1 do art. 20º concerne, não apenas a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações por parte da requerida, mas também que pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, este revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (14).

Não tendo o requerente logrado provar qualquer dos factos-índice previstos no nº 1 do art. 20º, não é possível presumir a situação de insolvência da requerida, não tendo esta qualquer presunção para ilidir, nem lhe sendo exigível a prova da sua solvência (cfr. art. 30º/4 do CIRE).

Nesta conformidade, improcede o recurso.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – É sobre o credor que requeira a declaração de insolvência que recai o ónus de alegação e prova de algum ou alguns dos factos-índice previstos nas alíneas do nº 1 do art. 20º do CIRE.
II – Provando o credor a verificação de algum dos factos-índice, a presunção de insolvência dele decorrente pode ser ilidida pelo devedor, sobre quem, nesse caso, recai o ónus de prova da sua solvência.
III – Se o credor não provar qualquer dos factos-índice, é irrelevante que o devedor também não tenha provado que é solvente.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Notifique.
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Guimarães, 2-05-2019

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Mirandela – Juízo C. Genérica – Juiz 2
2. Disponível em www.dgsi.pt
3. Disponível em www.dgsi.pt
4. Disponível em www.dgsi.pt
5. Disponível em www.dgsi.pt
6. V.g., na al. C. das conclusões refere-se que “não foi devidamente apreciada a prova produzida” e na al. E. que “o Tribunal a quo não levou a cabo uma apreciação acertada dos elementos constantes nos autos”.
7. Vd. Catarina Serra, O Novo Regime Jurídico Aplicável à Insolvência, 3ª edição, pág. 23 ; Carvalho Fernandes, Colectânea de estudos sobre a Insolvência, O CIRE na Evolução do Regime da Falência no Direito Português, pág. 67; Acs. das Relações do Porto de 4-12-2007 (Proc. 0724931) e de 12-04-2007 (Proc. 0731360) e de Coimbra de 26-10-2010 (Proc. 315/10.0TBTND-A.C1) e de 28-05-2013 (Proc. 1275/12.8TBACB-B.C1), todos em www.dgsi.pt.
8. Cfr. Acs. das Relações de Lisboa de 23-02-2006 (Proc. 238/2006-8) e de Coimbra de 15-09-2009 (Proc. 298/08.6TBCDN.C1) e de 8-05-2012 (Proc. 716/11.6TBVIS.C1), in www.dgsi.pt.
9. a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas; b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos: i) Tributárias.
10. Vd. Carvalho Fernandes – João Labareda, CIRE Anotado, Quid Juris, 2008, pág. 133.
11. Cfr. Acs. das Relações do Porto de 03-11-2005 (Proc. 0534960); de 26-10-2006 (Proc. 0634582) e de 17-07-2009 (Proc. 6107/08.9TBVFR.P1); de Lisboa de 23/02/2006 (Proc. 238/2006-8) e de 10-12-2009 (Proc. 430/08.0TYLSB-A.L1-2); e de Coimbra de 26-10-2010 (Proc. 237/10.4TBFND-B.C1) e de 8-11-2016 (Proc. 2153/16.7T8VIS.C1), todos em www.dgsi.pt.
12. Cfr. Acs. das Relações do Porto de 03-11-2005, 26-10-2006 e 12-04-2007, já citados; de Lisboa de 10-12-2009, já citado; de Coimbra de 26-10-2010, já citado; de 20-11-2007 (Proc. 1124/07.9TJCBR-B.C1); de 26-10-2010 (Proc. 315/10.0TBTND-A.C1); e de 29-01-2013 (Proc. 1975/10.7T2AVR.B.C1), todos em www.dgsi.pt.
13. Vd. Carvalho Fernandes – João Labareda, CIRE Anotado, Quid Juris, 2008, pág. 134.
14. Obra citada, pág. 135.