Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
476/18.0T8VRL.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
PRAZO DE RECURSO
REJEIÇÃO DO RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1. O prazo normal para a interposição de recurso de apelação, em processo laboral, é de 20 dias, mas se tiver por objecto a reapreciação da prova gravada a esse prazo acrescem 10 dias.

2. É nas conclusões do recurso que se define o respectivo objecto, através da indicação dos respectivos fundamentos específicos, podendo o recorrente, inclusivamente, restringir expressa ou tacitamente o objecto inicial do recurso.

3. Se o recorrente, nas conclusões do recurso, não declara que pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, nem indica sinteticamente, pelo menos, os pontos da matéria de facto que pretende ver alterados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os mesmos, o recurso deve ser rejeitado por extemporaneidade no caso de ter sido interposto depois de ultrapassado o prazo de 20 dias.
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

Nos presentes autos de acção declarativa emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, que A. M. move contra PHARMA ... – SAÚDE E HIGIENE, S.A., a ré veio apresentar alegação de recurso da sentença que julgou a acção parcialmente procedente, formulando as seguintes conclusões:

«1. O regime de horário flexível consta nos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho e visa permitir que os trabalhadores com filhos menores de doze anos ou, independentemente da idade, filhos com doença crónica, possam escolher, dentro de determinados limites fixados pelo empregador, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
2. Para este efeito, e em cumprimento dos preceitos legais, o empregador deverá elaborar um horário no qual designe um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário,
3. E que indique ainda os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário.
4. Por fim, deverá estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.
5. Em termos procedimentais, o Código do Trabalho exige que o trabalhador interessado remeta um pedido escrito ao empregador, com uma antecedência mínima de 30 dias, contendo o seguinte:
a. Indicação do prazo previsto;
b. Declaração na qual conste que o filho menor vive com o trabalhador em comunhão de mesa e habitação.
6. Significa isto que o próprio pedido do trabalhador está vinculado àquilo que a lei determina e exige.
7. Por seu turno, o empregador apenas poderá recusar este pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável, pronunciando-se através da comunicação da sua intenção de recusa ao trabalhador.
8. Os elementos resultantes e presentes neste procedimento serão posteriormente avaliados pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, à qual está acometida a tarefa de emitir um parecer prévio à intenção de recusa do empregador.
9. Caso a sobredita entidade emita um parecer desfavorável à intenção de recusa do empregador, isto é, não reconhecendo os fundamentados por ele invocados, o empregador apenas poderá recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.
10. Interpretando a contrario a norma de onde consta a cominação acima referida (n.º 7 do art. 57.º do CT), o empregador deve atribuir um horário conforme o pedido da trabalhadora, até ao momento em que exista uma sentença que reconheça o motivo justificativo.
11. Conforme consta nos documentos juntos aos autos, a Recorrida/Trabalhadora solicitou à Recorrente um regime de horário flexível, pelo período de cinco anos, entre as 08h00 e as 19h00.
12. Em resposta, a Recorrente indicou que a atribuição do horário não seria possível, elencando fundamentos de direito, bem como os motivos relacionados com o funcionamento do estabelecimento.
13. Concretizando, e conforme consta na intenção de recusa junta aos autos, a Recorrente utilizou os seguintes fundamentos:
- Quanto ao direito, nos termos dos arts. 56.º e 57.º do CT, cabe ao empregador definir o horário de trabalho, no entanto, a Recorrente inverteu o procedimento, indicando qual o intervalo dentro do qual queria ver compreendido o seu horário;
- Já no que diz respeito ao motivo justificativo relacionado com o funcionamento do estabelecimento, transmitiu que:
(a) O horário proposto pela Recorrida não lhe permitiria estar disponível nos períodos de maior afluência de clientes (tarde e noite);
(b) A Recorrida seria excluída do regime de horários diversificados (rotativos), o qual permite assegurar uma distribuição equilibrada dos vários horários por todos os trabalhadores do estabelecimento;
(c) A loja onde a Recorrida prestava trabalho tinha apenas 4 trabalhadores, onde se incluía uma trabalhadora com dois filhos menores de 12 anos;
(d) A atribuição do horário tornaria impossível assegurar aos restantes trabalhadores o gozo dos dias de descanso ao sábado e ao domingo a cada 4 semanas;
(e) Em períodos de férias e de sobreposição de folgas a loja teria apenas 2 trabalhadores em 5 dos 7 dias da semana, o que inviabilizaria o funcionamento da loja;
(f) A concessão do horário solicitado prejudicaria os restantes trabalhadores, pois teriam de realizar mais horários noturnos e, consequentemente, estaria prejudicada a sua conciliação entre a vida familiar e profissional, algo que contribuiria para a desmotivação e conflitos internos da equipa.

Em seguida, a Recorrente remeteu todo o procedimento para a CITE, conforme dispõe o n.º 5 do art. 57.º do CT;

14. Ora, acerca do pedido da Recorrida/Trabalhadora, consta no Parecer n.º 552/CITE/2016 junto aos autos, emitido pela CITE no âmbito do processo n.º 1791/FH/2016, que a Recorrida requereu um horário entre as 08h00 e as 19h00, que cabe à Empregadora fixar o horário de trabalho e que neste âmbito pode a Empregadora elaborar um horário fixo.
15. Este posicionamento da CITE tem sido comum ao longo de sucessivos pareceres, pese embora a Recorrente discorde desse entendimento.
16. Prosseguindo, e tendo a Recorrente recebido um parecer desfavorável, apesar da forte fundamentação por ela indicada na intenção de recusa, determina o Código do Trabalho que a Empregadora/Recorrente apenas pode recusar a atribuição do horário aquando da existência de sentença que reconhecesse o motivo justificativo.
17. No entanto, o CT não refere a partir de que momento é que a atribuição do horário passa a ser obrigatória,
18. Em face desta situação, tem a Recorrente entendido atribuir o horário na sequência do recebimento do Parecer desfavorável, e após o cumprimento de obrigações legais ou convencionais relativas à elaboração do horário de trabalho,
19. Como a que decorre do n.º 3 da Cláusula 11ª do CCT outorgado pela APED e aplicado pela Recorrente, no qual consta que as alterações aos horários diversificados deverão ser afixadas ou comunicadas com antecedência mínima de 30 dias aos trabalhadores interessados.
20. Como seria o caso do processo em análise, visto que a atribuição de um horário como aquele que fora requerido pela Recorrida/Trabalhadora, e ainda para mais numa loja pequena e com um contexto difícil, implicaria a mudança dos horários de todos os trabalhadores.
21. Ainda assim, a Recorrente atribuiu um horário compatível com o pedido da Recorrida, assegurando que os horários fossem sempre definidos nos períodos entre as 08h00 e as 19h00.
22. O Exmo. Sr. Juiz não reconheceu a existência da caducidade do direito da Recorrida, apesar de aprova produzida evidenciar o oposto.
23. Destaca-se, quanto a este ponto, o facto de a Recorrida ter apresentado uma denúncia à ACT, no seguimento da qual foi ainda instaurada uma contraordenação contra a Recorrente com fundamento na não atribuição do horário flexível solicitado.
24. Na audiência de julgamento do presente processo, e no âmbito da produção da prova, foi testemunha o Sr. Inspetor R. R., que evidenciou que não concordava com o entendimento da CITE.
25. Paralelamente, se a Recorrente não cumprisse com o sentido e conteúdo do parecer da CITE estaria também ela a violar a lei.
26. Este é um contexto verdadeiramente paradoxal, em que não é possível encontrar uma solução devido a entendimentos contraditórios e em que qualquer uma das opções gera um problema.

Além disto,
27. A Recorrente defendeu-se por exceção, sustentando que o direito da Recorrida já havia caducado.
28. Isto porque o parecer da CITE foi comunicado em novembro de 2016 e a partir dessa altura a Recorrente atribuiu um horário em conformidade com o sentido daquele parecer.
29. A Recorrida iniciou um longo período de baixa médica entre 31.01.2017 e 08.11.2017, conforme resulta dos factos provados na sentença.
30. Mas só veio resolver o contrato no dia 05 dezembro de 2017, algo que não se justifica perante toda a situação verificada, pois conforme indicou a Recorrente na sua contestação, no limite em abril caducaria o direito da Recorrida.
31. Ainda assim, o Exmo. Sr. Juiz decidiu pela não verificação da exceção de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho com justa causa, ainda que da prova produzida resultasse o contrário.
32. Dado que durante o depoimento da testemunha R. R., resultou evidente que em meados de fevereiro ou março a Recorrida apresentou uma denúncia acerca da não atribuição do horário solicitado.
33. Denúncia essa que motivou uma visita inspetiva no dia 7 de março de 2017.
34. A apresentação de uma denúncia à ACT é um forte indício de que a Recorrida estaria numa situação em que queria resolver o contrato de trabalho com justa causa.
35. Assim, e a título exemplificativo, ficcionando-se que pela data da visita inspectiva existia uma rutura na relação laboral, o direito da Recorrida caducaria em abril de 2017, volvidos 30 dias.
36. Além disto, na sentença de que se recorre, o Exmo. Sr. Juiz, embora reconhecendo que o horário solicitado não é um horário flexível, adere por completo à fundamentação que a CITE consolidou no seu parecer, o que é um absoluto contrassenso.
37. Ou seja, tem consciência de que um horário flexível é uma modalidade de horário de trabalho, que permite a escolha dos tempos de entrada e saída, mas ainda assim concorda com a fundamentação da CITE, que corresponde à ideia de que o regime do horário flexível é um mecanismo de conciliação entre a vida privada e profissional, permitindo assim que qualquer horário que o trabalhador solicite seja admissível.
38. Quanto à indemnização fixada, entende a Recorrente que o Exmo. Sr. Juiz não adequou os critérios impostos pelo artigo 396.º do CT aos factos assentes, designadamente no que concerne ao grau de ilicitude da conduta do empregador.
39. Isto porque, por um lado, não se verificou qualquer comportamento ilícito, e, por outro, que a Recorrente sempre procurou adequar o horário ao pedido da Recorrida.»
A autora apresentou resposta ao recurso da ré, pugnando, antes de mais, pela sua rejeição por inexistência do correspondente requerimento e por extemporaneidade.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos nesta Relação, determinou-se a notificação da Recorrente para, em 10 dias, se pronunciar sobre as questões suscitadas pela Recorrida, na sua alegação, com vista ao não conhecimento do objecto do recurso, tendo aquela vindo se pronunciar apenas sobre a questão da inexistência de requerimento de interposição de recurso.

Seguidamente, pela ora Relatora foi proferida decisão de 9/04/2019 a não admitir o recurso, por extemporaneidade.

Dentro do prazo legal, em 2/05/2019, a Recorrente veio apresentar reclamação, nos termos do n.º 3 do art. 652.º do Código de Processo Civil, dizendo, em síntese:

«1. A Reclamante não pode concordar com o sentido do despacho de indeferimento de recurso proferido pela Exma. Sr.ª Desembargadora Relatora, na parte que diz respeito ao incumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto.
2. Entende a Reclamante que cumpriu com o antedito ónus, dando ao cumprimento ao art. 640.º do CPC.
3. O antedito artigo refere que o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição,
a. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
4. Nos termos do art. 80.º do Código de Processo do Trabalho, o prazo de interposição do recurso de apelação ou de revista é de 20 dias, ao qual acrescerão 10 dias caso se pretenda também impugnar a matéria de facto.
5. No entender da Exma. Sr.ª Desembargadora Relatora, não tendo a Reclamante, nas conclusões, dado cumprimento ao ónus impugnatório previsto no art. 640.º do CPC, não poderá também tirar proveito do prazo adicional de 10 dias previsto no art. 80.º do CPT.
6. Determinando-se, assim, a intempestividade do recurso.
7. Porém, conforme se pôde avaliar pelas alegações apresentadas, a Reclamante efetivamente cumpriu com o referido ónus.
8. Em primeiro lugar, manifestou a sua vontade em impugnar a matéria de facto.
9. Algo que se verificou, ainda antes da interposição de recurso, através do requerimento dirigido ao Tribunal de 1.ª instância solicitando a gravação da prova testemunhal.
10. Com a sua análise, a Reclamante identificou os factos que pretendia ver alterados e as passagens da prova testemunhal gravada que sustentavam a sua posição no capítulo III das suas alegações.
11. Assim, a Recorrente identificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; a decisão que deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas.
12. Quanto ao primeiro ónus, verifica-se que a Reclamante identificou de forma cabal os concretos pontos de facto incorretamente julgados – factos 15, 19 e 20.
13. Em segundo lugar, e para cada um dos factos em causa, a Reclamante também identificou os concretos meios probatórios que fundamentam a sua posição.
14. E fê-lo, aliás, no ponto III das alegações, sob o título «Dos factos (erradamente) dados como provados».
15. A Reclamante indica, num capítulo autónomo e concretamente identificado, a matéria de facto que considera que não deveria ter sido dada como provada, cumprindo, assim, com o seu dever de cooperação.
a. Identificou cada um dos pontos da matéria de facto que pretendia impugnar;
b. Sobre cada um deles indicou os concretos meios probatórios que impunham uma decisão inversa da recorrida;
c. Especificou a decisão concreta que sobre cada um desses pontos deveria ter sido proferida;
d. Levou a cabo uma análise crítica da prova invocada, contextualizando e integrando-a na decisão que deveria ter sido proferida.
16. Mas além desta referência no corpo das alegações, a Reclamante integrou nas suas conclusões a referência à matéria de facto que se pretendia impugnar.
17. Conforme dispõe o douto Acórdão do STJ de 04.07.2013, mutatis mutandis, «[a] delimitação concreta dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e demais ónus impostos pelo art. 685.º-B do CPC, há-de ser efectuada no corpo da alegação; nas conclusões bastará fazer referência muito sintética aos pontos de facto impugnados, e às razões porque se pretende a sua alteração, sem necessidade de transcrever (ou copiar) o que a respeito se escreveu no corpo da alegação sobre a matéria».
18. Nos pontos 22 a 24 das conclusões, a Reclamante refere que a prova produzida no âmbito do julgamento de 1.ª instância evidenciava que o direito da recorrida já havia caducado.
19. Especificando ainda o depoimento da testemunha R. R., Inspetor da ACT, que evidenciou que não concordava com o entendimento da CITE.
20. Esta referência está diretamente relacionada com a análise feita em relação ao facto 15, presente nas alegações.
21. Já o Segundo conjunto das conclusões é ainda mais explícito na relação com a impugnação da matéria de facto, designadamente com a impugnação do facto 19.
22. Além disto, no capítulo “1. Da caducidade do direito da Recorrida” a Reclamante indica «Até este ponto, a Recorrente concorda com a fundamentação de direito exposta pelo Exmo Sr. Juiz. Todavia, é relativamente à interpretação dos factos e consequência jurídica daí decorrente que se verifica a discórdia.»
23. E prossegue, discorrendo sobre os factos dados provados e qual a decisão que deveria ter sido tomada, isto é, já tinha caducado o direito da recorrida.
24. Os factos aqui alegados estão também vertidos nos pontos 30 e seguintes das conclusões,
25. E, em termos gerais, nas conclusões vertidas.
26. Por tudo isto, também se mostra cumprido o ónus de impugnação da matéria de facto, bastando para tanto analisar o referido capítulo.

Posto isto,

27. Deveriam ter sido considerados os princípios antiformalistas pro actione e in dúbio pro favoritate instanciae, segundo os quais deve ser feita uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva.
28. Deste modo, e neste caso, o art. 640.º do CPC deve ser interpretado no sentido da verificação dos pressupostos do recurso de apelação, uma vez que a Reclamante cumpriu com o ónus de impugnação da matéria de facto.
29. Também não se encontra violado o princípio do contraditório da parte da recorrida, pois as alegações estão construídas por forma a tornar inteligíveis os factos sobre os quais recairá o presente recurso.
30. «Na verificação do cumprimento do ónus de alegação previsto no art. 640º do CPC, os aspectos de ordem formal devem modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.» (Ac. So STJ de 28.04.2016).
31. Assim, estando cumprido o ónus de impugnação da matéria de facto, deve a Reclamante beneficiar do prazo adicional de 10 dias.
32. Consequentemente, estará assegurada a tempestividade do recurso.»

A parte contrária não se pronunciou.

Colhidos os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

2. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão da reclamação são os que resultam do Relatório supra.

3. Fundamentação de direito

Está em causa na presente Reclamação a questão da extemporaneidade do recurso, suscitada pela Apelada na suas contra-alegações, onde sustentou que, não tendo o recurso por objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, conforme se alcança das respectivas conclusões, o prazo para interposição do mesmo era de 20 dias, tendo sido excedido.

Antes de mais, sublinha-se que, tendo-se determinado a notificação da Recorrente para, em 10 dias, se pronunciar sobre as questões suscitadas pela Recorrida, na sua alegação, com vista ao não conhecimento do objecto do recurso, aquela veio se pronunciar apenas sobre a questão da inexistência de requerimento de interposição de recurso, não tendo dito uma só palavra sobre a questão agora em análise, o que se nos afigura sintomático da respectiva falta de argumentos sérios e da fragilidade dos que, não obstante, agora entendeu vir esgrimir em sede de Reclamação.

Com efeito, estabelece o art. 80.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho que o prazo de interposição do recurso de apelação ou de revista é de 20 dias, acrescentando o n.º 3 que se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada a tal prazo acrescem 10 dias.

Por outro lado, estabelece o art. 635.º, n.º 4 do Código de Processo Civil que, nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso.

Esclarece o art. 637.º, n.º 2 que o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade.

Acrescenta o art 639.º, sob a epígrafe «Ónus de alegar e formular conclusões»:

1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
(…)
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.

Finalmente, com relevância, o art. 640.º, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe do seguinte modo:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)

Do regime constante do Código de Processo Civil acima delineado resulta que, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões, e acrescendo que há específicos ónus a cumprir no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por força do art. 640.º, o recorrente deve, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 128-129):

- especificar inequivocamente no corpo das alegações os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham uma decisão diversa, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, bem como, tratando-se de depoimentos, as passagens da gravação respectivas;
- e indicar sinteticamente nas conclusões, pelo menos, os pontos da matéria de facto que pretende ver alterados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os mesmos.

Assim, como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 2018, proferido no processo n.º 2611/12.2TBSTS.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), por um lado pode concluir-se que, “[c]omo decorre do art. 640.º do CPC, o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso”, e, por outro lado, há que ter em atenção que “[r]elativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º”, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto.”

Quanto às consequências da rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, relativamente à tempestividade do mesmo quanto às questões de direito ali colocadas, a resposta depende do vício que concretamente ocorra.

Com efeito, como se diz no Acórdão da Relação do Porto de 10 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 391/11.8TBCHV.P1 (disponível em www.dgsi.pt), “[s]e o recorrente, fazendo uso do prazo alargado próprio do recurso que abranja a decisão proferida sobre os factos, não questiona essa decisão, ou questionando-a, não inclui nas conclusões o seu propósito de a ver alterada em qualquer ponto factual, torna-se manifesto que a não põe em causa.
Nesta situação dúvidas não existem sobre intempestividade do recurso que, sem mais, não deve ser admitido.
Pode, todavia, acontecer que o apelante, fazendo uso daquele prazo alargado e de manifestar o inequívoco propósito de impugnar a decisão sobre a matéria de facto, não o faz em termos que permitam apreciar o seu mérito, por não ter dado cumprimento cabal às exigências de natureza formal impostas por lei e atrás referenciadas.

Neste quadro, a pergunta que se impõe é esta:

Nestes casos o recurso é também extemporâneo?
Salvo, outro e melhor entendimento, pensamos que nestas situações o recurso não pode ser rejeitado por intempestivo.
Efectivamente, quando assim aconteça, o que se verificará é a rejeição do recurso no segmento referente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos estatuídos no nº 1 do artigo 685.º-B.”
Retornando ao caso dos autos, verifica-se que a Recorrente, nas conclusões do recurso, acima transcritas, designadamente nos pontos 22 a 24 ou em quaisquer outros que salienta na sua Reclamação de 2/05/2019, não declara que pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, nem indica sinteticamente, pelo menos, os pontos da matéria de facto que pretende ver alterados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os mesmos.

E, assim, de nada serve que a Apelante tenha pedido cópia da gravação ou tenha feito referência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto no corpo das alegações ou em qualquer outro lugar, posto que, nos termos sobreditos, foi nas conclusões que a Recorrente definiu o objecto do recurso, através da indicação dos respectivos fundamentos específicos, podendo, inclusivamente, restringir expressa ou tacitamente o objecto inicial do recurso (relembrando-se, aliás, que a Recorrente nem sequer apresentou requerimento de interposição de recurso).

Em face do exposto, conclui-se que a Apelante, mais do que não observar os ónus legais de impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos acima delineados, não a invoca sequer – no lugar próprio – como objecto autónomo do seu recurso.

E, assim sendo, não tendo o recurso por objecto a reapreciação da prova gravada, o prazo para a sua interposição era de apenas 20 dias.

Neste sentido, em situação semelhante, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010, proferido no processo n.º 740/07.3TTALM.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), concluindo que, “(..) se o recorrente, na respetiva alegação, não deduzir impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não pode beneficiar do acréscimo de 10 dias, previsto no artigo 80.º, n.º 3, do CPT, e, em consequência, se o recurso for interposto fora do prazo normal de 20 dias, previsto no n.º 2, do mesmo preceito, tem o mesmo de ser considerado intempestivo.”

Ainda a este propósito, vejam-se os seguintes arestos deste Tribunal, não publicados:

- Acórdão de 6 de Dezembro de 2018, proferido no processo n.º 589/17.5T8BCL.G1, deste mesmo colectivo;
- Acórdão de 18 de Dezembro de 2017, proferido no processo n.º 455/17.4T8VNF.G1, e Acórdão de 10 de Janeiro de 2019, proferido no processo n.º 595/17.0T8BCL.G1, relatados pela ora 2.ª Adjunta e em que a ora Relatora interveio como 2.ª Adjunta;
- Acórdão de 9 de Maio de 2019, proferido no processo n.º 341/17.8T8BCL.G1, em que foram Relator e 1.ª Adjunta os ora 1.º e 2.º Adjuntos, respectivamente.

No caso em apreço, a notificação electrónica da sentença ao ilustre mandatário da ré foi elaborada em 20/11/2018, presumindo-se efectuada em 23/11/2018, sendo certo que o recurso só foi interposto em 7/01/2019, ou seja, no 30.º dia, e o prazo de 20 dias terminava em 13/12/2018 (ou, com multa, em 18/12/2018).
Em face do exposto, não é de admitir o recurso, por extemporaneidade.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a Reclamação contra o despacho que não admitiu o recurso, por extemporaneidade.
Custas pela Apelante.
Guimarães, 19 de Junho de 2019

Alda Martins
Eduardo Azevedo
Vera Sottomayor

Sumário (elaborado pela Relatora):

1. O prazo normal para a interposição de recurso de apelação, em processo laboral, é de 20 dias, mas se tiver por objecto a reapreciação da prova gravada a esse prazo acrescem 10 dias.
2. É nas conclusões do recurso que se define o respectivo objecto, através da indicação dos respectivos fundamentos específicos, podendo o recorrente, inclusivamente, restringir expressa ou tacitamente o objecto inicial do recurso.
3. Se o recorrente, nas conclusões do recurso, não declara que pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, nem indica sinteticamente, pelo menos, os pontos da matéria de facto que pretende ver alterados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os mesmos, o recurso deve ser rejeitado por extemporaneidade no caso de ter sido interposto depois de ultrapassado o prazo de 20 dias.

Alda Martins