Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
973/13.3TTGMR.G1
Relator: VERA MARIA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PRATICANTE DESPORTIVO
JOGADOR DE ANDEBOL
RETRIBUIÇÃO
HABITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/01/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - Deve qualificar-se como contrato de trabalho e não como contrato de prestação de serviços, o contrato através do qual o autor se comprometeu a integrar a equipa de andebol do réu, utilizando os instrumentos e equipamentos de trabalho fornecidos pelo réu, cumprindo um horário de trabalho estabelecido pelo réu, cumprindo as orientações emanadas do treinador, da equipa técnica e dos dirigentes do réu, obedecendo a um código de conduta, recebendo em contrapartida uma remuneração mensal.
II - O contrato de trabalho do praticante desportivo constitui uma espécie própria de vínculo laboral, cujo regime normativo está regulado pela Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, que estabelece as especificidades da relação jurídica estabelecida entre autor e réu.
III - Nesse quadro, verificando-se da iniciativa do empregador a resolução sem justa causa do contrato de trabalho, o trabalhador/praticante tem direito a uma indemnização pelos danos causados, não podendo esta exceder o valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo – cfr. artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho.
IV - A utilização de habitação a que o réu se vinculou a proporcionar ao autor, cuja renda e demais encargos com a sua manutenção era suportada pelo primeiro, tem natureza de prestação em espécie regular e periódica sendo de considerar parte integrante da retribuição do autor, nos termos no artigo 258º do CT.
V – Nas concretas remunerações ou parcelas remuneratórias vencidas com a cessação do contrato (em prazo certo), a mora do devedor deve considerar-se verificada com o seu vencimento, no crédito indemnizatório que o trabalhador adquira decorrente da cessação ilícita do seu contrato, a mora do devedor deve considerar-se verificada a partir da interpelação judicial, nos termos previstos no art. 805º n.º 1 do CC.
Decisão Texto Integral:
PROC. N.º 973/13.3TTGMR.G1
APELANTE – AA…DE PORTUGAL
APELADO BB…

Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
BB…, residente na Rua Dr. Carlos Malheiro Dias, n.º …, …, Guimarães instaurou acção declarativa comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “AA… DE PORTUGAL”, com sede em… Lisboa.
Tal como consta da sentença recorrida, alega, em síntese e com interesse, que foi admitido ao serviço do Réu em 5/09/2012, para no período das épocas desportivas de 2012/2013 e 2013/2014 exercer as funções de jogador de andebol, mediante retribuição. Tal contrato foi formalizado por escrito, sendo designado como “contrato de prestação de serviços”, mas preenche todos os requisitos, para se caracterizar como um contrato de trabalho, designadamente sempre prestou as suas funções sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu, cumpria as obrigações que lhe eram impostas, cumpria um horário de trabalho determinado pelo Réu, auferia uma quantia anual ilíquida de €24.200,00, que era paga em 11 prestações ilíquidas mensais e sucessivas, no valor de €2.200,00 nos meses de Setembro a Julho da respectiva época desportiva e uma retribuição em espécie correspondente à utilização pelo A. da habitação, tipologia T3, que era compartilhada com mais três atletas, que constituía um beneficio para os atletas de €1.500,00, que não se pode computar em menos de €375,00 acrescida de cerca de €200,00, correspondente às despesas de manutenção, água, luz, gás impostos e taxas, ascendendo a sua retribuição base mensal à quantia de €2.775,00. O Réu por carta datada de 27/06/2013, subscrita pelo membro do Conselho Directivo, comunicou ao A. a cessação do contrato, com efeitos a partir do dia 31 de Julho de 2013, não cumprindo o acordo que incluía, como já se referiu, a época desportiva 2013/2014, pondo assim termo ao contrato de trabalho que o unia ao A. de forma ilícita e sendo a relação de praticante desportivo, uma relação de natureza especial, são-lhe subsidiariamente aplicáveis as regras que vigoram para o contrato de trabalho, por força do artº 3º da Lei nº 28/98, de 28/06.
Pede por isso que se declare e condene o Réu a reconhecer que o Autor encontrava-se vinculado por contrato de trabalho desportivo e se declare e condene o Réu a reconhecer a ilicitude do despedimento do Autor e, em consequência, se condene o Réu a pagar-lhe as seguintes importâncias:
- indemnização por antiguidade correspondendo a 45 dias de remuneração base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se, para o efeito, todo o tempo decorrido desde a data da admissão do Autor até ao trânsito em julgado da decisão final, não podendo ser inferior a 3 meses;
- o valor correspondente às retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da presente acção até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida;
- se assim não se entender, deve sempre o Réu ser condenado a pagar ao Autor a indemnização no valor de 38.850,00€ reclamada, subsidiariamente;
- o Réu condenado a pagar ao Autor as importâncias de 2.775,00€, 2.775,00€ e €989,00€ reclamadas, respectivamente, correspondentes a férias vencidas em 2013, que não lhe foi permitido gozar, subsídio de férias igualmente vencido em 2013, e o valor em falta dos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal;
- o Réu condenado a pagar ao Autor indemnização por danos não patrimoniais, no valor de 20.000,00€;
- ser, por último, o Réu condenado a pagar ao Autor os juros vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre as importâncias devidas, desde a data da constituição em mora até efectivo e integral pagamento e que, na presente data, ascendem a 644,93€.
O Réu veio contestar, defendendo-se, por excepção invocando a incompetência territorial do tribunal, com o fundamento que a cláusula décima do contrato junto com a petição inicial (fls. 35), estipula que: "Para dirimir qualquer litígio emergente da interpretação ou execução do presente contrato, as partes escolhem o foro da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro e que o autor à data dos factos (2012/2013), se encontrava a frequentar o 1º ano de gestão em estabelecimento universitário na cidade de Lisboa, pelo que o tribunal territorialmente competente para a propositura da presente ação será sempre o tribunal do domicílio do autor, ou seja, o da comarca de Lisboa. E defendeu-se por impugnação dizendo em síntese, que a relação contratual não assume natureza laboral, sendo que a designação e conteúdo do contrato foi aceite por ambas as partes. O A. ao propor a presente acção exerce abusivamente o seu direito, excedendo os limites impostos pela boa-fé e bons costumes, não aceitando o pagamento de qualquer uma das quantias peticionadas, uma vez que não ocorreu qualquer despedimento e A. e R. acordaram uma retribuição global, onde sempre estariam integrados todos os subsídios e retribuições que eventualmente teria direito. Pede por fim a condenação do A. como litigante de má-fé, devendo ser condenado a pagar uma indemnização nunca inferior a € 30.000,00.
Conclui pedindo a procedência da excepção invocada e a improcedência da acção.
Respondeu o A. pugnando pela improcedência das excepções, bem como do pedido de litigância de má-fé.
Teve lugar audiência prévia no âmbito da qual foi proferido despacho saneador se apreciou a excepção da competência deste tribunal, que foi julgada de improcedente, foi fixado o objecto do lítigio e os temas da prova.
Os autos prosseguiram os seus trâmites, realizou-se audiência de julgamento, no termo da qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto e seguidamente foi proferida sentença a fls.624 a 656, a qual culminou com a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, e consequência, condena-se o R:
A) A reconhecer que o A. encontrava-se vinculado por contrato de trabalho desportivo;
B) A reconhecer a ilicitude do despedimento do A.;
C) A pagar-lhe a quantia de € 37 679,19 (trinta e sete mil, seiscentos e setenta e nove euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde o dia 31 de Julho de 2013 até efectivo e integral pagamento.
Custas pelo A. e R., na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que o primeiro beneficia.
Fixo à acção o valor € 66,033,93.
Registe e notifique.”
Inconformada com esta sentença, dela veio o Réu interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:
“1 – Vem o Recorrente impugnar a decisão da matéria de facto, requerendo a reapreciação da prova gravada, nos termos seguintes:
- quanto ao tema 1 da prova e facto provado 17, entende o R. que contém conceitos conclusivos que carecem de concretização (fiscalizava, orientava e decidia), não devendo constar da matéria provada.
Ainda assim, atento o depoimento da testemunha Mário … ouvida no dia 2.11.15, cujo depoimento está gravado, desde o minuto 00:00:14 a 00.56.13, e indicado aos temas da prova 1º, 3º e 5º, o mesmo devia ter sido dado como não provado, devido ao referido em: início às 11.28 e termo às 11.53, início às 16.23 e termo às 17.05, início às 18.52 e termo às 19.43, início às 48.51 e termo às 50.03.
Ou seja, tanto se provou que o R. não interferia, como se provou que era o treinador quem orientava os seus jogadores, incluindo o A.!
- quanto ao tema 2 da prova, certo é que não há qualquer facto dado como provado que permita concluir pela prova do referido tema, pelo que deveria ter sido dado como não provado; assim sendo, não deveria o Tribunal, ao longo da fundamentação da sentença ter-se apoiado em tal tema como se tivesse ficado assente – cfr. é feita referência à “hierarquia do R.” e “estrutura organizacional se mostrava inserido”.
- quanto ao ponto 21 e temas 4 e 8, certo é que ficou provado que o pagamento da renda da casa do A. pelo R. se tratou de mera liberalidade, não tendo feito parte das negociações das condições contratuais, e muito menos tendo sido considerado como parte da retribuição do e pelo A.; sucede que, como o A. tinha residência habitual, em Guimarães – cfr. facto provado 26 – e o seu irmão, Rui …, também jogador de andebol do R., residia, em Lisboa – cfr. facto provado 22 – ficou acordado que o R. iria residir na mesma habitação.
Atento o referido pela testemunha Mário …, quanto às negociações das condições contratuais (início às 34.10 e termo às 34.37), e, pela testemunha Maria …, ouvida no dia 2.11.15, cujo depoimento está gravado, desde o minuto 00:46.20 a 00.58.49, e indicada aos temas da prova 2º a 10º, também quanto às negociações das condições contratuais (início às 57.23 e termo às 58.28), certo é que as mesmas foram negociadas e as que o A. considerou importantes foram a remuneração por época desportiva e a duração do contrato, nada mais!
Não devia, assim, o Tribunal interpretar o facto 21 provado como uma retribuição em espécie (e, consequentemente provado, o tema 4), nem mesmo ter dado como não provado o tema 8, ou seja, de que o A. celebrou o contrato de livre e espontânea vontade, tendo o seu conteúdo sido objecto de negociação e discussão entre o A. e o R..
A este propósito crê-se que o facto 48 provado contém um lapso de escrita ao ter sido trocado o A. pelo R. no início e fim do facto, o que, a verificar-se configura uma clara contradição com o tema 8 dado como não provado!
- quanto ao facto 31 e tema 6, entende o R. ter ficado provado que o A. gozou as férias durante a vigência do contrato, atento o depoimento da testemunha Mário …, início às 43.39 e termo às 44.15.
E tanto assim foi que o A. recebia 11 vezes ao ano, ou seja, quando não trabalhava, não ganhava! – cfr. facto provado 18 – pelo que não se vislumbra a razão que levou o Tribunal a considerar provado o facto 31! É que, o Tribunal não devia olvidar que a actividade desportiva tem um calendário próprio, e, no andebol, as férias são necessariamente, em Agosto; ora, se o contrato com o A. cessou, em 31 Julho de 2013, não tem sentido falar de gozo de férias do A., as quais ocorreriam necessariamente, após esse período, em Agosto de 2013!
- quanto ao facto 37, entende o R. que se trata de um facto conclusivo que não merece estar na matéria provada! Aliás, é mais do que usual e normal os jogadores saírem dos Clubes durante a vigência dos contratos por variadíssimas razões: ou porque a sua performance não corresponde às expectativas do Clube ou porque teve uma melhor oferta ou por não ser opção do treinador devido a outros jogadores que, entretanto, foram contratados! Enfim, é o mundo normal dos desportistas!
Aliás, tanto assim é que foi o próprio A. que quebrou o vínculo com o Guimarães para ingressar no R., conforme depoimento de Maria …, início às 50.19 e termo às 50.30.
- quanto ao facto 38 entende o R. que deveria ter sido dado como não provado, atenta a ausência de prova do nexo causal!
Por um lado, é conclusiva a expressão “a forma como ocorreu a cessação” – sabe-se lá o que isso significa, mas certo é que a mesma ocorreu com a antecedência devida, ou seja, o A., um mês antes da produção dos efeitos da comunicação da cessação do contrato, teve conhecimento que tal iria suceder; e, no mundo do desporto, muitas das contratações são feitas em horas ou dias, tal como sucedeu quando o A. ingressou no R.!
Mais se dirá que, atentos os factos provados 34 a 36, ou seja, de que o A. já representou equipas de andebol da 1ª divisão, foi chamado para representar a selecção e sempre foi reconhecido por todos do meio desportivo como um atleta competente, assíduo e dedicado, não se vislumbra porque não terá ingressado com facilidade noutro clube; certo é que, no entender do R., não ficou provado o nexo causal!
- quanto ao facto 39 é totalmente irrelevante para o que se discute nos presentes autos, não fosse o A. um jogador experiente e maduro (antes parece que se trata de um jogador iniciado, de tenra idade, que não pode ser separado da família)!
Sem serem necessárias sequer quaisquer outras considerações, entende o R. que tal facto não deveria constar da matéria provada!
- quanto ao facto 43 entende o R., mais uma vez, que é totalmente irrelevante para a discussão nos presentes autos, sendo certo que cada modalidade tem a sua regulamentação própria, e, no caso do andebol, a Federação não exigia a celebração de contratos de trabalho desportivos por não se tratar de uma Liga Profissional, tal como foi explicado pela testemunha Mário …, início às 42.31 e termo às 43.28.

2 – Entende o Recorrente que o A. não provou a existência de uma relação laboral, nomeadamente a existência de subordinação jurídica, ou seja, de ordens, instruções, direcção e poder disciplinar exercido pelo Recorrente, pelo que a sentença violou o disposto nos arts. 236º, 342º, nº 1 e 405º CC; e isto porque, ficou provado no facto nº 18 o pagamento de uma quantia anual global, por época desportiva, a ser paga em 11 prestações, o que indicia a existência de uma prestação de serviços, pelo facto do A. quando não jogava (em Agosto), não ganhava; o local e os equipamentos teriam necessariamente de pertencer à entidade desportiva, sem que tal possa contribuir como indício de laboralidade porque inerente à própria actividade; os treinos eram definidos pela equipa técnica, sem interferência do Recorrente; o exercício, em exclusividade, da actividade a uma entidade desportiva decorre dos próprios regulamentos da FPA e nem seria viável que um jogador representasse mais do que uma equipa, ao mesmo tempo; por fim, o código de conduta é orientador dos jogadores e inerente à imagem que os mesmos devem transmitir por representarem os valores do Clube pelo qual jogam, não tendo qualquer cariz disciplinar.
3 – Ainda que assim não se entenda, o que se alega, por mera cautela, sempre se dirá que o o A. não alegou, nem provou factos sobre os danos que supostamente sofreu com a cessação do contrato, o que se impunha face ao instituto de responsabilidade civil presente no art. 27º, nº 1 da Lei 28/98 e conforme se pode ler no sumário do Ac. STJ de 25.3.15, disponível em www.dgsi.pt:
4 – Entende o R. que se deveria ter considerado o valor dos honorários acordados por época desportiva em € 24.200,00 ilíquidos, atento o disposto nos arts. 14º da Lei 28/98 e 260º, nº 1, al. a) do CT, que conduzem à conclusão de que o pagamento da renda da casa, não integra o conceito de retribuição, antes configurando ajudas de custo pelo facto do A. ter residência habitual, em Guimarães – cfr. facto provado 26;
5 - Acresce que, atenta a total ausência de prova, pelo A., de que as quantias anuais globais, por épocas desportivas, acordadas entre as partes não incluíam o pagamento dos subsídios de férias e de Natal (conforme se pode ler no Ac. da RP de 07/07/2003 - in www.dgsi.pt), violou a sentença recorrida o disposto nos arts. 236º e 342º, nº 1 CC, na medida em que, para um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, o entendimento seria de que estava tudo incluído, o que é corroborado pelo facto provado 46, ou seja, nunca o A. reclamou o pagamento de qualquer subsídio de Natal ou de férias, bem como atendendo ao limite previsto no nº 1 do art. 27º da Lei 28/98;
E mais: os cálculos efectuados pelo Tribunal não tiveram em consideração o facto da retribuição global ser repartida por 11 meses e não 12, ou seja, o valor da retribuição mensal a considerar deveria ser € 2.016,00 (€ 24.200,00:12) e não € 2.200,00!
E também não se vislumbra como o Tribunal alcançou os € 33.725,00 (€ 2.425,00 x 13 meses + € 2.200,00).
De qualquer modo, os juros a considerar deverão ser contabilizados desde a citação e não desde 31 de Julho de 2013 – cfr. art. 805º, nº 1 CC, entendendo o Recorrente que não tem aplicação no caso em concreto o mesmo dispositivo, nº 2, al. b)!
6 – (…)
Termina o Recorrente/Apelante pugnando pela procedência do recurso e junta um documento.
Respondeu o Recorrida/Apelado colocando a questão prévia da inexistência de requerimento de interposição de recurso, uma vez que o recorrente apenas apresentou as suas alegações, o que é indispensável para a pretensão do recorrente, sendo por isso nulo o acto praticado nos autos, o que implica que a sentença tenha transitado em julgado, pugna pela ilegalidade da junção do documento apresentado pelo recorrente nas suas alegações de recurso e defende a manutenção do julgado.
*
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer de fls.731 a 736, no sentido do provimento parcial da apelação, no que respeita ao pagamento dos juros de mora que deverão ser devidos a contar da citação e não do despedimento.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - OBJECTO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), no recurso interposto pela Ré/Apelante sobre a sentença recorrida, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
- Impugnação da matéria de facto
- Da natureza do contrato
- Da cessação do contrato
- Da retribuição
- Dos proporcionais e dos subsídios de férias e de Natal
- Dos juros de mora
Antes porém, importa analisar em sede de questões prévias de forma breve a questão suscitada pelo recorrido relativa à inadmissibilidade do recurso, por inexistência do respectivo requerimento de interposição de recurso dirigido ao tribunal de 1ª instância, bem como a questão da junção de um documento com as alegações de recurso.
Resulta do estabelecido nos artigos 81º n.º 1 do CPT e 637º n.º 1 do CPC que o recurso deve ser interposto por meio de requerimento, dirigido ao tribunal a quo, que deve conter a alegação do recorrente, além da identificação da decisão recorrida, em que se indica a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto.
Da análise do recurso interposto constatamos que não foi dado o correcto cumprimento ao disposto nos citados artigos, contudo e tal como se fez consignar, na decisão proferida pelo tribunal a quo no despacho proferido em 7/12/2016 (fls. 710), o requerimento apesar de não ter sido formulado da forma mais perfeita no que respeita à manifestação da intenção de recorrer, ainda assim satisfaz os requisitos mínimos previstos nas citadas disposições legais, pois identifica suficientemente a decisão recorrida e contém a alegação do recorrente.
Com efeito, o facto de o recurso não ter sido interposto através de requerimento, tal como assinala o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer que junta as autos, não acarreta a sua inadmissibilidade, nem qualquer outra sanção, uma vez que foram produzidas alegações que identificam perfeitamente a decisão recorrida. Neste sentido cfr. Ac. da RL de 01-02-2006, Proc. n.º 11162/2005-4, disponível em www.dgsi.pt.
Impõe-se assim concluir pela admissibilidade do recurso.
Da junção de documento.
A recorrente/apelante nas suas alegações recurso pretende juntar um documento comprovativo do prejuízo respeitante à modalidade de andebol sofrido nas épocas de 2014/2015 e 2015/2016, dizendo que caso a sentença seja executada tal refletir-se-á no orçamento desta modalidade, agravando a tendência negativa dos últimos anos, pretendendo assim prestar caução para obter o efeito suspensivo da sentença, como efectivamente veio a suceder.
Tal documento não tem qualquer relevância para a apreciação do recurso, resultando a sua junção nas alegações de recurso devido ao procedimento pouco adequado do recorrente interpor o seu recurso, ao incluir quer na sua alegação, quer nas suas conclusões a questão referente ao efeito que pretende que seja atribuído ao recurso, que nada tem a ver com a apreciação do seu mérito.
Em face do exposto deixamos já se consignado
que não apreciará a 6ª conclusão do recurso, porque respeitante ao efeito a atribuir ao recurso que já se mostra fixado. Nem se determina o desentranhamento do documento junto aos autos, que apenas se destinava a sustentar a pretensão do recorrente relativamente a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, não contendendo assim com o seu mérito, nem tendo por fim a alegação de qualquer situação excepcional, que fizesse prova de qualquer fundamento da acção ou da defesa cfr. artigos 651º n.º 1, 423º e 425º do CPC.
Em suma, apesar de tal documento não ter qualquer utilidade para a descoberta da verdade material, o certo é que a conduta processual do recorrente é admissível no que respeita ao efeito que com tal documento pretendia obter, daí não se determinar o seu desentranhamento com a sua respectiva restituição à parte.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Em 1ª instância deram-se os seguintes factos como provados:
1-O Réu (que adiante também se dignará apenas pelas siglas …), é um clube desportivo constituído como pessoa colectiva de direito privado, matriculado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o nº 500 766 …, declarado de utilidade pública, com fins a educação física, o fomento e a prática do desporto, no qual inclui a prática de diversas modalidades desportivas, tais como o futebol, voleibol, basquetebol, atletismo e ANDEBOL, quer amador, quer profissional.
2- O Réu tem as instalações desportivas na respectiva sede, no qual se inclui o pavilhão onde o Autor exerceu a sua actividade, à excepção dos períodos em que se encontrava de estágio, ou quando participava nos jogos que se realizam fora do clube.
3- O Réu tem mais de 400 atletas e outros trabalhadores ao seu serviço, tendo celebrado com alguns contratos de trabalho escritos e com outros “contratos de prestação de serviços”.
4- O Autor é um atleta de Andebol, que à data da celebração do contrato infra mencionado tinha 21 anos e era estudante universitário.
5- O A. frequentava a Universidade do Minho, no Pólo de Braga.
6- Em 05/09/2012, o Réu celebrou com o A. o contrato junto a fls. 317 a 322, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, para este integrar a equipa de séniores do … nas épocas desportivas 2012/2013 e 2013/2014 como jogador de andebol, mediante retribuição.
7- Tal contrato foi formalizado por escrito, assinado por ambas as partes e registado na Federação Portuguesa de Andebol.
8- No cabeçalho da primeira folha desse contrato consta a designação de “contrato de prestação de serviços”.
9- No ponto 3 da cláusula 7º desse contrato consta que: “ Sendo o contrato resolvido com o fundamento na alínea f) do número anterior, o atleta fica obrigado a indemnizar o …, a título de cláusula penal, no montante de € 100,000,00 (cem mil euros).
10- No âmbito do referido contrato, sempre mediante instruções, orientações e decisões da R., nomeadamente pelos dirigentes do … e seu treinador, o Autor prestava as seguintes funções:
a)- cumpria integralmente em todos os programas de actividade que eram determinados pelo gabinete técnico e dirigentes, no qual se incluía tudo o que fosse determinado pelo treinador, nomeadamente os treinos, a convocação para os jogos oficiais como o campeonato nacional, taça de Portugal, competições internacionais e jogos particulares, com a determinação expressa dos dias e das horas de início e término da respectiva actividade;
b)- cumpria integralmente com todas as demais directrizes emanadas pelo R. …, que decidia quem se deslocava aos eventos participados ao Clube, no qual se incluíam acções de solidariedade, cumpria com tudo o que lhe era imposto a nível de logística;
c)- cumpria com todas as demais decisões relacionadas com a sua actividade.
11- O Autor na equipa sénior de andebol, participou nos jogos referentes ao campeonato nacional da 1ª divisão, taça de Portugal, torneio Alto Minho, realizado em Setembro/2012 e o torneio da Nazaré no início/2012, e, ainda, diversos jogos particulares (alterada a redacção).
12- Para além das referidas funções, o Autor tinha também de cumprir outras obrigações impostas pelo Réu …, nomeadamente as seguintes:
a)- desempenhar as funções de jogador de andebol … com a máxima diligência, dedicação, empenho e zelo;
b)- comparecer sempre aos treinos, estágios, deslocações e jogos de andebol do SCP;
c)- participar em todos as competições nacionais e/ou internacionais em que a equipe esteja presente;
d)- exercer em exclusividade as funções de jogador de andebol no …, ficando expressamente vedada a sua inscrição noutra qualquer entidade;
e)- filiar-se no …, como sócio, e a manter essa qualidade durante a vigência do contrato;
f)- a observar, dentro e fora das instalações uma conduta social e desportiva empenhada e a todos os títulos exemplar, em defesa do bom nome, imagem e interesses do …;
g)- utilizar em exclusivo os equipamentos fornecidos pelo …;
h)- a permitir o uso de sua imagem com os referidos equipamentos sempre que para isso for solicitado pelo …, do qual previamente teve de dar autorização.
13- Além do referido contrato, todas as regras e deveres impostos ao Autor constam no manual designado de “código de conduta” junto a fls. 43 a 56 no qual está previsto, além do mais, na respectiva introdução que: “ Destina-se o presente Código de Conduta a definir as relações entre os colaboradores e Clube…”.
14- O Autor exerceu ininterruptamente as supra referidas funções, desde o dia 05/09/2012 até 31/07/2013.
15- Durante a vigência do contrato de trabalho, o Autor cumpriu o horário de trabalho da seguinte forma:
a)- todo o horário de trabalho era determinado pelo Réu, através dos dirigentes desportivos e treinador, o qual era definido semanalmente;
a).1-)- O plano de trabalho determinado pelo Réu ao Autor traduzia-se normalmente pelo seguinte:
- Segunda-feira – das 17h00 às 19h00;
- Terça-feira – das 10h00 às 12h00 e das 17h00 às 19h00;
- Quarta-feira: das 17h00 às 19h00;
- Quinta-feira: das 10h00 às 12h00 e das 17h00 às 19h00.
- Sexta-feira: das 17h00 às 19h00.
16- O dia de descanso concedido ao Autor era gozado no dia subsequente ao dia do jogo, sempre por determinação do Réu.
17 - Durante o horário de trabalho o Autor não se podia ausentar do pavilhão sem a autorização expressa do Réu. (alterada a redacção)
18- Através do contrato referido no nº 6 supra o Réu comprometeu-se a pagar ao Autor “a quantia anual ilíquida de € 24.200,00 (vinte e quatro mil e duzentos euros), a qual será paga em 11 prestações ilíquidas, mensais e sucessivas, no valor de € 2.200,00 (dois mil e duzentos euros) cada, a pagar nos meses de Setembro a Julho da respectiva época desportiva (…) ”.
19- O pagamento da remuneração ao Autor pelo Ré, foi feito com periodicidade mensal.
20- Tal retribuição mensal foi efectivamente paga ao Autor até 31/07/2012, mediante transferência bancária.
21- Foi igualmente acordado entre o Réu e o Autor, de forma verbal, no dia 05/09/2012, a utilização pelo Autor da habitação, tipologia T3, o qual incluía cozinha e casa de banho, sita em Lisboa.
22-A referida habitação era partilhada pelo Autor com mais três atletas de andebol do …, a saber:
- Rui …;
- Pedro …; e
- Luís …
23- Era na referida habitação que o Autor pernoitava, tomava as refeições, descansava, estudava, etc..
24- Era o R. que suportava o pagamento da renda mensal da referida habitação, que ascendia a € 900,00/mês;
25- Era também o Réu que suportava com todas as despesas relacionadas com a referida habitação, nomeadamente todas as despesas de manutenção, água, luz, gás, impostos e taxas, em valor que não foi possível apurar com precisão.
26- O Autor, exceptuando os períodos que se encontrava ao serviço de outras equipas, tal como o …., sempre teve residência habitual em Guimarães.
27- Todos os instrumentos de trabalho do Autor, tais como vestuário (à execção das sapatilhas que eram pertença do A.), mobiliário, medicamentos e todos os demais produtos relacionados com a preparação física do atleta e tratamentos, utilização dos espaços e transportes pertenciam, como pertencem, ao R., que os disponibilizava.
28- O Réu, por carta datada de 27/06/2013, subscrita pelo membro do Conselho Directivo, junta a fls. 57 e 58, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, comunicou ao Autor o seguinte: “ Nos termos e para os efeitos do artº 1170º do C. Civil, “ ex vi” artº 1156 do mesmo diploma legal, servimo-nos do presente para comunicar a V. Exa. A decisão do AA… de Portugal em revogar a V/ prestação de serviços a partir do dia 31 de Julho de 2013, cessando nessa data todos os seus efeitos…”.
29- Na sequência dessa carta, o Autor, também por carta registada com aviso de recepção, datada de 9/07/2013 e recepcionada pelo Réu e junta a fls. 59 e 60, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e que tem como assunto “ despedimento ilícito” comunicou ao R., além do mais, o seguinte: “ Tal cessação do contrato que me vincula a V. Exªs é manifestamente ilegal e pressupõe claramente a violação dos deveres legais e contratuais em vigor…”.
30- O Réu manteve a sua posição e a cessação do contrato do A ocorreu efectivamente no dia 31/07/2013.
31- O A. não gozou as férias vencidas em 2013.
32- Além das remunerações referidas nos nºs 18 a 20 a R. não pagou ao A. qualquer outra quantia a título de subsídio de férias vencido em 2013, a título de subsídio de Natal proporcional ao trabalho prestado no ano de 2012 e a título de férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano de 2013.
33- No dia 2/09/2013, o Réu decidiu unilateralmente transferir para o Autor o montante de 3.800,00€.
34- Autor, ao longo do seu percurso como atleta de andebol, já representou equipas de andebol da 1ª divisão, entre as quais o Clube Desportivo … ANDEBOL, … SAD e o … DE PORTUGAL.
35- O Autor foi chamado para representar a selecção nacional em diversas competições desportivas.
36- O Autor no desempenho das suas funções sempre foi reconhecido, pelos seus colegas de equipa, quer por todos os demais agentes desportivos ligados à modalidade de Andebol, como um atleta competente assíduo e dedicado.
37- Com assinatura do contrato supra referido o R. criou expectativas ao Autor que iria exercer funções ao seu serviço por duas épocas e que iria auferir durante duas épocas desportivas os rendimentos que foram contratualizados.
38- A forma como ocorreu a cessação do contrato, levou a que o Autor não conseguisse providenciar, com o devido tempo, a transferência para outro clube que lhe permitisse auferir um rendimento mensal, situação em que se manteve até à época desportiva 2014/2015.
39- O Autor viu-se, ainda, confrontado com o facto de se separar do seu irmão mais novo, Rui …, igualmente atleta de andebol do … e com quem partilhava a residência.
40- A cessação do contrato nos termos descritos foi do conhecimento, pelo menos dos colegas de trabalho do Autor, bem como de toda a equipa técnica, amigos e familiares.
41- E, em consequência dessa cessação do contrato o A. sentiu-se, afectado, humilhado e vexado como pessoa e como profissional.
42- A mesma cessação provocou-lhe preocupação, desgosto e indignação.
43- O R. celebra com os jogadores de futebol sénior contratos de trabalho desportivo e com os atletas de outras modalidades celebra contratos que designa de “prestação de serviços”.
44- A equipa de andebol do R. não é uma equipa profissional e é organizado pela Federação Portuguesa de Andebol, que define os locais, datas e horários de realização dos jogos.
45- Durante o período referido no nº 14 o A. esteve inscrito na Segurança Social e nas Finanças como trabalhador independente.
46- O A. durante a execução do contrato referido supra nunca reclamou o pagamento de qualquer subsídio de Natal ou de férias.
47- O R. tem um departamento jurídico que aconselha e redige os contratos que o … assina com os atletas que se encontram vinculados ao ….
48- O R. estava prévia e devidamente esclarecido com o conteúdo do contrato apresentado ao A.
IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO
1. Da impugnação da matéria de facto
Comecemos por apreciar a pretensão da Recorrente relativamente à alteração da decisão sobre a matéria de facto.
A Ré/Recorrente pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova, designadamente dos depoimentos testemunhais gravados.
Dispõe o artigo 662º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, o art. 640º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Do citado preceito resulta que quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Importa ainda referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no artigo no n.º 5 do artigo 607º do CPC, segundo tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial toda a apreciação da prova pelo tribunal da 1ª instância.
No que respeita à prova testemunhal mostra-se consagrado no artigo 396º do CC, o princípio da livre apreciação da prova testemunhal, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador ao dispor o citado preceito legal que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
Relacionado com este princípio estão os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro exige que a produção de prova e a discussão na audiência de julgamento se realizem oralmente, para que as provas, excepto aquelas cuja natureza o não permite, sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo diz respeito à proximidade que o julgador tem com o participante ou intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova através de uma percepção directa ou formal. Esta perceção imediata oferece maiores possibilidades de certeza e da exacta compreensão dos elementos levados ao conhecimento do tribunal.
Segundo o Prof. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 386 estes princípios possibilitam o indispensável contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova. Só eles permitem fazer uma avaliação, o mais corretamente possível, da credibilidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas.
Todavia importa ter presente para além do princípio da liberdade do julgador na apreciação da prova, que toda a apreciação da prova pelo tribunal da 1ª instância tem a seu favor o princípio de imediação, que não pode ser esquecido no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos.
Sobre a reapreciação da prova impõe-se toda a cautela para não desvirtuar os mencionados princípios, sem esquecer que não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisar as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
No caso em apreço, o Recorrente indicou os concretos pontos de facto que devem ser alterados, indicou a decisão que deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada e relativamente à exigência prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 640º do CPC., de especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diferente, indicou e sinalizou em todas as situações o depoimento das testemunhas que no seu entender impõe a alteração da decisão, considerando assim suficientemente cumprido o ónus de alegação no que respeita à impugnação da matéria de facto.
No caso em apreço, a Apelante/Recorrente considerou que foram incorrectamente julgados os factos que constam dos pontos 17, 21, 31, 37 a 39 e 43 dos factos provados, bem como os temas de prova 1, 2, 4, 6 e 8, devendo por isso ser alterada a sua redacção e que existe um lapso na redacção do ponto 48 dos factos provados.
Sustenta a Recorrente a sua pretensão essencialmente no teor do depoimento de Mário … e de Maria ….
Vejamos se lhe assiste razão.
A Mma. Juiz motivou a sua decisão sobre a matéria de facto da seguinte forma:
“No que concerne aos factos provados sob os nºs 1, 2, 4, 13, 15 e 16 o tribunal atendeu a que foram admitidos por acordo das partes e no documento de fls. 43 a 55.
Quanto aos factos provados sob os nºs 3, 5, 6 a 12, 14, 17 a 33, 43, 47 e 48 o Tribunal baseou a sua convicção na apreciação crítica e conjugada dos depoimentos das testemunhas Mário …, Fernando …e Hugo …, respectivamente Director Geral das Modalidades da R. desde Junho de 2009 até Agosto de 2013, atleta entre 2000/2004 e 2007 e 2010 e Director Desportivo de Andebol entre 2010/2013 da R e jogador de andebol da R. durante três épocas desportivas, tendo terminado o contrato há cerca de um ano, os quais de uma forma lógica, convincente e, no essencial, convergente prestaram depoimentos por forma a confirmar os factos em questão, nomeadamente quanto ao horário que o A. cumpria e quem o estabelecia, funções do A. e forma como as mesmas eram prestadas, sempre sob a orientação, direcção e fiscalização do R., propriedade das instalações onde o A. exercia essas funções, bem como do equipamento por ele utilizado, que eram ambos pertencentes ao R., ressalvando quanto ao último, as sapatilhas, que segundo afirmação deles pertenciam ao A., tal como acontecia com os restantes jogadores, tendo o primeiro ainda referido a retribuição mensal auferido pelo A., bem como o facto de este utilizar um apartamento juntamente com outros atletas, em que se incluía um seu irmão, cuja renda era suportada pelo R. e qua ascendia ao valor de € 750,00 a €900,00, bem como a respectiva água luz e telefone, sendo que relativamente a estes últimos factos atendeu-se também aos depoimentos das duas primeiras testemunhas referidas, que à exceção do valor da renda também os confirmaram, e da testemunha Maria …, namorada do A. que o acompanhou na primeira deslocação a Lisboa e presenciou a negociação verbal da retribuição, que segundo a mesma incluía a utilização de uma apartamento, cuja renda ascendeu aos € 800,00/€ 900,00, bem como os encargos com a água, luz e gaz e nos documentos de fls. 36 a 42, 57 a 60, 150, 312 a 331, 334 a 353, 356 a 360, 370 a 372, 399 a 412, 443, 456 a 460 e 508 a 543, que não foram impugnados.
Importa também salientar que o R. na sua contestação tinha aceitado os factos descritos nos nºs 10 e 12, apenas não concordando com o enquadramento jurídico que deles faz o A. e que a grande maioria das funções e obrigações descritas estão previstas no contrato celebrado entre o A. e R. e no código de conduta junto a fls. 43 a 56.
Relativamente aos factos descritos nos nºs 34 a 42 o tribunal baseou-se nos depoimentos espontâneos e sinceros das testemunhas Paula … e Maria …, respectivamente tia e namorada do A., que descreveram de forma convincente o estado psicológico do A. e os sentimentos por ele manifestados após a cessação do contrato que o vinculava ao R.
Quanto aos factos descritos nos nºs 44, 45 e 46 o tribunal teve em consideração o depoimento da testemunha Jorge …, director de andebol da R. e documentos de fls. 36, 37, 236 a 260, 589 a 591 e 602 a 604, que não foram impugnados.
Relativamente aos factos não provados o tribunal considerou que não foi produzida prova que os sustentasse, sendo certo que os factos em questão estão em manifesta contradição com a prova produzida. Com efeito, a testemunha Maria … foi peremptória em afirmar que o A. só teve conhecimento do teor do contrato no próprio dia em que o assinou, e as duas primeiras testemunhas ouvidas, Mário …e Fernando … também afirmaram que os contratos celebrados com os jogadores de andebol, são previamente elaborados pelo departamento jurídico do R. e, em regra, são todos iguais apenas variando a duração do contrato e a retribuição.”
O Recorrente pretende, que não constem do ponto 17 dos factos provados as expressões “fiscaliza, orientava e decidia”, por se tratar de conceitos conclusivos, acrescentando ainda que tal facto devia ter sido dado como não provado em face do depoimento prestado por Mário …, devendo ainda dar-se como não provado o tema 2 da prova.
O ponto 17 dos factos provados tem a seguinte redacção:
Durante o horário de trabalho, o Réu fiscalizava e orientava o trabalho do Autor e este não se podia ausentar do pavilhão sem a autorização expressa do Réu”
Do 2º tema da prova consta o seguinte:
“Durante a vigência do contrato o A. estava inserido na estrutura organizativa da Ré?”
Procedemos à análise de todos os documentos juntos aos autos e à audição da gravação onde constam os depoimentos das testemunhas mencionadas pelo Recorrente, bem como das demais que foram inquiridas na audiência de julgamento, afigurando-se-nos que a pretensão da recorrente em parte é de acolher.
No que respeita ao facto do Recorrente pretender que sejam dados como não provados os factos que constam do ponto 17, teremos desde já de dizer, que salvo o devido respeito por opinião em contrário, precisamente do depoimento da testemunha Mário Patrício, resulta a prova dos mesmos, já que de forma clara e precisa descreveu como se encontrava organizada a estrutura do Réu, designadamente a hierarquia observada, no que respeita à modalidade do andebol, estrutura essa onde o Autor se encontrava inserido e de quem dependia em termos hierárquicos.
Mas por outro lado, importa salientar que os termos “fiscalizava e orientava”, tal como a expressão “sob a autoridade, direcção e fiscalização do Réu” que consta do ponto 11 dos factos provados são expressões e conceitos conclusivos, que estando em causa uma acção em que se discute a natureza do vínculo que ligava o Autor ao Réu, se um contrato de trabalho como pretende o Autor ou um contrato de prestação de serviços como defende o Réu, tem de ser expurgadas, pois só por si já seriam susceptiveis de induzir a uma qualificação jurídica do contrato.
Assim procedendo à eliminação de tais expressões os pontos 11 e 17 dos factos provados passarão a ter a seguinte redacção:
“11- O Autor na equipa sénior de andebol, participou nos jogos referentes ao campeonato nacional da 1ª divisão, taça de Portugal, torneio Alto Minho, realizado em Setembro/2012 e o torneio da Nazaré no início/2012, e, ainda, diversos jogos particulares.” (retificação introduzida no local próprio).

“17 – Durante o horário de trabalho, o Autor não se podia ausentar do pavilhão sem a autorização expressa do Réu.” (retificação introduzida no local próprio).
Relativamente ao tema 2 da prova por o mesmo conter factos de natureza conclusiva, não se fez constar e bem, nem dos factos provados, nem dos factos não provados, antes foram dados como provados outros factos (designadamente os pontos de facto 9 a 17), concretizadores do tema da prova, os quais se revelaram de suficientes para que o tribunal a quo viesse a concluir que o Autor estava integrado na estrutura organizacional do Réu, referente à modalidade do andebol.
Não há assim que incluir nos factos não provados este tema da prova, pois o julgamento é efectuado com base em temas de prova, que importam concretização aquando da fixação da matéria de facto, tendo presente os factos que o Tribunal pode conhecer, sendo certo que no caso dos autos tais factos resultam dos pontos de facto provados.
O Recorrente pretende que se dê como provado que o pagamento da renda de casa ao autor se tratou de mera liberalidade e que se dê como não provado o tema 4 da prova, que se dê como provado o tema 8 da prova, já que o Autor contrato celebrado com o autor foi celebrado livremente, tendo o seu conteúdo sido objecto de negociação e discussão entre o Autor e o Réu. E que se altere a redação do ponto 48 que contém um lapso de escrita ao ter sido trocado o A. pelo Réu no início e no fim do facto.
O tema 4 da prova tem a seguinte redacção:
Essa retribuição era constituída por uma parte em numerário e uma parte em espécie?”
O tema 8 da prova tem a seguinte redacção:
O A. assinou o contrato reproduzido a fls. 30 e ss. de livre vontade, tendo o seu conteúdo sido objecto de discussão e sem a ele ter deduzido qualquer oposição?
O ponto 48 dos factos provados tem a seguinte redacção:
“O R. estava prévia e devidamente esclarecido com o conteúdo do contrato apresentado ao A.”
No que respeita ao tema 4 da prova, porque tais factos necessitam de ser concretizados com outros materiais e concretos, que nos permitam concluir pela sua verificação não devem ser incluídos nem nos factos provados, nem nos factos não provados, sendo certo que atenta a prova testemunhal produzida, designadamente o depoimento de Maria … (namorada do Autor) e documental junta aos autos foi possível apurar-se factos concretizadores de tal tema de prova, designadamente que foi acordado entre Autor e Réu ainda que de forma verbal a utilização pelo autor da habitação, tipologia T3, a qual era partilhada com mais três atletas, sendo o Réu quem suportava a renda de €900,00, bem como as despesas relacionadas com a referida habitação (água, luz, gás, impostos e taxas) pontos n.ºs 21 a 25 dos factos provados.
Assim, fácil é de concluir que para além de prestação em numerário o Réu assumiu para com o Autor um outro tipo de prestação, o alojamento e demais despesas inerentes, não tendo resultado provado qualquer facto que nos permitisse concluir que se tratava de uma mera liberalidade.
Improcede nesta parte a alteração à matéria de facto.
No que respeita à prova o tema 8 apenas se nos afigura dizer que bem andou o tribunal a quo ao dar o mesmo como não provado, pois tal como resulta da fundamentação dos factos não provados contante da decisão da 1ª instância “…não foi produzida prova que os sustentasse, sendo certo que os factos em questão estão em manifesta contradição com a prova produzida. Com efeito, a testemunha Maria … foi peremptória ao afirmar que o A. só teve conhecimento do teor do contrato no próprio dia em que o assinou, e as duas primeiras testemunhas ouvidas, Mário … e Fernando … também afirmaram que os contratos celebrados com os jogadores de andebol, são previamente elaborados pelo departamento jurídico do Réu e, em regra, são todos iguais apenas variando a duração do contrato e a retribuição.”
Por fim no que respeita ao lapso na redacção do ponto 48, entendemos ser o mesmo inexistente, pois pretendeu-se dar como provado precisamente o facto que consta do ponto 48, que aliás resulta da prova globalmente produzida e não de excertos descontextualizados de depoimentos. Da análise da prova produzida, designadamente dos depoimentos de Mário … e Fernando …, resulta inequívoco que o Réu através do seu departamento jurídico estava devidamente informada do teor do conteúdo do contrato celebrado com o Autor, pois em regra, os contratos dos jogadores de andebol são denominados de “prestação de serviços”, são todos iguais apenas variando a duração do contrato e a retribuição.
Improcede assim a retificação requerida pelo recorrente.
Relativamente ao ponto 31 dos factos provados refere o Recorrente que tal como afirmou a testemunha Mário …, o Autor gozou férias durante a vigência do contrato, não percebendo assim a razão por que se deu como provado que o Autor não gozou férias.
O ponto 31 tem a seguinte redacção:
O A. não gozou as férias vencidas em 2013.”
No que respeita ao ponto 31 dos factos provados ainda que a testemunha Mário … tenha a afirmado que o autor gozou férias, o certo é que não depôs quanto a este facto de forma precisa e convincente, pois para além de não ter precisado nem o número de dias de férias gozado, nem o período em que terão sido gozadas, limitou-se a fazer considerações que nos levam a concluir que o mês de férias seria aquele em que não haveria actividade desportiva, sendo assim de considerar em face do teor do contrato que vigorou entre as partes coincidir com o mês de Agosto, altura em que face da cessação do contrato de trabalho da iniciativa do réu as férias não podiam ter sido gozadas, pela simples razão de que o contrato já tinha terminado.
Ora, da prova produzida, designadamente do depoimento de Mário …, resulta manifesto que o autor não gozou as vencidas em 2013, pelo que é de manter a redacção do ponto 31 dos factos provados.
No que respeita ao ponto de facto 37, refere o recorrente que se trata de um facto conclusivo, pelo que não deverá constar dos factos provados e o ponto de facto 38 deveria ter sido dado como não provado, por falta de prova do nexo de causalidade, sendo conclusiva a expressão “a forma como ocorreu a cessação”.
O ponto 37 tem a seguinte redacção:
“Com assinatura do contrato supra referido o R. criou expectativas ao Autor que iria exercer funções ao seu serviço por duas épocas e que iria auferir durante duas épocas desportivas os rendimentos que foram contratualizados.
O ponto 38 tem a seguinte redacção:
“A forma como ocorreu a cessação do contrato, levou a que o Autor não conseguisse providenciar, com o devido tempo, a transferência para outro clube que lhe permitisse auferir um rendimento mensal, situação em que se manteve até à época desportiva 2014/2015.
No que respeita ao ponto 37 o mesmo não é conclusivo e tais factos resultam da conjugação do teor do contrato celebrado entre autor e Réu, com os depoimentos das testemunhas Paula … e Maria … que explicaram de forma clara, precisa e concisa o estado de espirito do Autor perante a assinatura do contrato com o Réu, o qual previa a contratação por duas épocas desportivas, sendo por isso de manter a sua redação.
No que respeita ao ponto 38, também considerarmos que a sua redacção não pode nem deve ser eliminada como pretende o Réu, pois para além de resultar claro no que respeita à forma da cessação do contrato que se pretende referir ao facto provado no ponto 28 - ter o Réu posto termo ao contrato no final do mês de Junho para produzir efeitos no final do mês de Julho -, tendo tal facto ocorrido numa altura em que as contratações dos clubes já estavam fechadas, não dando tempo ao autor de conseguir negociar a transferência para outro clube. Tais factos resultaram do depoimento das testemunhas que se pronunciaram sobre os mesmos (Paula … e Maria …), tendo assim sido feita prova suficiente do nexo causal do comportamento do réu e das dificuldades profissionais com que o Autor se debateu.
Relativamente aos pontos 39 e 43 dos factos dados como provados defende o Recorrente que os mesmos são totalmente irrelevantes para a discussão dos autos, razão pela qual devem de ser eliminados.
O ponto 39 tem a seguinte redacção:
“O Autor viu-se, ainda, confrontado com o facto de se separar do seu irmão mais novo, Rui Silva, igualmente atleta de andebol do … e com quem partilhava a residência.”
O ponto 43 tem a seguinte redacção.
“O R. celebra com os jogadores de futebol sénior contratos de trabalho desportivo e com os atletas de outras modalidades celebra contratos que designa de “prestação de serviços”.
Por fim, no que respeita a estes dois pontos de facto teremos de dizer, que salvo o devido respeito por opinião em contrário, não se vislumbra qualquer interesse na alteração requerida, não interferindo a mesma com a apreciação do mérito, o certo é que tais factos resultaram da prova produzida e podem ter algum interesse ainda que meramente residual, para a boa decisão da causa, quer no sentido de se perceber o estado psicológico do autor, quer no sentido de melhor se compreender o comportamento do Réu, razão pela qual entendemos que não devem ser eliminados.
Procede assim parcialmente e apenas no que respeita às expressões e conceitos conclusivos que entendemos ser de alterar a impugnação da matéria de facto.
- Da natureza do contrato
Passemos a apreciar a questão agora a decidir que consiste em saber se a relação mantida entre Autor e Réu deve ou não ser qualificada como uma relação laboral de natureza desportiva e isto apesar do contrato invocado ter sido denominado como contrato de prestação de serviços.
Com efeito, caso se venha a entender estarmos perante um contrato de trabalho, atento o objecto e a finalidade do contrato teremos de considerar estar perante um contrato de trabalho desportivo regulado pela Lei n.º 28/98 de 2/06, alterada pela Lei n.º 114/99 de 3/08, (a qual passaremos a designar por pela sigla RJCTPD - regime jurídico do contrato de trabalho desportivo e do contrato de formação desportiva) sendo neste regime que será enquadrado, sendo certo que quanto a este aspecto não existe qualquer dissidência entre a sentença recorrida e a posição assumida pelas partes.
O Réu defende que os factos dados como provados são claramente insuficientes para a qualificação do contrato como de trabalho, já que não se provou a existência de subordinação jurídica e ficou provado o pagamento de uma quantia anual global, por época desportiva a ser paga em 11 prestações, quando o Autor não jogava não ganhava, sendo certo que o facto do local e dos equipamentos pertencerem à entidade desportiva, bem como o facto de os treinos serem definidos pelo equipa técnica sem interferência do recorrente, só sucede por tal ser inerente à própria actividade. Por fim, o exercício em exclusividade da actividade a uma entidade desportiva decorre dos regulamentos da FIFA e o código de conduta que têm de observar não tem cariz disciplinar, mas é apenas orientador da imagem que os desportistas devem transmitir por representarem os valores do clube.
Vejamos se lhe assiste razão.
Estabelece o artigo 2º, al a) do RJCTPD que o contrato de trabalho desportivo é “aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar actividade desportiva a uma pessoa singular ou colectiva que promova ou participe em actividades desportivas, sob a autoridade e a direcção desta;”
Na alínea b) do citado preceito define-se o praticante desportivo profissional como “aquele que, através de contrato de trabalho desportivo e após a necessária formação técnico profissional, pratica uma modalidade desportiva como profissão exclusiva ou principal, auferindo por via dela uma retribuição;”
O artigo 13º do RJCTPD estabelece
os deveres a que o praticante desportivo está sujeito, designadamente:
“a) - Prestar a actividade desportiva para que foi contratado, participando nos treinos, estágios e outras sessões preparatórias das competições com a aplicação e a diligência correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas e, bem assim, de acordo com as regras da respectiva modalidade desportiva e com as instruções da entidade empregadora desportiva;
b)Participar nos trabalhos de preparação e integrar as selecções ou representações nacionais;
c)Preservar as condições físicas que lhe permitam participar na competição desportiva objecto do contrato;
d)Submeter-se aos exames e tratamento clínicos necessários à prática desportiva;
e)Conformar-se, no exercício da actividade desportiva, com as regras próprias da disciplina e da ética desportiva.”
E o artigo 17º do RJCTPD estabelece o poder disciplinar ao determinar o seguinte:
“1 - Sem prejuízo do disposto em convenção colectiva de trabalho, a entidade empregadora desportiva pode aplicar ao trabalhador, pela comissão de infracções disciplinares, as seguintes sanções:
a)Repreensão;
b)Repreensão registada;
c)Multa;
d)Suspensão do trabalho com perda de retribuição;
e)Despedimento com justa causa.
(…)
4-A aplicação de sanções disciplinares deve ser precedida de procedimento disciplinar no qual sejam garantidas ao arguido as adequadas garantias de defesa.
5-A sanção disciplinar deve ser proporcionada à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pena pela mesma infracção.”.
(…)
Importa ainda salientar que a validade do contrato de trabalho desportivo depende da sua redução a escrito, da assinatura de ambas as partes, dele tendo de constar os elementos a que alude o n.º 2 do artigo 5º do RJCTPD. Estamos perante um a formalidade ad substantiam cuja inobservância determina a nulidade do negócio, conforme disposto no artigo 220º do Código Civil, embora, por se tratar de uma nulidade atípica, sem efeitos ex nunc ou rectroactivos por força do que dispõe o artigo 115º, n.º 1, do CT/2009, aplicável ex vi do artigo 3º da Lei n.º 28/98 de 26/06.
Trata-se de um contrato a termo não podendo ter por regra, duração inferior a uma época desportiva nem superior a oito épocas, entendendo-se por época desportiva o período de tempo, nunca superior a 12 meses, cfr. artigo 8º do RJCTPD.
Por fim prevê o artigo 3º do RJCTPD que “Às relações emergentes do contrato de desportivo, aplicam-se, subsidiariamente, as regras aplicáveis ao contrato de trabalho.”
O artigo 11º do Código do Trabalho define o contrato de trabalho como sendo “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.
Ora, a par do que sucede com o contrato de trabalho, o elemento essencialmente caracterizador do contrato de trabalho desportivo é a natureza da prestação que o desportista se obriga a realizar perante a pessoa que promove ou participa na actividade desportiva.
Por seu turno, o contrato de prestação de serviço (trabalho autónomo) é definido pelo artigo 1155º do Código Civil como sendo “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição
Enquanto no contrato de trabalho um dos contraentes se obriga a prestar ao outro o seu trabalho, a prestação de serviços tem por objecto o resultado do trabalho e não o trabalho em si, e para chegar a esse resultado, não fica o obrigado sujeito à autoridade e direcção do outro contraente.
Para distinguir um contrato de trabalho de um contrato de prestação de serviços importa apurar se a actividade é ou não prestada sob a direcção da pessoa a quem ela aproveita.
Resulta da própria definição legal que a existência de contrato de trabalho implica a verificação cumulativa de dois elementos: a subordinação jurídica, que se traduz no facto de o trabalhador, na prestação da sua actividade, estar sujeito às ordens, direcção e fiscalização da pessoa servida, sendo irrelevante que essa sujeição seja efectiva ou simplesmente potencial; e a subordinação económica do trabalhador ao dador de trabalho, que se revela pelo facto de aquele receber deste certa remuneração, com a qual, em princípio subsiste ou faz face às necessidades do seu agregado familiar.
No entanto, para a doutrina e para a jurisprudência dominantes, só a subordinação jurídica constitui elemento essencial do referido contrato, isto é, o que o caracteriza é o facto de o trabalhador não se limitar a promover a execução de um trabalho ou a prestação de um serviço, mediante o pagamento de determinada retribuição – o que também pode suceder com os trabalhadores independentes – mas que se coloque sob a autoridade da pessoa servida para a execução do referido serviço.
A subordinação jurídica traduz-se no poder do empregador conformar a actividade do trabalhador através de instruções, de directivas, de ordens e no correlativo dever de este as acatar.
A subordinação jurídica traduz-se, assim no poder de a entidade empregadora orientar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou, fiscalizando a sua actuação, nem se exigindo que as ordens, directivas e instruções sejam dadas, basta que o possam ser, estando o trabalhador obrigado a acatá-las.
Tem até vindo a assistir-se a uma progressiva flexibilização da subordinação jurídica, em termos de a considerar compatível com uma grande, ou mesmo completa, autonomia técnica, reduzindo as suas manifestações a aspectos externos à própria prestação de trabalho, embora com ela conexos.
Em certos contratos de trabalho a prestação de trabalho é efectuada com tanta autonomia que dificilmente se divisam os traços de subordinação jurídica ou a retribuição está tão ligada à execução de produtos acabados que a situação se aproxima muito das do trabalho autónomo. Por outro lado, a autonomia do trabalho não é incompatível com a execução de certas directivas da pessoa servida e de algum controlo desta sobre o modo como o serviço é prestado.
A subordinação jurídica traduz-se, pois, no poder de a entidade empregadora orientar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou, fiscalizando a sua actuação.
Essa subordinação, nem exige que as ordens, directivas e instruções sejam efectivamente dadas ao trabalhador, bastando apenas que o possam ser, estando o trabalhador sujeito a recebê-las e a cumpri-las.
No contrato de prestação de serviços, pelo contrário, a referida subordinação jurídica não existe, sendo o trabalho prestado de forma autónoma e independente, relativamente à pessoa que dele vai beneficiar.
Assim, para qualificar a referida relação contratual, bastará indagar se o trabalho do recorrido foi prestado em regime de subordinação jurídica ou em regime de autonomia.
Contudo é aqui, no plano prático, que as dificuldades começam, porque nem sempre é fácil determinar qual foi o regime que as partes quiseram adoptar e porque a subordinação, sendo um conceito jurídico, cuja existência se pode verificar pela via da dedução, que nem sempre constituirá tarefa fácil e porque comporta diferentes graduações, podendo existir actividades cujo exercício pressupõe uma maior ou menor autonomia técnica, a qual, por si só não é inconciliável com o poder de direcção do empregador, mas também porque a existência do poder de direcção não depende tanto do seu efectivo exercício mas sim da mera possibilidade de ser exercido e, finalmente porque o trabalho autónomo não é incompatível com a existência de instruções e orientações emanadas da parte que beneficia do trabalho.
A doutrina e a jurisprudência para solucionar esta questão recorrem ao chamado método indiciário que consiste em detectar na situação concreta, factos que normalmente andam associados à existência do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços. Cada um desses elementos de facto constituirá um indício que militará a favor ou contra a existência da subordinação.
No elenco dos indícios de subordinação, salientamos os que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: vinculação a horário de trabalho definido pela pessoa a quem se presta a actividade; a execução da prestação de trabalho em local definido pelo empregador; a existência de controlo externo do modo da prestação, a obediência a ordens e a sujeição à disciplina da empresa. E a estes acrescem os elementos relativos à modalidade da retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e da segurança social próprios do trabalho por conta de outrem.
É evidente que cada um dos referidos indícios, tomados de per si, assumem natural relatividade, pelo que deve ser sempre em função da análise em globo dos diversos elementos factuais apurados que deve formular-se o juízo sobre a natureza da prestação da actividade em causa.
O ónus da prova dos diversos elementos de facto integradores da subordinação jurídica e do contrato de trabalho incumbe ao trabalhador (art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil), estabelecendo, ainda, o art. 12º do CT o seguinte:
presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”
Como ensina Maria do Rosário Palma Ramalho in “Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 5ª ed., pág.55“(…) o tratamento desta matéria no actual Código do Trabalho apresenta três grandes diferenças em relação ao regime anterior: a primeira diferença tem a ver com o tipo de indícios de subordinação indicados pelo legislador, que são agora indícios em sentido próprio, porque não se confundem com os elementos essenciais do contrato de trabalho, antes apontam para tais elementos, designadamente para o elemento de subordinação do trabalhador; a segunda diferença tem a ver com a natureza do enunciado legal destes indícios, que passou a ser exemplificativa, bastando assim teoricamente que apenas dois desses indícios ocorram para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho; e a terceira diferença reporta-se às consequências da qualificação fraudulenta do vínculo de trabalho para o empregador, que são agora mais gravosas, dando um sinal claro do desvalor associado pelo legislador à qualificação fraudulenta do negócio laboral.”
Em sentido semelhante, nomeadamente admitindo que basta a verificação de dois dos indícios enumerados no n.º 1 do art. 12º do CT de 2009 para que se considere que o trabalhador beneficia da presunção de existência de contrato de trabalho, vejam-se António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Almedina, 2012, págs. 126-127), João Leal Amado (Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 4ª edição, 2014, Almedina pág. 89 a 92), Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Almedina, 2013, pág. 307) e, ainda que de forma mitigada, Bernardo da Gama Lobo Xavier (Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2014, pág. 366 e segs.).
Analisando o caso em apreço e destacando os factos assentes de forma a realçar a natureza do vínculo estabelecido entre as partes temos os seguintes factos:
«No cabeçalho da primeira folha desse contrato consta a designação de “contrato de prestação de serviços”.
No âmbito do referido contrato, sempre mediante instruções, orientações e decisões da R., nomeadamente pelos dirigentes do SCP e seu treinador, o Autor prestava as seguintes funções:
a)- cumpria integralmente em todos os programas de actividade que eram determinados pelo gabinete técnico e dirigentes, no qual se incluía tudo o que fosse determinado pelo treinador, nomeadamente os treinos, a convocação para os jogos oficiais como o campeonato nacional, taça de Portugal, competições internacionais e jogos particulares, com a determinação expressa dos dias e das horas de início e término da respectiva actividade;
b)- cumpria integralmente com todas as demais directrizes emanadas pelo R. …, que decidia quem se deslocava aos eventos participados ao Clube, no qual se incluíam acções de solidariedade, cumpria com tudo o que lhe era imposto a nível de logística;
c)- cumpria com todas as demais decisões relacionadas com a sua actividade.
O Autor, na equipa sénior de andebol, participou nos jogos referentes ao campeonato nacional da 1ª divisão, taça de Portugal, torneio Alto Minho, realizado em Setembro/2012 e o torneio da Nazaré no início/2012, e, ainda, diversos jogos particulares.
Para além das referidas funções, o Autor tinha também de cumprir outras obrigações impostas pelo Réu …, nomeadamente as seguintes:
a)- desempenhar as funções de jogador de andebol … com a máxima diligência, dedicação, empenho e zelo;
b)- comparecer sempre aos treinos, estágios, deslocações e jogos de andebol do …;
c)- participar em todos as competições nacionais e/ou internacionais em que a equipe esteja presente;
d)- exercer em exclusividade as funções de jogador de andebol no …, ficando expressamente vedada a sua inscrição noutra qualquer entidade;
e)- filiar-se no …, como sócio, e a manter essa qualidade durante a vigência do contrato;
f)- a observar, dentro e fora das instalações uma conduta social e desportiva empenhada e a todos os títulos exemplar, em defesa do bom nome, imagem e interesses do …;
g)- utilizar em exclusivo os equipamentos fornecidos pelo …;
h)- a permitir o uso de sua imagem com os referidos equipamentos sempre que para isso for solicitado pelo …, do qual previamente teve de dar autorização.
- Além do referido contrato, todas as regras e deveres impostos ao Autor constam no manual designado de “código de conduta” junto a fls. 43 a 56 no qual está previsto, além do mais, na respectiva introdução que: “ Destina-se o presente Código de Conduta a definir as relações entre os colaboradores e Clube…”.
- O Autor exerceu ininterruptamente as supra referidas funções, desde o dia 05/09/2012 até 31/07/2013.
- Durante a vigência do contrato de trabalho, o Autor cumpriu o horário de trabalho da seguinte forma:
a)- todo o horário de trabalho era determinado pelo Réu, através dos dirigentes desportivos e treinador, o qual era definido semanalmente;
a).1-)- O plano de trabalho determinado pelo Réu ao Autor traduzia-se normalmente pelo seguinte:
- Segunda-feira – das 17h00 às 19h00;
- Terça-feira – das 10h00 às 12h00 e das 17h00 às 19h00;
- Quarta-feira: das 17h00 às 19h00;
- Quinta-feira: das 10h00 às 12h00 e das 17h00 às 19h00.
- Sexta-feira: das 17h00 às 19h00.
-O dia de descanso concedido ao Autor era gozado no dia subsequente ao dia do jogo, sempre por determinação do Réu.
- Durante o horário de trabalho o Autor não se podia ausentar do pavilhão sem a autorização expressa do Réu.
- Através do contrato referido no nº 6 supra o Réu comprometeu-se a pagar ao Autor “a quantia anual ilíquida de € 24.200,00 (vinte e quatro mil e duzentos euros), a qual será paga em 11 prestações ilíquidas, mensais e sucessivas, no valor de € 2.200,00 (dois mil e duzentos euros) cada, a pagar nos meses de Setembro a Julho da respectiva época desportiva (…)”.
- O pagamento da remuneração ao Autor pelo Ré, foi feito com periodicidade mensal.
-Tal retribuição mensal foi efectivamente paga ao Autor até 31/07/2012, mediante transferência bancária.-
Todos os instrumentos de trabalho do Autor, tais como vestuário (à execção das sapatilhas que eram pertença do A.), mobiliário, medicamentos e todos os demais produtos relacionados com a preparação física do atleta e tratamentos, utilização dos espaços e transportes pertenciam, como pertencem, ao R., que os disponibilizava».
Sopesando toda esta factualidade e tendo presente que resultaram provadas as características que fazem presumir a existência de contrato de trabalho, designadamente provou-se que o autor estava integrado na equipa sénior de andebol do …, as suas funções foram sempre exercidas em espaços pertencentes ao réu; os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pelo autor no exercício das suas funções eram pertença da recorrente e o autor cumpria um horário de trabalho determinado pelo réu. Acresce dizer que também se provou que o autor recebia mensalmente uma quantia fixa como contrapartida pelos dos serviços prestados.
E por fim salientamos ainda que a factualidade apurada nos permitir concluir que o recorrido exerceu as suas funções de jogador de andebol servindo-se da estrutura e da organização de meios que o réu sempre lhe disponibilizou no que respeita à modalidade do andebol, na qual estava inserido, mas cujo controlo e titularidade lhe era alheio, já que desenvolvia a sua actividade através de ordens, instruções e orientações que lhe eram determinadas quer pelos dirigentes do SPC, quer pela equipa técnica, quer pelo seu treinador, que eram quem lhe definia o modo como, quando, onde e com que meios o autor a devia executar, estando ainda obrigado a observar um código de conduta com cariz de alguma forma disciplinar.
Não temos dúvidas em afirmar que o recorrido logrou provar factos que consubstanciam a presunção de laboralidade de que a relação jurídica beneficiava.
Tendo presente que a presunção legal pode ser ilidida por prova em contrário art. 344º do CC), pois trata-se de uma presunção juris tantum e tendo ainda em atenção que em face da constatação da existência de indícios, estes devem ser avaliados na sua globalidade, pois em face da actividade que se prossiga com maior ou menor autonomia e com maior ou menor grau de sujeição ao poder de direcção do beneficiário da actividade podem se tornar duvidosos, sendo nessas circunstâncias ilidida a presunção.
O certo é que no caso em apreço os indícios que poderiam apontar em sentido inverso só por si ou em conjunto não possuem a virtualidade de abalar a presunção suficientemente.
Ao invés quer no que respeita ao horário de trabalho, quer no que respeita à titularidade dos instrumentos de trabalho, quer no que respeita ao local da prestação, quer à assiduidade, bem como as contrapartida económicas com carácter periódico e regular, só podem significar, que não eram obtidas em função do resultado, tudo isto são circunstâncias típicas dos contratos de trabalho
Importa ainda salientar tal como se refere na sentença recorrida ”não obstante o tribunal não estar vinculado ao “ nomem juris” que as partes deram ao contrato, a R. também não logrou demonstrar que “aquando da assinatura do contrato referido no nº 6 supra, o conteúdo do mesmo tenha sido objecto de discussão e negociação com o A. e que este tenha celebrado o mesmo contrato de “ prestação de serviços” de livre e espontânea vontade.”
Tal como refere o Acórdão do STJ de 8/10/2008, in www.dgsi.pt “o que releva realmente não é a denominação escolhida pelas partes nem os termos em que foi redigido, mas sim os termos em que o mesmo foi executado”.
Na verdade o elemento literal dos contratos não vincula o intérprete se o desenvolvimento da actividade que se explicita nos factos assentes afastou o vínculo jurídico da prestação de serviços formalmente designada.
Por outro lado, ao contrário do afirmado pelo recorrente, o recorrido provou a subordinação jurídica, pois o código de conduta que estava obrigado a observar, mais não constitui que a expressão disciplinar para uma actividade que tem de ser desempenhada com rigor e exigência, tal implicando o cumprimento de diversas regras, encontrando-se além do mais o recorrido integrado da estrutura organizativa do recorrente, cumprindo as orientações emanadas quer dos dirigentes do …, quer da equipa técnico do andebol, quer o seu treinador (pontos 10 a 17 dos factos provados).
No mesmo sentido e em apreciação de situação equiparada se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 3-12-2014, proferido no proc. n.º 2923/10.0TTLSB.L1-4 (relator Ferreira Marques); no Acórdão da Relação do Porto de 8/01/2007, relator Ferreira da Costa, que podem ser consultados in www.dgsi.pt, deste último consta o seguinte sumário “Deve qualificar-se como contrato de trabalho e não como contrato de prestação de serviços, o contrato através do qual o autor se comprometeu a integrar a equipa de futebol da ré, utilizando os instrumentos de trabalho desta, cumprindo horário obedecendo à equipa técnica e a um regulamento interno e auferindo uma remuneração mensal.”
Deste modo não restam dúvidas que o recorrido demonstrou factos suficientes que nos permitem concluir que a relação contratual que vinculou ambas as partes, no período compreendido entre 5 de Setembro de 2012 e 31 de Julho de 2013, consubstancia uma relação de trabalho subordinada de natureza desportiva e tal como conclui o tribunal a quo “enquadrável no conceito definido no artº. 2º, alínea a), da Lei nº 28/98, de 26/06, alterada pela Lei nº 114/99, de 03/08 e que obedece a todos os formalismos impostos pela mesma lei e previstos no artº 3 da mesma Lei.”
Improcede assim nesta parte o recurso de apelação.
- Da cessação do contrato
Insurge a Recorrente relativamente ao facto de na sentença recorrida ter sido responsabilizada pela reparação dos danos causados em face do incumprimento do contrato, sem que o Autor tivesse alegado qualquer factualidade quanto a eventuais danos sofridos em virtude da cessação do contrato em causa, sendo certo que os factos dados como provados nos pontos 37 a 42 mais não espelham do que as contingências normais inerentes a qualquer cessação de contrato, não constituindo dano merecedor de reparação.
O contrato de trabalho desportivo é um contrato especial de trabalho, que se rege pelo regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, que resulta da citada Lei n.º 28/98, de 26 de Junho e a que só subsidiariamente se aplicam as regras que disciplinam o contrato de trabalho – e apenas na medida em que não sejam incompatíveis com a sua especificidade (art. 3.º da RJCTPD e art. 9º do CT/2009).
No que respeita à responsabilização das partes pela cessação do contrato de trabalho desportivo o artigo 27º do RJCTPD estabelece regras próprias, resultando assim do seu teor do seu n.º 1 que no caso de despedimento com justa causa promovido pela entidade empregadora desportiva ou de rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo, a parte der causa à cessação do contrato ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo de despedimento,
Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2010, proferido no proc. n.º 270/07.3TTOAZ.S1, relator Sousa Peixoto, disponível em www.dgsi.pt “No que toca à indemnização por rescisão, com justa causa, do contrato de trabalho desportivo, o art. 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98 consagra um regime jurídico diferente daquele que a lei prevê para os trabalhadores em geral, uma vez que, ao estipular que “a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato”, claramente nos remete para as disposições civilísticas, designadamente para o art. 562.º e seguintes do Código Civil, referentes à obrigação de indemnização.”
A indemnização é calculada nos termos do regime da responsabilidade civil previsto no Código Civil, isto é, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos - cfr. art. 566.º, n.º 2, do C.C. Reportando ao caso em apreço tal significa que o empregador deve colocar o praticante na situação em que este se encontraria se o contrato não tivesse sido incumprido, indemnizando pelo lucro cessante, ou seja pelos benefícios que o praticante deixou de receber em consequência da cessação ilícita do contrato, que no caso se traduzem na perda das retribuições relativas ao período compreendido entre a data da cessação do contrato e a data prevista para a sua caducidade.
Resulta das regras gerais sobre o ónus da prova - cfr. art. 342.º n.º1 do Cód. Civil – que ao autor competia alegar e provar os factos necessários de modo a demonstrar ter sofrido os danos que justifiquem o pedido de condenação do Réu no pagamento de quantia pecuniária por virtude do incumprimento do contrato de trabalho, emergente da rescisão sem justa causa do contrato de trabalho desportivo.
A questão que o recorrente coloca é a de saber se o autor alegou e provou os danos que terá sofrido por causa da rescisão do contrato.
Atentos os factos provados, designadamente os pontos 37 a 42 teremos de concluir não só que o autor alegou como também provou que o seu contrato de trabalho desportivo cessou de forma indevida e consequentemente deixou de receber retribuição acordada que deveria ser liquidada até ao final do contrato, como também não conseguiu providenciar atempadamente pela sua transferência para outro clube que lhe permitisse auferir um rendimento mensal, tendo-se sentido afectado, humilhado e vexado quer como pessoa e como profissional, tendo a cessação do contrato provocado preocupação, indignação e desgosto.
Com o incumprimento do contrato imputável ao recorrente o recorrido deixou de receber a contrapartida acordada pela prestação do seu trabalho, logrando assim provar que pelo menos sofreu um prejuízo de valor igual ao das retribuições que teria auferido do recorrente até ao termo do contrato.
Tal como se fez constar na sentença recorrida, que de forma clara e concisa abordou esta questão “Transposto o citado normativo (na interpretação que se deixou referida), tendo o A. optado pelo recebimento de uma indemnização em detrimento da reintegração e não havendo deduções a fazer, no quadro do n.º 3 do art.º 27º da Lei n.º 28/98, é de reconhecer ao A. o direito a haver as retribuições referentes ao período de 1 de Agosto de 2013 a 31 de Julho de 2014.”
Assim sendo improcedente se mostra o recurso nesta parte.
- Da retribuição
Insurge o Recorrente quanto ao facto do tribunal a quo ter considerado integrado no conceito de retribuição os pagamentos da renda de casa, defendendo que o mesmo se tratava de uma ajuda de custo, por o Autor estar deslocado da sua residência habitual.
A este propósito no tribunal a quo consignou o seguinte:
Prescreve o nº 1 do artº 14º da citada Lei nº 28/98, de 26/06 que: ”Compreendem-se na retribuição todas as prestações patrimoniais que, nos termos das regras aplicáveis ao contrato de trabalho, a entidade empregadora realize a favor do praticante desportivo pelo exercício da sua actividade ou com fundamento nos resultados nela obtidos”.
Prescreve o artº 258º do C. do Trabalho que «considera-se retribuição a prestação que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), que «[a] retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2), que se presume «constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador» (n.º 3) .
Por sua vez, prescreve o nº 1 do artº 259º do C. do Trabalho que: “ A prestação retributiva não pecuniária deve destinar-se à satisfação de necessidades pessoais do trabalhador ou da sua família e não lhe poder ser atribuído valor superior ao corrente na região.”
Da análise dos normativos em apreciação é forçoso concluir que o alegado benefício de utilização pelo A. de uma habitação, cuja renda mensal de € 900,00 era suportada pelo R. integra os citados pressupostos da retribuição em espécie, uma vez que se destinava à satisfação de necessidades pessoais do A. (garantir o seu alojamento enquanto estava deslocado da sua residência habitual para o exercício das suas funções ao serviço do R.) e revestia as características de regularidade e periodicidade. Nestes termos, a retribuição do A. a atender para efeitos de cálculo da citada indemnização é de € 2425,00 [€ 2200,00 + € 225,00 (€900,00: 4)], anotando-se que o A. não logrou provar, como lhe competia (cfr. artº 342º, nº 1 do C. Civil), qual o valor das despesas suportadas pelo R. a título de manutenção dessa habitação.”
Importa assim averiguar tendo presente os citados normativos legais se o alojamento disponibilizado pelo Réu ao Autor se tratava de uma contrapartida pelo trabalho prestado revestindo por isso natureza retributiva.
Para se apurar se a utilização da casa atribuída ao trabalhador pelo empregador tem ou não natureza retributiva, constitui ou não retribuição, importa analisar os factos provados a fim de se aferir se o empregador ficou vinculado a efectuar essa prestação ou se a referida atribuição configura um acto de mera tolerância.
Ora, no caso em apreço apurou-se que de forma verbal ficou acordado, desde o início do contrato que o Autor iria utilizar uma habitação que era partilhada com mais três colegas, cuja renda era suportada pelo recorrente, bem como todas as despesas com ela relacionada, tais como despesas com água, luz, gás etc, já que o recorrido sempre teve residência habitual em Guimarães.
Perante a matéria de facto provada, impõe-se concluir que a atribuição de habitação ao autor assume natureza retributiva, uma vez que o empregador, ao proporcionar ao praticante desportista, o direito de utilização de habitação ficou vinculado a efectuar, com carácter de obrigatoriedade, essa prestação.
Assim, atribuição de habitação ao autor representou para ele uma manifesta vantagem de natureza económica (correspondente ao valor que ele despenderia caso tivesse que encontrar alojamento, já que não tinha residência em Lisboa), tinha natureza regular e periódica, uma vez que lhe foi proporcionado durante todo o tempo de vigência do contrato, destinando-se sem margem para dúvida a satisfazer as necessidades pessoais do trabalhador, respeitantes ao seu alojamento
Entendemos assim que tal prestação é de considerar contrapartida pelo trabalho prestado, revestindo a natureza de retribuição tal como resulta dos pontos 21 a 25 dos factos provados.
Revestindo a atribuição de alojamento uma prestação em espécie, regular e periódica, a que o Réu se vinculou, com um valor patrimonial correspondente à renda que o Réu pagava e demais encargos na respectiva proporção, uma vez que a casa era partilhada com outros colegas do Autor, tem de presumir-se que a mesma faz parte integrante da retribuição (cfr. art.º 258º, n.º 3 do CT de 2009), já que o recorrente não conseguiu ilidir tal presunção, ou seja, não conseguiu provar, nomeadamente, que tal prestação não era obrigatória, que se tratava de uma mera liberalidade ou de um ato de mera tolerância da sua parte.
Fácil é assim de concluir, que a utilização de habitação proporcionada pelo Recorrente ao Recorrido, cuja renda e demais encargos com a sua manutenção era suportada pelo primeiro, tem natureza de prestação em espécie regular e periódica, sendo de considerar parte integrante da retribuição do autor, nos termos no artigo 258º do CT.
Improcede assim a conclusão n.º 4 do recurso de apelação.
- Dos proporcionais e dos subsídios de férias e de Natal
Defende o Recorrente que atenta a total ausência de prova, pelo A. das quantias anuais globais liquidadas por época desportiva acordadas entre as partes não incluíam o pagamento dos subsídios de férias e de natal, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 236º e 342º n.º 1 do Código Civil, pois o entendimento deveria ter sido, de que estava tudo incluído no valor fixado, o que é corroborado pelo facto dado como provado de que o autor nunca reclamou o pagamento de qualquer subsídio de férias ou de Natal.
Mais acrescenta que os cálculos efectuados pelo tribunal a quo estão errados, pois a retribuição global deveria ter sido repartida por 12 e não por 11, não percebendo como é que o Tribunal alcançou o valor global de €33.725,00, referente à indemnização devida ao Autor.
Na verdade, não decorre nem do contrato escrito celebrado entre as partes, nem dos factos provados que tenha sido convencionado entre Autor e Réu o pagamento de qualquer quantia a título de subsídios de Natal e de férias.
Dos factos provados com relevo para apreciação desta questão resulta o seguinte:
- Através do contrato referido no nº 6 supra o Réu comprometeu-se a pagar ao Autor “a quantia anual ilíquida de € 24.200,00 (vinte e quatro mil e duzentos euros), a qual será paga em 11 prestações ilíquidas, mensais e sucessivas, no valor de € 2.200,00 (dois mil e duzentos euros) cada, a pagar nos meses de Setembro a Julho da respectiva época desportiva (…) ”.
- O pagamento da remuneração ao Autor pelo Ré, foi feito com periodicidade mensal.
- Tal retribuição mensal foi efectivamente paga ao Autor até 31/07/2012, mediante transferência bancária.
- Foi igualmente acordado entre o Réu e o Autor, de forma verbal, no dia 05/09/2012, a utilização pelo Autor da habitação, tipologia T3, o qual incluía cozinha e casa de banho, sita em Lisboa.
-A referida habitação era partilhada pelo Autor com mais três atletas de andebol do SCP.
- Era o R. que suportava o pagamento da renda mensal da referida habitação, que ascendia a € 900,00/mês;
- O A. não gozou as férias vencidas em 2013.
-No dia 2/09/2013 o Réu decidiu unilateralmente transferir para o Autor o montante de €3.800,00
- O R. não pagou ao A. qualquer outra quantia a título de subsídio de férias vencido em 2013, a título de subsídio de Natal proporcional ao trabalho prestado no ano de 2012 e a título de férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano de 2013.
- O A. durante a execução do contrato referido supra nunca reclamou o pagamento de qualquer subsídio de Natal ou de férias.
Em conformidade com o previsto no art. 3º e 16º n.º 1 do RJCTPD, que se limita a prever que “o praticante desportivo tem direito (...) ao gozo do período de férias previsto na lei, sem prejuízo de disposições mais favoráveis constantes da convenção colectiva de trabalho”, quer à disciplina das férias, quer do subsídio de férias é aplicável ao praticante desportista o regime geral previsto no Código do Trabalho, já que relativamente a elas não há particularidades relevantes.
O direito a férias retribuídas em cada ano é consagrado no n.º1, do art.º 237.º do CT, estabelecendo os n.ºs 1 e 2, do art.º 267.º do CT, a disciplina relativa ao montante da retribuição e ao direito ao subsídio de férias, deles decorrendo que a retribuição de férias não pode ser inferior à que receberia se estivessem ao serviço e que compreende “(...) a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho correspondentes à duração mínima das férias”, tendo ainda direito a um subsídio de igual montante.
Assume ainda relevância a al. b) do n.º1 do art.º 245º do CT, do qual resulta que cessado o contrato de trabalho o trabalhador tem direito a receber a retribuição e respectivo subsídio “Proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação”.
No que respeita ao direito ao subsídio de Natal, percorrendo o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo também não se encontra qualquer norma a este propósito, o que tem de ser entendido que subsidiariamente são aplicáveis as normas do contrato de trabalho.
No artigo 263º n.ºs 1 e 2 do CT está consagrado o direito dos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho trabalhadores “a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser paga até 15 de Dezembro de cada ano”, bem como o direito ao valor proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil, no ano de admissão do trabalhador e no ano da cessação do contrato de trabalho.
Neste quadro, podemos concluir que ao autor assistia, quer o direito ao subsídio de natal, quer o direito ao subsídio de férias, decorrendo estes da lei aplicável subsidiariamente, tal como resulta da posição assumida pelo tribunal a quo, sendo certo que tendo sido acordado entre as partes apenas um montante global de prestação a liquidar pelo Réu ao Autor, em 11 duodécimos é manifesto que o Réu não logrou provar que em tal montante estivesse incluído o pagamento do subsídio de férias e de natal, sendo certo que o ónus da prova relativo ao pagamento de tais subsídios ao Réu incumbia – cfr. art.º 342º n.º 2 do Código Civil.
Ao contrário do defendido pelo Réu, o facto de o Autor não ter durante a pendência do contrato reclamado o pagamento de qualquer subsídio, de forma alguma nos permite concluir que não o fez, porque tais montantes já estavam incluídos no valor da retribuição global acordada.
Se por um lado, da análise do contrato celebrado entre as partes não resulta que a remuneração acordada inclua os quantitativos referentes a férias, subsídios de férias e de natal, por outro lado, o réu ao pretender celebrar, com um autor um contrato que apelidou de “prestação de serviços” e não resultando deste tipo de contrato nem o gozo de férias pagas, nem o pagamento dos subsídios de férias e de natal, como é de conhecimento geral, tudo nos conduz à conclusão que a interpretação consentânea com a vontade das partes aquando da celebração do contrato, no que respeita às cláusulas respeitantes à retribuição atribuída ao autor é que a mesma não incluía nem férias pagas, nem subsídio de férias, nem de natal, pois seria liquidada em 11 duodécimos, correspondentes à época desportiva, neles não se incluindo mês de férias, nem os respetivos subsídios, por na perspetiva do réu, não serem sequer devidos, ao pretender vincular o autor à celebração de uma contrato de prestação de serviços.
Em face do exposto e à luz das disposições legais, aplicáveis subsidiariamente, conclui-se que ao A. assistia o direito a férias subsídio de férias de Natal, na proporção do trabalho prestado, quer no ano do início do contrato, quer no ano da sua cessação, improcede assim nesta parte o recurso de apelação, não havendo fundamento para alterar a sentença recorrida.
No que respeita aos cálculos efectuados pelo tribunal a quo relativamente ao valor da indemnização devida ao autor em consequência da cessação do contrato da iniciativa do empregador, teremos de dizer que a mesma se revela de correta e percetível como passamos a demonstrar.
Dispõe o art. 27º n.º 1 do RJCTPD que tendo a cessação do contrato sido promovida indevidamente a parte que lhe der é responsável pelos danos causados não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato tivesse cessado no seu termo.
Na verdade, tendo presente que o Réu fez cessar o contrato celebrado com o autor no dia 31-07-2013, ou seja no final da primeira época desportiva, sendo certo que o seu termo só ocorreria no final da 2ª época desportiva, o que se verificaria no final de julho de 2014, o tribunal a quo tendo presente o facto de ter sido liquidada ao Autor a retribuição base mensal correspondente a €2.200,00, acrescida de pelo menos da importância liquidada pelo réu a título de renda de casa, a que se fez corresponder o valor de €225,00 = (€900,00 (renda):4), pois o autor repartia a casa com mais três colegas, considerou para efeitos de cálculo de indemnização a retribuição mensal correspondente a €2.225,00.
Assim, caso o contrato tivesse cessado apenas no seu termo seriam devidas ao autor as remunerações correspondentes a 11 meses de trabalho (2ª época desportiva), acrescidos do correspondente mês de férias, do subsídio de férias e de natal ou seja o correspondente a €33.725,00 assim calculados (€2.200,00 + €225,00) x 13 (11 meses de contrato, acrescido do mês de férias e respectivo subsídio) + €2.200,00 (subsídio de natal).
Entendemos tal como foi entendido pelo tribunal a quo ser este o montante que o autor deixou de receber em face da cessação do contrato indevidamente promovida pelo Réu, sendo por isso esse o montante indemnizatório devido ao Autor, não merecendo assim acolhimento a argumentação do Réu.
Dos juros de mora
Por fim no que respeita à questão dos juros de mora a considerar e tendo presente que o tribunal a quo condenou o réu no pagamento da quantia global de €37.679,19, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde o dia 31 de Julho de 2013 (data da cessação do contrato) até efectivo e integral pagamento, incumbe-nos desde já dizer que se nos afigura assistir parcial razão ao recorrente ao defender que os juros apenas devem ser contabilizados desde a citação do Réu para os termos da presente acção.
Cessando o contrato de trabalho desportivo indevidamente por iniciativa do empregador, o crédito reconhecido ao Autor é um crédito a indemnização, acrescido no caso, das concretas remunerações ou parcelas remuneratórias, que se venceram em face da cessão do contrato, tendo por isso prazo certo.
Por um lado, o que está em causa é o reconhecimento ao autor de um crédito a indemnização e por outro lado as concretas remunerações ou parcelas remuneratórias com vencimento em prazo certo, em face da cessação do contrato de trabalho.
De facto, a mora do devedor materializa-se num atraso àquele imputável no cumprimento da prestação e de acordo com o disposto no artigo 804.º, n.º 1, do Código Civil, constitui-o na obrigação de reparar os danos causados ao credor. Aquele considerar-se-á constituído em mora, por causa que lhe seja imputável, ou seja, quando a prestação ainda possível não foi efectuada no tempo devido.
Tratando-se de obrigações pecuniárias, como é o caso dos autos, a indemnização corresponde aos juros, a contar do dia da constituição em mora, conforme prevê o artigo 806.º, n.º 1, do CC. Os juros devidos são os legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes tiverem estipulado um juro moratório diferente do legal.
Os juros de mora são, pois, devidos no caso do retardamento culposo por parte do devedor, sendo todavia necessário, para que este se verifique, que a dívida seja certa, líquida e exigível, preconizando o nº1 do art. 805º, do CC. que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido interpelado judicial ou extrajudicialmente para cumprir. Havendo porém mora do devedor, independentemente de interpelação quando a obrigação provier de facto ilícito, ou se tiver prazo certo (art. 805.º n.º2 do CC). Acrescentando o n.º 3 que, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto o crédito não se tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor, e, tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora.
Assim relativamente à quantia devida a título de créditos salariais vencidos com a cessação do contato de trabalho considerarmos que por estarmos em presença de uma obrigação com prazo certo, o Réu constituiu-se em mora com a cessação do contrato, sendo por isso os juros devidos desde a data da cessação do contrato o seja desde 31/07/2013, mantendo-se assim nesta parte a sentença recorrido no que respeita à condenação em juros referente à quantia de €3.954,10 (€7.254,19 (créditos salariais - €3.300,00 (montante liquidado pelo réu depois da cessação do contrato).
No que respeita à condenação em juros referentes à mora no pagamento da indemnização no montante de €33.725,00, por se tratar de responsabilidade por facto ilícito e não sendo a obrigação de considerar ilíquida nem de prazo certo, a mora do devedor deve considerar-se verificada a partir da interpelação judicial para cumprir, nos termos do disposto no artigo 805º nº 1 do Código Civil, ou seja, a partir da citação do réu em 3-10-2013 (v. fls. 70), procedendo assim neste ponto e parcialmente o recurso de apelação, devendo a sentença ser alterada em conformidade.
V – DECISÃO
Termos em que se acorda em conceder apenas parcial provimento ao recurso de apelação do Réu quanto ao momento de constituição da obrigação de pagamento de juros de mora, no que respeita à indemnização fixada, condenando-se o Réu AA… DE PORTUGAL a pagar ao Autor BB… a esse título a quantia de €33.725,00, acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 4% ao ano, a contar da data da citação e a pagar a título de créditos salariais vencidos a quantia de €3.954,10, acrescida de juros moratórios, à taxa 4% ao ano, a contar da data da cessação do contrato até efectivo e integral pagamento.
Custas a cargo do Réu.
Guimarães, 1 de Junho de 2017

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Eduardo Azevedo

Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.
I - Deve qualificar-se como contrato de trabalho e não como contrato de prestação de serviços, o contrato através do qual o autor se comprometeu a integrar a equipa de andebol do réu, utilizando os instrumentos e equipamentos de trabalho fornecidos pelo réu, cumprindo um horário de trabalho estabelecido pelo réu, cumprindo as orientações emanadas do treinador, da equipa técnica e dos dirigentes do réu, obedecendo a um código de conduta, recebendo em contrapartida uma remuneração mensal.
II - O contrato de trabalho do praticante desportivo constitui uma espécie própria de vínculo laboral, cujo regime normativo está regulado pela Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, que estabelece as especificidades da relação jurídica estabelecida entre autor e réu.
III - Nesse quadro, verificando-se da iniciativa do empregador a resolução sem justa causa do contrato de trabalho, o trabalhador/praticante tem direito a uma indemnização pelos danos causados, não podendo esta exceder o valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo – cfr. artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho.
IV - A utilização de habitação a que o réu se vinculou a proporcionar ao autor, cuja renda e demais encargos com a sua manutenção era suportada pelo primeiro, tem natureza de prestação em espécie regular e periódica sendo de considerar parte integrante da retribuição do autor, nos termos no artigo 258º do CT.
V – Nas concretas remunerações ou parcelas remuneratórias vencidas com a cessação do contrato (em prazo certo), a mora do devedor deve considerar-se verificada com o seu vencimento, no crédito indemnizatório que o trabalhador adquira decorrente da cessação ilícita do seu contrato, a mora do devedor deve considerar-se verificada a partir da interpelação judicial, nos termos previstos no art. 805º n.º 1 do CC.

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Vera Sottomayor