Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
173/10.4TBTMC-D.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
DECISÃO PROVISÓRIA
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- As providências cautelares não constituem um fim em si mesmas, mas antes um meio para se acautelar um determinado efeito jurídico.
II- A instrumentalidade das providências cautelares traduz-se na inidoneidade de se transformarem numa tutela definitiva, porquanto se destinam a ser absorvidas pelo juízo de mérito que vier a resultar do processo de declaração plena.
III- O julgamento expresso na providência cautelar não tem a natureza de um julgamento condicional sendo, antes, um julgamento a termo, um julgamento que nasce já com duração necessariamente limitada no tempo, pela sua própria índole e função, o ato ou a providência cautelar forma-se para durar unicamente enquanto não existir a decisão final.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) Nos autos de execução que C. F. e M. P. moveram contra M. A. e M. M., onde se alega que, por decisão transitada em julgado, proferida na providência cautelar nº 131/10.9TBTMC, os executados foram condenados na sanção pecuniária compulsória de €100,00 diários, por cada dia de incumprimento da decisão que lhes impunha a demolição do muro na extensão necessária para a reposição do telhado e cornija do prédio dos requerentes de forma a permitir o escoamento das águas pluviais, uma vez que requeridos apenas demoliram parcialmente o muro, impedindo a reposição da cornija do telhado, incumprindo a decisão judicial.
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A Srª Agente de Execução suscitou a questão do valor diário da sanção pecuniária compulsória, tendo sido proferido o despacho de fls. 47 e segs., onde se refere que melhor compulsados os autos, pode constatar-se que em face da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães proferida nos autos principais, a qual condenou os réus/aqui executados numa sanção pecuniária compulsória no valor de €50,00 e não de €100,00 como decidiu o procedimento cautelar, suscitou dúvidas acerca do valor devido a título de sanção pecuniária compulsória, isto é, se deveria considerar o valor de €100,00 diários ou o valor de €50,00.
E entende aquela decisão que “tendo sido, in casu, o procedimento cautelar dependente da ação principal - cfr. artigo 364º, nº 1, do Código de Processo Civil - e não tendo sido requerida a inversão do contencioso, perante a decisão proferida na ação principal, transitada em julgado, impunha-se que fosse julgada extinta a presente execução quanto ao pagamento da sanção pecuniária compulsória tal como foi decidido em sede cautelar”, pelo que determinou que se notificassem exequentes, executados e a Srª Agente de Execução para, querendo, no prazo de 10 dias, se pronunciarem sobre a possibilidade de o Tribunal determinar a extinção da presente execução comum por inexistência de título executivo que a legitime.
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Os executados M. A. e M. M. vieram pronunciar-se nos termos do seu requerimento de fls. 52 e seguintes onde entendem que a intenção manifestada no despacho judicial de determinar a extinção da presente execução é a mais correta e de elementar justiça, não só por inexistência de título executivo que a legitime, como ainda por nunca ter existido incumprimento por parte dos executados, conforme decisão judicial há muito transitada em julgado.
Por sua vez a exequente M. P. pronunciou-se nos termos do seu requerimento de fls. 56 e seguintes onde entende que deve a presente execução prosseguir para executar a sanção compulsória determinada por decisão de procedimento cautelar, sob pena de considerar-se inútil a providência cautelar, permitindo o incumprimento dos réus/executados.
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B) Foi proferido o despacho de fls. 61 e seguintes, do seguinte teor:

“Na sequência do despacho datado de 17.09.2020 [referência 22857485] foram as partes e a Srª Agente de Execução notificadas para querendo, se pronunciarem acerca da eventual falta de título executivo subjacente aos presentes autos de ação executiva comum.
Os executados M. A. e M. M., por requerimento apresentado em 01.10.2020 [referência Citius 1645879] pronunciaram-se no sentido de ser declarada extinta a presente execução, por falta de título de executivo e ainda por nunca ter existido incumprimento por parte dos executados, conforme decisão judicial há muito transitada em julgado.
Por sua vez, a exequente M. P., em requerimento junto aos autos a 01.10.2020 [referência 1646180] refere, brevitatis causa, que não pode a presente execução ser declarada extinta por constituir violação de caso julgado e, além do mais, constituir um benefício para os executados, que prolongaram o seu incumprimento por um prazo superior a 10 anos.
A Srª Agente de Execução e o exequente nada disseram.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos presentes autos de ação executiva comum, em que são exequentes C. F. e M. P. e executados M. A. e M. M., veio a Srª Agente de Execução, através do requerimento com a ref.ª 1596226, de 30.06.2020, vem informar “que o titulo executivo, é de decisão do providência cautelar com o nº 131/10.9TBTMC, conforme é referido no requerimento executivo que “Por decisão já transitada em julgado, providência cautelar nº 131/10.9TBTMC que correu termos no Tribunal Judicial de Torre de Moncorvo, foram condenados os requeridos à sanção Pecuniária Compulsória de €100,00 (cem) euros diários por cada dia de incumprimento da decisão que lhes impunha a demolição do muro na extensão necessária para a reposição do telhado e cornija do prédio dos requerentes de forma a permitir o escoamento das águas pluviais. Acontece que os requeridos demoliram apenas parcialmente o muro, impedindo a reposição da cornija e parte do telhado, incumprindo assim com a decisão que lhe foi doutamente imposta pelo Tribunal Judicial de Torre de Moncorvo. Nestes termos, atento o incumprimento, é devido aos aqui requerentes o valor a título de sanção pecuniária compulsória, no valor de €100,00 (cem) euros diários desde a notificação da decisão cautelar aos requeridos até à presente data, sem prescindir dos valores a calcular até cabal cumprimento da decisão. A dívida provém de um título executivo que é a sentença, sendo a quantia certa, líquida e exigível. Acerca da suficiência do título existe já decisão constante do processo nº 173/10.4TBTMC- Apenso E.”
Porém, melhor compulsados os autos, pode constatar-se que a Srª Agente de Execução, em face da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães proferida nos autos principais, a qual condenou os réus/aqui executados numa sanção pecuniária compulsória no valor de €50,00 e não de €100,00 como decidiu o procedimento cautelar, suscitou dúvidas acerca do valor devido a título de sanção pecuniária compulsória, isto é, se deveria considerar o valor de €100,00 diários ou o valor de €50,00 – requerimento de 12.11.2019 referência 1468003.
Sobre este requerimento da Srª Agente de Execução recaiu o despacho judicial datado de 21.11.2019 [referência 22280105], no qual é referido que o título que serviu à presente execução é a sentença proferida no âmbito do procedimento cautelar e deverá ser essa a levar em consideração para os efeitos da ação executiva.
Não obstante, atente-se no seguinte.
É axiomático que decisões finais em procedimentos cautelares, como a que está aqui em causa, enquanto espécie de título executivo, como se prevê no artigo 703º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, devem ser consideradas como sentenças condenatórias, ou equiparadas a estas, se forem tidas como despachos ou decisões de autoridades judiciais que condenem no cumprimento duma obrigação, como se consigna no artigo 705º, nº 1, daquele diploma legal.
Subscrevemos na íntegra os ensinamentos tanto de Amâncio Ferreira e Abrantes Geraldes quando referem o seguinte: “proferida e notificada a decisão cautelar de que resulte para o requerido uma verdadeira obrigação de pagamento de quantia certa, de entrega de coisa certa ou de prestação de facto positivo ou negativo, cabe ao requerente o ónus de impulsionar o seu cumprimento coercivo, Independentemente da qualificação jurídico-processual da decisão cautelar como sentença ou como despacho, trata-se de uma verdadeira decisão judicial que, por isso, goza da garantia da coercibilidade e da executoriedade, nos termos normais;
Não encontramos justificação alguma para uma interpretação restritiva do art. 48º, de modo a excluir dessa norma as decisões que, no âmbito de procedimentos cautelares, fixem obrigações de dare ou de facere.
Contra isto não vale argumentar com a natureza provisória das decisões cautelares. A provisoriedade não é sinónimo de inexequibilidade, como meridianamente resulta do art. 391º. Pelo contrário, a exequibilidade das decisões cautelares que imponham imediatamente um dever de agir é condição fundamental para a sua eficácia” (Apud Acórdão do Tribunal da Relação de 3050/11.8TBCSC-B.L1-2, de 10.01.2013, disponível www.dgsi.pt).
Não obstante a assertividade e inteira correção das afirmações volvidas, é necessário atentar na específica natureza das providências cautelares, as quais detêm carácter provisório, e a respetiva repercussão da decisão proferida na ação principal - da qual aquelas estão dependentes – no seio da ação executiva.
Neste contexto, e revertendo ao caso dos autos, coloca-se a questão de saber se a demanda executiva, cujo título exequendo consubstancia a decisão proferida nos autos apensos de providência cautelar onde, além do mais, os executados foram condenados a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, o valor de €100,00 por cada dia de não cumprimento do decidido, poderá/deverá este segmento da pretensão reclamada, mesmo assim, ser tida em consideração quando, na ação principal, a que foi apensa a dita providência cautelar, foi proferida sentença, já transitada em julgado, que condenou os executados no pagamento de €50,00 por cada dia de atraso no cumprimento.
Vejamos.
Novamente, deixa-se aqui sublinhado que toda a execução tem por base um título que determina o fim e os limites da ação executiva, o qual, no caso concreto, tem por base o dispositivo da respetiva decisão, transitada em julgado, proferida nos autos de providência cautelar não especificada que correu termos no apenso A, a qual os exequentes vieram a executar em 11 de novembro de 2011, reclamando a quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, no valor de €100,00 diários por cada dia que os réus/executados não cumprissem o facto a que foram condenados a praticar.
Pese embora não se discuta o reconhecimento, inequívoco, da verificação de título executivo para reclamar, dos executados, o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória fixada, nos termos dos artigos 703º, e seguintes do Código de Processo Civil, torna-se necessário, porém, relembrar que o título dado à execução constitui uma decisão proferida nos autos de providência cautelar.
Posto isto torna-se imprescindível ter em consideração a natureza própria os procedimentos cautelares e a sua relação com a ação principal, nos casos em que não está em causa a inversão do contencioso, como é o caso dos autos, convocando, para o efeito, as normas de direito adjetivo civil que estatuem a propósito.
De acordo com o artigo 364º, nº 1, do Código de Processo Civil, “exceto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva”, acrescentando o nº 2 que “requerido antes de proposta a ação, é o procedimento apensado aos autos desta, logo que a ação seja instaurada e se a ação vier a correr noutro tribunal, para aí é remetido o apenso, ficando o juiz da ação com exclusiva competência para os termos subsequentes à remessa.”
Como salienta Alberto dos Reis, “a providência cautelar não é um fim, mas um meio, sendo posta ao serviço de uma outra providência que há-de definir em termos definitivos a relação jurídica litigiosa – daí a providência ter carácter provisório” (Alberto dos Reis, José in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1993, pp. 623 e seguintes).
A providência cautelar tem feição provisória ou interina, suprindo temporariamente a falta da providência final. Pela sua própria natureza e pelas condições em que é decretada, a providência cautelar tem uma vida necessariamente limitada: só dura enquanto não é proferida a decisão final.
Logo que se forma a decisão definitiva, a providência cautelar, porque é provisória, caduca automaticamente, perde, ex se ou ipso jure, a sua eficácia, a sua vitalidade. Pela sua própria índole e função, o ato ou a providência cautelar forma-se para durar unicamente enquanto não existir a decisão final. Emitida esta com carácter definitivo, a providência cautelar cai forçosamente, quer a providência definitiva negue, quer reconheça, o direito do requerente (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. nº 661/08.2YYLSB-B.L1-2, de 05.11.2009, disponível em www.dgsi.pt).
Destarte, os procedimentos cautelares, em vez de exigirem a prova do direito, contentar-se-ão com a probabilidade séria da existência do mesmo, a par de que também quanto ao perigo de dano que a providência se propõe evitar, não deverá o juiz exigir uma prova cabal, bastando que o requerente mostre ser suficientemente fundado o receio de lesão do direito invocado.
Em face do carácter marcadamente instrumental dos procedimentos cautelares face à ação principal de que dependem os efeitos de qualquer providência, decorrentes do respetivo dispositivo, estão dependentes do resultado que for ou vier a ser conseguido na ação definitiva, podendo caducar, acaso a ação principal julgue improcedente qualquer direito, provisoriamente reconhecido no procedimento cautelar.
“Os procedimentos cautelares foram criados para servir o fim das respetivas ações principais, determinando estas, acentuamos, a caducidade daqueles, nomeadamente, se a ação vier a ser julgada improcedente, importando, assim, a caducidade retroativa da decisão provisória vertida nos autos cautelares, tornando-a inútil, o que, de resto, decorre e está compaginado com o direito adjetivo civil quando estatui sobre os efeitos da sentença, concretamente o valor da sentença transitada em julgado, consagrando que se o réu tiver sido condenado a satisfazer outras prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua duração, pode a sentença ser alterada desde que se modifiquem as circunstâncias que determinaram a condenação - art.º 619º nº 2 do Código de Processo Civil” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proc. nº 47/14.0T8MNC-D.G1.S1, de 21.02.2019, disponível em www.dgsi.pt).
Em jeito de súmula, a conclusão a que chegamos é a seguinte: tendo sido, in casu, o procedimento cautelar dependente da ação principal - cfr. artigo 364º, nº 1, do Código de Processo Civil - e não tendo sido requerida a inversão do contencioso, perante a decisão proferida na ação principal, transitada em julgado, impunha-se que fosse julgada extinta a presente execução quanto ao pagamento da sanção pecuniária compulsória tal como foi decidido em sede cautelar.
Na verdade, tendo-se demonstrado que na ação principal foi consignado no respetivo dispositivo [mantido em Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 18.02.2016], em cujo segmento identificado como alínea c), se fixa a sanção pecuniária compulsória no valor de €50,00, por cada dia de atraso no cumprimento da prestação de facto, após a notificação da sentença, a execução que corre termos nos presentes autos deixou de ter título que a legitime a partir do momento em que a ação principal compôs, definitivamente, o litígio, pois a sentença proferida nos autos principais impõe-se à decisão proferida em sede cautelar, marcada pelo carácter provisório, instrumental e dependente daquela.
Por outras palavras, a sanção compulsória por mora no cumprimento das obrigações de prestação de facto fixada na ação cautelar caducou, deixou de ser exigível e de ser título executivo pelo facto de a sentença posterior proferida na ação principal não ter, também, decretado o mesmo montante, a título de sanção pecuniária compulsória, para compelir os réus/executados ao cumprimento das mesmas obrigações de prestação de facto em que vinham condenados desde o procedimento cautelar e em que também os condenou na ação principal.
Em face de tudo o que se deixa exposto e ao abrigo do disposto no artigo 849º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Civil declara-se extinta a presente ação executiva.
Registe e notifique nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 849º, nº 2, do Código de Processo Civil.”
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C) Inconformada com aquela decisão, veio a exequente M. P. interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 82).
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Nas alegações de recurso da apelante M. P. são formuladas as seguintes conclusões:

A) Nos autos do procedimento cautelar foi proferida sentença que condenou ”os requeridos a demolirem 40 cm de altura do muro apenas na extensão necessária à reposição do telhado e cornija, por forma permitir o escoamento das águas pluviais” e “a pagarem uma sanção pecuniária compulsória não inferior a €100,00 por cada dia de incumprimentos da presente decisão”. Não tendo a decisão sido cumprida foi instaurada a presente execução em 2010, exigindo-se, também, o pagamento da quantia ora exequenda.
B) Mediante douto despacho/sentença datado de 12 de outubro de 2020, o Tribunal a quo decidiu que “Em face de tudo o que se deixa exposto e ao abrigo do disposto no artigo 849º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Civil declara-se extinta a presente ação executiva.”
C) Tal decisão é profundamente injusta, errónea, sendo contrária quer aos princípios de intangibilidade de caso julgado bem como da proteção da confiança, da segurança jurídica, boa-fé e transparência decisória bem como à própria aplicação das leis nos tempo e esgotamento de poder jurisdicional, violando o primado do respeito pelas decisões judiciais transitadas em julgado.
D) A decisão proferida abre a porta a que as decisões judiciais proferidas em sede de providências cautelares deixem de ser respeitadas e observadas, passando a valer zero sempre e quando não sejam confirmadas nos seus precisos termos na ação principal.
E) Importa expor que tal douta sentença se mostra proferida em sede de processo atinente à execução, que não relativo a embargos de executado ou oposição a execução e penhora, os quais já correm seus termos nos apensos E, I e J, apenas se mantendo ativo este último, já tendo os outros dois transitado em julgado com negação de pretensão dos executados e confirmação da justeza e validade da execução.
F) Sobre a apreciação da validade e subsistência de título executivo já tinham recaído anteriores decisões, do próprio Tribunal a quo, a atestar a identificação do título e consequentemente a sua validade, cf. despacho de 21 de novembro de 2019, o qual se mostra transitado em julgado, nos seguintes termos: “Sobre este requerimento da Srª Agente de Execução recaiu o despacho judicial datado de 21.11.2019 [referência 22280105], no qual é referido que o título que serviu à presente execução é a sentença proferida no âmbito do procedimento cautelar e deverá ser essa a levar em consideração para os efeitos da ação executiva.”
G) A decisão ora recorrida tem na sua génese a suscitação e dúvidas por parte da Srª agente de execução, nos termos que o Tribunal refere a fls. 2: “Porém, melhor compulsados os autos, pode constatar-se que a Srª Agente de Execução, em face da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães proferida nos autos principais, a qual condenou os réus/aqui executados numa sanção pecuniária compulsória no valor de €50,00 e não de €100,00 como decidiu o procedimento cautelar, suscitou dúvidas acerca do valor devido a título de sanção pecuniária compulsória, isto é, se deveria considerar o valor de €100,00 diários ou o valor de €50,00 – requerimento de 12.11.2019 referência 1468003.”
H) O enquadramento da questão aparece antes, a folhas 1 infra e 2 supra, nos seguintes termos: “Nos presentes autos de ação executiva comum, em que são exequentes C. F. e M. P. e executados M. A. e M. M., veio a Sr.ª Agente de Execução, através do requerimento com a refª 1596226, de 30.06.2020, vem informar “que o titulo executivo, é de decisão da providência cautelar com o nº 131/10.9TBTMC, conforme é referido no requerimento executivo que “Por decisão já transitada em julgado, providência cautelar nº 131/10.9TBTMC que correu termos no Tribunal Judicial de Torre de Moncorvo, foram condenados os requeridos à sanção Pecuniária Compulsória de €100,00 (cem) euros diários por cada dia de incumprimento da decisão que lhes impunha a demolição do muro na extensão necessária para a reposição do telhado e cornija do prédio dos requerentes de forma a permitir o escoamento das águas pluviais. Acontece que os requeridos demoliram apenas parcialmente o muro, impedindo a reposição da cornija e parte do telhado, incumprindo assim com a decisão que lhe foi doutamente imposta pelo Tribunal Judicial de Torre de Moncorvo. Nestes termos, atento o incumprimento, é devido aos aqui requerentes o valor a título de sanção pecuniária compulsória, no valor de €100,00 (cem) euros diários desde a notificação da decisão cautelar aos requeridos até à presente data, sem prescindir dos valores a calcular até cabal cumprimento da decisão. A dívida provém de um título executivo que é a sentença, sendo a quantia certa, líquida e exigível. Acerca da suficiência do título existe já decisão constante do processo nº 173/10.4TBTMC- Apenso E.”
I) Este trecho decisório é decisivo, pois atesta sem margem para dúvidas a existência de decisão anterior transitada em julgado, por tal apenso E não estar já ativo e se mostrar cessado, no qual foi proferida decisão de suficiência do título, como se refere.
J) A decisão anteriormente proferida no apenso E foi expressamente invocada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito dos autos de processo 173/10.4TBTMC-I.G1, em douto acórdão proferido em 26 de outubro de 2017, para reafirmar a situação de caso julgado e julgar improcedentes os embargos/oposição dos executados.
K) Ora, aquilo que se conclui é que com a decisão agora acabada de proferir também e viola decisão de Tribunal superior, o qual é ilicitamente desautorizado!
L) Com a decisão proferida anteriormente no apenso E, acerca da suficiência do título executivo, esgotou-se o poder jurisdicional do Tribunal a quo, tendo tal douta decisão transitado em julgado, pelo que há intangibilidade face à mesma, a qual terá de se impor e ser acatada!
M) E o mesmo se diga face à douta sentença condenatória que constitui o título executivo pois na visão do Tribunal a quo, tal sentença de nada valeria, podendo ser desrespeitada sem consequências unicamente por não ter sido confirmada nos seus precisos termos pela sentença seguinte já proferida na ação principal.
N) O Tribunal a quo falha por completo na subsunção jurídica devida ao caso por pretender aplicar o art. 364º nº 1 CPC e a decretação de inversão de contencioso. A douta sentença condenatória que constitui título executivo, válido e legítimo, é relativa aos autos de processo 131/10.9TBTMC e datada de 30 de julho de 2010.
O) A execução deu entrada em 11 de novembro de 2010 e não de 2011 como por lapso consta da douta decisão recorrida a fls. 4, devendo ser corrigido tal erro material.
P) À data de qualquer dos atos não se aplicava qualquer inversão de contencioso por ter sido novidade introduzida pelo Novo Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013.
Q) No circunstancialismo subjacente quer à douta sentença condenatória quer à instauração da execução tal art. 364º nº 1 CPC, vigente à data, tão pouco existia, pois tinha sido revogado pela DL 180/96 e era respeitante à “Falsidade”. Não pode o Tribunal a quo, em violação da aplicação das leis no tempo invocar uma lei inexistente à data da sentença.
R) A questão da inversão de contencioso, indevidamente valorada, é decisiva para a decisão proferida e ora recorrida, como decorre de fls. 6 segundo parágrafo: “Em jeito de súmula, a conclusão a que chegamos é a seguinte: tendo sido, in casu, o procedimento cautelar dependente da ação principal - cfr. artigo 364º, nº 1, do Código de Processo Civil – e não tendo sido requerida a inversão do contencioso, perante a decisão proferida na ação principal, transitada em julgado, impunha-se que fosse julgada extinta a presente execução quanto ao pagamento da sanção pecuniária compulsória tal como foi decidido em sede cautelar.”
S) Tal vício inquina decisivamente a douta decisão proferida bem como o douto juízo judicativo-decisório proferido, que se impõe assim ser revogado…
T) O Tribunal a quo que a douta sentença condenatória proferida em providência cautelar tem carácter provisório. Contudo, não é legítimo que não tenha validade e eficácia alguma.
U) Padece a douta sentença acabada de proferir do vício de nulidade por contradição insanável entre fundamentação e decisão pois referindo, a fls. 5 que “Emitida esta com carácter definitivo, a providência cautelar cai forçosamente, quer a providência definitiva negue, quer reconheça, o direito do requerente”, então não pode dar por extinta a execução ab initio, pois na sua própria visão a sentença condenatória proferida em sede cautelar apenas cai após o carácter definitivo proferido na ação principal.
V) Pelo que, a haver coerência, sempre existe título executivo até à data de trânsito em julgado proferido na ação principal, devendo prosseguir a execução com liquidação do devido até tal trânsito em julgado e na sanção diária definida em sede cautelar: €100,00 por dia. Daí para a frente, após o trânsito em julgado da decisão proferida na ação principal já tal título executivo não tem validade pois terá de ser esta última decisão a ser executada e doravante, a partir de tal data, apenas na sanção de €50,00 por dia, como doutamente decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.
W) É inadmissível que haja extinção da execução e total e cabal desconsideração por decisões anteriormente decididas e transitadas em julgado. E numa interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa, não poderá a recorrente ser prejudicada quando depositou confiança jurídica nas decisões anteriormente proferidas por órgãos de soberania.
X) O princípio da boa-fé remete a Administração Pública para um padrão ético de comportamento na sua relação com os cidadãos, agindo de forma correta, leal e sem reservas, o que se mostra extensível à administração da justiça. Trata-se de um princípio programático de comportamento que se materializa através da observância de três outros princípios: I) da proteção da confiança; II) da materialidade e III) da transparência decisória.
Y) Qualquer sujeito cria expectativas e orienta as suas opções de vida de acordo com notícias e informações oficiais, antecipando riscos baseados em tais situações que prevê (e ganhando acréscimo de confiança na sua materialização escrita, como ocorreu com a recorrente/exequente com as doutas sentenças e decisões que vieram a ser proferidas a seu favor e que transitaram em julgado!) manterem-se, e planificando a vivência com base em tais factos.
Z) Não devem ser permitidas alterações jurídicas com as quais, razoavelmente, os exequentes não podem contar e que introduziriam na respetiva esfera jurídica desequilíbrios desproporcionais, justificando-se por isso que seja reconhecida ao poder judicial uma dimensão conservadora tendente a impedir a perturbação que a ação estadual imprevista poderia introduzir.
AA) O princípio da proteção da confiança vincula e limita os vários poderes Estaduais, exigindo de cada um deles cuidados suplementares no momento de levarem à prática as diferentes tarefas que se lhes mostrem confiadas.
BB) Aquilo que se defende é a íntima ligação entre o princípio da proteção da confiança e o inseparável princípio da segurança jurídica, ao nível da salvaguarda e tutela das expectativas, defesa da estabilidade subjetiva, preservação das esferas jurídicas bem como da solidez objetiva e estabilidade jurídico-decisória.
CC) Não se busca qualquer ganho ilegítimo, mas tão-somente a reposição da validade do juridicamente julgado e definido, o que igualmente não deixa de constituir interesse público! In casu mostra-se verificada a existência de uma situação justificada de confiança a ser protegida, não deixando qualquer cidadão médio colocado no lugar da exequente de criar a expectativa pelo mesma gerada…
DD) Da mesma forma que é essencial a moralização da justiça uma vez que a situação de confiança depositada pelos exequentes na validade da decisão judicial transitada em julgado e condenatória a seu favor, foi decisiva para a prática do ato jurídico levado a cabo, ou seja, a instauração de ação executiva que mais não é do que o exercício de um direito e na forma adequada e correta de agir, atenta a garantia de acesso aos Tribunais e proibição da ação direta/autodefesa.
EE) Existe verdadeiramente um benefício prático e efetivo para a recorrente, reclamante da proteção da confiança, uma vez que com o recurso apresentado se visa obstar um prejuízo sério, decorrente da imediata extinção da ação executiva e cabal desconsideração e respeito por decisões judiciais, transitadas em julgado, anteriormente emitidas a seu favor.
FF) Não poderá assim a confiança depositada pela recorrente, assente na segurança jurídica, deixar de merecer tutela jurídica, não podendo o Direito globalmente considerado ficar absolutamente indiferente à eventual frustração dessa confiança, devendo serem tidos em consideração e douta análise a efetivar por V/ Exa. os princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da proteção da confiança.
GG) Sob pena de preterição da noção de Estado de Direito ter-se-á de admitir que se vive sob a legitimação do princípio da confiança, exigindo-se do poder público a boa-fé nas relações com os particulares e o respeito pela confiança que os indivíduos depositam na estabilidade e continuidade do ordenamento jurídico.
HH) Bem andará o Tribunal quando tutela tal expectativa já criada, derivada da Lei, e adequada ponderação das diversidades da situação, sem conversão dos critérios de justiça substantiva em instrumentos de plasticidade jurídica totalmente inadequados ao caso.
II) No presente caso, além das considerações aplicáveis a todos os demais processos, há que cuidar de aquilatar da especial situação da recorrente, que anseia por justiça há dez anos, encerrando o presente processo particulares particularidades (seja permitida a redundância!) a impor observância do princípio da igualdade na vertente de não ser tratado de forma igual o diferente.
JJ) Deverá assim a douta decisão ser revogada e substituída por outra que considere válido e legítimo o título executivo e o prosseguimento dos autos.
KK. Normas jurídicas violadas: maxime arts. 381º e ss CPC anterior a 2013; arts. 1º, 2º, 364º n.º 1 e 849º n.º 1 f) CPC atual; arts. 5º nº 1, 9º e 12º nº 1 CC; arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 18º, 20º, 203º, 204º, 205º e 266º nº 2 CRP; Princípios jurídicos violados: maxime do esgotamento do poder jurisdicional, da segurança jurídica e da proteção da confiança, da materialidade e da transparência decisória, da intangibilidade do caso julgado, da aplicação de leis no tempo e sua não retroatividade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, do acesso à tutela jurisdicional efetiva, da metódica de concordância prática entre direitos bem como da igualdade.

Destarte, se interpõe recurso, visando a revogação de douta decisão proferida, atentos os vícios de que padece: errada subsunção jurídica e errónea aplicação de princípios estruturantes do Estado de Direito, a redundar em injustiça e não conformidade a um Direito materialmente justo e processualmente conforme.
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Pelos executados e apelados foi apresentada resposta onde entendem que o despacho judicial não merece reparo quanto à matéria de direito traduzida numa fundamentação rigorosa e certeira e sem qualquer erro de subsunção jurídica ou de violação dos princípios estruturantes doo Estado de Direito e deve o presente recurso apresentado ser julgado improcedente, com as legais consequências.
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) As questões a decidir neste recurso são as de saber:
1) Se a decisão recorrida é nula;
2) Se existe violação de caso julgado;
3) Se deverá ser alterada a decisão recorrida.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS PROVADOS

1. Por decisão de 29/07/2010, transitada em julgado, proferida na Providência Cautelar não Especificada que C. F. e M. P. vieram intentar contra M. A. e M. M. no processo 131/10.9TBTMC apenso, atual 173/10.4TBTMC-A, foi julgado parcialmente procedente o procedimento cautelar e, em consequência, decidido:

a) condenar os requeridos a demolirem 40 cm de altura do muro apenas na extensão necessária à reposição do telhado e cornija do prédio dos requerentes por forma a permitir o escoamento das águas pluviais; e
b) condenar os requeridos a pagarem uma sanção pecuniária compulsória não inferior a €100,00 por cada dia de incumprimento da presente decisão.
2. Em 20/08/2010 C. F. e M. P. vieram intentar ação declarativa com processo comum, na forma ordinária contra M. A. e M. M. (processo 173/10.4TBTMC) e, por sentença transitada em julgado de 23/05/2015, confirmada por Acórdão da Relação de Guimarães de 18/02/2016, foi decidido julgar a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenar os réus M. A. e M. M.:
a) a reconhecerem que a autora é dona e legítima proprietária do imóvel identificado no artigo 1º da petição inicial;
b) a reconhecerem que se encontra constituída, por usucapião, em benefício do prédio acima referido em a), uma servidão de estilicídio, onerando o prédio urbano pertencente aos réus, que tem por objeto o gotejamento das águas pluviais proveniente da cornija /telha/beiral do telhado da casa do prédio referido em a);
c) a demolirem em 40 cm de altura, em toda a extensão, o muro que lhes pertence, descrito no artigo 8º da petição inicial, fixando-se a sanção pecuniária compulsória no valor de €50,00, por cada dia de atraso no cumprimento da prestação de faco, após a notificação da sentença.
3. Em 12/11/2010 C. F. e M. P. vieram intentar ação executiva com processo comum, na forma sumária, contra M. A. e M. M., para cobrança do valor da sanção pecuniária compulsória, de €100,00 diários.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 608º nº 2, 635º nº 2 e 3 e 639º nº 1 e 2, todos do Novo Código de Processo Civil - NCPC).
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C) A apelante veio invocar a nulidade da decisão recorrida referindo que “padece a douta sentença acabada de proferir do vício de nulidade por contradição insanável entre fundamentação e decisão pois referindo, a fls. 5 que “Emitida esta com carácter definitivo, a providência cautelar cai forçosamente, quer a providência definitiva negue, quer reconheça, o direito do requerente”, então não pode dar por extinta a execução ab initio, pois na sua própria visão a sentença condenatória proferida em sede cautelar apenas cai após o carácter definitivo proferido na ação principal.”

Mas não tem razão.
Com efeito, o artigo 615º nº 1 alínea c) NCPC estabelece que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Conforme refere o Dr. José Lebre de Freitas in A Ação Declarativa Comum, 3ª Edição, a páginas 333 e seg, “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.”
De facto a expressão utilizada na decisão recorrida, tirada do acórdão da Elação de Lisboa de 5 de novembro de 2009, proferido no processo 661/08.2YYLSB-B.L1-2, corresponde à posição sustentada pelo Professor José Alberto dos Reis no Código de Processo Civil anotado, Volume I, a páginas 626-627 e não traduz qualquer contradição, antes resulta de uma interpretação da apelante, que não tem de corresponder a qualquer alegada contradição e pode, efetivamente, destruir a decisão constante da providência, se a decisão definitiva da ação principal, de que aquela é dependência, a revogar ou alterar.
Pense-se, da hipótese de ser fixada na providência a condenação, transitada, do requerido pagar uma cláusula penal de x, por incumprimento, o requerente executar a decisão, ser intentada a ação principal e, entretanto, ser proferida nesta decisão, transitada, que absolve do pagamento da cláusula penal, tendo, entretanto, o requerente, obtido o pagamento de algumas importâncias da cláusula penal, quid juris?
Não pode haver dúvidas que teria de haver repetição do indevido, uma vez que o caráter provisório da decisão da providência, teria de ceder perante o carater definitivo da decisão transitada proferida no processo principal (cfr. artigos 364º nº 1 e 373º nº 1 alínea c) NCPC), trata-se de um risco inerente à execução de uma decisão judicial provisória.
Não há, assim, qualquer contradição e, como tal, qualquer nulidade da decisão recorrida que, assim, improcede.
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A apelante suscita a questão da ofensa do caso julgado e de princípios estruturantes e da indevida decisão, pelo que importa atentar na natureza das providências cautelares e seu valor.
Como se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 11-03-2021, no processo 223/20.6T8CMN.G1, relatado pelo Desembargador José Cravo, “os procedimentos cautelares genericamente previstos nos arts. 362º e ss. do CPC, visam acautelar o efeito útil da ação a que alude genericamente o art. 2º/2 do CPC, impedindo “que durante a pendência de qualquer ação, declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica” (Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, pág. 23).
Os procedimentos cautelares constituem meios de tutela provisória do direito que quem os deduz se arroga, sendo dependentes de uma ação já pendente ou que seguidamente vai ser proposta pelo requerente (art. 362º/2 do CPC), tendo sempre natureza urgente (art. 363º do CPC).
E para além da demonstração do referido perigo da demora inevitável do processo, o seu decretamento depende também da prova sumária do direito ameaçado e da justificação do receio da lesão (art. 365º/1 do CPC), bem como da probabilidade séria da existência do direito, também genericamente prevista no art. 368º do CPC.
Em consonância com o respetivo fim específico, não exige esta prova o mesmo grau de convicção que a prova dos fundamentos da ação impõe, atenta a estrutura simplificada própria do procedimento cautelar, bastando, consequentemente, o chamado fumus boni iuris.
«Trata-se de uma prova sumária que não produz a “plena convicção (moral)”, exigida para o julgamento da causa, mas apenas um grau de probabilidade aceitável para decisões urgentes e provisórias, como são as próprias daqueles procedimentos» (Cfr. Ac. STJ de 22-03-2000, agravo nº 154/00 - 7ª Secção, disponível in www.stj.pt, Sumários de Acórdãos).”
Conforme se refere em Providências Cautelares, Marco Carvalho Gonçalves, 2016, 2ª edição, a páginas 119 e seguintes, “as providências cautelares apresentam, em regra, um caráter instrumental e subordinado relativamente à ação destinada a tutelar, em definitivo, o direito invocado pelo requerente. Existe, por isso, em princípio, uma relação de interconexão ou de dependência entre a providência cautelar e a ação principal.
Com efeito, pela sua natureza instrumental, as providências cautelares têm como finalidade essencial assegurar que a relação factual controvertida se mantenha inalterada até que seja proferida uma decisão de mérito na ação principal, isto é, as providências cautelares não constituem um fim em si mesmas, mas antes um meio para se acautelar um determinado efeito jurídico.
A instrumentalidade é a característica configuradora das providências cautelares que as vincula a um processo principal, de que são dependentes e que as “distingue das providências definitivas, as quais são tomadas como resultado final do processo civil. Deste modo, salvo quando tenha sido decretada a inversão do contencioso (artigo 364º nº 1), a instrumentalidade das providências cautelares traduz-se na inidoneidade de se transformarem numa tutela definitiva, porquanto se destinam a ser absorvidas pelo juízo de mérito que vier a resultar do processo de declaração plena.”

“A instrumentalidade das medidas cautelares é uma “instrumentalidade eventual e de segundo grau” ou … uma “instrumentalidade hipotética” … porque, exceto nos casos em que seja decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar pressupõe sempre uma ação principal da qual é dependente e que tenha por fundamento o direito acautelado – podendo ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva (artigo 364º) – sendo que a concessão da providência cautelar depende da formulação de um juízo de probabilidade séria quanto ao reconhecimento da existência do direito na ação principal (artigo 368º º 1). O mesmo é dizer que a providência cautelar é “decretada pelo juiz na pressuposição de que a decisão definitiva, a ser proferida no processo principal, vai ser favorável ao requerente.
Atenta a sua natureza instrumental, as providências cautelares não se destinam, por regra, a realizar, de forma direta e principal, o direito material, mas antes a assegurar que o processo principal atinja o seu objetivo, qual seja o de regular, de forma eficaz e definitiva, o litígio.”
E como refere o Professor Alberto dos Reis, no seu Código de Processo Civil, Volume I, 3ª Edição, a páginas 626-627, acima referenciado, “o julgamento expresso na providência cautelar não tem a natureza de um julgamento condicional; é, antes, um julgamento a termo, um julgamento que nasce já com duração necessariamente limitada no tempo; pela sua própria índole e função, o ato ou a providência cautelar forma-se para durar unicamente enquanto não existir a decisão final. Emitida esta com carater definitivo, a providência cautelar cai forçosamente, quer a providência definitiva negue, quer reconheça, o direito do requerente. Se a decisão final declara o direito provisoriamente atribuído pela providência cautelar, o que era provisório converte-se em definitivo; o efeito jurídico antecipado pela providência cautelar passa a existir por força do julgamento da causa principal. Se a decisão final nega o direito, o efeito da providência cautelar não pode subsistir, porque se revela contrário à ordem jurídica.”
E como também se refere, oportunamente, na obra acima indicada, Providências Cautelares, Marco Carvalho Gonçalves, 2016, 2ª edição, a páginas 128 e seguintes, “muito embora a providência cautelar procure assegurar o efeito útil da tutela definitiva, tal não implica que o seu objeto tenha de coincidir necessariamente com o da ação principal de que aquele depende. Na verdade, dispõe o artigo 364º nº 4, que o julgamento da matéria de facto ou a decisão final proferida no procedimento cautelar não tem qualquer influência no julgamento da ação principal.
Com efeito, a decisão proferida no procedimento cautelar não faz caso julgado na ação principal correlativa – nem há litispendência entre ambas, seja qual for a ordem da sua pendência – o que constitui expressão inequívoca do princípio da autonomia da providência cautelar. O mesmo é dizer que a provisoriedade e o caso julgado material excluem-se, pelo que a decisão proferida em tal procedimento jamais assume força de caso julgado.”
E aí se acrescenta em nota (315) que conforme elucida Lebre de Freitas, “A função da providência cautelar difere, pois, da função de acertamento da sentença declarativa, ainda quando constitua antecipação de uma decisão de mérito. Desta natureza da providência cautelar deriva que lhe é inadequado o conceito de caso julgado (material). Como se deixou dito, o efeito de caso julgado é próprio de uma decisão de mérito, como tal definidora das situações jurídicas das partes. A preclusão consistente na indiscutibilidade da solução dada às questões por ele abrangidas pressupõe o acertamento definitivo dessas situações jurídicas, só possível num processo que tenha por objeto a afirmação da sua existência e a solicitação da tutela judiciária adequada a esse acertamento (José Lebre de Freitas, Repetição de providências e caso julgado em caso de desistência do pedido de providência cautelar, p. 473).”
Isto dito, já nos permite afirmar que não há qualquer ofensa do caso julgado ou de princípios estruturantes, mostrando-se a decisão recorrida acertada.
Com efeito, a decisão proferida nos procedimentos cautelares, naturalmente em que não haja inversão de contencioso, assume sempre um caráter provisório, uma vez que é dependência de uma ação principal, já proposta ou a propor, decisão, aquela, que tem um horizonte de duração limitada e, proferida a decisão definitiva no processo principal, aquela deixa de subsistir.
Não há, assim, qualquer violação de caso julgado, nem, atenta a natureza das providências cautelares a violação de qualquer dos princípios invocados pela apelante sejam eles da proteção da confiança, da materialidade, da transparência decisória, da segurança jurídica, da boa-fé, ou qualquer outro, dado que não se está a ter em consideração a especial natureza dos procedimentos cautelares acima descrita, da mesma forma que nenhuma norma jurídica, nomeadamente das indicadas pela apelante se mostra violada, sejam elas do Código de Processo Civil, da Constituição da República ou qualquer outra.
Não obstante exista uma decisão transitada proferida numa providência cautelar a condenar no pagamento de uma determinada importância, no caso, numa sanção pecuniária compulsória, a execução de tal decisão previamente à decisão definitiva a proferir no processo principal, comporta o risco de inutilização desta, no caso de esta revogar ou diminuir o respetivo montante, trata-se, conforme acima referimos, de um risco inerente à execução de uma decisão judicial provisória, que nada tem a ver com qualquer inversão de contencioso que a apelante refere mas, antes com o regime legal aplicável que acaba de se expor.
Basta atentar que na douta decisão recorrida se refere expressamente que posto isto torna-se imprescindível ter em consideração a natureza própria dos procedimentos cautelares e a sua relação com a ação principal, nos casos em que não está em causa a inversão do contencioso, como é o caso dos autos, convocando, para o efeito, as normas de direito adjetivo civil que estatuem a propósito.
Assim sendo, nenhuma censura nos merece a douta decisão recorrida que, como tal, terá de ser confirmada e a apelação julgada improcedente.
Face ao decaimento total da pretensão da apelante, sobre a mesma recai o encargo de suportar as custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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D) Em conclusão e sumariando:

1) As providências cautelares não constituem um fim em si mesmas, mas antes um meio para se acautelar um determinado efeito jurídico;
2) A instrumentalidade das providências cautelares traduz-se na inidoneidade de se transformarem numa tutela definitiva, porquanto se destinam a ser absorvidas pelo juízo de mérito que vier a resultar do processo de declaração plena;
3) O julgamento expresso na providência cautelar não tem a natureza de um julgamento condicional sendo, antes, um julgamento a termo, um julgamento que nasce já com duração necessariamente limitada no tempo, pela sua própria índole e função, o ato ou a providência cautelar forma-se para durar unicamente enquanto não existir a decisão final.
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III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando a douta decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
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Guimarães, 15/04/2021

Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Maria Cristina Cerdeira
2ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares