Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
145/17.8T8CHV-A.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA FERNANDES
Descritores: FALTA DE TITULO EXECUTIVO
SENTENÇA CONDENATÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I – O título executivo, além de determinar o fim da execução e, consequentemente, o respectivo tipo (v.g., o pagamento de quantia certa, a entrega de coisa certa ou a prestação de facto), assinala ainda os limites da acção executiva.

II – É em função do teor da sentença condenatória proferida na acção declarativa que deve determinar-se o fim, o tipo e os limites da execução.

III - O artigo 871º, nº1 do CPC permite a realização extrajudicial pelo exequente ou alguém à sua escolha da prestação, mas apenas no âmbito de acção executiva já intentada.

IV – Tendo o exequente título para determinada prestação de facto, não pode realizar a prestação por si ou por terceiro, e com esse mesmo título que condena numa prestação, peticionar o pagamento de determinada quantia em dinheiro.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

António (…) , executado, veio intentar os presentes embargos de executado contra Celina (…) e marido António (…) exequentes, no Juízo de Execução de Chaves, Comarca de (…), invocando, a inexequibilidade do título dado à execução, uma vez que a obrigação assumida pelos executados e homologada por sentença não é a que se mostra em execução nos presentes autos, existindo desconformidade entre o título dado à execução e o pedido que é formulado.
Sem prejuízo, impugna a matéria invocada pelos exequentes no requerimento executivo.

Regularmente notificados os embargados/exequentes contestaram, reiterando a exequibilidade do título dado à execução defendendo que ordenaram a realização das obras por terceiro já que não podiam aguardar mais pela inércia dos exequentes.
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Subsequentemente, foi proferido despacho saneador – sentença, com o seguinte:

“V. Dispositivo
Pelo exposto, julgo os presentes procedentes, por provados, e, em consequência, declaro extinta a execução por falta de título executivo.
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Custas pelos exequentes.
Registe e notifique, ainda à SAE.”
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Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os embargados (exequentes), os quais, a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões:

“Pelo que, em Conclusão:

- A apelante pretende, com o seu recurso, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de direito constante da douta sentença recorrida
- In casu, o embargante foi condenado por sentença homologatória de transação, numa prestação de facto que, não obstante as inúmeras interpelações para o efeito, não concretizou.
- Face à gravidade da situação em que viviam, às constantes e abundantes impermeabilizações de águas pelo terraço e escadas devido às chuvas que começaram a cair, e face à inércia do executado (não obstante as inúmeras notificações escritas por correio registado para o efeito), e para evitar mais prejuízos, os exequentes viram-se na obrigação premente de, (…) mandar fazer, sob a sua orientação e vigilância, as obras e trabalhos necessários para prestação do facto (…).
- Dispõe o nº 1 do artigo 871º que “mesmo antes de terminada a avaliação ou execução regulada no artigo anterior, pode o exequente fazer, ou mandar fazer, sob a sua orientação e vigilância, as obras e trabalhos necessários para prestação do facto, com a obrigação de prestar contas ao juíz do processo”,
- Duma leitura restrita do preceituado naquele nº 1 do artigo 871º do CPC resulta que a opção a tomar pelo exequente só pode verificar-se no âmbito de ação executivo já intentada.
- Tal artigo deve ter uma leitura mais ampla ao ponto de prever situações como a dos autos em que tal opção é tomada – por estrita urgência – antes de intentada a ação executivo, devendo a acção executiva a propor destinar-se a obter o pagamento das quantias despendidas pelo exequente na realização das obras.
- Ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 703º e 871º, nº 1 do CPC.
- A sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que julgue os embargos improcedentes – pelo menos com base na fundamentação exposta na sentença recorrida – devendo a execução prosseguir a sua normal tramitação.

Nestes termos e nos demais que doutamente serão supridos, deverão Vossas Excelências conceder integral provimento ao presente recurso, devendo na sequência ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue os embargos improcedentes – pelo menos com base na fundamentação exposta na sentença recorrida – devendo a execução prosseguir a sua normal tramitação, fazendo-se assim Justiça!”.
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Não resulta dos autos que tenham sido produzidas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se existe desconformidade entre o título dado à execução e o pedido que é formulado.
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III. Fundamentação de facto.

Na decisão sob recurso foram dados como provados os seguintes factos:

1) Instauraram os exequentes a execução para prestação de facto, dando como título executivo uma sentença homologatória de um acordo nos termos do qual:

“Autores e Réu, acordam no seguinte:

a) Os Autores vão remover a suas expensas e por sua inteira responsabilidade o granito existente na cobertura da arrecadação, correspondente ao terraço e escadas que do lado Sul dão acesso à cozinha da habitação identificada no artigo 1º da petição inicial.
b) Uma vez removido o granito, os Autores do facto darão conhecimento ao Réu por carta registada com aviso de receção, o qual no prazo de oito dias a contar da receção da mesma deverá deslocar-se à habitação dos Autores a fim de fazer as necessárias medições para encomendar o granito necessário.
c) Logo que o fornecedor do granito o coloque à disposição do Réu (o que, presumivelmente ocorrerá nos 15 dias seguintes à data da encomenda) este, ou alguém por si contratado para o efeito, procederá à impermeabilização do terraço e colocação do granito.
d) O custo com a aquisição do granito, produto de impermeabilização e mão-de-obra são da inteira responsabilidade do Réu.
e) O produto de impermeabilização será indicado pelo Senhor Eng.º Pedro (…) perito indicado pelos Autores nos presentes autos.
f) O indicado perito fiscalizará quer a operação de impermeabilização, quer a colocação de granito para que com a execução dos trabalhos seja tecnicamente garantida a correta impermeabilização do espaço supra referido eliminando-se, desse modo, as infiltrações para a mencionada arrecadação.
Terceira
Com a execução destes trabalhos, os Autores declaram nada mais ter a exigir do Réu, seja a que titulo ou natureza for.”

2) No requerimento executivo alegam os exequentes que:

“ (… ) 3º
Em cumprimento do acordado e sentenciado, em 14 de agosto de 2015, os exequentes, através de carta registada com aviso de receção (de cuja teor deram conhecimento à ilustre mandatária do executado, Drª Manuel (…), notificaram o executado para, no prazo de oito dias a contar da receção daquele carta se deslocar à casa deles exequentes, a fim de fazer as necessárias medições para encomendar o granito necessário à impermeabilização da cobertura da arrecadação, correspondente ao terraço e escadas que do lado Sul dão acesso à cozinha da habitação identificada no artigo 1º da petição inicial, carta que foi pelo executado recebida em 17 do mesmo mês de agosto.

Ao invés de cumprir o acordado, o executado” fez orelhas moucas”, àquela notificação, ignorando-a.

Em 12 de outubro de 2015, e porque o executado nada fez, nem sequer se tendo deslocado à casa dos exequentes, estes, novamente por carta registada com Aviso de Receção (de cujo teor deram também conhecimento à supra referida e ilustre advogada), notificaram o executado para cumprir o acordado.

Carta/notificação que mais uma vez foi ignorada.

Ainda numa última e derradeira tentativo de cumprimento do acordo, os exequentes, mandaram ao executado em 20 de novembro de 2015 nova carta/notificação registada com aviso de receção, para que este cumprisse o acordado e sentenciado.

Nada tendo até ao momento sido feito pelo executado, senão, uma deslocação em dezembro de 2015, à casa dos exequentes, de um arquiteto supostamente a mando do executado, que visualizou o local das obras, ignorando os exequentes a finalidade de tal deslocação.

Encontra-se por isso o acordo totalmente por cumprir, por parte do executado
10º
Como o inverno último foi (facto notório e de público conhecimento), muito chuvoso, os exequentes tiveram eles próprios e a fim de evitaram novas infiltrações de águas e humidades em sua casa (que infelizmente não conseguiram evitar, pois que aconteceram amiúde e lhes causaram graves incómodos)
11º
Contactaram por isso três empreiteiros, a quem solicitaram orçamentos para feitura das acordadas obras.
12º
Tendo naturalmente optado pelo orçamento mais barato.
13º
E procederam em março de 2016, à realização das obras que o executado deveria ter feito e não fez.
14º
Obras que foram efetuadas pela sociedade Carlos (…), Ldª e que ascenderam ao montante global de € 6.840,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor de 23% - € 1.573,20.
15º
Valor que, deve ser pago pelo produto da venda de bens a penhorar ao executado.”
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IV. Fundamentação de direito.

Delimitada que está, sob o n.º II, a questão essencial a decidir, é o momento de a apreciar.

A questão que se coloca, consiste em aferir se existe desconformidade entre o título dado à execução e o pedido que é formulado.

Pela acção executiva pretende o credor obter a realização coactiva de prestação não cumprida.

A finalidade da acção executiva consiste na satisfação do interesse patrimonial contido na prestação não cumprida (art. 4º, nº 3 do C.P.C., na sua anterior redacção, a que corresponde hoje o art. 10º), sendo o seu objecto, sempre (e apenas) um direito a uma prestação – nesse objecto contém-se somente a faculdade de exigir o cumprimento da prestação e o correlativo poder de aquisição dessa prestação, poder que corresponde à causa debendi e, portanto, funciona como causa de pedir da acção executiva (os factos dos quais decorre esse poder são os mesmos que justificam a faculdade de exigir a prestação) (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, p. 606.).

A faculdade de exigir a prestação, correlativa do poder de aquisição dessa prestação, designa-se por pretensão e apenas uma pretensão exequível pode constituir objecto de uma acção executiva – exequibilidade intrínseca, respeitante à inexistência de vícios materiais ou excepções peremptórias que impeçam a realização coactiva da prestação, e exequibilidade extrínseca, traduzida na incorporação da pretensão num título executivo, ou seja, num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (art. 45º, nº 1 do C.P.C. na sua anterior redacção, a que corresponde hoje o art. 10º) (Autor e obra citados, pp. 606 a 608).

Do título executivo – que determina o fim e os limites da execução, sendo a base desta (art. 45º, nº 1 do C.P.C. na sua anterior redacção, a que corresponde hoje o art. 10º nº 5) – resulta a exequibilidade da pretensão executanda, pois incorpora o direito de execução, isto é, o direito do credor a executar o património do devedor ou de terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito (Ferreira de Almeida, Algumas considerações sobre o problema da natureza e função do título executivo, RFD, 19 (1965), p. 317).

O título executivo, condiciona a exequibilidade extrínseca da pretensão, é como o invólucro onde a lei presume se contem o direito violado (neste sentido, Castro Mendes, apud, Acção Executiva, página 8) a certeza e a exigibilidade condicionam a exequibilidade intrínseca da pretensão, pois que a sua não verificação impede que, apesar de se reconhecer o direito do exequente à reparação efectiva, o devedor seja executado quanto a essa mesma prestação, neste sentido, (Teixeira de Sousa, A exequibilidade, página 17).

Os títulos executivos incorporam-se em documentos, que constituem, certificam ou provam, com base na aparência ou probabilidade, a existência da obrigação exequível, que a lei permite que sirva de base à execução, por lhe reconhecer um certo grau de certeza e de idoneidade da pretensão.

No caso dos autos, temos que os ora recorrentes/embargados, deram à execução uma sentença, declarando que a mesma se destina à prestação de facto. Contudo, o que na realidade peticionam é o pagamento de quantia certa, concretamente a quantia que despenderam na execução das obras que o executado se obrigou a efectuar.

Assim sendo, e salvo o devido respeito, não podemos de deixar de concordar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, pois que o título dado à execução não é idóneo para sustentar o pedido executivo.

Com efeito, como bem se refere na decisão recorrida “Analisado o teor do acordo alcançado pelas partes e que foi homologado pela sentença que constitui título executivo, verifica-se que o acordo se refere à execução de obras, gerando para os executados a obrigação de realizarem determinadas obras, ….
…, é pelo título que se determinam o fim e os limites da ação executiva, pelo que entre o título executivo e o pedido na ação executiva tem de existir uma coerência lógica, uma uniformidade, não podendo a execução exceder os limites da condenação.

No caso concreto, atentando-se no título dado à execução verifica-se que a mesma condena numa prestação de facto e não no pagamento de uma quantia em dinheiro”, ou seja, do título dado à execução (a sentença que condenou na prestação de facto) não resulta a exequibilidade da pretensão executanda (pagamento de quantia certa).

De facto, estando nós perante uma execução para prestação de facto, cuja sentença que se pretende executar condenou o executado nos termos que se enunciaram nos factos dados como provados, é esta sentença que constitui a base da execução ou, por outras palavras, o seu título executivo.

E o título executivo, como já se disse, além de determinar o fim da execução e, consequentemente, o respectivo tipo, v.g., o pagamento de quantia certa, a entrega de coisa certa ou a prestação de facto, assinala ainda os limites da acção executiva, dentro dos quais a execução se irá desenvolver.

Ou seja, é em função do teor da sentença condenatória proferida na respectiva acção declarativa que deve determinar-se o fim, o tipo e os limites da execução.

Ora, desde logo temos que o título executivo em causa nos autos determina uma execução para prestação de facto, e não para pagamento de quantia certa.

Acresce que, como se diz, e bem, na decisão recorrida “É certo, salienta-se, que o artigo 871º, nº1 do CPC dispõe que “Mesmo antes de terminada a avaliação ou a execução regulada no artigo anterior, pode o exequente fazer, ou mandar fazer sob a sua orientação e vigilância, as obras e trabalhos necessários para a prestação do facto, com a obrigação de prestar contas ao juiz do processo.”

Neste caso, efetivamente a prestação é realizada extrajudicialmente pelo exequente ou alguém à sua escolha, no entanto, trata-se aqui de uma opção a tomar pelo exequente no âmbito da ação executiva já intentada, não prevendo a lei, salvo o devido respeito por opinião contrária, que o exequente tendo título para determinada prestação de facto, possa realizar a prestação por si ou por terceiro, e com o mesmo título que condena numa prestação peticionar o pagamento de determinada quantia em dinheiro.”

Propendemos a concordar na íntegra com tal entendimento, pois que não resulta nem da letra, nem do espírito da lei, que se deva fazer qualquer interpretação da norma em causa, nos termos pretendidos pelos recorrentes.

Com efeito, estando o exequente na posse de um título executivo para determinada prestação de facto, mal se compreende que entenda realizar a prestação por si ou por terceiro, e com esse mesmo título que condena numa prestação, pretenda obter o pagamento de determinada quantia em dinheiro.

E a invocada urgência na realização das obras em causa em nada altera este entendimento, sendo antes fundamento para intentar mais cedo a execução (e não decidir realizar as obras, realizá-las e só após, intentar execução, pretendendo através de uma execução para prestação de facto, obter desde logo o pagamento de quantia certa).

Assim sendo, e em conclusão, entendemos, como entendeu o tribunal a quo, que o exequente carece de título executivo para a concreta pretensão que deduziu, razão pela qual é de confirmar a decisão recorrida.

Improcede pois o recurso.
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V. Decisão.

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas do recurso, pelos recorrentes.
Guimarães, 21 de Fevereiro de 2019

Fernanda Proença Fernandes
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade

(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações” efectuadas que o sigam)