Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
854/16.9T8VCT.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: DECLARAÇÃO NEGOCIAL EXPRESSA
DECLARAÇÃO NEGOCIAL TÁCITA
VONTADE NEGOCIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I Não resultando provado nos autos que o Réu tenha por palavras, por escrito ou por qualquer outro meio directo de manifestação de vontade emitido qualquer declaração negocial no sentido de comprar os bens móveis mencionados pela Autora, inexiste qualquer declaração negocial expressa.

II - Na definição legal, a declaração tácita é a que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam (artigo 217º do Código Civil) pelo que apenas se pode deduzir a existência de determinada vontade negocial quando haja uma verdadeira vontade minimamente exteriorizada, traduzindo-se esta necessariamente, e ainda que indirectamente, em factos concludentes.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

X, COMÉRCIO E DECORAÇÃO DE MOBILIÁRIO LDA., com sede na Avenida …, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra J. S. E M. S., residentes na Rua Dr. …, Vila Nova de Famalicão, pedindo que estes fossem condenados a pagar-lhe a quantia global de €19.428,81, acrescido de juros de mora vincendos.
Para tanto e em síntese, alega que celebrou o Réu marido um contrato de compra e venda tendo como objecto peças de mobiliário, não tendo este procedido ao pagamento do respectivo preço, no montante de €12.615,00.
Fundamenta a Autora a condenação da Ré mulher no regime da comunicabilidade da dívida entre cônjuges previsto no artigo 1691º do Código Civil. Mais pediu a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de €5.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo seu gerente e a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de €1.500,00, a título de despesas incorridas com a cobrança daquele valor.
O Réu J. S. contestou impugnando a celebração do referido contrato, adiantando que nada compraram à Autora, nem esta lhe vendeu. Mais invocou a Ré mulher ser parte ilegítima na presente acção.
O Réu invocou ainda, em sede de contestação, a excepção de ilegitimidade activa quanto à parte do pedido referente aos danos não patrimoniais alegadamente decorrentes da conduta que lhes é imputada, e invocaram ainda a excepção de ineptidão da petição inicial.
Pediu também a condenação da Autora como litigante de má-fé.
A Autora veio responder pugnando pelo indeferimento das excepções invocadas e pela improcedência da condenação como litigante de má-fé.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada verificada a excepção de ilegitimidade activa da Autora quanto ao pedido de condenação dos Réus a pagar-lhe €5.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais e foram ainda julgadas improcedentes as restantes excepções invocadas.
Foi ainda proferido despacho indicando o objecto do litígio e enunciando os temas da prova.
Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo totalmente improcedente a presente acção, mais absolvendo os RR. J. S. e M. S. dos pedidos formulados pela A. “X, Lda.”
Mais absolvo a A. do pedido de condenação como litigante de má-fé.
As custas ficam a cargo da A. (art. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).
Registe e notifique”.

Inconformada, apelou a Autora da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES

1ª. Conclusão
Vem a ora recorrente, X - COMERCIO E DECORAÇÃO DE MOBILIÁRIO, Lda, interpor o presente recurso por se não conformar com a, aliás, douta sentença de fls… que julgou “(…) totalmente improcedente a presente ação, mais absolvendo os RR, J. S. e M. S. dos pedidos formulados pela A. “X, COMÉRCIO E DECORAÇÃO DE MOBILIÁRIO Lda

2ª. Conclusão
O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito que entende a recorrente ser merecedora de diversos reparos.

3ª. Conclusão
A matéria descrita no ponto 1 dos factos dados como não provados, – (O R. J. S. escolheu os referidos móveis e disse à funcionária da A. que os atendeu na referida loja no dia 14-7-2015 que pretendia adquiri-los, pelos preços acima mencionados) foi incorretamente julgada.

4ª. Conclusão
O MMº. Juiz a quo não poderia ter extraído as conclusões referidas em 3 e 4, [“(…) tais móveis foram escolhidos pela referida C. F. enquanto esta, o R. e a mencionada terceira pessoa iam deambulando pelo estabelecimento. Neste ponto, não advieram dúvidas que foi, efectivamnente, a referida C. F. quem escolheu os móveis descritos nos “factos provados”. Não se descarta a hipótese de o R. J. S. e de a outra pessoa que os acompanhava terem opinado ou sugerido a C. F. as peças a eleger. Porém, do depoimento da mencionada testemunha não resultaram dúvidas que a seleção dos mesmos coube à referida C. F.. Aliás, em abono desta consideração, é de sublinhar, tal como mencionado por aquela testemunha, que o R., durante o processo de escolha dos móveis, se ausentou para o exterior, não mais tendo regressado.(…)”
“(…) De todo o modo, realce-se, novamente, que o R. se ausentou enquanto decorria o processo de escolha dos móveis. Dúvidas inexistem, portanto, que o referido R. nunca transmitiu à testemunha S. M. que pretendia adquirir os referidos móveis, que se obrigava a pagá-los, nem que concordava com o preço.(…)”]

5ª. Conclusão
Porquanto tais conclusões não resultam e são contrárias aos depoimentos produzidos em audiência de julgamento bem como não resistem à análise dos documentos juntos aos autos.

6ª. Conclusão
O MMº Juiz a quo considerou na douta sentença que proferiu que “(…) Os factos relativos ao sucedido no dia 14-7-2015., foram descritos, de forma que se afigurou absolutamente credível e pormenorizada, pela testemunha S. M., funcionária da A., que os recebeu e acompanhou desde que ali chegaram.

7ª. Conclusão
Em consequência do depoimento da testemunha S. M.,(transcrição do CD Ficheiro:20170124142315_5226593_2870593 de 00:00:00 – 00:24:36), resulta provado que:

o R. J. S. acompanhou sempre e precisamente até final, a escolha dos móveis;
a permanência na loja, durante a aludida escolha dos móveis, do R. J. S., decorreu durante, pelo menos, mais de uma hora;
o R. J. S., ao mesmo tempo que tinha conhecimento dos móveis que ele próprio escolhia ou sugeria na escolha, era também informado dos respectivos preços;
o R. J. S., durante todo o tempo em que permaneceu na loja, conjuntamente com C. F. e durante a escolha dos referidos móveis, nunca colocou qualquer reticência ou fez qualquer objeção aos preços dos móveis em apreço;
o R. J. S., no momento que se afastou do interior da loja, para atender um telefonema não deixou de estar presente, no parque de estacionamento, da loja da A., sendo que antes do aludido afastamento, não deixou de referir que e se fosse preciso qualquer coisa, estaria no parque de estacionamento da A;
Os documentos exibidos e entregues pela C. F. à representante da A., foram-lhe entregues pelo R. J. S..

8ª. Conclusão
Atentas as declarações prestadas pela testemunha, S. M., fica provado à saciedade que:

em 14-7-2015 o R., J. S. entrou na loja acompanhado por duas pessoas, sendo que uma delas C. F. (cfr também ponto 1 dos factos dados como provados na douta sentença):
o R., J. S. permaneceu na loja durante cerca de uma hora.
o R., J. S. durante o tempo que permaneceu acompanhou a C. F.,
escolheu e ajudou a escolher todos os móveis que fazem parte da factura, junto aos autos.( perfazendo o valor total de € 12 615,00 cfr também ponto 3 dos factos dados como provados na douta sentença).
o R., J. S. durante a fase de escolha dos móveis ia tomando conhecimento dos preços correspondentes aos móveis escolhidos.
o R., J. S. durante o tempo que permaneceu na loja, não só não colocou nenhuma objeção relativamente aos preços, como, por outro lado, incentivava C. F. dizendo-lhe “Escolhe”;
o R., J. S., já depois de escolhidos os móveis ausentou-se da loja, para atender um telefonema, tendo-se dirigido para a sua viatura que se encontrava estacionada no parque de estacionamento da A.
antes de ter saído do interior da loja e de junto da C. F. para atender o telefone o R., J. S. proferiu a seguinte expressão na presença da vendedora Qualquer coisa estou lá fora”
na convicção da S. M. testemunha, e vendedora da A. que acompanhou o R., J. S. e a C. F. , tratavam-se de clientes normais, talvez até familiares.

9ª. Conclusão
Dos depoimentos de S. M. e P. S., retira-se, sem margem para dúvidas que foi criada a convicção nas representantes da A., que o negócio da venda dos móveis estava a ser concluído entre a A., e o R., J. S..

10ª. Conclusão
É igualmente relevante para a formação da convicção do Tribunal sobre a celebração do negócio o que consta dos depoimentos das testemunhas M. R., testemunha indicado pela A.; P. J. e J. C. arroladas pelo R., que relatam de forma clara que a carta enviada pela A., junto aos autos a fls… não mereceu por parte do A., uma resposta .

11ª. Conclusão
Ao não ter considerado os factos relatados e a que se referem as conclusões anteriores, andou mal o Tribunal a quo, uma vez que através desses factos é possível extrair-se -que o contrato de compra e venda foi celebrado.

12ª. Conclusão
Demonstrados que estão os factos que permitem concluir de forma inequívoca como se concluiu, pela celebração do negócio em causa, cumpre reiterar que a posição ora defendida pela recorrente se encontra sustentada na melhor jurisprudência e doutrina. nomeadamente no acordão do STJ de 24.05.2007 e ainda no acórdão do TRL de 29.05.2008 que no essencial defendem
“(…) A aceitação da proposta negocial pode ser tácita, quando o comportamento da parte seja concludente ou inequívoco.
O sentido normal da declaração tácita da aceitação pode resultar da aplicação da regra objectiva consagrada no art. 236.º, n.º 1, do Código Civil.(…)”.

13ª. Conclusão
Perante os elementos probatórios de que dispunha e que eram suficientes, era exigivel ao douto tribunal recorrido proferir decisão distinta daquela que proferiu,.

14ª. Conclusão
Em face das provas constantes dos autos e referidas supra, que exigiam que os factos a que se reportam tivessem sido dados como provados e ainda, a correta subsunção dos factos provados ao direito aplicável, impunham decisão no sentido de que o R. J. S. emitiu declaração negocial de adquirir os bens em causa.

15ª. Conclusão
Ao não o ter feito cometeu o Tribunal a quo erro na apreciação da prova que obriga a revogação da decisão e a sua substituição por outro que nos termos exposto decida pela procedência da acção e condene os RR, nos pedidos formulados pela Autora X, COMÉRCIO E DECORAÇÃO DE MOBILIÁRIO - COMERCIO E DECORAÇÃO DE MOBILIÁRIO, Lda”.
Pugna a Recorrente pela integral procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida.
O Réu J. S. contra alegou pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção integral da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, são as seguintes:

1 - Determinar se houve erro no julgamento da matéria de facto, concretamente quanto ao ponto 1 dos factos dados como não provados;
2 – Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos.

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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos

Factos considerados provados em Primeira Instância:

1 – No dia 14-7-2015, no estabelecimento da A. sito na Estrada Nacional nº …, Barcelos, compareceu o R. J. S., acompanhado por C. F. e por outra pessoa cuja identidade não foi concretamente apurada.
2 – Os referidos J. S. e C. F. mantinham uma relação amorosa há cerca de 10 anos.
3 – As referidas pessoas percorrerem o espaço comercial, tendo a referida C. F. escolhido várias peças de mobiliário.
4 - C. F. escolheu os seguintes móveis, os quais tinham os seguintes preços:
i. 1 cama spendid 200x180 branca no valor de € 1210,00;
ii. 2 mesas cabeceira spendid 2 gavetas no valor de € 1296,00;
iii. 1 cómoda spendid no valor de € 1242,00;
iv. 1 moldura splendid no valor de € 346,00;
v. 1 estrado lam 180x200 no montante de € 75.00,
Perfazendo o total parcial de 4169,00, que com o desconto ascendeu a € 3752,00.
vi. 1 cama casal PO502 +PO413 no montante de € 765,00;
vii. 2 mesas cabeceira Po201 no montante de € 628,00
viii. 1 cómoda PO101 no montante de € 569,00;
ix. 1 moldura Po 311 no montante de € 255,00;
x. 1 estrado laminado 150x195 no montante de € 63,00
O que perfaz um total parcial de € 2280,00, o que com a promoção foi orçado em € 1846,00,
xi. 1 mesa delta 180x100 ext 0,80 no montante de € 882,00;
xii. 1 aparador delta chocolate V/ preto, no montante de € 1020,00;
xiii. 6 cadeiras ref AK311 Kitay no montante de € 1020,00,
O que perfaz o montante parcial de € 2 922,00, o que com promoção foi orçado em € 2 629,00.
xiv. 1 sofá canto mod Kosovo em tecido no montante de €1452,00, o que com a promoção foi orçado em €1280,00;
xv. 1 móvel TV AK313 no montante de € 760.00;
xvi. 1 móvel c/ porta AK 314 no montante de € 260,00;
xvii. 1 mesa de centro AK 318 no montante de € 320,00,
O que perfaz o total parcial de € 1340,00, o que com a promoção foi orçamentado em €1206,00;
xviii. 1 consola ref. MMDC 14 no montante de €290,00, o que com a promoção foi orçamentado em € 232,00;
xix. 1 cadeira relax elev Sx8670 no montante de € 499.00, o que com a promoção foi orçamentado em € 449,00;
xx. 1 cadeirão de tecido IM.C82 CR 001 no montante de € 332,00, o que com a promoção foi orçamentado em € 298,00; xxi. 1 colchão New York 150x200 no montante de € 341,46, o que com a promoção foi orçado em €307,00;
xxii. 1 espelho 185x70 prta no montante de € 240,00, o que com a promoção foi orçamentado em € 216,00;
Tudo perfazendo o valor total de € 12 615,00.
5 – Enquanto decorria o processo de escolha dos referidos móveis, o R. J. S. ausentou-se o estabelecimento, saindo para o seu exterior e não mais regressando ao seu interior.
6 – Depois de efectuada a nota de encomenda dos móveis pela funcionária da R., a referida C. F. referiu-lhe que os móveis seriam pagos pelo R. J. S..
7 – Mais referiu que os móveis deveriam ser facturados à sociedade “J. S., Lda.”
8 – De seguida, a referida C. F. ausentou-se por alguns instantes da loja, saiu para o exterior e regressou, apresentando um cartão, a partir do qual informou a funcionária da R. dos dados identificativos da referida empresa, designadamente, a morada e o número de contribuinte, tendo a funcionária da R. tomado o apontamento constante de fls. 15.
9 – De seguida, a funcionária da R. pediu a C. F. que a mesma lhe entregasse quantia monetária a título de sinal referente ao preço dos móveis.
10 – A referida C. F. ausentou-se novamente da loja, saindo para o seu exterior, tendo regressado poucos momentos depois.
11 – Nessa altura, referiu à funcionária da A. que o R. J. S. se recusava a entregar qualquer quantia a título de sinal, mais lhe entregando o cartão de fls. 12-verso e solicitando-lhe que obtivesse informações quanto à capacidade económica do R. e da referida empresa.
12 – A referida funcionária da R. contactou telefonicamente a sede da A., tendo o o gerente da mesma, nessa ocasião, autorizado que não fosse entregue qualquer quantia a titulo de sinal.
13 – Foi então acordado entre a funcionária da R. e a referida C. F. que o preço dos móveis seria pago aquando da entrega dos mesmos.
14 – Ficou igualmente combinado entre ambas que os móveis seriam entregues na Rua …, Vila Nova de Famalicão, no dia 21-7-2015, pelas 15 horas.
15 – Ficou ainda combinando entre ambas que a factura seria emitida em nome da sociedade “J. S., Lda.”, conforme os dados fornecidos nos moldes acima descritos.
16 – Tal factura veio a ser emitida em 21-7-2015, com o nº 1/…, a qual consta de fls. 15-verso e segs..
17 – O R. J. S. é sócio e gerente da sociedade “J. S., Lda.”.
18 - No dia 21-7-2015, os funcionários da A. entregaram e montaram os móveis na morada acima indicada.
19 – Mais entregaram a factura nº 1/….
20 – Os funcionários da R. que efectuaram tal entrega foram recebidos, na referida morada, pela aludida C. F..
21 – Após a entrega e a montagem da mercadoria, a referida C. F. entregou aos funcionários da R. o cheque nº …, emitido sobre o “Banco A”, no valor de 10 000 €, sacado sobre conta titulada pelo R. J. S., constante de fls. 16-verso e 17.
22 – C. F. referiu aos funcionários da R. que entregaria a quantia em falta, no montante de 2 615 €, no dia seguinte, nas instalações da A. em Barcelos, tendo aqueles anuído a tal, depois de obterem a respectiva autorização, via telefónica, pelo gerente da A..
23 – Em 23-7-2015, a A., através de carta de fls. 20, comunicou à “J. S., Lda.” , o recebimento do aludido cheque de 10 000 €, mais solicitando o pagamento dos 2 615 € em falta.
24 – o referido cheque de 10 000 € foi devolvido pelo banco sacado, em 27-7-2015, com a indicação “Cheque viciado”.
25 – Após a devolução do cheque, o gerente da A. D. S. deslocou-se às instalações da “J. S., Lda.”, tendo aí sido recebido pelo R. J. S..
26 – Nessa ocasião, o R. recusou-se a pagar o mencionado valor a título de preço, mais lhe referindo que os móveis em causa não se lhe destinaram.
27 – Os RR. J. S. e M. S. são casados entre si, no regime da comunhão de adquiridos, desde data não concretamente apurada mas anterior ao referido dia 14-7-2015.
28 – O R. J. S. não transmitiu à funcionária da A. que os atendeu na referida loja no dia 14-7-2015 que pretendia adquirir os referidos móveis nem que aceitava os referidos preços.
29 – Em 4-12-2014, o R. J. S. comunicou ao “Banco A” que “os cheques nºs 000011.. e 000011.. da minha conta nº 00010002000… estão extraviados.”.
30 – Em 3-12-2014, foi denunciado junto da “PSP”, pelo R. J. S. e por N. S., que os referidos cheques se encontravam extraviados.
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:

1 – O R. J. S. escolheu os referidos móveis e disse à funcionária da A. que os atendeu na referida loja no dia 14-7-2015 que pretendia adquiri-los, pelos preços acima mencionados.
2 – A A. despendeu 1 500 € em deslocações ao local onde foram entregues os móveis, às instalações da “J. S., Lda.”, em contactos telefónicos e em cartas.
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3.2. Da modificabilidade da decisão de facto

O nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil preceitua que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, o que resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal; desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º).
Cumpre realçar que a “livre apreciação da prova” não se traduz obviamente numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).
“É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
“Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591).
De facto, dispõe o n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Sustenta a Recorrente que houve erro no julgamento da matéria de facto por entender que em face da prova produzida o ponto 1 dos factos dados como não provados foi incorrectamente julgado.

O facto em causa tem a seguinte redacção:

“1 – O R. J. S. escolheu os referidos móveis e disse à funcionária da A. que os atendeu na referida loja no dia 14-7-2015 que pretendia adquiri-los, pelos preços acima mencionados”.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Incumbe à Relação, como se pode ler no acórdão deste Tribunal de 7/04/2016 (disponível em www.dgsi.pt) “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
No entanto, não nos podemos aqui esquecer da aplicação dos princípios gerais da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, sendo certo que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve pois ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância.
Como salienta Ana Luísa Geraldes (Ob. Cit. página 609) “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”).
No caso concreto, a Recorrente cumpriu satisfatoriamente o ónus de impugnação da matéria de facto, indicando o ponto da matéria de facto que considera incorrectamente julgado, o sentido da decisão que em seu entender se impõe e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso.
Relembramos aqui, antes de mais, a motivação do tribunal a quo:
“Os factos relativos ao sucedido no dia 14-7-2015, quando o R. J. S., C. F. e a uma outra terceira pessoa não concretamente identificada se apresentaram na loja da A., foram descritos, de forma que se afigurou absolutamente credível e pormenorizada, pela testemunha S. M., funcionária da R., que os recebeu e acompanhou desde que ali chegaram.
Desde logo, a referida testemunha não teve quaisquer dúvidas em confirmar que a pessoa do sexo masculino que se apresentou na loja nas circunstâncias acima descritas era, efectivamente o R. J. S., tendo-o identificado em sede de acareação.
Mais descreveu, em pormenor, todos os acontecimentos ocorridos nesse dia, nos exactos termos descritos nos “factos provados”.
Desde logo, esta testemunha deu conta que anotou os móveis (e os respectivos preços) aludidos nos “factos provados”. Tais móveis foram escolhidos pela referida C. F. enquanto esta, o R. e a mencionada terceira pessoa iam deambulando pelo estabelecimento. Neste ponto, não advieram dúvidas que foi, efectivamente, a referida C. F. quem escolheu os móveis descritos nos “factos provados”. Não se descarta a hipótese de o R. J. S. e de a outra pessoa que os acompanhava terem opinado ou sugerido a C. F. as peças a eleger. Porém, do depoimento da mencionada testemunha não resultaram dúvidas que a selecção dos mesmos coube à referida C. F.. Aliás, em abono desta consideração, é de sublinhar, tal como mencionado por aquela testemunha, que o R., durante o processo de escolha dos móveis, se ausentou para o exterior, não mais tendo regressado.
Esta testemunha deu igualmente conta que C. F. se ausentou da loja em duas ocasiões, na altura em que se efectiva a encomenda, nos exactos moldes acima descritos. Mencionou a referida testemunha a elaboração do documento de fls. 15 e a apresentação documento de fls. 12-verso aquando do regresso da referida C. F. nessas duas ocasiões, tudo conforme descrito nos “factos provados”.
Os referidos factos foram igualmente confirmados, ainda que de forma parcial, pela testemunha P. S., também funcionária da referida loja, que auxiliou a testemunha S. M. depois de terminado o processo de escolha e quando esta realizava os procedimentos necessários à efectivação da nota de encomenda. Quando esta testemunha se juntou a S. M., já o R. se havia ausentado da loja. Também esta testemunha não teve quaisquer dúvidas em identificar, em sede de acareação, o réu como a pessoa presente no estabelecimento no referido dia. Confirmou igualmente a conduta da referida C. F. – designadamente, as duas saídas da loja – durante este processo de efectivação da encomenda.
Note-se, neste ponto, que as referidas testemunhas não se aperceberam do local onde C. F. se deslocou durante estas saídas – designadamente, se foi ao encontro do R. J. S.. Aliás, face aos elementos de prova constantes dos autos, desconhece-se, inclusivamente, se J. S. ainda se encontrava nas imediações do exterior do estabelecimento.
Não obstante, frise-se que o declarado pelo R. em audiência, quando negou ter-se deslocado à referida loja, não revestiu qualquer relevo probatório. A ponderação de tal depoimento, porque prestado por pessoa especialmente interessada no desfecho dos autos, sempre demandaria especiais cautelas, sendo que, como vimos, tal circunstancialismo foi completamente desmentido pelas testemunhas S. M. e P. S..
Na mesma sede, R. S., que se apresentou como “gerente de facto” da A., confirmou a solicitação de S. M. no sentido de ser autorizada a dispensa de prestação de sinal, nos moldes descritos nos factos provados, e tal como foi confirmado, igualmente, pelas referidas testemunhas.
De todo o modo, realce-se, novamente, que o R. se ausentou enquanto decorria o processo de escolha dos móveis. Dúvidas inexistem, portanto, que o referido R. nunca transmitiu à testemunha S. M. que pretendia adquirir os referidos móveis, que se se obrigava a pagá-los, nem que concordava com o preço.
Todas as operações subsequentes, após a saída do R. do estabelecimento, apenas tiveram como interveniente a referida C. F., nos exactos moldes acima descritos – designadamente, quanto à escolha, por esta, dos concretos móveis mencionados nos “factos provados”, pelos preços ali igualmente mencionados.
Mais: do orçamento de fls. 11-veros e segs., que contém a relação dos móveis escolhidos (e os respectivos preços), elaborado pela testemunha S. M., não consta a assinatura do R. J. S.. Na verdade, desse documento apenas consta a assinatura da referida C. F..
Ou seja, inexiste qualquer elemento que permita concluir pela emissão expressa, pelo R. J. S., da mencionada declaração de aquisição dos móveis. Pelo contrário: os elementos existentes – designadamente, o declarado pelas referidas S. M. e P. S. - permitem-nos afirmar, sem margem para dúvidas, que nunca o R. emitiu expressamente tal declaração.
Acresce que os elementos constantes dos autos não permitem sequer afirmar, com a certeza legalmente exigida, que o R. marido tenha transmitido a C. F. que aceitava celebrar o contrato de compra e venda e que, consequentemente, se obrigava a pagar o preço dos referidos bens.
É verdade que entre o R. marido e a referida C. F. existia um relacionamento amoroso.
E também não se olvida que C. F. forneceu à funcionária da A. os dados da empresa da qual o R. é legal representante e que lhe entregou um cartão contendo elementos identificativos dessa mesma empresa, constante de fls. 12-verso, encontrando-se aí manuscritos o nome e o número de telemóvel do mencionado R. marido.
Porém, desconhece-se o modo como C. F. obteve tais informações, bem como acedeu ao referido cartão.
Mais: não é de excluir a hipótese de C. F., no âmbito dos contactos mantidos na sequência do relacionamento amoroso, ter conseguido obter tais elementos sem que o R. marido disso tivesse dado conta ou autorizado.
Também ficou demonstrado que, nos moldes que infra se explicitarão, C. F. entregou aos funcionários da A., aquando da montagem e entrega dos móveis, um cheque sacado sobre a conta do R. marido e por este assinado (sendo que o R. não impugnou tal assinatura).
Porém, importa acentuar que o R. J. S. comunicou às autoridades policiais (e à instituição bancária), cerca de 7 meses antes, o extravio de tal cheque, conforme infra melhor se explicitará. Mais: é perfeitamente visível, a olho nu, que a data de emissão do cheque em causa – constante de fls. 16-verso – foi adulterada.
Consequentemente, suscitam-se sérias dúvidas quanto à forma pela qual C. F. se encontrava na posse de tal cheque, não sendo de afastar a hipótese de dele se ter apossado sem a autorização ou o conhecimento do R..
Portanto, também não se pode afirmar, sem margem para dúvidas, que tal cheque foi entregue pelo R. marido à referida C. F. com vista ao pagamento à A. do preço dos referidos móveis.
Em conclusão, o Tribunal também não logrou alcançar a segurança necessária para considerar demonstrado que o R. J. S. incumbiu C. F. de transmitir à A. (melhor: aos funcionários desta) a sua declaração de aceitação do contrato em causa.
Neste ponto, referente à emissão - ou não - pelo R. marido da declaração negocial de aquisição dos referidos bens (ou de aceitação do negócio), optou-se por responder às duas versões fácticas apresentadas, na medida em que se afigura duvidosa a repartição do ónus da prova quanto a tal matéria, nos moldes que infra se descreverão.”
Analisando a motivação exposta pelo tribunal a quo, e desde já antecipando a nossa decisão, entendemos não assistir razão à apelante sendo que as razões invocadas por esta radicam tão só na sua discordância relativamente à convicção do Tribunal a quo, designadamente por entender que não podia este ter concluído que “Tais móveis foram escolhidos pela referida C. F. enquanto esta, o R. e a mencionada terceira pessoa iam deambulando pelo estabelecimento. Neste ponto, não advieram dúvidas que foi, efectivamente, a referida C. F. quem escolheu os móveis descritos nos “factos provados”. Não se descarta a hipótese de o R. J. S. e de a outra pessoa que os acompanhava terem opinado ou sugerido a C. F. as peças a eleger. Porém, do depoimento da mencionada testemunha não resultaram dúvidas que a selecção dos mesmos coube à referida C. F.. Aliás, em abono desta consideração, é de sublinhar, tal como mencionado por aquela testemunha, que o R., durante o processo de escolha dos móveis, se ausentou para o exterior, não mais tendo regressado. (…)” e que “De todo o modo, realce-se, novamente, que o R. se ausentou enquanto decorria o processo de escolha dos móveis. Dúvidas inexistem, portanto, que o referido R. nunca transmitiu à testemunha S. M. que pretendia adquirir os referidos móveis, que se se obrigava a pagá-los, nem que concordava com o preço”.
Invoca a Autora, no essencial, os depoimentos das testemunhas S. M. e P. S., que transcreve em parte.
Cumpre referir desde logo que na análise da prova produzida em audiência, o tribunal a quo equacionou toda a prova testemunhal produzida bem como a prova documental constante dos autos.
E fê-lo de forma crítica e fundamentada, esclarecendo através de raciocínio lógico a forma como formou a sua convicção, especificando os fundamentos decisivos para a formação da mesma e justificando os motivos da sua decisão, designadamente porque deu mais credibilidade às declarações do Autor do que às dos Réus.
Aliás, não deixou o tribunal a quo de fundar a sua convicção no depoimento da testemunha S. M., que referiu ter descrito os factos de forma absolutamente credível e pormenorizada, bem como da testemunha P. S..
E ouvidos integralmente os depoimentos destas testemunhas (aliás já parcialmente transcritos nas alegações da Recorrente e nas contra alegações do Recorrido) em particular da testemunha S. M. que foi quem recebeu a C. F., o Réu e a terceira pessoa, e os acompanhou, não vemos que o facto em causa devesse ter sido considerado provado pelo tribunal a quo.
De facto, concordamos na íntegra com as conclusões constantes da motivação da decisão recorrida quando refere que os móveis foram escolhidos pela referida C. F. “enquanto esta, o R. e a mencionada terceira pessoa iam deambulando pelo estabelecimento”; parece-nos efectivamente que foi a C. F. quem escolheu os móveis, ainda que o Réu pudesse ter dito à C. F. para escolher ou opinado na escolha, à semelhança da terceira pessoa que acompanhava a referida C. F. e que não chegou a ser identificada. Aliás a testemunha S. M., à pergunta de quem fez a escolha dos móveis responde que foram os três.
E que os móveis se destinavam à referida C. F. também não deixam os referidos depoimentos margem para dúvidas, sendo certo que a testemunha S. M. refere também que foi à C. F. que ofereceu uma bola/pouf que esta lhe pediu.
Por outro lado, ouvidos os referidos depoimentos também resulta dos mesmos que o Réu, que aliás se ausentou para o exterior, nunca transmitiu à testemunha S. M. que pretendia adquirir os referidos móveis ou que se obrigava a pagá-los, sendo que tudo é transmitido à testemunha pela referida C. F. e é esta apenas quem refere que era o “padrinho” (referindo-se ao Réu) que lhe ia oferecer os móveis; ao contrário do que refere a Recorrente nada permite concluir que foi o Réu quem forneceu na altura os dados e o cartão à C. F.. Aliás, conforme consta da motivação expressa na decisão recorrida “as referidas testemunhas não se aperceberam do local onde C. F. se deslocou durante estas saídas – designadamente, se foi ao encontro do R. J. S.. Aliás, face aos elementos de prova constantes dos autos, desconhece-se, inclusivamente, se J. S. ainda se encontrava nas imediações do exterior do estabelecimento”.
Ouvidos pois os depoimentos em causa, conjugados com a demais prova produzida, e analisados à luz das regras da experiência comum, entendemos que não se verifica erro de julgamento, já que a nossa convicção sobre o ponto de facto impugnado coincide com a da 1ª Instância, inexistindo fundamento para que seja alterada a matéria de facto no sentido pretendido pela Recorrente, devendo pois manter-se inalterável o ponto 1) dos factos não provados; aliás, em perfeita coerência com o que consta da matéria de facto, designadamente no seu ponto 28), relativamente ao qual a Autora se não insurge e onde consta que “O R. J. S. não transmitiu à funcionária da A. que os atendeu na referida loja no dia 14-7-2015 que pretendia adquirir os referidos móveis nem que aceitava os referidos preços”.
Pelo exposto, por nenhuma censura merecer a decisão a esse respeito proferida pela 1ª instância, conforme com a prova constante dos autos, mantêm-se inalterada a matéria de facto fixada pela 1ª instância.
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3.3. Reapreciação da decisão de mérito da acção

Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado pelo Tribunal a quo, ter-se-á de manter, igualmente, a decisão jurídica da causa, que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis.
Tendo improcedido a pretensão da Recorrente quanto à reapreciação da matéria de facto e mantendo-se esta inalterada é inquestionável que o Réu J. S. não emitiu declaração negocial expressa no sentido de pretender adquirir os bens móveis em causa; conforme bem se refere da decisão recorrida não resulta provado nos autos que o Réu tenha por palavras, por escrito ou por qualquer outro meio directo de manifestação de vontade emitido qualquer declaração negocial no sentido de comprar tais bens conforme é previsto no artigo 217º do Código Civil.
Estipula tal preceito legal que a declaração negocial pode ser expressa ou tácita; e é expressa quando feira por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação, e é tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
Quanto ao conceito de declaração negocial Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, página 416, 3ª Edição) define-a como o “comportamento que exteriormente observado cria a aparência de um certo conteúdo de vontade negocial, caracterizando depois a vontade negocial como a intenção de realizar certos efeitos práticos com ânimo de que sejam juridicamente tutelados e vinculantes”.
Pedro Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, 8ª Edição, página 401 a 402) considera a declaração negocial como um “comportamento voluntário que se traduz numa manifestação de vontade com conteúdo negocial feita no âmbito do negócio”; e mais refere, a propósito da distinção entre a declaração expressa e a declaração tácita (Ob. cit. página 406) que “deve ser tido como declaração expressa o finalisticamente dirigido a exprimir ou a comunicar algo” e como declaração tácita “o comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo”.
Na definição legal, a declaração tácita é a que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam, e não se confunde com o silêncio que é uma ausência de declaração, sendo que o silêncio apenas vale como declaração negocial quando tal valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção (artigo 218º do Código Civil); isto é, o silêncio não tem, em princípio, valor como declaração negocial, “é necessário que resulte da lei, de convenção ou do uso que a ausência de resposta tem um certo sentido” (Mota Pinto, ob. cit. página 428).
A Recorrente vem invocar nas suas alegações que a aceitação da proposta negocial pode ser tácita; e, de facto, assim é, conforme já referimos.
Mas tal apenas ocorre quando o comportamento da parte seja concludente ou inequívoco, sendo este aliás o sentido da jurisprudência citada pela Recorrente.
É, por isso, necessária a verificação de factos dos quais se possa deduzir, com segurança, a vontade provável de ser emitida certa declaração, os quais devem ser concludentes ou significativos no sentido de se poder afirmar que, segundo os usos da vida, há toda a probabilidade de que o sujeito tenha querido, realmente, o negócio jurídico cuja realização deles se infere (neste sentido Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3ª Edição, página 226 e Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 4ª Edição, página 136).
“Na declaração tácita, entre os factos concludentes e a declaração há um nexo de presunção, juridicamente lógico-dedutivo. A declaração não é formada pelos factos concludentes, deduz-se deles” (Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, página 60) cabendo ao juiz apurar se, de certo comportamento, se pode deduzir, de modo indirecto, mas com toda a probabilidade, certa vontade negocial (Carvalho Fernandes, ob. cit., página 328).
A conclusão que se impõe é a de que apenas se pode deduzir a existência de determinada vontade negocial quando haja uma verdadeira vontade minimamente exteriorizada, traduzindo-se esta exteriorização necessariamente, e ainda que indirectamente, em factos concludentes.
Ora, no caso, e percorrendo o elenco dos factos provados, não se conclui pela existência de quaisquer factos que permitam deduzir, com toda a probabilidade, que o Réu pretendeu adquirir os móveis em causa, pelos preços mencionados.
O que consta da factualidade provada é tão só que no dia 14/07/2015, no estabelecimento da Autora compareceu o Réu J. S., acompanhado por C. F. e por outra pessoa cuja identidade não foi concretamente apurada, que os mesmos percorreram o espaço comercial, tendo a referida C. F. escolhido várias peças de mobiliário (descriminadas nos factos provados) e ainda que enquanto decorria o processo de escolha dos móveis, o Réu J. S. ausentou-se o estabelecimento, saindo para o seu exterior e não mais regressando ao seu interior.
Aliás, ficou ainda provado que o Réu não transmitiu à funcionária da Autora que os atendeu na referida loja no dia 14/07/2015 que pretendia adquirir os referidos móveis nem que aceitava os referidos preços.
Toda a demais factualidade provada, no que se reporta concretamente à questão dos móveis, respeita apenas à C. F. e ao que esta transmitiu à funcionária da Autora; e se a referida C. F. transmitiu à funcionária da Autora que os móveis seriam pagos pelo Réu e deveriam ser facturados à sociedade de que este é sócio gerente, ou de que o Réu se recusava a entregar qualquer quantia a título de sinal, tal não pode merecer qualquer relevo, conforme bem se refere na decisão recorrida, porquanto se desconhece em absoluto se efectivamente o Réu praticou algum desses actos ou anuiu nas informações por aquela transmitidas à funcionária da Autora.
Não existem dessa forma factos provados que permitam concluir com toda a probabilidade pela verificação de qualquer declaração negocial tácita por parte do Réu no sentido de pretender adquirir os móveis e aceitar os respectivos preços, conforme pretendido pela Recorrente.
Assim, não só não existe declaração expressa do Réu no sentido da vontade de adquirir os móveis e da aceitação dos respectivos preços, como não se provou por parte do mesmo qualquer comportamento, palavra ou atitude, de onde se possa inferir nesse sentido, não se podendo também concluir pela verificação de declaração negocial tácita.
Em face do exposto, improcede a apelação.
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil):

I Não resultando provado nos autos que o Réu tenha por palavras, por escrito ou por qualquer outro meio directo de manifestação de vontade emitido qualquer declaração negocial no sentido de comprar os bens móveis mencionados pela Autora, inexiste qualquer declaração negocial expressa.
II - Na definição legal, a declaração tácita é a que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam (artigo 217º do Código Civil) pelo que apenas se pode deduzir a existência de determinada vontade negocial quando haja uma verdadeira vontade minimamente exteriorizada, traduzindo-se esta necessariamente, e ainda que indirectamente, em factos concludentes.

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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.


Guimarães, 23 de Novembro de 2017
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária


(Raquel Baptista Tavares)
(Margarida Almeida Fernandes)
(Margarida Sousa)