Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
435/12.6TBVPA.G2
Relator: MARIA CRISTINA CERDEIRA
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REIVINDICAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE COMUNITÁRIA
BALDIOS
LIMITES
DIVISÃO ADMINISTRATIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I) – O recorrente tem o ónus de enunciar nas alegações do recurso e de sintetizar nas respectivas conclusões, entre diversos aspectos, as questões de direito (ou de facto) suscitadas, onde se inclui a arguição de eventuais nulidades da sentença previstas nas al. b) a e) do nº. 1 do artº. 615º do NCPC, relativamente às quais pretende uma resposta diversa daquela que foi dada pelo Tribunal recorrido, bem como de indicar os específicos fundamentos porque pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão.
II) - Incumbe ao autor numa acção de reivindicação do direito de propriedade comunitária dos compartes de uma freguesia sobre um terreno baldio, alegar e provar, para além dos actos caracterizadores da posse sobre esse terreno, os factos concretos relacionados com a identificação e configuração do terreno baldio, designadamente no que concerne à respectiva área, confrontações e localização.
III) - Os limites dos baldios não coincidem necessariamente com os limites das freguesias ou dos concelhos: uma coisa é a divisão administrativa imposta pelo Poder Central, outra coisa é a fruição e uso dos terrenos baldios levados a cabo pelas populações locais de acordo com as suas necessidades concretas ao longo dos séculos.
IV) - Durante a vigência do Dec.-Lei nº. 39/76 de 19/1 e, posteriormente, da Lei nº. 68/93 de 4/9, foi amplamente defendido na doutrina que os limites dos baldios nada têm a ver com os limites das freguesias. Esses Baldios se são “comuns” aos habitantes de povoações de mais do que uma freguesia, tal significa que, quando o baldio se instituiu, satisfazia, desde logo, as necessidades de mais do que uma aldeia ou povoado que formavam uma “comunidade” espelhada por mais do que uma freguesia, ou que se veio a espalhar por mais do que uma freguesia em razão da divisão da freguesia, a partir da freguesia “mãe”, sendo que, com a entrada em vigor da Lei nº. 68/93, tal questão ficou ultrapassada com o n.º 2 do art. 22º, onde, expressamente, se reconhece que “as áreas dos baldios” se podem “situar nos limites territoriais de mais de uma freguesia”.
V) - Após a entrada em vigor da Lei nº. 75/2017 de 17/8, que revogou a Lei nº. 68/93 de 4/9, continua a entender-se que os baldios, por serem temporalmente muito anteriores à divisão administrativa do país, não se encontram delimitados pelas linhas definidoras dos limites territoriais das freguesias ou dos municípios, pois que existem baldios que se estendem por áreas territoriais de mais do que uma freguesia e, até, de mais de um município.
VI) - No âmbito da citada Lei nº. 75/2017 actualmente em vigor, a área onde se situam os baldios será a formada pelo território que, gravitacionalmente, por este seja atraída. E o seja por força do local onde os seus compartes tenham residência e/ou local onde se situem os prédios rústicos beneficiados por tal baldio, sendo, portanto, o espaço geográfico do lugar ou lugares (de uma ou mais freguesias, ou de um ou mais concelhos) que o possuem e gerem comunitariamente.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Junta de Freguesia de X, actualmente Junta de Freguesia de Y e X, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra Parque Eólico de W, S.A. e Conselho Directivo dos Baldios do B., pedindo a condenação dos Réus a:

a) Reconhecer o direito de propriedade comunitária dos compartes da freguesia de X sobre os terrenos baldios situados para Norte da linha de delimitação referida nos artºs 12º a 14º da petição inicial;
b) Reconhecer que 3 aerogeradores e o edifício de rés-do-chão de apoio ao parque eólico, edificado pela 1ª Ré no local referido nos artºs 15º e 16º da petição inicial, bem como a saibreira identificada no artº. 18º do mesmo articulado, se encontram implantados no terreno baldio da A., e que um quarto aerogerador da 1ª Ré se encontra implantado sobre a aludida linha de delimitação com o baldio do 2º Réu;
c) Ser a 1ª Ré condenada a comprovar todos os pagamentos que fez até ao presente aos compartes da freguesia de B., relativos aos quatro aerogeradores e edifício supra referidos;
d) Ser o 2º R. condenado a entregar à A. todas as quantias que recebeu até ao presente da 1ª Ré, relativamente aos três referidos aerogeradores, metade do quarto, implantado na dita linha de delimitação dos dois baldios e bem como pelo mencionado edifício de apoio ao parque eólico, e ainda a quantia que recebeu pela alienação do saibro referido no artº. 18º da petição inicial ou o respectivo valor monetário caso tal produto haja sido objecto de outro negócio jurídico,
Quantias essas acrescidas de juros à taxa legal, contados desde a citação dos RR. até à respectiva entrega à A., a liquidar a final pela secretaria judicial por simples operação aritmética;
e) Ser a 1ª Ré condenada a passar de imediato a entregar à A. todas as verbas que vêm pagando ao 2º R. relativas aos três aerogeradores e metade do quarto, bem como pelo dito edifício.

Para tanto alega, em síntese, que os compartes da freguesia de X, concelho de Ribeira de Pena, são donos e legítimos possuidores de uma extensa área de monte, sobretudo com mato, pastagens e arvoredo, circundante das povoações que integram a freguesia, que constitui o seu baldio, sob a gestão e administração da A., o qual confronta, no seu extremo sudoeste, com o baldio da freguesia de B., concelho de Mondim de Basto.
A delimitação e demarcação entre ambos os baldios é estabelecida pela linha que liga os pontos acordados e consignados no “auto de delimitação e demarcação entre os concelhos de Ribeira de Pena e Mondim de Basto” de 22 de Outubro de 1938, que consta da acta relativa à sessão da Câmara Municipal de Ribeira de Pena de 27 de Outubro de 1938, conforme descrito nos artºs 12º a 14º da petição inicial, sendo que o baldio dos compartes da freguesia de X fica para Norte daquela linha e o do 2º R. fica para Sul da mesma.
Acrescenta que em meados de 2011, no terreno baldio dos compartes da freguesia de X, para Norte da referida linha de delimitação, a 1ª Ré instalou três geradores para produção de energia eólica e construiu um edifício de rés-do-chão com 35 m2 para apoio ao parque eólico, sem autorização da A., bem como instalou um quarto gerador sobre a própria linha de demarcação com o terreno baldio dos compartes da freguesia de B..
Por usa vez, o 2º R. facultou a terceiros a extracção de vários camiões de saibro, em número não inferior a 100, do terreno baldio da A., próximo da referida linha de delimitação entre os dois baldios.
Após invocar factos tendentes a demonstrar a aquisição originária, por via da usucapião, pelos compartes da freguesia de X, particularmente os moradores de M., desde há mais de 100 anos, dos terrenos baldios que se estendem por vários hectares nas imediações daquela aldeia, situados a Norte da descrita linha de delimitação, refere que essa linha foi sempre pacificamente respeitada e aceite pelos compartes de ambas as freguesias e concelhos e reivindica os rendimentos derivados da implantação e exploração dos mencionados aerogeradores, edifício de apoio e saibreira, pagos ilegitimamente ao compartes da freguesia de B..

O R. Conselho Directivo dos Baldios do B. contestou, impugnando a factualidade alegada na petição inicial e sustentando, em suma, que os aerogeradores e o edifício a que a A. se reporta estão implantados em terrenos que integram os baldios usados e fruídos pelos compartes da freguesia de B., por si representados, dentro dos limites da superfície administrativa daquela freguesia, conforme resulta da certidão de teor do prédio rústico inscrito sob o artigo matricial ..., onde o referido parque eólico se situa, e da Carta Administrativa Oficial de Portugal (CAOP).
Acrescenta que o saibro a que a A. se refere no seu articulado foi todo ele extraído dentro dos limites do baldio do 2º R., tendo sido, no entanto, em quantidade bem menor à indicada pela Autora.
Alega, ainda, factos inerentes à aquisição originária (por usucapião), pelos compartes do 2º R., do direito de propriedade comunitária sobre os terrenos baldios dos quais faz parte o local onde foram instalados os ditos aerogeradores, construído o edifício de apoio e extraídos os referidos saibros.
Conclui, pugnando pela improcedência da acção e absolvição dos RR. do pedido.

A Ré Parque Eólico de W, S.A. também apresentou contestação, alegando, em síntese, que celebrou com o 2º R. um contrato de cessão de exploração, cujo objecto foram os baldios de B. por forma a neles instalar um parque eólico, e iniciou a construção do parque eólico na convicção de que este se encontrava dentro dos limites dos baldios de B. e contratados pela Ré.
Impugna o demais alegado na petição inicial.
Conclui, pugnando pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.

A A. apresentou réplica, reiterando o alegado na petição inicial e pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pelo 2º Réu.

Realização a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual se fixou o valor da causa, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, que sofreu reclamação por parte do 2º R., a qual foi parcialmente atendida por despacho de fls. 152.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.
Após, foi proferida sentença que julgou a presente acção improcedente e, em consequência, absolveu os réus Parque Eólico de W, S.A. e Conselho Directivo dos Baldios de B. dos pedidos.

Inconformada com tal sentença, a Autora dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, tendo em 2/09/2020 sido proferida decisão sumária nesta instância superior, que concluiu no sentido da procedência parcial do recurso e determinou a anulação da sentença com o consequente prosseguimento dos autos, designadamente para apuramento da existência do “animus possidendi” tendente à prova da aquisição da propriedade dos baldios por usucapião e subsequente apreciação do demais peticionado nos autos, por insuficiência da fundamentação da decisão da matéria de facto e de direito, quanto à análise crítica de toda a factualidade alegada e por consequência da prova produzida.

Em cumprimento do determinado por este Tribunal da Relação, foi reaberta a audiência de julgamento em 8/01/2021, para reinquirição de 6 testemunhas arroladas pela A. e alegações finais, tendo posteriormente sido proferida sentença que julgou a presente acção improcedente e, em consequência, absolveu os réus Parque Eólico de W, S.A. e Conselho Directivo dos Baldios de B. dos pedidos.

Inconformada com tal decisão, a Autora dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

1 - Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente a presente acção instaurada pela A. em virtude de com a mesma nos não podermos conformar; Com efeito,
2 - Modestamente nos parece que a prova produzida e dada como provada, conjugada com aquela que foi subestimada e que podia e deveria ter sido considerada, salvo o mais elevado respeito, importará uma decisão contrária à prolatada, determinante da procedência parcial desta acção. Por isso,
3 – Por via deste recurso, visam os recorrentes a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito.
4 - A autora recorreu a juízo para defesa dos direitos e interesses legítimos da respectiva comunidade de compartes em que se integram os directamente prejudicados com a conduta dos RR relativos ao seu baldio, que são os da povoação de M., nos termos, fundamentos e pedido da petição inicial que aqui se dá por integrada.
5 – Os RR contestaram a acção e, ante os termos e fundamentos alegados, peticionaram a improcedência da acção e a sua consequente absolvição dos pedidos,
6 – Limitando-se a impugnar a delimitação indicada pelaA,
7 – Apesar de a terem respeitado até à contratação que fizeram da instalação do parque eólico em apreço, nunca tendo sustentado que a divisão dos baldios fosse pela demarcação administrativa,
8 – Acabando contudo por vir posteriormente indicar como divisão dos seus baldios com os da A., uma linha recta do “Marco ...” à Capela de ..., da aldeia da A., só porque um documento que trouxeram à lide se referia a uma terra com tal nome,
9 – Em total subestima do facto que bem conhecem e é do conhecimento geral dos habitantes dos dois concelhos confinantes, que tal demarcação nunca podia sequer ser possível por atravessar uma imensidão urbana e rústica do concelho de Ribeira de Pena.
10 – Sustenta a A. nesta lide como causa de pedir que os compartes por ela representados, designadamente os da povoação de M., são os exclusivos donos e legítimos possuidores de uma extensa área de monte, sobretudo com mato, pastagens e arvoredo, circundante das povoações que integram a freguesia, terreno esse que constitui o seu baldio, sendo por isso a sua propriedade comunitária.
11 - E assim se arroga a A. porquanto, como demonstrou e vem provado nos autos, os moradores da freguesia de X, mais concretamente os de M., há mais de 100 anos a esta parte que semeiam e colhem centeio em plainas, roçam o mato, cortam lenha e apascentam o gado nos terrenos situados a norte da linha referida em 3, aí pernoitam para guardar as suas culturas, construíram paredes na linha referida em 3, procederam a florestação, sem interrupção temporal, sem oposição de ninguém, à vista de todos,
12 - E assim procederam sempre os compartes da A. na convicção de que com aquela sua posse não ofendiam direitos alheios, convencidos de que atuavam sobre o baldio que lhes pertencia e por isso como verdadeiros titulares de um direito de propriedade comunitária, conforme m.f.p. sob os nºs 16 a 22 e 29.
13 - No seu extremo Sudoeste, tal terreno baldio confronta com os compartes do 2º R., da freguesia de B., concelho de Mondim de Basto,
14 - E tem por demarcação entre ambos a linha que liga os pontos acordados que vão do nº … até ao Marco Geodésico sito no alto do “Monte ...”, designado por Marco ..., onde termina depois de passar a Sul do Vale de ... e ... e a Norte do Vale de W,
15 – Pontos esses consignados no “auto de delimitação e demarcação entre o concelho de Ribeira de Pena e o de Mondim de Basto” datado de 22 de Outubro de 1938, outorgado e redigido nos termos aí referidos pelos representantes das instituições e funcionários lá identificados e outras pessoas, na presença de “muito povo das freguesias interessadas nesta divisão e demarcação”.
16 – Sempre foi e é tal linha havida e aceite por todos como aquela que separa o baldio dos compartes de M., da freguesia de X, que fica para o lado Norte, do dos compartes da freguesia do B., que fica para o lado Sul.
17 - Foi nas proximidades dessa linha que por contrato de cessão de exploração celebrado pelos RR, a 1ª R instalou vários aerogeradores de energia elétrica e um edifício de apoio ao parque eólico.
18 - Só com a produção da prova pericial produzida nos autos se pôde a A. aperceber ao certo que afinal apenas dois desses aerogeradores se encontravam a Norte de tal linha de delimitação, ou seja, na área do seu baldio.
19 - Para a operada prolação da sentença recorrida, sob a al. a) do seu ponto V considerou a Mertª Juíza como provados, os factos numerados e descritos de 1 a 30, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido para se evitarem inúteis repetições,
20 – E sob a al. b) do mesmo ponto considerou como não provados, os factos ali numerados e descritos de i) a v), cujo teor aqui se dá igualmente por integrado.
21 – Pelo seu especial relevo para os termos desta lide e deste recurso, salientamos aqui que, como nós, também o Tribunal entendeu que de facto, os moradores da freguesia de X mais concretamente os de M., há mais de 100 anos a esta parte que semeiam e colhem centeio em plainas, roçam o mato, cortam lenha e apascentam o gado nos terrenos situados a norte da linha referida em 3, aí pernoitam para guardar as suas culturas, construiram paredes na linha referida em 3, aí procederam a florestação, sem interrupção temporal, sem oposição de ninguém, à vista de todos, com a convicção de que com tal posse não ofendiam direitos alheios, convencidos de que atuavam sobre o baldio que lhes pertencia e por isso como verdadeiros titulares de um direito de propriedade comunitária.
22 – E ainda que Mais se apurou que dois dos aerogeradores encontram-se situados a norte da linha que a autora alega ser a delimitadora do seu baldio, encontrando-se os restantes e a subestação a sul da referida linha.
23 – Assim, temos que pelo lapso temporal de mais de um século, tem vindo a ser a própria comunidade, enquanto coletividade de pessoas, que são os mencionados compartes da A., habitantes de M., quem exercem sobre os terrenos situados a norte da linha descrita nos pontos 3 e 4 dos factos provados, como coisas comuns, usufruídas por eles, os correspetivos e aludidos actos de posse comunitária,
24 - Revelando-se por isso os exclusivos titulares de uma realidade jurídica, definida como posse útil ou direito de gozo e fruição nos termos, de harmonia e com a abrangência a que se reportam os doutos Acórdãos do STJ citados supra.
25 – Ou seja, são os compartes da A. os proprietários comunitários dos terrenos baldios situados a Norte daquela linha, além do mais em decorrência da prova assente relativa aos actos de posse, uso e fruição que eles sobre os mesmos fazem nos termos legalmente caracterizadores da posse e por isso determinantes do consequente direito que alegam, invocam e em cujo reconhecimento se pede que os RR. sejam condenados.
26 – Dado ser esta uma acção de reivindicação, é de facto a A. a reivindicante, conquanto representante daqueles compartes que são os proprietários da coisa reivindicada, verificando-se identidade entre a mesma, o local do seu baldio onde foram implantados 2 aerogeradores, sem sua permissão, e a possuída pelos RR., a quem se reivindica.
27 - Para fundamentar o seu julgamento de improcedência desta reivindicação, a Mertª juíza entendeu que “... não obstante os atos de fruição demonstrados, a sua pretensão esbarra com um obstáculo ... intransponível pois que a delimitação dos baldios de X e B.” sustentada pela A. colide com o limite administrativo das freguesias...
28 - O sentenciado insucesso da pretensão da A, no entendimento do Tribunal a quo, deriva do facto de a linha de delimitação de um território baldio não ser coincidente e/ou consequente com a linha de divisão administrativa da freguesia ou concelho que o insere;
29 - Ante tal entendimento, teríamos que concluir que os habitantes de uma certa localidade, compartes de terrenos baldios, nunca poderiam titular o direito de propriedade comunitária sobre terrenos baldios que excedessem a linha administrativa da freguesia ou concelho em que se inserissem.
30 - Salvo o mais elevado respeito pensamos que não assiste razão à Mertª Juíza ao assim decidir, porquanto delimitação de baldios e demarcação administrativa não têm que ser coincidentes por se tratarem de realidades jurídicas completamente diferentes.
31 – Comunidades de compartes há que são titulares de baldios que se estendem para além dos limites administrativos da sua freguesia, ou do seu concelho ou mesmo do seu país, como sucede em algumas colectividades fronteiriças, sendo tal direito de propriedade comunitária respeitado, de ambos os lados, por todos.
32 – Este nosso entendimento é também corroborado por Jaime Gralheiro, na sua obra “Comentário à(s) Lei(s) dos Baldios”, a pág.s 26, 27, 48, 49 e 95, conforme citações supra, como também por outros insignes mestres por ele ali referenciados, como António Manuel Hespanha, in História das Instituições, Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo.
33 – Igual entendimento nos parece derivar da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, supra citada e explanada por aquele autor naquela sua referida obra em que salienta, em suma, que a divisão administrativa (concelho e freguesia) deixou de ter qualquer relação com a realidade baldios … os limites dos baldios sempre foram independentes dos limites das autarquias a que pertencem os moradores que os utilizam. - Acórdão do S.T.J. de 28/01/1975 in BMJ 243, 227 e Ac. do S.T.J. in Rev. Trib., ano 78, pág. 264.
34 – Nesta mesma senda de entendimento também se revela a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente nos seus doutos Acórdãos supra referidos de que se extraíram os excertos citados – Ac. TC 595/15 de 28/12, Ac. TC 325/89, Ac. TC 96/2012 e Ac. TC 240/1991,
35 – Como ainda o Dr. João Carlos Gralheiro, na sua obra “Dos Baldios, até à Lei 75/2017 de 17 de Agosto”, a págs. 296, aí referindo doutrina que se enquadra perfeitamente neste nosso entendimento, como resulta desde logo do teor das citações supra.
36 – Face a tudo quanto alegado vem deverá ser alterada a matéria de facto provada e não provada nos termos seguintes:
- O facto havido por não provado sob a alin. b) i) deverá aí ser desconsiderado a esse nível de “não provado” e passar a constituir o nº 30 dos “factos provados” com o seguinte teor:
- “30. A delimitação entre os baldios de X e os do B. é feita através da linha referida em 3, assinalada a encarnado nos mapas dos relatórios periciais de fls. 534, 540 e 541, que passa pelos pontos referidos em 4, referenciados e fotografados no respectivo relatório de fls. 537 a 539.”.
37 – Por outro lado, também que a factualidade sob o nº 30 da matéria de facto ora dada como provada na douta sentença, deverá ser desconsiderada a tal título e considerada como não provada, excluindo-se dos “factos provados”, porquanto,
38 - Da primeira audiência de julgamento consignou a douta sentença sob os nºs 22 a 25 [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “nºs 23 a 26”, em face da matéria de facto dada como provada na sentença ora em recurso e por comparação com os factos provados na 1ª sentença proferida nos autos] que “Há mais de 10 anos os habitantes da freguesia do B. apascentam gado no local onde foi instalado e construído o referido em 5 e 6; à vista de todos; sem oposição de ninguém; sem interrupção.” e nada mais.
39 - Quanto a isto, apascentação de gado, os seus donos, tanto de um lado quanto do outro daquela linha de demarcação, não se conhece que a isso façam embaraço ou hostilização dado ser usual e aceite que o gado circule e viva em regime de liberdade.
40 – Apesar disso muitos são aqueles que quando se apercebem que o seu gado está a ultrapassar a dita linha que conhecem e identificam como divisória dos baldios, se preocupam em o “tornar” para que pastem apenas no baldio do seu lado.
41 - A convicção reportada àquele nº 30 da m.f.p. não logrou qualquer prova no primeiro julgamento razão pela qual não foi levada em consideração como m.f.p. na douta sentença então proferida e recorrida.
42 - Só esta, pastagem de gado, há mais de dez anos, período coincidente com a contratação e começo das obras reportadas nos nºs 5 e 6 da m.f.p., constituiu o único facto provado e não a aludida convicção de “animus possidendi”, ínsita no ora prolatado nº 30 da m.f.p.,
43 - Razão pela qual, em conjugação e a corroborar o predito, também subsiste, o nº V da alín. b) da “fundamentação de facto” da sentença recorrida, ou seja, como “facto não provado” que “Os habitantes da freguesia do B. plantam e cortam árvores e arbustos no local onde foi efectuada a instalação e construção referidas em 5 e 6.”.
44 - Nesta ora realizada repetição de julgamento os RR. não produziram qualquer sorte de prova sob seu ónus, designadamente a relativa àquele “animus possidendi”, tendo mesmo prescindido de tal produção como consta da acta da audiência.
45 – Como tal deverá ser excluído o nº 30 da m.f.p. na douta sentença recorrida.
46 – Também face a toda a prova produzida em audiência, a factualidade sob iii) da alín. “b) factos não provados”, deverá ser dali excluída e acrescentada à matéria de facto provada sob o nº 31 com aquele mesmo teor: “Foi o Conselho Directivo dos Baldios do B. quem facultou a extração do saibro referida em 13 (e não 12, como ali vem referido).”
47 – Ante a prova pericial, testemunhal e documental produzida nos autos, a linha pericialmente definida em conformidade com os pontos 3 e 4 da m.f.p. não é uma gélida consequência do “auto de delimitação e demarcação entre este concelho (o de Ribeira de Pena) e de Mondim de Basto (…)”,
48 – Mas antes uma efectiva consequência da posse comunitária, contínua, pública, pacífica e de boa-fé por mais de cem anos, sobre os terrenos existentes para o lado Norte daquela linha, por banda do povo de M. que integra a comunidade representada pela A, nos termos e modo referidos na m.f.p.
49 - Não existe uma exclusiva relação de causa–efeito entre aquela acta apelidada “delimitação e demarcação entre este concelho e de Mondim de Basto” e a delimitação do baldio daquelas duas comunidades.
50 - Aquela deliberação camarária com tal delimitação e demarcação resulta dos aludidos e provados actos de posse comunitária secular, e não é esta que deriva daquela.
51 - É nessa posse comunitária que a A. veio estribar a sua pretensão.
52 - Esta linha de divisão do baldio foi sempre respeitada por todos até aos actos de polemização do 2.º R. referidos e documentados supra.
53 – Para alicerçar a prova deste facto a aditar à m.f.p. sob o nº 30, deverá ser considerado, para além da prova testemunhal produzida nos dois julgamentos e supra referida e transcrita, também a documental que a sentença subestimou, como seja,
- A acta junta à p. i., de fls. 19, de 03/11/1938 da Câmara Municipal de Ribeira de Pena que aprovou a acta anterior da delimitação e demarcação entre Ribeira de Pena e Mondim de Basto, na parte em que realça a pretensão da delimitação dos baldios em apreço e não propriamente a definição administrativa, como referido supra.
- A acta de fls. 354 v e 355, na sua referência à transgressão pela Junta do B. consistente na resinagem e corte de pinheiros no baldio da A, a seguir à linha de divisão na Cruz do ... identificada na divisão em acta sob o nº 2 da m.f.p., conjugada com a ilação advinda do pagamento feito daquela autuação com o cheque e quantia aí referidos.
- Documentos de fls 459 a 474 cujo teor se sumariou na resenha exposta a fls. 456, 457 e 458, com a cronologia dos mesmos quanto aos factos lá consignados, reveladores da consideração e respeito por todos daquela linha como a delimitadora dos baldios.
- A carta geográfica de fls. 474 que revela o alinhamento da linha que do Marco ..., passando pelo Alto da ..., vai até à localidade de M. que fica próxima do B. e com que o 2º R quis lançar confusão fazendo crer que fosse a aldeia de M. da A., essa também praticamente coincidente com a da divisão dos baldios sob o nº 3 e 4 da m.f.p..
54 – Nunca os RR. vez alguma referiram que a divisão dos seus baldios com os da A. fosse pela demarcação administrativa, acabando apenas por atirá-la para a linha do Marco ... à Capela de ..., pretendendo que fosse a da aldeia da A., só porque o documento que trouxeram se referia a uma outra terra com aquele nome, para instalar a confusão.
55 - Nem tão pouco a linha de demarcação administrativa da CAOP, georeferenciada a fls. 534 e 541 tem o rigor da sob o nº 3 e 4 da m.f.p. por nem tão pouco atingir o Marco ... que inquestionavelmente é o geodésico de encontro do monte de três concelhos: Ribeira de Pena, Mondim de Basto e Vila Real.
56 – O limite administrativo das freguesias de X e B. de acordo com a C.A.O.P é o assinalado a preto nas plantas de fls. 534, 540 e 541 desde o ano de 2003, ou seja desde há cerca de 16 anos à data do Julgamento, nada nos garantindo que em 1938 não fosse também coincidente com a delimitação constante da acta junta a esta acção.
57 – A matéria de facto provada nos autos constituía só por si fundamento bastante para a prolação da sentença a julgar parcialmente procedente a Acção relativamente aos dois aerogeradores a que se reporta o nº 26 [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “n.º 9”, em face da matéria de facto dada como provada na sentença ora em recurso e por comparação com os factos provados na 1ª sentença proferida nos autos] da m.f.p. porquanto provado vem também nos demais nºs que os compartes da A. são os donos e legítimos possuidores comunitários da coisa comum, o seu terreno baldio sito a Norte da linha definida nos nºs 3 e 4.
58 – Pelo que os fundamentos desta Acção estão em oposição com a decisão, o que a torna nula à luz do preceituado no artigo 615º nº 1 c) do C.P.C.
59 - A m.f.p., ao consubstanciar os compartes da A. como os titulares da posse útil ou direito de gozo e fruição sobre os terrenos sitos a Norte da linha ínsita no nº 3 e 4, não pode levar à desconsideração da apropriação feita pelos RR. desse mesmo baldio, com a instalação que ali fez de dois aerogeradores, assim decidindo como faz a sentença.
60 – A sentença violou também o artigo 2º, 3º e 6º nº 3 da Lei nº 75/2017 (Lei dos Baldios), bem como o artigo 1305º do C. Civil, considerando a similitude do direito de propriedade em apreço,
61 - A violação da legislação invocada torna nula a sentença recorrida devendo ser substituída por outra que julgue a ação parcialmente procedente nos termos alegados.

Termina entendendo que a presente apelação deve ser julgada procedente e revogada a sentença recorrida, proferindo-se outra que julgue a acção parcialmente procedente relativamente aos dois aerogeradores referidos no ponto 9 da matéria de facto provada.

O R. Conselho Directivo dos Baldios do B. contra-alegou, entendendo que deve ser julgado improcedente o recurso interposto pela Autora e confirmada a sentença recorrida, invocando, em síntese, que:

- ficou por provar toda a factualidade necessária para demonstrar a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade comunitária dos compartes da freguesia de X invocado pela A., sobre uma “extensa área de monte” que não identifica minimamente; de facto, nem a A. o alega, nem ficou provado de que “extensa área de monte” se trata, pois a A. não a identifica concretamente em termos de área, confrontações e localização, como lhe competia;
- não resultaram provados quaisquer factos concretos que permitissem concluir onde se situa a linha delimitadora dos terrenos baldios de X e do B., nomeadamente no local em que se encontram implantados os aerogeradores e o edifício em causa;
- a Autora também não logrou fazer prova quanto à intervenção do 2º R. numa alegada retirada de saibro das bermas da estrada municipal que liga ... a M.;
- da prova pericial, testemunhal e documental produzida nos autos nada resulta provado quanto à exacta linha divisória dos baldios em causa e muito menos quanto à localização dessa linha divisória no local em causa, no qual se encontram implantados os aerogeradores e o edifício de apoio, o Vale de W;
- da sentença recorrida não resulta que seja entendimento do Tribunal “a quo” que as delimitações dos baldios têm que ser coincidentes com as delimitações administrativas das freguesias ou concelhos em que se inserem; mas resulta que, no caso concreto dos autos e no local em questão, a linha divisória dos baldios de X e do B. é a mesma que divide administrativamente as freguesias de X e B./concelhos de Ribeira de Pena e Mondim de Basto, sendo a própria A. que defendeu ab initio que, no caso concreto, a delimitação do seu baldio coincide com a delimitação administrativa daquelas freguesias e concelhos;
- e a sentença recorrida entendeu que, da prova produzida, resultou que as eólicas e a construção em causa estão situadas fora dos limites administrativos da freguesia de X que a A. alega serem os mesmos que os do seu baldio.

Veio, ainda, interpor “recurso subsidiário”, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pela recorrente, e mesmo que assim se não decida (sic), formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
40 – No entanto, o R. Conselho Directivo dos Baldios de B. entende impugnar a decisão proferida ao incluir os pontos 9., 13. e 16. a 22. na matéria de facto dada como provada, por dela não concordar nessa parte e que não foram impugnados pela Recorrente Autora;
41 - O vertido naquele referido ponto 9. está em contradição com a demais matéria dada como provada e, por outro lado, não é consentâneo com a prova efectivamente produzida pelo que deverá ser retirado do conjunto de factologia dada como provada.

Porquanto,
42 - A linha referida no ponto 3. dos factos provados é uma linha imaginária que, qua tale, foi descrita numa acta camarária de 1938 mas que não mereceu nos autos qualquer definição em concreto, maxime, no terreno, nomeadamente por via de prova pericial, documental ou testemunhal ou qualquer outra.
43 – A linha traçada a laranja, ou a encarnado, como vem a Recorrente ora de alegar, foi traçada na Planta Topográfica junta aos autos com o respectivo Relatório Pericial a 18 de Abril de 2018 com a referência CITIUS 1604793, por indicação feita ad libitum, pela A. através da pessoa do seu Ilustre mandatário, como foi confirmado expressamente pelo Sr. Perito o qual também esclareceu nos Autos, a 11/06/2018 com a refª CITIUS 1658142, não dispor de quaisquer dados que lhe permitissem esclarecer se a toponímia ou os pontos 30, 31 e 32, referenciados na Acta de 1938 referida no ponto B da Factualidade Assente tinham qualquer correspondência com os pontos B, C e D. da dita planta.
44 - Sendo uma linha de demarcação que foi colocada na planta pericial não em resultado de qualquer averiguação efectuada pelo senhor perito ou de qualquer outro meio probatório, mas conforme com a indicação da Autora, quod erat demonstrandum, daquela inserção em planta nada poderá resultar em sede probatória quanto ao limite ou demarcação dos baldios invocada pela mesma Autora, muito menos quanto à sua coincidência com aquela linha indicada em 3. dos factos assentes.
45 - Conforme o Sr. Perito respondeu, “o Il. mandatário da A. indicou-lhe a linha que a A. entendeu ser a que constitui a divisória tanto dos ditos Baldios como dos concelhos” (Ribeira de Pena e Mondim de Basto). Deste modo e a este respeito o Sr. Perito naturalmente que se limitou a seguir e a desenhar aquelas indicações.
46 - Da prova testemunhal arrolada pela Autora resulta manifestamente a ideia defendida pela mesma que era a de que a linha divisória dos baldios é a mesma que divide administrativamente no local os concelhos de Ribeira de Pena e de Mondim de Basto, como se extrai destes seus depoimentos que se transcreveram: …as pessoas diziam, para ali é Mondim de Basto e para aqui é Ribeira de Pena… a linha de delimitação do concelho é a mesma… é a mesma dos baldios… não há diferença… não há diferença nenhuma… onde acaba o concelho também acaba o baldio… Portanto não há baldio nenhum de X para baixo dessa linha… a linha de divisão do concelho ou da freguesia ou do baldio que é a mesma… é a mesma. Essa linha de divisão dos baldios também era a linha de divisão do concelho… Era a linha de divisão dos concelhos. Portanto quer a linha de divisão dos baldios e a linha de divisão dos concelhos é a mesma… É a mesma. X não tem qualquer baldio para sul dessa linha, para baixo dessa linha… não senhor, não temos lá nenhum baldio. Existe a delimitação do concelho e do baldio, sempre foi aquela… É a mesma, nunca houve outra. Portanto a delimitação do concelho é a mesma da delimitação da Freguesia… é a mesma da delimitação do baldio.
47 – Ao contrário do que refere agora a Autora, da Douta sentença recorrida não resulta que seja entendimento do Tribunal que as delimitações dos baldios têm que ser coincidentes com as delimitações administrativas; da leitura da douta sentença recorrida resulta que, NO CASO CONCRETO DOS AUTOS e NO LOCAL EM QUESTÃO, a delimitação dos baldios coincide com a delimitação administrativa actualmente em vigor.
48 – Na verdade, a Douta Sentença em crise concluiu textual, inequivocamente e bem que quanto à “questão da delimitação dos baldios, resultou provada que coincide com a delimitação das freguesias de B. e X e, simultaneamente, dos concelhos de Ribeira de Pena e Mondim de Basto” - sic.
49 - Não tendo sido dado como provado que a delimitação entre os baldios de X e B. é feita através da linha referida em 3., cuja localização de resto não ficou provada, resulta manifesto que não poderá ser dado como assente que “dois dos aerogeradores referidos em 5 se encontram situados a norte da linha referida em 3.”
50 - Em resposta aos solicitados esclarecimentos o senhor Perito respondeu a 07/03/2019, nos autos com a refª CITIUS 1902362 que: “A distância entre o aerogerador (N 193573 06, E 28727 36) e a linha marcada a laranja como sendo a indicada como “Junta de Freguesia de X” é de 60,4 metros. E, “O aerogerador encontra-se a Sul da Linha marcada a laranja como sendo a indicada como “Junta de Freguesia de X”.
51 - Nada resulta da prova produzida nos autos que aquela linha seja a linha descrita no ponto 3. dos factos dados como provados.

Assim como e por isso,
52 – O facto vertido em 13. Dos factos provados – “Foi efectuada extracção de vários camiões de saibro, em número não inferior a 100, de um terreno situado a norte da linha referida em 3. (Artigo 8º da base instrutória)”, deve ser considerado como não provado.
53 - Tanto assim é que, ao pedido de esclarecimentos nos autos a 01/05/2018 com a refª CITIUS 1616936, feito pelo R. ao senhor perito que elaborara a dita planta onde desenhou a referida linha, questionando: 4 – Nos referenciados pontos B, C e D do levantamento topográfico existe algum elemento dos que resultam respectivamente na descrição dos pontos 32, 31 e 30, referenciados na Acta de 1938 referida no ponto B da Factualidade Assente? 5 – A linha que une os referidos pontos 30, 31 e 32, conforme com a respectiva descrição feita na dita Acta é a mesma que a ora indicada pela A., linha laranja assinalada no Levantamento Topográfico? 6 – Aqueles pontos B, C e D correspondem a algum dos pontos referidos na dita acta? – Se sim, a qual deles corresponde cada um deles?
54 - O senhor perito esclareceu respondendo nos autos a 11/06/2018 com a refª CITIUS 1658142 que “relativamente ao nº 4/5/6 não tenho dados para responder ao solicitado.”
55 - Dois dos ditos aerogeradores estão a Norte da linha desenhada a vermelho pelo senhor perito na Planta Topográfica junta aos autos com o respectivo Relatório Pericial a 18 de Abril de 2018 com a referência CITIUS 1604793; contudo não foi dado como provado porque, aliás, não foi feita qualquer prova de que a linha descrita nos pontos 3. e 4. dos factos assentes é aquela linha que a Autora/Recorrente indicou ao senhor perito como sendo a delimitadora do seu baldio e que este desenhou a vermelho na dita planta; tanto que o senhor perito esclareceu, como sobredito, que não tinha qualquer elemento que lhe permitisse responder se esta era coincidente com a primeira.
56 – Pelo que, não pode ser dado como provado que “dois dos aerogeradores referidos em 5 encontram-se situados a norte da linha referida em 3.” – ponto 26. [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “ponto 9”, em face da matéria de facto dada como provada na sentença ora em recurso e por comparação com os factos provados na 1ª sentença proferida nos autos] dos factos provados.
57 - Os factos dados comos provados nos pontos 9. (Apenas dois dos aerogeradores referidos em 5 encontram-se situados a norte da linha referida em 3.) E 13. (Foi efetuada extração de vários camiões de saibro, em número não inferior a 100, de um terreno situado a norte da linha referida em 3.) não são consentâneos com a prova produzida, ou melhor, com a falta dela e até com a própria fundamentação, pelo que deverão ser retirados do acervo de factologia dada como provada.
58 - Antes poderá é, quando assim melhor se entenda, ser dado como provado que “dois dos aerogeradores estão a Norte da linha indicada pela A. como sendo o limite do seu baldio e desenhada a vermelho na Planta Topográfica junta aos autos em Relatório Pericial a 18 de Abril de 2018 com a referência CITIUS 1604793”.
59 - A contradição entre factos provados, entre factos provados e não provados e o facto de a matéria contemplada na decisão de facto ser insuficiente para a tomada de posição sobre o pedido formulado, não determinam a nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão; antes configuram um erro ou vício da decisão de facto, situações que encontram acolhimento na previsão do art.º 662º do C.P.C. relativamente à modificabilidade da decisão de facto, à luz do qual devem ser avaliadas. Assim,
60 - Mantendo-se a decisão proferida, impõe-se, no entanto, que aquele facto constante do ponto 9. seja ser retirado do acervo de factologia dada como provada.
61 – Mas mesmo que se entendesse que a linha de demarcação dos baldios é constituída pela linha referida no ponto 3. dos factos assentes, como alega a A., no que se não concede, sempre essa linha seria a correspondente ao limite administrativo das respectivas freguesias e marcada a preto na referenciada planta topográfica a Sul da qual se situam todos os aerogeradores e a construção em causa. Por outro lado,
62 - Da prova produzida, nomeadamente testemunhal e acima transcrita, que outra não existiu a este respeito, não resulta que (16.) Os moradores da freguesia de X, mais concretamente de M., há mais de 100 anos a esta parte que semeiam e colhem centeio em plainas, roçam mato, cortam lenha e apascentam gado em terrenos situados a norte da linha referida em 3. (17.) E aí pernoitam para guardar as suas culturas. (18.) E aí construíram paredes na linha referida em 3. (19.) E aí procederam a florestação. (20.) Sem interrupção temporal. (21.) Sem oposição de ninguém. E (22.) À vista de todos.
63 - Os factos 16. a 22. da factologia dada como provada estão em contradição ou, no mínimo, extrapolando os respectivos fundamentos que para tanto o Tribunal recorrido invocou, por erro de julgamento (error in judicando) ou uma distorção da realidade factual (error facti) nomeadamente dos depoimentos testemunhais que refere conforme aqui, data venia se deixam reproduzidos: J. G., agricultor e pastor que disse “que… Depois dos incêndios em 1976-1977, a zona passou a ser usada apenas para pastoreio e, desde há cerca de 40 anos, que o gado de ambas as freguesias pasta para além da linha. Na repetição do julgamento acrescentou que a plantação de árvores foi a mando da Floresta, o pastoreio do gado e plantações de centeio e batata ocorreu nos anos de 1956/1957… Admitiu que os animais andam sozinhos no terreno… livremente, não respeitam a delimitação dos baldios.” J. M.… referiu que quando apascentavam o gado, não respeitavam os limites… Trabalhou na florestação, por ordem dos serviços florestais de Ribeira de Pena… cultivavam batatas e centeio, a gosto, no baldio. Confirmou que B. Q. passava lá muitos meses por ano a guardar as culturas, sendo que ainda existem vestígios dos muros dos terrenos que ele cultivava. Já no local onde foram erigidas as eólicas não havia culturas… O gado que fica lá hoje em dia circula livremente entre os limites, o que sucede desde há 30/40 anos, quando a floresta desapareceu e o terreno ficou reduzido ao pastoreio. D. G., agricultor… que no tempo do seu avô havia cultivo, cortava-se lenha e mato para estrumes. Um seu tio pernoitava no baldio para guardar as culturas e, segundo ouviu ao seu avô, uma pessoa habitava lá. O pastoreio sempre se fez livremente entre os dois baldios. A. Q., agricultor… Referiu que o gado circula livremente entre os baldios… Relatou que a floresta desapareceu, por altura do 25 de Abril e, desde então, o baldio é usado para o gado, de todos, mesmo de outras freguesias e concelhos…. J. F., 63 anos, agricultor… Ouviu dizer aos seus pais que, em tempos idos, semeava-se batatas no baldio, designadamente em ..., onde um senhor de nome B. Q. granjeava a terra, dentro da freguesia de X. A. T., agricultor, de 85 anos, mantém memória de no baldio haver floresta, cultivo de batata e de centeio (nos anos de 1946/47), pese embora na zona das eólicas não existisse então semeadura. Recorda em particular que B. Q. cultivou lá centeio, fez uma “barraquita” para dormir e um muro, mais ou menos na divisão. Recorda que para ir recolher lenha no baldio era necessário pedir licença e pagar uma taxa. Após o incêndio da floresta, no 25 de Abril, o pastoreio era livre. A. J., agricultor, relatou que… desde que acabou a floresta, o gado anda livremente pelos baldios. A população recolhia lenha no baldio, sujeita ao pagamento de uma taxa. J. R., agricultor, declarou que tem gado maronês, desde há 30 anos, que pasta no baldio de B. e circula pelo de X, sem qualquer respeito por delimitações; A. P.… declarou que, após o incêndio da floresta, toda a área passou a ser utilizada para pastoreio”. Pelo que,
64 – Face à prova produzida, os factos 9., 13., 16., 17., 18., 19., 20., 21. e 22. devem ser retirados do elenco da factologia dada como provada e considerados como não provados.
65 - Neste contexto e face à prova produzida, poderá ser dado como provado que: Os moradores da freguesia de X, mais concretamente de M., há mais de 60 anos semearam e colheram centeio em plainas, roçaram mato e cortaram lenha e um deles aí pernoitava para guardar as suas culturas e aí construiu paredes; desde há mais de 30 anos que apascentam gado que circula livremente em terrenos situados a norte e a sul da linha que divide as freguesias de X e B. no local em causa nos autos. Sem oposição de ninguém. E à vista de todos.
66 – Assim não tendo procedido a douta sentença proferida violou o disposto nos art.ºs 396º do C.C. e 607º nº 5, 1ª parte do C.P.C. podendo e devendo ser alterada a matéria de facto dada como provada conforme acima concluído - ex vi artº 640º, CPC artº 662º, nºs 1 e 2.
Termina entendendo que deve ser julgado procedente o recurso subsidiário por ele interposto, decidindo-se que os factos constantes dos pontos 9., 13. e 16. a 22. sejam retirados do acervo da factualidade dada como provada e reiterando-se a decisão proferida a final julgue a presente acção improcedente, por não provada e, por consequência e maioria de razão, os RR. Conselho Directivo dos Baldios do B. e Parque Eólico de W, S.A. sejam igualmente absolvidos dos pedidos.

A A. apresentou contra-alegações, entendendo que o “recurso subsidiário” apresentado pelo 2º R. não é admissível por força do estatuído nas disposições conjugadas dos artºs 629º, nº. 1, 631º, nºs 1 e 2 e 633º, nº. 1 do CPC, uma vez que a decisão recorrida lhe é inteiramente favorável, tendo aquele R., por isso, dito que com ela “concorda em absoluto”, só tendo sido a A. quem ficou vencida, pelo que deve ser rejeitado. Para o caso de assim se não entender, a A. pugna pela improcedência do “recurso subordinado” do 2º Réu.

Não foram apresentadas contra-alegações pela Ré Parque Eólico de W, S.A.

O recurso da A. foi admitido por despacho de 20/09/2021 (refª. 35928724) e o recurso subsidiário do 2º R. foi admitido por despacho de 18/10/2021 (refª. 36034229).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pela Autora e do “recurso subsidiário” interposto pelo 2º Réu, delimitados pelo teor das respectivas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

A) – Recurso da Autora:

I) - Nulidade da sentença prevista no artº. 615º, nº. 1, al. c) do NCPC;
II) - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
III) - Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa.

B) – Recurso subsidiário do 2º Réu:

I) - Questão prévia:
- Da admissibilidade do “recurso subsidiário” interposto pelo 2º Réu;
II) - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
III) - Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa (caso seja atendida a pretensão da Autora).

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:

Assentes em sede de despacho saneador:
1. Consta da ata da Assembleia Geral dos compartes da freguesia de X de 5 de dezembro de 1999 que «(…) para delegar na Junta de Freguesia de X os poderes de administração dos compartes em relação à totalidade da área do baldio, previsto no n.º 1 do artigo 22.º da Lei 68/93 de 4 de Setembro. Colocando à consideração de todos os compartes presentes, este ponto, foi aceite por unanimidade dos presentes. Os poderes delegados referem-se às competências nos termos e condições previstos no artigo 21.º da Lei 68/93, de 4 de Setembro, designadamente as a), b), c), d), e), f), g), h), i), j), l(, m), n) e o)». (Alínea A) dos factos assentes em sede de saneador).
2. Consta do Livro de atas da Câmara Municipal de Ribeira de Pena, a ata relativa à sessão de 27 de outubro de 1938, na qual consta que em 22 de outubro de 1938, quando eram oito horas, estavam presentes os então:
- Presidente da Câmara Municipal de Ribeira de Pena;
- Presidente da Junta da Freguesia de Y;
- Representante da Junta de Freguesia de X;
Estes por parte do Concelho de Ribeira de Pena, nomeados em 13-10-1938 para delegados e representantes; bem como os:
- Presidente da Câmara Municipal de Mondim de Basto;
- Vereador da Câmara Municipal de Mondim de Basto;
- Presidente da União Nacional da Freguesia de B.;
Estes por parte do concelho de Mondim de Basto, nomeados em 08/10/1938, também seus delegados e representantes;
E ainda dois chefes da Secretaria das ditas Câmaras Municipais, escolhidos de comum acordo para secretariar o ato, bem como quatro peritos aí identificados, dois por cada concelho e outras pessoas aí melhor identificadas. (Alínea B) dos factos assentes em sede de saneador).
3. E que pelos presentes foi acordado que a delimitação e demarcação entre os dois concelhos (de Ribeira de Pena e de Mondim de Basto) fosse efetuada pela linha que vai do que denominam de ponto 28 até ao Marco Geodésico sito no alto do “Monte ...”, onde termina depois de passar a Sul do “Vale de ...” e do “Vale ...” e a Norte do “Vale …”. (Alínea C) dos factos assentes em sede de saneador).
4. Consta da ata referida em 2 que:
“- o aludido ponto 28.º situa-se nos “Penedos ...”, onde tais dígitos foram esculpidos;
- dali, “Penedos ...”, a linha de demarcação prossegue rectilineamente na direcção Sul, 75º Poente, passa por um penedo assinalado com uma cruz, situado a 24 metros, o qual serve de marco;
- continua na mesma direcção passando por outra rocha situada a 34 metros da anterior, com uma cruz gravada que também serve de marco;
- prossegue tal linha até ao ponto n.º 29, cujos dígitos se encontram esculpidos numas fragas no “Cimo …”;
- e deste ponto n.º 29 prossegue a linha de demarcação na direcção Sudeste, Sul – 40 graus nascente- até ao ponto n.º 30 esculpido em cima de um penedo da continuação do “Alto da ...”;
- Deste ponto 30, prossegue a delimitação em linha recta na direcção Nordeste, - Norte e 85 graus Nascente até ao ponto n.º 31;
- deste ponto n.º 31, aquela linha prossegue até ao “Alto dos ...” onde foi esculpido o n.º 32 num penedo com cerca de 7 m2 bem como as letras R. P. (Ribeira de Pena) do lado deste concelho (lado a Norte) e M.B. (Mondim de Basto) do lado deste conselho (lado Sul);
- deste ponto n.º 32 esculpido naquela rocha, o último assinalado pelas referidas entidades, a delimitação em apreço continua em linha recta até ao Marco Geodésico do “Monte ...” onde termina”. (Alínea D) dos factos assentes em sede de saneador).
5. Em meados de 2011 o Parque Eólico de W, SA instalou três geradores para produção de energia eólica; (Alínea E) dos factos assentes em sede de saneador).
6. E construiu um edifício de rés-do-chão com 35 m2 com o respetivo logradouro calcetado para apoio ao parque eólico; (Alínea F) dos factos assentes em sede de saneador).
7. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de B., concelho de Mondim de Basto, com o artigo ..., o prédio sito em …, …, …, …, Costa do B., descrito como confrontando a Norte com M. G. e outro, a Sul com limite de freguesia de …, A. F. e outro, Nascente com limite das freguesias de … e X e Poente com J. F., A. T. e outro, como tendo 778,000000 hectares, e indicando como titular da inscrição a Freguesia de B.. (Alínea G) dos factos assentes em sede de saneador).

Incluídos na base instrutória:
8. No seu extremo sudoeste o baldio da freguesia de X, concelho de Ribeira de Pena, confronta com o da freguesia de B., concelho de Mondim de Basto. (Artigo 1.º da base instrutória)
9. Apenas dois dos aerogeradores referidos em 5 encontram-se a norte da linha referida em 3. (Artigo 3.º da base instrutória)
10. Entre o “Vale de ...” e o marco do “Monte ...”. (Artigo 4.º da base instrutória)
11. O edifício referido em 6 situa-se nas proximidades do marco do “Monte ...”. (Artigo 5.º da base instrutória)
12. O referido em 5 e 6 ocorreu sem autorização da autora. (Artigo 7.º da base instrutória).
13. Foi efetuada extração de vários camiões de saibro, em número não inferior a 100, de um terreno situado a norte da linha referida em 3. (Artigo 8.º da base instrutória).
14. O que ocorreu em ambas as bermas da estrada municipal que liga as localidades de ... (freguesia de B.) e M. (freguesia de X). (Artigo 9.º da base instrutória).
15. Quando se iniciou a edificação e instalação referidas em 5 e 6 a autora disse à 1.ª ré para não prosseguir as obras. (Artigo 10.º da base instrutória).
16. Os moradores da freguesia de X, mais concretamente de M., há mais de 100 anos a esta parte que semeiam e colhem centeio em plainas, roçam mato, cortam lenha e apascentam gado em terrenos situados a norte da linha referida em 3. (Artigo 11.º da base instrutória).
17. E aí pernoitam para guardar as suas culturas. (Artigo 12.º da base instrutória).
18. E aí construíram paredes na linha referida em 3. (Artigo 13.º da base instrutória).
19. E aí procederam a florestação. (Artigo 14.º da base instrutória).
20. Sem interrupção temporal. (Artigo 15.º da base instrutória).
21. Sem oposição de ninguém. (Artigo 16.º da base instrutória).
22. À vista de todos. (Artigo 17.º da base instrutória).
23. Há mais de 10 anos que os habitantes da freguesia de B. apascentam gado no local onde foi instalado e construído o referido em 5 e 6. (Artigo 19.º da base instrutória).
24. À vista de todos. (Artigo 21.º da base instrutória).
25. Sem oposição de ninguém. (Artigo 22.º da base instrutória).
26. Sem interrupção. (Artigo 23.º da base instrutória).

Da audiência de discussão e julgamento:
27. Um dos aerogeradores referido em 5, um quarto aerogerador e a subestação construídos pela 1.ª ré encontram-se a sul da linha referida em 3.
28. O limite administrativo das freguesias de X e B./concelhos de Ribeira de Pena e Mondim de Basto, de acordo com a Carta Administrativa Oficial de Portugal são, desde 2003, os assinalados a preto nas plantas de fls. 534, 540 e 541.
29. Os moradores da freguesia de X atuaram nos termos referidos em 16 a 22 com a convicção de que com tal posse não ofendiam direitos alheios, convencidos de que atuavam sobre baldio que lhes pertencia, e por isso, como verdadeiros titulares de um direito de propriedade comunitária. (Artigo 28.º da petição inicial).
30. Os compartes da freguesia de B. atuaram nos termos referidos em 23 a 26 com a convicção de exercerem um direito próprio ao uso, fruição e exploração do local como seu baldio e assim o considerando e de não prejudicar ou lesar quaisquer direitos ou interesses alheios. (Artigo 24.º da contestação do 2.º réu).

Por outro lado, na sentença recorrida, foram dados como não provados os seguintes factos [transcrição]:
i) No ponto referido em 8 a delimitação entre os baldios de X e B. é feita através da linha referida em 3. (Artigo 2.º da base instrutória).
ii) Existe um quarto aerogerador sobre a linha referida em 3. (Artigo 6.º da base instrutória).
iii) Foi o Conselho Directivo dos Baldios de B. quem facultou a extração do saibro referida em 12 [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “referida em 13”, em face da matéria de facto dada como provada na sentença ora em recurso e por comparação com os factos provados na 1ª sentença proferida nos autos] (Artigo 8.º da base instrutória).
iv) O referido em 5 e 6 situa-se no prédio referido em 7. (Artigo 18.º da base instrutória).
v) Os habitantes da freguesia de B. plantam e cortam árvores e arbustos no local onde foi efetuada a instalação e construção referidas em 5 e 6. (Artigo 20.º da base instrutória).
*
Apreciando e decidindo.

I) – Nulidade da sentença prevista no artº. 615º, nº. 1, al. c) do NCPC:
A A./recorrente, nas conclusões 57 e 58 do seu recurso, refere o seguinte:
57 – A matéria de facto provada nos autos constituía só por si fundamento bastante para a prolação da sentença a julgar parcialmente procedente a Acção relativamente aos dois aerogeradores a que se reporta o nº 9 da m.f.p. porquanto provado vem também nos demais nºs que os compartes da A. são os donos e legítimos possuidores comunitários da coisa comum, o seu terreno baldio sito a Norte da linha definida nos nºs 3 e 4.
58 – Pelo que os fundamentos desta Acção estão em oposição com a decisão, o que a torna nula à luz do preceituado no artigo 615º nº 1 c) do C.P.C.
Sucede que a questão da nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no artº. 615º, nº. 1, al. c) do NCPC, foi arguida pela A./recorrente apenas nas conclusões do recurso, não tendo a mesma feito qualquer menção a esta questão no corpo das alegações, como se impunha nos termos das disposições conjugadas dos artºs 615º, nº. 4 e 639º, nº. 1 daquele mesmo Código.
Como vem sendo defendido na doutrina, em relação ao estatuído no artº. 639º, nº. 2 do NCPC, o recorrente tem o ónus de enunciar nas alegações do recurso e de sintetizar nas respectivas conclusões, entre diversos aspectos, as questões de direito (ou de facto) suscitadas, onde se inclui a arguição de eventuais nulidades da sentença previstas nas al. b) a e) do nº. 1 do artº. 615º do NCPC, relativamente às quais pretende uma resposta diversa daquela que foi dada pelo Tribunal recorrido, bem como de indicar os específicos fundamentos porque pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão.
Deve, pois, o recorrente tomar em consideração a necessidade de, na motivação do recurso, sustentar os efeitos jurídicos que com o mesmo pretende, os quais indicará, de forma sintética, nas conclusões (cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, Almedina, pág. 767 e António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 2016, Almedina, pág. 127 e 128).
Ora, não tendo a recorrente enunciado, nas suas alegações de recurso, o vício de nulidade da sentença apontado nas conclusões, no rigor dos princípios, teríamos de concluir que a conclusão 58 acima referida é excessiva, pois não encontra apoio nas alegações/motivação do recurso, o que determinaria que não se conhecesse do recurso nesta parte.
No entanto, mesmo que assim não se entenda e se considere que a recorrente, nas suas alegações, arguiu implicitamente a nulidade da sentença prevista no artº. 615º, nº. 1, al. c) do NCPC, ao referir que a matéria de facto provada impunha uma decisão diferente da recorrida, julgando-se parcialmente procedente a acção por dois dos aerogeradores estarem efectivamente nos baldios da A., sempre se dirá que não lhe assiste razão.
Como decorre do disposto no artº. 615º, nº. 1 do NCPC, e no que para o caso releva, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão tomada ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão inintelegível [alínea c)].
Constitui entendimento pacífico da doutrina e da nossa jurisprudência que a nulidade da sentença prevista na alínea c) do nº. 1 do artº. 615º do NCPC – que se traduz na oposição entre os fundamentos e a decisão – só se verifica quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença expressa; ou seja, o raciocínio do juiz aponta num determinado sentido e o dispositivo conclui de modo oposto ou diferente (cfr. Prof. José Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 141; acórdãos do STJ de 23/11/2006, proc. nº. 06B4007 e da RE de 19/01/2012, proc. nº. 1458/08.5TBSTB, de 17/01/2013, proc. nº. 613/08.2TBVNO-F e de 19/12/2013, proc. nº. 538/09.4TBELV, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou, muito menos, com o erro na interpretação desta; quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante um erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se (cfr. Prof. Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. II, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 704).
A este propósito importa referir que o vício que torna a sentença nula decorre de um erro de actividade (erro de construção ou de raciocínio) e não se confunde com a sentença injusta, que é fruto do erro de julgamento. Quando os fundamentos são insuficientes para suportar a decisão, o erro não é de construção da sentença mas de julgamento (cfr. Prof. José Alberto dos Reis, ob. e vol. citados, pág. 122; Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª ed., Agosto de 2013, Almedina, pág. 400; Francisco Manuel Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Abril de 2015, Almedina, pág. 370 e 371 e acórdão da RE de 31/05/2012, proc. nº. 582/10.9TBSTR-A, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, do texto das alegações de recurso e respectivas conclusões, no confronto com a sentença recorrida, não se vislumbra como é que a recorrente chega à conclusão de que a decisão proferida padece da alegada nulidade nos termos acima expressos, pois não existe qualquer contradição entre a matéria dada como provada no ponto 9 e a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” ao julgar improcedente a presente acção.
Entende a recorrente que a matéria de facto provada nos autos constituía, só por si, fundamento bastante para na sentença se julgar parcialmente procedente a acção relativamente aos dois aerogeradores a que se reporta o ponto 9 dos factos provados, porquanto também resultou provado que os compartes da A. são os donos e legítimos possuidores comunitários da coisa comum, o seu terreno baldio sito a Norte da linha definida nos pontos 3 e 4.
Independentemente da apreciação da impugnação da matéria de facto a que iremos proceder mais adiante, o que consta provado no ponto 9 é que “apenas dois dos aerogeradores referidos em 5 encontram-se a norte da linha referida em 3.”, não tendo resultado provado, contrariamente ao alegado pela recorrente, que o terreno baldio de que os compartes da A. se arrogam donos e legítimos possuidores comunitários, se situa a Norte da linha definida nos pontos 3 e 4 dos factos provados [vide al. i) dos factos não provados].
E perante esta factualidade dada como provada e não provada, entendemos que o Tribunal “a quo” não poderia julgar procedente a presente acção relativamente aos aludidos dois aerogeradores.
Uma coisa é alegar-se que os compartes da A. são donos e legítimos possuidores comunitários do terreno baldio que se situa a Norte da linha definida nos pontos 3 e 4 (o que, aliás, não se provou como resulta da alínea i) dos factos não provados - no ponto referido em 8 a delimitação entre os baldios de X e B. é feita através da linha referida em 3.) - outra bem diferente é aquilo que efectivamente consta provado no aludido ponto 9, ou seja, que apenas dois dos aerogeradores referidos em 5 encontram-se a norte da linha referida em 3. O que significa que não se provou que esses dois aerogeradores se encontram implantados no terreno baldio da Autora, daí que a acção tenha sido julgada improcedente.
Analisando a argumentação utilizada pela recorrente, afigura-se-nos que a mesma imputa à sentença um erro de julgamento e não um erro de actividade; a decisão é que está errada, não o caminho seguido.
A contradição entre os fundamentos e a decisão e a invocação de alegadas ambiguidades e obscuridades da sentença não podem servir para justificar a discordância quanto ao que foi decidido (cfr. António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 2016, Almedina, pág. 148).
E o que acontece “in casu” é que a recorrente discorda da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, sendo que isso não é motivo de nulidade mas sim de apreciação de mérito.
Na verdade, a decisão recorrida é o corolário lógico dos fundamentos em que assenta – ou seja, o Tribunal “a quo” enunciou os factos que considerou provados, e para ele esses mesmos factos são fundamento da decisão que proferiu - por isso, não se vislumbra a existência da invocada nulidade, tratando-se, quando muito, de uma questão de erro de julgamento a ser tratada em momento próprio.
Nesta conformidade, entendemos que a sentença recorrida não padece da nulidade que lhe é apontada, improcedendo, nesta parte, o recurso interposto pela Autora.
*
II) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Vem a A., ora recorrente, impugnar a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que:
a) - o ponto 30 dos factos provados seja dado como não provado;
b) – a alínea i) dos factos não provados seja considerada provada, passando a constituir o nº. 30 dos factos provados com o seguinte teor:
30. A delimitação entre os baldios de X e os do B. é feita através da linha referida em 3., assinalada a encarnado nos mapas dos relatórios periciais de fls. 534, 540 e 541, que passa pelos pontos referidos em 4., referenciados e fotografados no respectivo relatório de fls. 537 a 539;
c) – a alínea iii) dos factos não provados seja dali eliminada e acrescentada à matéria de facto provada sob o nº. 31 com aquele mesmo teor:
31. Foi o Conselho Directivo dos Baldios do B. quem facultou a extracção do saibro referida em 13 (e não 12, como ali vem referido);
por entender que o Tribunal “a quo” não fez uma correcta apreciação e valoração dos depoimentos das testemunhas J. G., J. M., A. Q., J. A., J. F., G. F., A. T., A. D., E. J. e G. J., por ela arroladas, bem como da prova documental constante dos autos, designadamente da acta da Câmara Municipal de Ribeira de Pena de 3/11/1938, junta com a petição inicial a fls. 19, da acta de fls. 354vº e 355, dos documentos de fls. 459 a 474 cujo teor sumariou na resenha exposta a fls. 456 a 458 e da carta geográfica de fls. 474, tendo desconsiderado ou não interpretado convenientemente alguns elementos de prova constantes do processo, sendo que a prova produzida nos autos impunha decisão diversa da proferida, determinante da procedência parcial da presente acção.

Ora, na “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, escreveu-se o seguinte [transcrição]:
«A convicção do Tribunal resultou da avaliação englobante do contexto probatório dos autos, designadamente, os documentos que deles constam, a prova pericial e a testemunhal, ouvida em sede de audiência de discussão e julgamento, enriquecida pelo que foi dado ao Tribunal ouvir e ver, resultado da oralidade e imediação de que beneficiou.
Os factos referidos em 1 a 7 não se mostraram controvertidos, tendo sido, por isso, dados como assentes em sede de despacho saneador.

No que à prova documental concerne atendeu-se:
- Ao teor da ata de fls. 9-10, da qual se retira o referido em 1;
- Ao teor da certidão da ata de fls. 11-19, da qual se extrai o vertido em 2-4;
- Ao teor das cartas e registos de fls. 20-25, das quais se retira o referido em 12 e 15;
- Ao teor da certidão matricial de fls. 41, da qual se extrai o referido em 7;
- Ao teor da Carta Administrativa Oficial Portuguesa (CAOP) de 2010, de fls. 42-45, que conjugada com os levantamentos topográficos de fls. 534 e 54 e planta de localização de fls. 540, foi coadjuvante da prova do facto vertido em 8 a 11, 27 e 28 e da infirmação dos factos referidos em i), ii);
- Ao teor do contrato de cessão de exploração de fls. 54-62 e seu anexo I, coadjuvante da prova dos factos referidos em 5, 6 e 8 e da infirmação dos factos referidos em i) e ii);
- Ao teor da ata de fls. 64-67, coadjuvante da prova dos factos referidos em 5 e 6 e da infirmação do vertido em i) e ii);
- Ao teor do ofício de fls. 546, do qual emerge que o limite administrativo assinalado no levantamento topográfico realizado nos autos como respeitante à CAOP de 2017 se mantém inalterado desde a CAOPV2 de 2003, facto relevante para a prova dos factos referidos em 28 e para a infirmação do vertido em i) e ii);

Mais se atendeu à prova pericial realizada nos autos, designadamente:
- Ao teor do relatório da perícia de fls. 159-161 e planta da CAOP de 2013, quanto à prova dos factos vertidos em 8-11 e infirmação do vertido em i) e ii);
- Ao teor dos levantamentos topográficos de fls. 534 e 541 e planta de localização de fls. 540 quanto à prova dos factos vertidos em 5, 6, 8, 9-11, 27 e 28 e à infirmação do vertido em i) e ii);
- Ao teor do relatório pericial de fls. 555, quanto à prova dos factos referidos em 9 e 27 e à infirmação do vertido em i) e ii). Quanto a este relatório pericial, discordamos da conclusão extraída pelo perito de que um dos aerogeradores se situa praticamente sobre a linha referida em 3, porquanto os levantamentos topográficos e planta de localização vindos de referir contrariam tal conclusão, sendo neles perfeitamente visível que o aerogerador mais próximo do marco geodésico fica aquém na linha vermelha, ou seja, a referida em 3.

No que à prova testemunhal concerne:
J. G., agricultor e pastor, confirmou a confinância referida em 8, esclarecendo, repetidas vezes, que a delimitação dos baldios corresponde à delimitação das freguesias e, por conseguinte, dos concelhos. No mais, declarou conhecer a linha referida em 3, que sucintamente resumiu, definida pelas juntas de freguesia e câmaras municipais. Fez parte integrante da Junta de Freguesia de X, na qual teve contacto com a ata que transcreve a linha acordada. Referiu que os aerogeradores em causa nestes autos estão colocados nas ..., entre o Vale da ... e o Marco ... e mais próximo deste. Relatou que a instalação dos aerogeradores e do edifício foi realizado pela 1.ª ré, sem autorização da Junta da Freguesia de X, facto de que se apercebeu e que prontamente a esta comunicou. No entanto, a 1.ª ré, não obstante a oposição da autora, prosseguiu com a obra. Mais referiu que igualmente se apercebeu da retirada de saibro, que comunicou ao Presidente da Junta da Freguesia de X, tendo obtido resposta das pessoas que procediam à extração que atuavam sob as ordens das freguesias de X e Y. Desconhece se a Junta da Freguesia de B.s igualmente procedeu à extração de saibro, sem a devida autorização. Mais referiu que os compartes de ambas as freguesias sempre respeitaram a linha. Recorda-se do cultivo de centeio nas extremas da linha (que findou aquando da florestação), do corte do mato e da apanha da lenha. Referiu que os pastores deixavam lá o gado a pastar e chegavam a pernoitar para guardar as culturas, como era o caso de um Sr. B. Q.. Mais declarou que existiam paredes junto à dita linha, que ainda são percetíveis. A floresta estava também ela dividida por cantões distintos, com diferentes espécies. A florestação respeitava os limites impostos pela mesma linha e o mato era nela roçado, a mando do guarda da floresta, para que ela ficasse percetível. Mais declarou que os limites eram pacíficos e o uso dos baldios era do conhecimento de todos. Depois dos incêndios em 1976-1977, a zona passou a ser usada apenas para pastoreio e, desde há cerca de 40 anos, que o gado de ambas as freguesias pasta para além da linha.
Na repetição do julgamento acrescentou que a utilização que fez do baldio – plantação de árvores a mando da Floresta, pastoreio do gado e plantações de centeio e batata nos anos de 1956/1957 – sustentou-se na convicção de que o terreno é baldio e pode ser usado por todos os habitantes da freguesia de X, posto que pertence à Junta e é de todos, sem que, com tal uso, estejam a ser lesados interesses alheios. Admitiu que quando os animais andam sozinhos no terreno pastoreiam livremente, não respeitam a delimitação dos baldios.
O depoimento nos sobreditos termos sumariado foi coadjuvante da prova dos factos vertidos em 5, 6, 8-26 e 29 e da infirmação do vertido em v).
J. M., residente em M., declarou que os baldios de M. confrontam com os de B.. Aprendeu do seu avô os limites dos baldios, posto que incumbido de ir guardar as vacas em pastoreio. Recorda-se de terem sido colocados marcos, a mando de engenheiros, para delimitar os concelhos. Mais referiu que duas das ventoinhas estão no concelho de Ribeira de Pena, facto que constatou no local. Mais referiu que quando apascentavam o gado, não respeitavam os limites. Só nos locais em que havia floresta é que se impunha esse cuidado. Trabalhou na florestação, por ordem dos serviços florestais de Ribeira de Pena e sabe, por isso, que esta obedeceu aos limites definidos pela referida linha, expressos num mapa que os marcavam. As plantações eram distintas de um e outro lado da linha, pelo que o limite era percetível. Mais referiu que as pessoas sabiam perfeitamente o percurso da linha, que respeitavam, sem incidentes. Desconhece quem fixou a mesma linha, mas sabe que estava identificada com marcos, cruzes e números. As torres que refere que estão dentro dos limites do concelho de Ribeira de Pena estão situadas no Alto das .... Mais declarou que há 3 a 6 anos, foram feitas extrações de saibro do lado de Ribeira de Pena, alguns camiões, sem outras informações que possa fornecer. Falou com um representante da Freguesia de B. e fez queixa na Junta de Freguesia, posto que retiraram saibro de um terreno de um seu irmão, mas as pessoas que procediam aos trabalhos (uma empresa que estava a construir uma estrada) referiram estar a tanto autorizadas pelas Juntas de Freguesias de X e B.. Mais declarou que cultivavam batatas e centeio, a gosto, no baldio. Confirmou que B. Q. passava lá muitos meses por ano a guardar as culturas, sendo que ainda existem vestígios dos muros dos terrenos que ele cultivava. Já no local onde foram erigidas as eólicas não havia culturas. No mais referiu que a referida linha delimitava os concelhos, foi assim que sempre a considerou. O gado que fica lá hoje em dia circula livremente entre os limites, o que sucede desde há 30/40 anos, quando a floresta desapareceu e o terreno ficou reduzido ao pastoreio.
O depoimento nos sobreditos termos sumariado foi coadjuvante da prova dos factos vertidos em 5, 8-26 e da infirmação do referido em v).
D. G., residente em M., agricultor, fez parte da assembleia da Freguesia. Declarou conhecer a linha delimitadora dos baldios (que caracterizou) que é a mesma que delimita as freguesias/concelhos. Referiu que três aerogeradores e uma casa estão dentro do baldio de X, na zona das ..., facto que concluiu estabelecendo visualmente uma linha reta imaginária entre o Alto de ... e o marco geodésico. Mais referiu que ocorreu extração de saibro junto à estrada que delimita dos baldios, por duas vezes, feita por empresas alegadamente autorizadas pela Junta de Freguesia de B., em número superior a 200 camiões. Mencionou que o baldio de X é utilizado pelos compartes, atualmente apenas para pastoreio. No entanto, no tempo do seu avô havia cultivo, cortava-se lenha e mato para estrumes. Um seu tio pernoitava no baldio para guardar as culturas e, segundo ouviu ao seu avô, uma pessoa habitava lá. O pastoreio sempre se fez livremente entre os dois baldios. Apenas nas plantações os limites eram respeitados.
O depoimento nos sobreditos termos sumariado foi coadjuvante da prova dos factos vertidos em 5, 8-26.
A. Q., agricultor, residente em M., declarou conhecer a linha delimitadora do baldio, que caracterizou. Referiu que o gado circula livremente entre os baldios. Quando existia florestação, as espécies eram distintas de um lado e do outro da referida linha. Ao que julga três das eólicas, situadas no Vale da ..., encostado às ..., estão no monte de X, facto que conclui olhando os pontos que definem a linha. O edifício está mais ao menos na extrema. Referiu que os compartes não autorizaram a colocação das eólicas e a construção e reclamaram, na sequência do que interveio o Presidente da Junta de X, mas as obras prosseguiram com a autorização da Junta de Mondim. Mais referiu que ouve extração de saibro, ao que julga para construir uma estrada do concelho de Mondim de Basto, que veio a ser autorizada pela Junta de X. Narrou, ainda, que um irmão do seu avô dormia no baldio, numa “casota”, para guardar as culturas e que o B. Q. semeava a terra, a cerca de 1 km das eólicas. Relatou que a floresta desapareceu, por altura do 25 de abril e, desde então, o baldio é usado para o gado, de todos, mesmo de outras freguesias e concelhos, e para recolha de mato.
O depoimento nos sobreditos termos sumariado foi coadjuvante da prova dos factos vertidos em 5, 6, 8-26 e da infirmação do referido em v).
J. A., pastor, residente em M., declarou conhecer o monte onde estão instaladas as eólicas, as ..., a gerar rendimento para a freguesia de B.. Mais referiu que usa o baldio para ir ao mato e pastorear o gado, sendo que nunca ninguém se incomodou que este invadisse os baldios de uma e outra freguesia. Descreveu a linha delimitadora dos baldios (nos termos que ouviu ao seu pai) e confirmou a retirada de saibro.
Aquando da repetição do julgamento declarou que no baldio podem apascentar gado todas as pessoas da freguesia porque o baldio é “nosso”, “da Junta”, afirmando que tem cuidado para não deixar passar o gado para o baldio de B. e que a linha que respeita é a mesma que delimita os concelhos.
O depoimento nos sobreditos termos sumariado foi coadjuvante da prova dos factos vertidos em 5, 8-11, 15-26 e 29.
J. F., agricultor, residente em M., declarou conhecer a linha delimitadora dos baldios, que descreveu, por todos conhecida. Referiu que três das torres construídas estão a norte da linha (no baldio de X) e uma é duvidosa, identificando o local onde se encontram como Jogo das .... Mais referiu que foi extraído saibro do lado da freguesia de X (mais de 100 camiões), perto do alto da ..., junto à estrada, desconhecendo quem autorizou a extração, cujo destino foi, pelo menos em parte, para a estrada do …. Mais declarou que os limites dos baldios sempre foram respeitados, com mais cuidado junto às aldeias. Ouviu dizer aos seus pais que, em tempos idos, semeava-se batatas no baldio, designadamente em ..., onde um senhor de nome B. Q. granjeava a terra, dentro da freguesia de X. No tempo da florestação, as espécies eram diferentes em ambos os lados da linha divisória. A utilização dos baldios sempre foi pacífica, à vista de toda a gente. O gado não respeitava as extremas mas essa situação não causava incidentes, sendo que próximo da aldeia de M. havia mais cuidado. Referiu que a linha delimita o concelho, separando o de Mondim de Basto do de Ribeira de Pena.
Aquando da repetição do julgamento acrescentou que utiliza o baldio para caçar e apascentar gado, afirmando que o faz porque o mesmo pertence à freguesia de X e pode ser por todos usado porque é “nosso”.
O depoimento nos sobreditos termos sumariado foi coadjuvante da prova dos factos vertidos em 8-11, 14, 14, 16-26 e 29.
G. F., agricultor, residente em M., foi tesoureiro da Junta de Freguesia de X até 2013 e por 8 anos. Declarou conhecer a linha delimitadora dos baldios (que descreveu), que coincide com o limite dos concelhos de Mondim de Basto e Ribeira de Pena. Referiu que as pessoas sempre respeitaram os limites dos baldios. Declarou que o parque eólico colocou três torres e uma casa no baldio de X, no Jogo das ..., perto do Vale da ..., e uma quarta torre que está, mais ou menos, em cima da linha divisória, sem autorização dos compartes. Na sequência dessas obras, contactaram a empresa, com quem reuniram, talvez em 2011, juntamente com o 2.º réu e a Junta da Freguesia de B., não se opondo a que ocupassem o baldio, desde que o rendimento lhes fosse afetado. No entanto, não chegaram a qualquer acordo. Referiu, ainda, que ocorreu uma extração de saibro (100 ou mais camiões), no fundo da ..., onde passa a estrada, no interior do baldio de X, executada por uma empresa. Reagiram contra essa atuação mas a Junta de Freguesia de B. reclamou que o saibro lhe pertencia. Mais declarou que a linha divisória dos baldios sempre foi respeitada. Ouviu dizer aos seus pais, tios e pessoas da aldeia que no monte semeavam centeio. Quando havia floresta, guardavam o gado e depois dela desaparecer, o gado passou a circular livremente. Apanhavam lenha no baldio, com autorização da Junta de Freguesia, e cortavam o mato onde queriam. Mencionou o tio B. Q. que fez um “barraco” no baldio, onde pernoitava, e construiu uma parede no limite com B.. Tudo era feito às claras e de modo pacífico. Na zona onde estão colocadas as eólicas apenas é feito pastoreio.
Em sede de repetição do julgamento acrescentou que usava o baldio porque “é nosso” e pode ser usado por todas as pessoas de X.
O depoimento nos sobreditos termos sumariado foi coadjuvante da prova dos factos vertidos em 5, 6, 8-26 e 29 e da infirmação do vertido em v).
A. T., agricultor, residente em X, de 85 anos, foi membro da Junta de Freguesia de X durante 13 anos, antes da colocação das eólicas. Conhece a linha divisória dos baldios, que descreveu, a qual sempre foi respeitada. Tal linha é a mesma que delimita os concelhos. Referiu que observando em linha reta, no Jogo das ..., há ventoinhas para o lado de X, duas ou três, e uma “casita” que não foram autorizadas. Referiu que em 2010 foi extraído saibro do lado de X que teve por destino a preparação do caminho de acesso às eólicas. Soube pela secretária da Junta de Freguesia de X que essa extração foi autorizada. Mantém memória de no baldio haver floresta, cultivo de batata e de centeio (nos anos de 1946/47), pese embora na zona das eólicas não existisse então semeadura. Recorda em particular que B. Q. cultivou lá centeio, fez uma “barraquita” para dormir e um muro, mais ou menos na divisão. Recorda que para ir recolher lenha no baldio era necessário pedir licença e pagar uma taxa. Após o incêndio da floresta, no 25 de abril, o pastoreio era livre.
O depoimento nos sobreditos termos sumariado foi coadjuvante da prova dos factos vertidos em 5, 6, 8-14, 16-26.
A. J., agricultor, residente em X, foi Presidente da Junta até 2013. Confirmou que a delimitação do concelho, da freguesia e do baldio sempre foi a mesma, descrevendo a linha respetiva, transcrita num documento existente na Câmara de Ribeira de Pena, datado de 1938. De acordo com ela, pelo menos dois aerogeradores estão a norte da linha, no baldio de X, tudo indicando que outros dois e uma casa do parque também o ocupem. Em 2010/2011 confrontaram a empresa das eólicas e reuniram com a Junta de Freguesia de B., sem êxito. Confirmou que uma empresa de B. procedeu à extração e transporte de saibro, tendo intervindo junto dela, para evitar a retirada, sem êxito, posto que a mesma alegava estar autorizada pela Junta de Freguesia de B.. Mais referiu que a linha divisória a que aludiu sempre foi respeitada (nas obras efetuadas, nos cultivos, na florestação). Porém, desde que acabou a floresta, o gado andava livremente pelos baldios. A população recolhia lenha no baldio, sujeita ao pagamento de uma taxa.
O depoimento nos sobreditos termos sumariado foi coadjuvante da prova dos factos vertidos em 5, 6, 8-26.
E. J., técnico superior/historiador, trabalha na Câmara Municipal de Ribeira de Pena, ao serviço da qual efetuou levantamento do património e análise documental de vestígios com interesse histórico. Referiu que, no desempenho das suas funções, no contacto estabelecido com as pessoas de M. ouviu dizer delas (sem conseguir identificar qualquer uma) que o limite do baldio ia além do limite administrativo dos concelhos e que as pessoas assim procediam por estarem convictas de atuarem sobre baldio da freguesia. Todavia, não conhece os aerogeradores em causa nos presentes autos, nem o edifício neles referido.
O depoimento nos sobreditos termos sumariados não trouxe contribuição de relevo para a matéria em discussão posto que atenta a dimensão dos baldios de X e de B. e, bem assim, da zona em que confinam entre si, o relato produzido quanto à atuação sobre o baldio - de que foi informado por terceiros – sequer pode, com um mínimo de certeza razoável, ser associado à concreta faixa de terreno em discussão nestes autos.
G. J., morou em M. até aos 15 anos, relatando que caçava no baldio, tirando licença para o efeito à Câmara de Ribeira de Pena, e que, antigamente, as pessoas podiam tirar estrume/lenha do baldio e apascentar o gado, e até semear nele com licença, porque o baldio é “nosso”, sendo que a linha que divide os baldios é a mesma que divide os concelhos.
O depoimento vindo de aludir foi coadjuvante da prova dos factos referidos em 16 a 22 e 29.
C. J., engenheiro mecânico, trabalha há 13 anos para a ..., acionista principal do parque eólico. Referiu que o parque foi construído dentro dos limites do baldio de B., de acordo com uma planta que lhes foi fornecida. Recorda que, a certa altura surgiu uma reclamação – quando as máquinas já se encontravam montadas- dando conta que uma ou duas máquinas estavam instaladas no baldio de X. Mais referiu que a Junta de Freguesia de X tinha sido antes contactada por causa dos acessos ao parque - em 2009 - e a questão, então, não se colocou. Na sequência da reclamação foi promovida uma reunião local, que foi inconclusiva. Esclareceu que a casa a que os autos se reportam é um posto de seccionamento, que não gera qualquer rendimento, posto que este é apenas dependente do numero de KW instalados. Mais referiu que a planta anexa ao contrato foi apresentada pela Junta de Freguesia de B. e estava referenciada por pontos concretos que permitiam atestar os limites constantes da planta, o que foi pessoalmente realizado por um funcionário da empresa, acompanhado por habitantes de B.. Mais declarou que a planta que lhes foi fornecida foi confrontada com cartas dos PDMs e da CCDR e como não coincidiam integralmente, por cautela, recuaram as instalações, deixando uma margem de segurança para o limite indicado na planta.
O depoimento nos sobreditos termos sumariado foi coadjuvante da prova dos factos vertidos em 5, 6, 8 e 12 e da infirmação do vertido em i) e ii).
J. R., residente em …, B., agricultor, declarou que tem gado maronês, desde há 30 anos, que pasta no baldio de B. e circula pelo de X, sem qualquer respeito por delimitações, sendo que os limites do baldio coincidem com os limites da freguesia.
O depoimento nos sobreditos termos sumariado foi coadjuvante da prova dos factos vertidos em 5, 8, 23-26.
L. P., foi guarda de caça e pesca no distrito de Vila Real a Bragança. Trabalhou junto ao Marco ..., na plantação da floresta, quando tinha 16 anos, ao serviço dos serviços florestais, do lado de Mondim de Basto. Declarou conhecer a linha divisória dos baldios e freguesias, que descreveu, e que respeitou aquando da plantação de que foi incumbido.
O depoimento nos sobreditos termos sumariado foi coadjuvante da prova dos factos vertidos em 8.
A. P., foi guarda florestal no cantão onde estão instaladas as eólicas entre 1960/ 1963. Confirmou que a delimitação dos concelhos é o das freguesias, sendo que, na altura apenas lhe indicaram o marco geodésico como ponto de divisão de três concelhos. Após o incêndio da floresta, toda a área passou a ser utilizada para pastoreio.
O depoimento nos sobreditos termos sumariado foi coadjuvante da prova dos factos vertidos em 5, 8, 23-26 e 30 e da infirmação do referido em v).
M. D., agricultor, residente em B., fazia parte do Conselho Diretivo do Baldio de B. quando o parque eólico foi construído. Deslocou-se ao local, por várias vezes, acompanhado de um engenheiro da empresa, para indicar os limites do baldio, que descreveu, afirmando que tais limites foram respeitados. Confirmou que os limites dos baldios são os mesmos dos concelhos. Participou numa reunião efetuada em razão da reclamação da Junta de Freguesia de X, que foi inconclusiva.
O depoimento nos sobreditos termos sumariado foi coadjuvante da prova dos factos vertidos em 5, 6, 8, 12 e 30.
A consideração dos factos que se tiveram por não provados resulta da sua infirmação pelos meios de prova a que supra se aludiu, sendo que:
Quanto ao saibro a prova produzida não foi bastante à correta e integral perceção da intervenção do 2.º réu na extração de tal produto, posto que as referências a ela efetuadas pela prova testemunhal indiciam que a recolha do saibro terá sido efetuada por uma empresa, alegadamente autorizada pela Junta de Freguesia de B. (sem que, neste particular, os depoimentos tenham sido inteiramente coincidentes/esclarecedores), desconhecendo-se, por isso, qual a participação do 2.º réu no processo causal que culminou na dita extração ou sequer o negócio jurídico a ela subjacente.
No mais, a questão da delimitação dos baldios, por resultar provada que coincide com a delimitação das freguesias de B. e X e, simultaneamente, dos concelhos de Ribeira de Pena e Mondim de Basto, terá tratamento adequado na fundamentação de direito, para a qual se remete, antecipando-se que a linha delimitadora a que se alude em 3 não pode sobrepor-se à divisão administrativa do território. Nessa medida se considerou não provado o referido em i) e ii).
Acrescente-se que ao dar-se como provado que dois dos aerogeradores se encontram a norte da linha referida em 3 e, simultaneamente, a dar-se como não provado que é essa a linha que delimita os baldios, logicamente que não pode concluir-se que tais aerogeradores integrem o baldio da Freguesia de X.
Por outro lado, desconhecendo-se se o baldio de B. tem as exatas características que resultam da inscrição matricial referida em 7, também não pode concluir-se que as construções operadas pela 1.ª ré, tenham ocorrido num prédio com tal artigo matricial, e com as confrontações e área que dele constam. Daí se ter considerado como não provado o referido em iv).
Quanto ao facto elencado em v) resultou provado, da prova testemunhal supra aludida, que na concreta zona em questão nos presentes autos (aquela onde foram instalados os 4 aerogeradores e construído o edifício) não há florestação, há mais de 10 anos.»

Decorre do disposto no artº. 662º, n.º 1 do NCPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjectiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no entender do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objecto da impugnação (cfr. acórdão do STJ de 1/10/2015, relatora Cons. Maria dos Prazeres Beleza, proc. n.º 6626/09.0TVLSB, disponível em www.dgsi.pt).
Neste sentido, o artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, sendo a cominação para a inobservância do que aí se impõe a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
Por força deste dispositivo legal, deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº. 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do Tribunal “ad quem”, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer oficiosamente e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que, relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto impugnados, impunham decisão diversa da recorrida (alínea b) do nº. 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor de forma clara a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do nº. 1).
Decorre do que atrás se deixou dito que, no caso em apreço, embora a motivação do recurso interposto pela A. e as respectivas conclusões, salvo o devido respeito, não sejam suficientemente claras do ponto de vista da sistematização e enunciação, com uma sequência lógica das questões a serem tratadas no mesmo, com muito boa vontade por parte deste Tribunal, fazendo prevalecer a celeridade e simplificação processuais, consideramos que a ora recorrente cumpriu minimamente os ónus que o supra citado dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do nº. 1, quer o da alínea a) do nº. 2, tendo inclusive procedido à transcrição de vários excertos dos depoimentos das testemunhas J. G., J. A., J. F. e G. F. - prestados em ambos os julgamentos - J. M. (entretanto falecido), A. Q., A. T. e A. D. - prestados no primeiro julgamento – E. J. e G. J. – prestados no segundo julgamento - por ela mencionadas para fundamentar a sua pretensão, e estando gravados, no caso concreto, os depoimentos prestados em audiência de julgamento, bem como constando do processo toda a prova documental e pericial tida em atenção pelo Tribunal “a quo” na formação da sua convicção e a que é enunciada pela recorrente para sustentar a sua pretensão, nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto relativamente aos factos provados e não provados colocados em crise no presente recurso.
Em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, incumbe à Relação, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto” (cfr. acórdão da RG de 15/10/2020, proc. nº. 3007/19.0T8GMR, disponível em www.dgsi.pt).
Importa, porém, não esquecer que se mantêm em vigor os princípios gerais da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova (este último consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC), sendo certo que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando seja possível concluir, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, ou seja, quando a Relação tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento relativamente a concretos pontos de facto impugnados (cfr. acórdãos da RG de 30/11/2017, proc. nº. 1426/15.0T8BGC-A, de 30/01/2020, proc. nº. 500/18.6T8MDL e de 15/10/2020 acima referido, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Tendo por base estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, apreciar e decidir sobre a impugnação da matéria de facto apresentada pela ora recorrente.
Com efeito, após ouvida a gravação da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento – com destaque para os depoimentos das testemunhas J. G. (foi membro da Junta de Freguesia de X de 1980 a 1997), J. M. (entretanto falecido), A. Q. (agricultor), J. A. (pastor), J. F. (agricultor), G. F. (tesoureiro da Junta de Freguesia de X durante 8 anos e até 2013), A. T. (foi membro da Junta de Freguesia de X durante cerca de 13 anos), A. D. (Presidente da Junta de Freguesia de X de 1992 a 2013), E. J. (técnico superior/historiador e trabalha na Câmara Municipal de Ribeira de Pena) e G. J., arroladas pela A., todos eles residentes na localidade de M., freguesia de X e mencionados nas alegações de recurso, relativamente aos factos provados e não provados acima referidos e colocados em crise pela recorrente - e sopesando-a com a restante prova existente no processo, designadamente com os depoimentos das testemunhas C. J. (engenheiro mecânico que trabalha há 13 anos na empresa ..., principal accionista do Parque Eólico de W, tendo sido o director daquele projecto), indicada pela 1ª Ré e M. D. (foi secretário da Junta de Freguesia de B. e membro do Conselho Directivo dos Baldios do B. durante 4 anos), arrolada pelo 2º R., e os seguintes documentos:
- certidão da acta relativa à sessão da Câmara Municipal de Ribeira de Pena referida em 2. dos factos provados constante de fls. 11 a 19;
- Carta Administrativa Oficial de Portugal (CAOP) de 2010 junta a fls. 42 a 45;
- relatório pericial e planta da CAOP de 2013 de fls. 159 a 161;
- levantamento topográfico acompanhado do respectivo relatório pericial e planta de localização de fls. 532, 534 e 537 a 541, bem como os esclarecimentos prestados por escrito pelo topógrafo que realizou a perícia constantes de fls. 544, 561 e 562;
- ofício da Direcção-Geral do Território de fls. 546, acompanhado de um ortofotomapa com os limites administrativos constantes da CAOV1.0 (de 2001) e da CAOP de 2017 (que se encontra apenso aos presentes autos);
- relatório pericial complementar de fls. 555;
referidos na “motivação de facto” e nas contra-alegações apresentadas pelo 2º R., e ainda com as regras do ónus da prova, não se vislumbra que exista motivo para alterar a matéria de facto provada e não provada nos termos pretendidos pela recorrente, relativamente à qual constatamos que o Tribunal “a quo” fez, no essencial, uma correcta apreciação e análise crítica de todos os elementos de prova mencionados na fundamentação, tal como consta clara e detalhadamente explanado na “motivação de facto” da sentença recorrida que acima transcrevemos, havendo, apenas, que introduzir uma alteração na redacção dos pontos 9, 13, 16, 18 e 27 dos factos provados, que estão interligados entre si, por forma a que a mesma seja rigorosamente mais consentânea com a prova pericial, testemunhal e documental produzida nos autos.
Vejamos então.

Pretende a recorrente que seja eliminado o ponto 30 dos factos provados que passamos a transcrever:
30. Os compartes da freguesia de B. actuaram nos termos referidos em 23 a 26 com a convicção de exercerem um direito próprio ao uso, fruição e exploração do local como seu baldio e assim o considerando e de não prejudicar ou lesar quaisquer direitos ou interesses alheios.
A alínea i) dos factos não provados que a recorrente pretende que seja dada como provada com a redacção acima referida, passando a constituir o ponto 30 dos factos provados, é a seguinte:
i) No ponto referido em 8 a delimitação entre os baldios de X e B. é feita através da linha referida em 3;
Pretende, ainda, que seja dada como provada a alínea iii) dos factos não provados que tem a seguinte redacção:
iii) Foi o Conselho Directivo dos Baldios de B. quem facultou a extracção do saibro referida em 13.
A recorrente fundamenta a sua discordância, quanto aos factos supra referidos, em determinadas passagens da gravação e alguns excertos dos depoimentos das testemunhas J. G., J. M., A. Q., J. A., J. F., G. F., A. T., A. D., E. J. e G. J. acima mencionadas, que transcreve nas suas alegações, alegando que tais depoimentos são reveladores de que a linha divisória documentada na acta de 22/10/1938 junta aos autos, apenas foi sempre havida como a linha de delimitação dos baldios das comunidades de X e B., que nunca lhe atribuíram a menor relevância a título de divisão administrativa, e que os actos de posse exercidos pelos compartes da A. se conformam com a factualidade dada como provada no ponto 29 da sentença recorrida.
Entende a recorrente que, para além da apontada prova testemunhal produzida nos dois julgamentos, deveria ainda ser considerada e não subestimada a seguinte prova documental constante dos autos:
- a acta da Câmara Municipal de Ribeira de Pena de 3/11/1938, junta com a petição inicial a fls. 19, que aprovou a acta anterior da delimitação e demarcação entre Ribeira de Pena e Mondim de Basto, na parte em que realça a pretensão da delimitação dos baldios em apreço e não propriamente a definição administrativa dos dois concelhos;
- a acta de fls. 354vº e 355, na sua referência à transgressão da Junta de Freguesia de B. consistente na resinagem e corte de pinheiros no baldio da A., a seguir à linha de divisão na Cruz do ..., identificada na divisão em acta de 22/10/1938, conjugada com a ilação advinda do pagamento daquele corte feito com o cheque e quantia aí referidos;
- os documentos de fls. 459 a 474 cujo teor sumariou na resenha exposta a fls. 456 a 458, com a cronologia dos mesmos quanto aos factos lá consignados, reveladores da consideração e respeito por todos da linha ali definida e reportada à presente lide pela A., como a delimitadora dos baldios de M. – X dos baldios do B., Mondim de Basto;
- a carta geográfica de fls. 474 que revela o alinhamento da linha que do Marco ..., passando pelo Alto da ..., vai até à localidade de M. que fica próxima do B. e com que o 2º R. quis lançar confusão, fazendo crer que fosse a aldeia de M. da A., essa também praticamente coincidente com a linha de divisão dos baldios referida em 3. e 4. dos factos provados.
Porém, como tivemos oportunidade de constatar pela audição da prova gravada, a recorrente procedeu apenas à transcrição de vários excertos dos depoimentos das testemunhas por ela assinaladas, fazendo uma apreciação subjectiva e deturpada desses depoimentos e da demais prova existente no processo, ignorando o resultado da prova pericial, designadamente do levantamento topográfico realizado nos autos e os esclarecimentos prestados pelo topógrafo, bem como a apreciação e análise crítica da prova constante da “motivação de facto” da decisão recorrida relativamente àqueles concretos pontos de facto, tendo a recorrente extraído, ainda, determinadas conclusões sem qualquer base de sustentação nos elementos de prova por ela invocados e separados da restante prova produzida.
Acresce que a recorrente não fez, também, qualquer análise crítica dos depoimentos por ela apontados, nem indicou os motivos porque aqueles segmentos dos depoimentos reproduzidos nas alegações se sobrepõem à apreciação e valoração que o Tribunal “a quo” fez de todos os meios de prova produzidos para formar a sua convicção, de forma a justificar uma decisão sobre os factos impugnados diversa da proferida.
Em conformidade com o disposto no artº. 640º, nº. 1, al. b) do NCPC, “recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que actua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar directamente os termos do raciocínio probatório adoptado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorrecto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente” (cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, Almedina, pág. 770).
Como é sabido, a análise crítica da prova impõe uma ponderação objectiva e global de toda a prova produzida e não apenas de alguns depoimentos e documentos analisados separadamente e valorados apenas segundo uma perspectiva subjectiva do recorrente, pretendendo substituir a convicção que o Tribunal recorrido formou sobre a prova produzida pela sua própria convicção pessoal que, relativamente aos factos colocados em crise, não coincide com a do julgador.
Tem sido defendido pela jurisprudência que, assim como se impõe, por força do preceituado no artº. 607º, nº. 4 do NCPC, que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas para a formação da sua convicção) também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundamentar tal pretensão numa análise crítica dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos (ou apenas algum ou alguns depoimentos), ignorando completamente o conjunto da prova produzida, as razões apresentadas na fundamentação da decisão recorrida, justificando a pretendida alteração da matéria de facto de acordo com uma perspectiva subjectiva, mediante uma apreciação unilateral e parcial da prova.
O julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova deve ser ponderado por si, mas também em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha, tem de ser ponderado em conjugação com os das outras testemunhas e todos conjugados com os demais elementos de prova (cfr. acórdãos da RG de 4/02/2016, proc. nº. 283/08.8TBCHV-A e de 18/12/2017, proc. nº. 4601/13.9TBBRG, acessíveis em www.dgsi.pt).
Ora, revisitados os depoimentos das testemunhas mencionadas pela recorrente, conjugados com os restantes meios de prova produzidos e em consonância com o que se mostra explanado na “motivação de facto”, não se vislumbra que tais depoimentos (designadamente nos excertos transcritos) e os elementos documentais constantes dos autos (nomeadamente os relatórios periciais, o levantamento topográfico acompanhado do respectivo relatório pericial e planta de localização, os esclarecimentos complementares prestados pelo topógrafo, as actas de fls. 11 a 19, 354vº e 355, as cartas administrativas oficiais de fls. 42 a 45 e 159 a 161 e os documentos de fls. 456 a 458, 459 a 473 e 546), sejam de molde a permitir a alteração da matéria de facto nos termos pretendidos pela recorrente, não tendo este tribunal de recurso adquirido, no que se refere ao ponto 30 dos factos provados e às alíneas i) e iii) dos factos não provados, convicção diferente da que foi obtida pelo Tribunal da 1ª instância.
Com efeito, relativamente à alínea i) dos factos não provados, a A./recorrente defende que perante a prova pericial, testemunhal e documental produzida nos autos, a linha pericialmente definida em conformidade com os pontos 3 e 4 dos factos provados não é uma gélida consequência do “auto de delimitação e demarcação entre este concelho (o de Ribeira de Pena) e de Mondim de Basto” de fls. 11 a 19, mas antes uma efectiva consequência da posse comunitária, contínua, pública, pacífica e de boa-fé por mais de cem anos, sobre os terrenos existentes para o lado Norte daquela linha, por parte do povo de M. da freguesia de X – Ribeira de Pena.
Em primeiro lugar, importa salientar que a linha a que aludem os pontos 3 e 4 dos factos provados não foi concretizada pela via pericial, como alega a recorrente.
Senão, vejamos.
Como resulta do levantamento topográfico e do correspondente relatório pericial junto a fls. 532, 534 e 537 a 541, foi assinalada a azul a linha que, por indicação do 2º R. e do seu mandatário, estes entendiam ser no local a do limite dos baldios, e a linha assinalada a vermelho na planta topográfica e na planta de localização, foi a indicada pelo mandatário da A. como sendo a do limite dos baldios; foi, ainda, assinalada a preto a linha do limite administrativo no local em causa, entre as freguesias de B. (concelho de Mondim de Basto) e de X (concelho de Ribeira de Pena), de acordo com a Carta Administrativa Oficial de Portugal (CAOP) de 2017, bem como a localização dos aerogeradores e do edifício de apoio ao parque eólico, como estando a Sul da linha que constitui o limite administrativo do concelho de Ribeira de Pena e, mais concretamente no local, da freguesia de X - ou seja, fora dos limites administrativos dessa freguesia e dos limites do concelho de Ribeira de Pena - limites administrativos que a A. alegou, na petição inicial, terem sido acordados e consignados em “auto de delimitação e demarcação entre o concelho de Ribeira de Pena e o de Mondim de Basto” de 22/10/1938 pelas autoridades administrativas respectivas e que coincidem com os limites do baldio que alega pertencer-lhe.
Conforme se alcança dos autos, na sequência do pedido de esclarecimentos feito pelo 2º R., veio o Sr. Perito esclarecer, a fls. 544, que a toponímia indicada no levantamento topográfico (Pontos B, C e D), a exemplo do que sucedera com a indicação da localização da linha no terreno, lhe fora fornecida no local pelo mandatário da A., tendo posteriormente, em resposta a novo pedido de esclarecimentos do 2º R., o Sr. Perito referido o seguinte:
«A distância entre o aerogerador (N 193573 06, E 28727 36) e a linha marcada a laranja como sendo a indicada como “Junta de Freguesia de X” é de 60,4 metros.
O aerogerador encontra-se a Sul da Linha marcada a laranja como sendo a indicada como “Junta de Freguesia de X”.»
Daqui resulta que a linha assinalada a vermelho (referida pelo Sr. Perito como sendo da cor laranja) na planta topográfica e na planta de localização que integram a perícia de fls. 532, 534 e 537 a 541, foi ali traçada por indicação feita pelo mandatário da A./Recorrente, como foi mencionado pelo Sr. Perito, o qual esclareceu não dispor de dados que lhe permitissem concluir se os pontos 30, 31 e 32 referenciados na Acta de 1938 tinham qualquer correspondência com os pontos B, C e D indicados nas ditas plantas. Ou seja, o Sr. Perito não conseguiu desenhar a linha descrita nos pontos 3 e 4 dos factos provados, por referência à descrição feita na mencionada Acta da Câmara Municipal de Ribeira de Pena de 1938 por, como ele próprio declarou, não dispor de quaisquer elementos que lhe permitissem referenciar, na dita linha desenhada a vermelho, os aludidos pontos 3 e 4 dos factos provados com os pontos mencionados naquela Acta que aprovou a acta anterior na qual consta a delimitação e demarcação entre Ribeira de Pena e Mondim de Basto, conforme alegado pela A./recorrente e que esta preconizou ser a mesma que a linha de demarcação dos baldios em causa.
Sendo uma linha de demarcação que foi colocada no levantamento topográfico não em resultado de qualquer averiguação efectuada pelo Sr. Perito, mas antes conforme com a indicação da A., é óbvio que dessa indicação nada poderá resultar em sede probatória quanto ao limite do baldio ora invocado pela Autora.
Por outro lado, as testemunhas J. G., J. M., J. F., G. F., A. T., A. D. e G. J., mencionadas pela recorrente para sustentar a sua tese, todos eles compartes de M., freguesia de X, confirmaram que a linha divisória dos baldios é a mesma que divide administrativamente no local os concelhos de Ribeira de Pena e de Mondim de Basto e, por conseguinte, as freguesias aqui em litígio, tendo inclusive a testemunha A. D. feito referência ao facto de ter visto, num livro de actas antigo existente na Câmara de Ribeira de Pena, um documento de 1938 onde consta a delimitação entre os concelhos de Ribeira de Pena e Mondim de Basto.
Vem agora a recorrente argumentar que alguns compartes de M., aquando da sua inquirição como testemunhas, “na sua simplicidade e pureza de espírito, formação e convicções, sem um adequado entendimento do que sejam demarcações administrativas e a quem o grafismo dos mapas nada diz, até pensam e proclamam que tal demarcação coincide com a do seu baldio”, considerando não ser justo que daí se retire as ilações que os recorridos pretendem para que se mantenha como não provada a matéria vertida na alínea i) dos factos não provados.
Ora, da audição da gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, resulta que as referidas testemunhas não foram confrontadas com qualquer planta ou mapa de forma a neles apontarem a linha divisória de ambos os baldios, afigurando-se-nos que, apesar da simplicidade da sua formação e de viverem num meio rural, dedicando-se a maior parte delas à agricultura e pastorícia, os seus depoimentos foram coincidentes, sinceros e isentos, tendo demonstrado que sabiam o que são os limites dos concelhos e das freguesias e que estavam convictos de que estes coincidiam com os limites dos baldios.
Para além disso, a tese ora apresentada pela A./recorrente foi ainda contrariada pelos depoimentos das testemunhas Engº. C. J., funcionário da empresa ... que procedeu à instalação dos aerogeradores e do edifício de apoio ao parque eólico em discussão, tendo sido o director do respectivo projecto e responsável da obra, que descreveu o trabalho realizado e as diligências que foram feitas por ele e pela sua equipa junto das várias entidades competentes e dos órgãos autárquicos envolvidos, por forma a assegurar que estas infraestruturas ficassem dentro dos limites do baldio da freguesia de B. e fora dos limites da freguesia de X, e M. D., residente na freguesia de B., que confirmou ter pertencido ao Conselho Directivo dos Baldios do B. quando celebraram o contrato de cessão de exploração com a empresa ..., para a implantação do parque eólico aqui em discussão no baldio da freguesia de B., afirmando de forma clara e assertiva que as eólicas foram colocadas no sítio que indicaram à empresa como sendo o baldio do B., estando convencido de que aquela área está integrada nesse baldio, e ainda que a delimitação do baldio que resulta de Posturas antigas que estão arquivadas na Junta de Freguesia de B. (a que teve acesso quando foi secretário daquela Junta de Freguesia) é coincidente com a delimitação dos concelhos e, por conseguinte, das freguesias. Foi, ainda, apontado por esta testemunha o que distingue o baldio da freguesia de B. do da freguesia de X, diferenças essas que permitem reconhecer qual é o baldio de X e o do B..
Por outro lado, acompanhando a posição plasmada na “motivação de facto” da sentença recorrida, o depoimento da testemunha E. J., técnico superior/historiador que trabalha na Câmara Municipal de Ribeira de Pena, ao serviço da qual efectuou um levantamento do património cultural naquela região da Freguesia de Y e X, mais concretamente na zona de M. onde se encontra implantado o parque eólico e a divisão com o concelho de Mondim de Basto, e uma análise documental de vestígios arqueológicos naquela zona com interesse histórico, “não trouxe contribuição de relevo para a matéria em discussão posto que atenta a dimensão dos baldios de X e de B. e, bem assim, da zona em que confinam entre si, o relato produzido quanto à actuação sobre o baldio - de que foi informado por terceiros – sequer pode, com um mínimo de certeza razoável, ser associado à concreta faixa de terreno em discussão nestes autos”.
Por sua vez, a prova documental ora indicada pela recorrente como demonstrativa da sua pretensão, também não constitui prova bastante que possa levar a concluir que a linha que separa os dois baldios seja a que a mesma indicou ao Sr. Perito como tal e que este assinalou a vermelho na planta do levantamento lopográfico do Parque Eólico de W, tendo a recorrente feito uma leitura completamente distorcida da mesma. Senão vejamos:
Alega a recorrente que a acta da Câmara Municipal de Ribeira de Pena de 3/11/1938 junta a fls. 19, que aprovou a acta anterior na qual consta a delimitação e demarcação entre Ribeira de Pena e Mondim de Basto, realça com clareza a pretensão da delimitação dos baldios em apreço e não propriamente a definição administrativa, ao referir que “(...) foi lida uma circular (…) do Excelentíssimo Governador Civil enviando mais três editais enviados pela Direcção Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas para serem afixados. (…) Outra circular (…) notificando a Câmara para que sejam feitas urgentemente as demarcações (…) dos baldios incluídos no plano de urbanização (…) e enviando uma carta com localização aproximada dos referidos baldios (…)”.
Todavia, diversamente do que é alegado pela recorrente, a dita Acta faz apenas e tão só referência, entre outras, a uma “outra circular número oitocentos e setenta e um da mesma entidade notificando esta Câmara para que sejam feitas urgentemente as demarcações a que se refere a Base III da Lei número mil novecentos e setenta e um de Junho último, dos baldios incluídos no plano de urbanização aprovado por aquela Lei e enviando uma carta com localização aproximada dos referidos baldios para os seguintes concelhos: Boticas, Peso da Régua, Sabrosa e Valpaços”.
O referido documento referia-se, pois, a uma demarcação cuja realização não consta dos autos e que dizia respeito textualmente a baldios estranhos aos concelhos de Ribeira de Pena e Mondim de Basto em causa nos autos; uma demarcação de baldios que, de resto, a A./recorrente alegou “ab initio” ser a mesma que a demarcação administrativa existente entre estes dois concelhos (cfr. artºs 6º a 8º, 12º e 13º da petição inicial).
Por outro lado, a recorrente pretende corroborar a sua posição alegando que da acta de fls. 354vº e 355 na sua referência a “(…) mais uma transgressão que está a continuar apesar de todas as outras atrasadas que o senhor mesmo confirmou na Cruz do ... tanto de resinagem como de corte de pinheiros. Agora mais um corte!” E a seguir “(...) mais uma vez o Sr. presidente da Junta do B. continua a usurpar pinheiros na Cruz do ... (…). Eu no dia 20 de Janeiro enviei-lhe mais um ofício… Em resposta ao ofício de V. Exª nº 13/86 datado de 3 de Fevereiro 86 esta Junta declara que recebeu um cheque com o nº 801544 na importância de 27.173$50 proveniente de árvores cortadas no Perímetro Florestal de Ribeira de Pena autuado por esta Autarquia”, conforme transcrição feita pela recorrente.
Contudo, salvo melhor opinião, dessas referências nada resulta provado quanto à exacta linha divisória dos baldios em discussão, e muito menos resulta quanto à localização dessa linha divisória no local mencionado nos autos, no qual se encontram implantados os aerogeradores e o edifício em causa, o Vale de W, Aliás, se por um lado ali se faz referência a uma eventual “usurpação” de pinheiros na Cruz do ..., por outro lado nada consta dos autos de onde se possa concluir sequer em que local do referido “Perímetro Florestal de Ribeira de Pena” terão sido cortadas árvores.
Assim como nada resulta, em sede probatória, dos documentos de fls. 459 a 473 cujo teor sumariou na resenha exposta a fls. 456 a 458 e da carta geográfica de fls. 474, quanto à definição da linha divisória dos baldios no local identificado nos autos, ao contrário do que é alegado pela recorrente, linha divisória essa que a A. alegou “ab initio” como tendo sido a mesma da divisão administrativa preconizada na acta de 1938, mas que não conseguiu, ao longo do processo, definir comprovadamente a respectiva localização, com a precisão que se impõe e lhe competia provar.
Desse modo, a recorrente acaba por fazer referência a documentação que, no seu entender, revela que a Capela de ... estaria situada num outro local também ele apelidado de M., mas sito nas proximidades da aldeia de B., e que não correspondia à aldeia de M., situada nos limites da freguesia de X, identificada pelas testemunhas ouvidas em audiência de julgamento e pela restante documentação junta aos autos.
No entanto, com a junção dos aludidos documentos e daquela planta apócrifa, a A. não logrou demonstrar esta posição por ela defendida no presente recurso, a qual é infirmada pela prova testemunhal e documental produzida nos autos.
Nesta conformidade, entendemos que deve manter-se como não provada a matéria vertida na alínea i) dos factos não provados.
Quanto à alínea iii) dos factos não provados, subscrevemos o que a este respeito é referido na “motivação de facto” da sentença recorrida, pois a prova produzida nos autos não foi suficiente para que o Tribunal tivesse a correcta e integral percepção da intervenção do 2º R. na extracção do saibro referido em 13 dos factos provados, tanto mais que os depoimentos das testemunhas que fizeram referência à extracção de tal produto – ou seja, J. G., J. M., A. Q., J. F., G. F., A. T. e A. D. – não foram inteiramente coincidentes e esclarecedores por forma ao Tribunal poder aferir qual a participação do 2º R. no processo causal que culminou na dita extracção ou qual o negócio jurídico a ela subjacente.
Assim sendo, entendemos que não assiste razão à A./recorrente ao pretender que a alínea iii) dos factos não provados seja considerada provada.

No que concerne ao ponto 30 dos factos provados, a ora recorrente invoca o que resultou provado da primeira audiência de julgamento, que ficou consignado na primeira sentença prolatada nos autos nos pontos 22 a 25 dos factos provados, ou seja:
Há mais de 10 anos os habitantes da freguesia do B. apascentam gado no local onde foi instalado e construído o referido em 5 e 6; à vista de todos; sem oposição de ninguém; sem interrupção.
Argumenta que, quanto à apascentação de gado, não existe “qualquer embaraço ou hostilização por parte dos proprietários do mesmo, quer de um ou do outro lado da aludida linha de demarcação”, sendo apenas a pastagem de gado, há mais de dez anos, período coincidente com a contratação e começo das obras reportadas nos pontos 5 e 6 dos factos provados, o único facto que se provou e não a convicção de “animus possidendi” ínsita no facto provado nº. 30, sendo que na repetição de julgamento os RR. não produziram qualquer prova sob seu ónus, designadamente a relativa àquele “animus possidendi”, tendo o 2º R. prescindido de tal produção como consta da acta da audiência.
Ora, conforme se alcança dos autos, foi determinado por este Tribunal da Relação o prosseguimento dos autos para apuramento da existência do “animus possidendi” tendente à prova da aquisição da propriedade dos baldios por usucapião e subsequente apreciação do demais peticionado nos autos, por insuficiência da fundamentação da decisão da matéria de facto e de direito, quanto à análise crítica de toda a factualidade alegada e por consequência da prova produzida.
No entanto, resulta da “motivação de facto” que integra a sentença recorrida que o Tribunal “a quo” se baseou nos depoimentos das testemunhas A. P. e M. D., arroladas pelo 2º R. e ouvidas no primeiro julgamento, para dar como provado o facto 30, não se vislumbrando, da audição da gravação dos depoimentos prestados em ambos os julgamentos, que a A./recorrente tenha produzido prova testemunhal consistente que corrobore esta sua pretensão e assim permita eliminar o facto provado nº. 30 da matéria de facto provada.
Como tivemos oportunidade de constatar, a prova produzida nos autos, e designadamente os elementos probatórios mencionados pela recorrente, não têm a virtualidade de sustentar qualquer alteração à matéria de facto dada como provada no ponto 30 e como não provada nas alíneas i) e iii) supra referidas, nos termos por ela pretendidos.
Nesta conformidade, entendemos que devem manter-se inalterados o ponto 30 dos factos provados e as alíneas i) e iii) dos factos não provados.
Contudo, no seguimento do que atrás deixamos exposto, afigura-se-nos que os pontos 9, 13, 16, 18 e 27 dos factos provados, tal como foram dados por assentes, não estão rigorosamente em conformidade com a prova pericial, testemunhal e documental produzida nos autos, nem com as conclusões retiradas pelo Tribunal “a quo” e que se mostram expressas na sentença recorrida.
Com efeito, no aludido ponto 9 dos factos provados foi dado como assente que “apenas dois dos aerogeradores referidos em 5 encontram-se a norte da linha referida em 3.”, o que, salvo o devido respeito, parece estar em contradição com a demais matéria dada como provada e, por outro lado, não consentâneo com a prova efectivamente produzida nos autos.

Afigura-se-nos que em igual situação estão os pontos 13, 16, 18 e 27 dos factos provados, com a seguinte redacção:
13. Foi efectuada extracção de vários camiões de saibro, em número não inferior a 100, de um terreno situado a norte da linha referida em 3.;
16. Os moradores da freguesia de X, mais concretamente de M., há mais de 100 anos a esta parte que semeiam e colhem centeio em plainas, roçam mato, cortam lenha e apascentam gado em terrenos situados a norte da linha referida em 3.;
18. E aí construíram paredes na linha referida em 3.;
27. Um dos aerogeradores referido em 5, um quarto aerogerador e a subestação construídos pela 1.ª ré encontram-se a sul da linha referida em 3.
Não subsistem dúvidas de que na acta relativa à sessão da Câmara Municipal de Ribeira de Pena de 27/10/1938, consta a descrição de uma linha de demarcação dos concelhos de Ribeira de Pena e Mondim de Basto acordada em 22/10/1938. No entanto, não resulta da prova produzida nos autos, nem da factualidade assente que essa demarcação alguma vez viesse a ser legalmente aprovada, para além de não ter sido possível apurar a localização exacta no terreno dessa mesma linha descrita no ponto 3 dos factos provados.
Como vimos, a linha referida no ponto 3 dos factos provados, por referência à descrição feita na dita acta camarária de 1938, não mereceu nos autos, por via de prova pericial, documental ou testemunhal, qualquer definição em concreto, nomeadamente da respectiva localização no terreno onde a mesma pretensamente se possa situar.
Como já atrás foi referido, a linha traçada a vermelho na planta topográfica e na planta de localização juntas aos autos com o respectivo relatório pericial elaborado pelo perito que realizou o levantamento topográfico, foi ali assinalada por indicação feita pelo mandatário da A./Recorrente, como foi confirmado expressamente pelo Sr. Perito, o qual também esclareceu nos autos, não dispor de quaisquer dados que lhe permitissem esclarecer se a toponímia ou os pontos 30, 31 e 32 referenciados na Acta de 1938 tinham qualquer correspondência com os pontos B, C e D indicados nas ditas plantas.
Aquela linha de demarcação vermelha foi colocada no levantamento topográfico, não em resultado de qualquer averiguação efectuada pelo Sr. Perito, nem em função de qualquer prova testemunhal ou documental, mas sim conforme a indicação da A., pelo que, daquela inserção em planta, nada poderá resultar em sede probatória quanto ao limite do baldio invocado pela A. e muito menos quanto à sua coincidência com a linha indicada em 3. dos factos provados.
Deste modo, constatamos que o Sr. Perito se limitou a seguir e a desenhar as linhas delimitadoras de acordo com as indicações que lhe foram dadas no local pela Autora e pelo 2º Réu.
Para além disso, remetemos para o que atrás se deixou dito em relação à prova testemunhal produzida, no que respeita à linha de delimitação dos baldios de X e do B., tendo sido referido pelas testemunhas J. G., J. M., J. F., G. F., A. T., A. D. e G. J., na simplicidade e espontaneidade dos seus depoimentos, que a linha divisória dos baldios é a mesma que divide administrativamente no local os concelhos de Ribeira de Pena e de Mondim de Basto e, por conseguinte, as freguesias de X e de B., tendo o Tribunal “a quo” concluído na fundamentação de facto da sentença recorrida que resultou provada que a delimitação dos baldios coincide com a delimitação das freguesias de B. e X e, simultaneamente, dos concelhos de Ribeira de Pena e Mondim de Basto.
Ora, não tendo resultado provado que a delimitação entre os baldios de X e do B. é feita através da linha referida em 3. dos factos provados, cuja localização cartografada, de resto, não ficou provada ser a que resulta da leitura da Acta de 1938, teremos de concluir que o facto provado 9 não poderá ser dado como assente com a redacção que lhe foi dada pelo Tribunal recorrido (na parte em que faz menção à “linha referida em 3”), o mesmo sucedendo em relação aos factos provados 13, 16, 18 e 27, por também fazerem referência à “linha referida em 3”.
Em complemento do que atrás deixámos dito em relação ao que foi apurado pelo Sr. Perito que efectuou o levantamento topográfico daqueles terrenos aqui em discussão, verificamos que dois dos aerogeradores em causa estão a Norte da linha por ele desenhada a vermelho nas plantas topográfica e de localização juntas aos autos, sendo que os restantes aerogeradores e a subestação estão a Sul dessa linha.
No entanto, a A. não fez prova de que a linha descrita no ponto 3 dos factos provados é aquela linha que o Sr. Perito mencionou ter-lhe sido indicada pela A. como sendo a delimitadora do seu baldio e da sua freguesia, e que este desenhou a vermelho nas plantas supra referidas, estando inequivocamente demonstrado nos autos que tal linha não constitui o limite administrativo das freguesias de X e de B., assinalado a preto pelo Sr. Perito no levantamento topográfico, com base na CAOP de 2017, sendo referido no ofício da Direcção-Geral do Território de fls. 546 que tal limite administrativo mantém-se inalterado desde a CAOP de 2003, tendo havido uma pequena alteração desse limite na passagem da CAOP de 2001 para 2003, esclarecendo aquela entidade, ainda, que anteriormente a 1999 não existia CAOP, nem qualquer outra “Carta Administrativa Oficial”.
Ademais, o Tribunal “a quo” reconhece na sentença recorrida que “a conclusão a que chegamos após a representação gráfica da linha delimitadora dos concelhos sustentada pela autora e a dos limites resultantes da cartografia oficial é a de que a referida linha (descrita em 3 e 4 dos factos provados) não coincide com os limites administrativos oficiais (28 dos factos provados), excedendo-os.”

Assim, da conjugação dos elementos de prova acima enunciados com o que consta da fundamentação plasmada na sentença recorrida, entendemos que os pontos 9, 13, 16, 18 e 27 dos factos provados devem ser alterados, passando a ter a seguinte redacção:
9. Dois dos aerogeradores referidos em 5 encontram-se a norte da linha indicada pela A. como sendo a delimitadora do seu baldio e assinalada a vermelho nas plantas topográficas de fls. 534, 540 e 541 juntas com o relatório pericial constante de fls. 532 e 537 a 539;
13. Foi efectuada extracção de vários camiões de saibro, em número não inferior a 100, de um terreno situado a norte da linha indicada pela A. como sendo a delimitadora do seu baldio e assinalada a vermelho nas plantas topográficas de fls. 534, 540 e 541 juntas com o relatório pericial constante de fls. 532 e 537 a 539;
16. Os moradores da freguesia de X, mais concretamente de M., há mais de 100 anos a esta parte que semeiam e colhem centeio em plainas, roçam mato, cortam lenha e apascentam gado em terrenos situados a norte da linha indicada pela A. como sendo a delimitadora do seu baldio e assinalada a vermelho nas plantas topográficas de fls. 534, 540 e 541 juntas com o relatório pericial constante de fls. 532 e 537 a 539;
18. E aí construíram paredes;
27. Um dos aerogeradores referido em 5, um quarto aerogerador e a subestação construídos pela 1ª ré encontram-se a sul da linha indicada pela A. como sendo a delimitadora do seu baldio e assinalada a vermelho nas plantas topográficas de fls. 534, 540 e 541 juntas com o relatório pericial constante de fls. 532 e 537 a 539.
Feita esta alteração na redacção dos pontos 9, 13, 16, 18 e 27 dos factos provados, temos que na fixação da matéria de facto provada e não provada, o Tribunal de 1ª instância rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, só podendo ocorrer alteração da mesma por parte do Tribunal da Relação, que se deve reger também pelo aludido princípio, nos termos do artº. 662º do mesmo diploma legal.
Ora, a convicção formada por este tribunal de recurso, depois de ouvida a gravação da prova produzida em audiência de julgamento e de efectuada a apreciação dos depoimentos prestados em conjugação com os relatórios periciais, plantas, levantamento topográfico e restantes documentos supra mencionados constantes dos autos, e ainda as regras do ónus da prova, é aquela que vem plasmada na decisão do Tribunal recorrido, resultando do atrás exposto que, relativamente ao ponto 30 dos factos provados e às alíneas i) e iii) dos factos não provados que a recorrente pretende sejam alterados (o ponto 30 seja considerado não provado e as alíneas i) e iii) dadas como provadas, sendo a al. i) com a redacção por ela mencionada) não foi produzida prova que permita formar uma convicção diferente, devendo, no entanto, ser alterada a redacção dos pontos 9, 13, 16, 18 e 27 dos factos provados, por forma a que a mesma seja rigorosamente mais consentânea com a prova pericial, testemunhal e documental produzida nos autos.
Em face do acima exposto e nos termos do disposto no artº. 662º, nº. 1 do NCPC, improcede a impugnação da matéria de facto deduzida pela A./recorrente, alterando-se, porém, a redacção dos pontos 9, 13, 16, 18 e 27 dos factos provados nos termos atrás mencionados, mantendo-se inalterada a restante matéria de facto provada e não provada supra descrita.
*
III) – Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa:

Vem a A., ora recorrente, com base na alteração da matéria de facto por ela pretendida, sustentar que resultou provado que os compartes da freguesia de X, por si representados, são os proprietários comunitários dos terrenos baldios situados a Norte da linha descrita nos pontos 3 e 4 dos factos provados, além do mais em decorrência da prova feita relativamente aos actos de posse, uso e fruição que eles exercem sobre os mesmos, nos termos legalmente caracterizadores da posse e, por isso, determinantes do direito de propriedade que invocam e que pretendem que seja reconhecido.
E nessa sequência, não concordando com os fundamentos invocados pelo Tribunal “a quo” para julgar a presente acção improcedente, pretende a recorrente que a decisão recorrida seja modificada por este tribunal de recurso, julgando parcialmente procedente a acção, por dois dos aerogeradores referidos nos autos estarem efectivamente nos terrenos baldios da Autora.
Na sentença recorrida, após caracterizar a presente acção como sendo uma acção de reivindicação, e com base na factualidade dada como provada nos autos, o Tribunal “a quo” refere que se “apurou que dois dos aerogeradores encontram-se situados a norte da linha que a autora alega ser a delimitadora do seu baldio, encontrando-se os restantes e a subestação a sul da referida linha”, o que, em bom rigor, não se coaduna com a redacção que inicialmente havia sido dada ao ponto 9 dos factos provados, harmonizando-se antes com a nova redacção daquele facto ora introduzida por este Tribunal.
Conforme se alcança dos autos, a linha delimitadora dos concelhos de Ribeira de Pena e Mondim de Basto – e consequentemente dos respectivos baldios - que a A. pretende fazer vingar é sustentada numa deliberação camarária tomada em 22/10/1938 e que se encontra descrita nos pontos 3 e 4 dos factos provados.
Porém, refere-se na sentença recorrida que, não obstante os actos de fruição demonstrados, a pretensão da A. «de ver reconhecido o direito de propriedade comunitária sobre o trato de terreno onde se encontram implantados os aerogeradores e a subestação, esbarra com um obstáculo que se nos afigura intransponível.
Com efeito, a autora sustentou a sua pretensão no pressuposto de que a linha descrita nos pontos 3 e 4 dos factos provados constitui a delimitação dos baldios de X e B., facto que colide, comprovadamente, com o limite administrativo das freguesias de X e B./concelhos de Ribeira de Pena e Mondim de Basto, de acordo com a Carta Administrativa Oficial de Portugal, vigente desde 2003.
Ora, a procedência do pedido que formulou implicaria uma alteração dos limites administrativos dos referidos freguesias e concelhos, para a qual o Tribunal não reúne competência.»
E depois de tecer alguns considerandos sobre a referida incompetência do tribunal para proceder à alteração dos limites administrativos do território, mais concretamente dos municípios, o Tribunal “a quo” conclui que «a deliberação camarária em que a autora estriba a sua pretensão não define autoritariamente uma situação jurídica com efeitos externos, sucumbindo nesse particular por vício de usurpação de poder.
Daí que, irrelevando a linha delimitadora que dela emana, há que enquadrar a atuação dos réus face aos limites administrativos vigentes à data em que celebraram o contrato de cessão de exploração e atuaram nos termos que a autora reputou de violadores dos limites do seu baldio.
Neste particular temos, com peculiar relevância, os elementos trazidos aos autos pela Carta Administrativa Oficial de Portugal (CAOP), que regista o estado da delimitação e demarcação das circunscrições administrativas do País, representando cartograficamente e de forma fidedigna as circunscrições administrativas do país ou seja, os limites oficiais de País, de Distrito, de Município e de Freguesia.
(…)
Ora, a conclusão a que chegamos após a representação gráfica da linha delimitadora dos concelhos sustentada pela autora e a dos limites resultantes da cartografia oficial é a de que a referida linha (descrita em 3 e 4 dos factos provados) não coincide com os limites administrativos oficiais (28 dos factos provados), excedendo-os. Por conseguinte, a pretensão da autora de ver reconhecido o direito de propriedade comunitária sobre os terrenos baldios situados a norte da linha de delimitação descrita em 3 e 4 dos factos assentes, não pode proceder, apenas podendo ser tal direito reconhecido quanto aos terrenos baldios que se situam a norte da linha delimitadora da freguesia cadastrada na CAOP. Não é essa, porém, a pretensão da autora que deduz o pedido por forma a fazer valer nele a linha delimitadora referida em 3 e 4 dos factos provados.
Aqui chegados, há que reconhecer que o segundo dos pedidos formulados – do reconhecimento de que 3 aerogeradores e o edifício de rés-do-chão de apoio ao parque eólico, edificado pela 1ª ré, se encontram implantados em terreno baldio da autora, bem como a saibreira e um quarto aerogerador, se situam na linha delimitadora com a do baldio do 2.º réu – está votado ao insucesso, posto que indemonstrado o pressuposto em que assentava, ou seja, o de que a linha referida em 3 e 4 dos factos assentes é que delimita os baldios de X e de B..
Igual destino terão os pedidos formulados em c), d) e e), posto que resulta indemonstrado que os aerogeradores e a saibreira se encontram implantados no baldio que a autora administra e, quanto ao negócio em torno do saibro, sequer se demonstrou a intervenção nele do 2.º réu, de molde a legitimar a requerida condenação.»
Ora, tendo em atenção a pretensão da A./recorrente e de acordo com o disposto no artº. 342°, nº. 1 do Código Civil, incumbia àquela alegar e provar não só factos demonstrativos do direito de propriedade comunitária dos compartes da freguesia de X sobre o terreno baldio referido nos autos, mas também da configuração/identificação daquele mesmo terreno.
Todavia, não resultaram provados quaisquer factos concretos que permitissem concluir onde se situa a linha delimitadora completa do terreno que a A. alega pertencer aos compartes da freguesia de X e concretamente onde será a divisória daquele mesmo terreno com o terreno baldio do 2º R. ou no local em que se encontram implantados os aerogeradores em discussão.
Aliás, na petição inicial, a A. invoca o direito de propriedade dos compartes da freguesia de X sobre uma “extensa área de monte”, circundante das povoações que integram a freguesia, que não identifica minimamente. De facto, nem a A. alega, nem ficou provado, de que “extensa área de monte” se trata, uma vez que a A. não a identifica concretamente em termos de área, confrontações e localização.
A A. apenas alegou que a demarcação entre ambos os baldios é a estabelecida pela linha que liga os pontos acordados e consignados em “auto de delimitação e demarcação entre o concelho de Ribeira de Pena e o de Mondim de Basto” de 22 de Outubro de 1938, linha essa cuja implantação de facto no terreno, nos termos descritos na aludida acta de 1938, ficou por demonstrar nos termos atrás referidos. Acresce referir que a deliberação camarária de 1938, contrariamente ao alegado pela recorrente, não documenta a posse comunitária de quaisquer compartes nem vincula os concelhos e freguesias ali intervenientes.
Por outro lado, a A. vem agora, em sede de recurso, alegar que o sentenciado insucesso da sua pretensão, no entendimento do Tribunal “a quo”, deriva do facto de “a linha de delimitação de um território baldio não ser coincidente e/ou consequente com a linha de divisão administrativa da freguesia ou concelho que o insere”.
Porém, salvo o devido respeito, a recorrente fez uma leitura distorcida da decisão recorrida, porquanto desta não resulta que seja entendimento do Tribunal recorrido que as delimitações dos baldios têm que ser coincidentes com as delimitações administrativas. O que resulta da sentença recorrida é que, no caso concreto dos autos e no local em questão, a linha delimitadora dos baldios defendida pela A. não coincide com os limites administrativos oficiais referidos no ponto 28 dos factos provados e que os aerogeradores e o edifício em causa estão situados fora dos limites administrativos da freguesia de X indicados na CAOP.
E contrariamente ao que a recorrente vem alegar, do entendimento expresso pelo Tribunal “a quo” na sentença recorrida, não resulta assente “que os habitantes de uma determinada localidade, compartes de terrenos baldios, nunca poderiam ser titulares do direito de propriedade comunitária sobre os terrenos baldios que excedessem a linha administrativa da freguesia ou concelho em que se inserissem.”
Como se concluiu na sentença, a A. sustentou a sua pretensão no pressuposto de que a linha descrita nos pontos 3 e 4 dos factos provados constitui a delimitação dos baldios de X e B. por ser a mesma linha que define o limite administrativo das freguesias de X e B./concelhos de Ribeira de Pena e Mondim de Basto, de acordo com a CAOP vigente desde 2003.
No que respeita à questão da coincidência entre os limites dos baldios e os limites administrativos dos concelhos ou freguesias, perfilhamos o entendimento de Jaime Gralheiro, expresso na sua obra “Comentário à(s) Lei(s) dos Baldios” (Livraria Almedina, 1990), no âmbito do DL 39/76 de 19/1, onde refere nas pág. 26 e 27 o seguinte:
“Tem reinado uma certa confusão entre «baldios» e «bens do concelho», havendo, mesmo, juristas que consideram uma mesma coisa, isto é, que os «baldios» eram «os bens comuns do concelho» (vide António Manuel Hespanha, in História das Instituições, pág. 137).
Parece-nos que há que distinguir, pois uma coisa são os baldios e outra os bens comuns do concelho, embora alguns bens do concelho pudessem ser baldios.
Explicando: já os antigos forais dividiam as terras em «maninhos» (incultos reservados aos senhores), bens do concelho e logradouro do povo (vide Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, 9ª ed., tomo II, pág. 949). (…)
Dentro de um concelho podia haver, e normalmente havia, baldios que não eram do concelho, mas apenas de um povo ou lugar, que podia ser até de outro concelho ou freguesia (paróquia).”

Mais refere aquele autor nas pág. 48 e 49 da mesma obra que:
“Na posse dos terrenos baldios, as populações não respeitavam os limites geográficos mas a continuidade do terreno apto a satisfazer as suas necessidades. Assim, acontecia que, muitas vezes, o baldio (ou parte do baldio) de uma povoação de um determinado concelho se situava dentro dos limites de outro. (…)
Quer dizer: os limites dos baldios não coincidiam, nem coincidem, necessariamente, com os limites das freguesias ou dos concelhos: uma coisa é a divisão administrativa imposta pelo Poder Central, outra coisa é a fruição e uso dos montes e maninhos levados a cabo pelas populações locais de acordo com as suas necessidades concretas ao longo dos séculos.”

E na pág. 52, reportando-se ao Decreto-Lei nº. 39/76 (conhecido como “Lei da Devolução dos Baldios ao Povo”), bem como ao acórdão do STJ de 28/01/1975, in BMJ nº. 243, pág. 227 e ao acórdão do STJ de 8/04/1960, in Rev. Trib., ano 78, pág. 264, acrescenta aquele autor o seguinte:
“O Dec.-Lei n.º 39/76 acabou com tal distinção (referindo-se à divisão dos baldios em paroquiais e municipais, nos termos dos Códigos Administrativos de 1878 e 1940), já que ela deixou de ter qualquer sentido, pois os baldios voltaram a estar ligados, apenas, aos «moradores de determinada freguesia, ou freguesias, ou parte delas» (artº. 1º).
Quer dizer: a divisão administrativa (concelho e freguesia) deixou de ter qualquer relação com a realidade baldios. (…)
De acordo com as razões do aparecimento dos baldios e a sua evolução histórica, já vimos que os limites dos baldios sempre foram independentes dos limites das autarquias a que pertencem os moradores que os utilizam. (…)
Hoje, perante a redacção do art. 1º do Dec.-Lei n.º 39/76, que classifica os baldios como propriedade comunitária afectos «aos moradores de determinada freguesia ou freguesias ou parte delas», desligando-os das autarquias locais (conforme resulta, também, do art. 89º da C.R.P.) …”
Este entendimento de Jaime Gralheiro, no sentido de que os limites dos baldios não coincidem necessariamente com os limites dos concelhos ou das freguesias, continua expresso na sua obra “Comentário à Nova Lei dos Baldios” (Almedina, 2002, pág. 20, 36 e 39), reportando-se à Lei nº. 68/93 de 4/9, que era o diploma que se encontrava em vigor à data da propositura da presente acção.

Refere este mesmo autor nas pág. 98 e 99 da referida obra que:
«Os limites dos baldios nada têm a ver com os limites das freguesias. Esses Baldios se são “comuns” aos habitantes de povoações de mais do que uma freguesia, tal significa que, quando o baldio se instituiu, satisfazia, desde logo, as necessidades de mais do que uma aldeia ou povoado que formavam uma “comunidade” espelhada por mais do que uma freguesia, ou que se veio a espalhar por mais do que uma freguesia em razão da divisão da freguesia, a partir da freguesia “mãe”.
De resto, com a entrada em vigor da presente Lei, tal questão está perfeitamente ultrapassada com o n.º 2 do art. 22º, onde, expressamente, se reconhece que “as áreas dos baldios” se podem “situar nos limites territoriais de mais de uma freguesia”.»
Este mesmo entendimento é seguido por João Carlos Gralheiro, na obra “Dos Baldios até à Lei 75/2017, de 17 de Agosto” (2ª ed., Edições Esgotadas, 2018), que se reporta à Lei nº. 75/2017 de 17/8, actualmente em vigor e que revogou a Lei nº. 68/93, em cuja pág. 56 se refere o seguinte:
«Presumindo-se que o legislador exprimiu de forma adequada o seu pensamento (artº 9º/3 do Código Civil), temos que ele, se acaso se quisesse referir a uma coletividade territorial autárquica ou a um ente territorial autárquico, freguesia ou município, teria aplicado esses termos/conceitos e não os de comunidade local.
É que, para além do mais, os baldios, por serem temporalmente muito anteriores à divisão administrativa do país, não se encontram delimitados pelas linhas definidoras dos limites territoriais das freguesias ou dos municípios, pois que os há que se estendem por áreas territoriais de mais de uma freguesia e, até, de mais de um município.»

Refere, ainda, aquele autor na pág. 65 da mesma obra que:
«A área onde se situam os baldios será a formada pelo território que, gravitacionalmente, por este seja atraída. E o seja por força do local onde os seus compartes tenham residência e/ou local onde se situem os prédios rústicos beneficiados por tal baldio. Será, pois, o espaço geográfico do lugar ou lugares (de uma ou mais freguesias, ou de um ou mais concelhos) que o possuem e gerem comunitariamente. Esta área é a “área territorial da comunidade”.»
Retornando ao caso dos autos, entendemos que a recorrente fez uma errada interpretação do que se mostra explanado na sentença recorrida, na medida em que o Tribunal “a quo” não refere, nem o poderia fazer, que a delimitação dos baldios e a delimitação administrativa tenham que ser coincidentes; refere, isso sim, que no local os limites administrativos dos concelhos de Ribeira de Pena e de Mondim de Basto não coincidem com a linha que a A. indicou como sendo a delimitadora do seu baldio, o que é completamente diferente.
Ora, não tendo a A. logrado provar, como lhe competia, atento o disposto no artº. 342°, nº. 1 do Código Civil, os factos constitutivos do direito por ela invocado, nomeadamente quanto aos limites do baldio que diz pertencer aos compartes da freguesia de X, mais concretamente no local em que se encontram implantados os aerogeradores e o edifício em causa, ao direito de propriedade comunitária que invocou e a intervenção do 2º R. na alegada retirada de saibro das bermas da estrada municipal que liga ... a M., entendemos que outra não poderia ter sido a decisão do Tribunal “a quo” senão a que consta da sentença recorrida, ao julgar a presente acção improcedente e absolver os RR. dos pedidos contra eles formulados.
Nestes termos, terá de ser julgado improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora, mantendo-se a decisão recorrida, embora com fundamentação diferente da proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
*
B) – Recurso subsidiário do 2º Réu:

I) – Questão prévia:

- Da admissibilidade do “recurso subsidiário” interposto pelo 2º Réu:
Veio R. Conselho Directivo dos Baldios do B., prevenindo a hipótese de eventual procedência das questões suscitadas pela recorrente, interpor “recurso subsidiário” ao abrigo do disposto no artº. 636º, nº. 2 do NCPC, no qual impugna a decisão proferida sobre alguns dos pontos da matéria de facto, mais concretamente os pontos 9, 13 e 16 a 22 dos factos provados por entender que os mesmos devem ser considerados não provados.
Em primeiro lugar, importa referir que, tendo o R./recorrido sido absolvido dos pedidos formulados pela A./recorrente, afigura-se-nos que o recurso que o mesmo interpôs, nas suas contra-alegações e a título subsidiário, consubstancia, em bom rigor, uma ampliação do âmbito do recurso, nos termos do artº. 636º, nº. 2 do NCPC, na qual impugna a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto, não impugnados pela recorrente, a fim de continuar a beneficiar do mesmo resultado favorável que foi declarado na decisão recorrida, na eventualidade de serem acolhidos os argumentos apresentados pela recorrente.
Conforme resulta dos autos, o Tribunal “a quo” julgou a presente acção improcedente e, em consequência, absolveu os RR. dos pedidos contra eles formulados.
A A. interpôs recurso de apelação dessa decisão, tendo este Tribunal julgado improcedente tal recurso, mantendo a decisão recorrida, embora com fundamentação diferente da proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Ora, atenta a decisão proferida por este Tribunal da Relação, que não acolheu os argumentos apresentados pela A./recorrente e julgou improcedentes as questões por esta suscitadas no seu recurso, por força da qual o R. obteve vencimento de causa, não será conhecida a ampliação do âmbito do recurso apresentada pelo R./recorrido (por ele denominada “recurso subsidiário”), uma vez que a mesma só é admissível a título subsidiário, nos termos do artº. 636º, nº. 2 do NCPC, para prevenir a hipótese de eventual procedência do recurso interposto nos autos.
Deste modo, fica prejudicado o conhecimento da ampliação do âmbito do recurso apresentada pelo R./recorrido como “recurso subsidiário”.
*
SUMÁRIO:

I) – O recorrente tem o ónus de enunciar nas alegações do recurso e de sintetizar nas respectivas conclusões, entre diversos aspectos, as questões de direito (ou de facto) suscitadas, onde se inclui a arguição de eventuais nulidades da sentença previstas nas al. b) a e) do nº. 1 do artº. 615º do NCPC, relativamente às quais pretende uma resposta diversa daquela que foi dada pelo Tribunal recorrido, bem como de indicar os específicos fundamentos porque pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão.
II) - Incumbe ao autor numa acção de reivindicação do direito de propriedade comunitária dos compartes de uma freguesia sobre um terreno baldio, alegar e provar, para além dos actos caracterizadores da posse sobre esse terreno, os factos concretos relacionados com a identificação e configuração do terreno baldio, designadamente no que concerne à respectiva área, confrontações e localização.
III) - Os limites dos baldios não coincidem necessariamente com os limites das freguesias ou dos concelhos: uma coisa é a divisão administrativa imposta pelo Poder Central, outra coisa é a fruição e uso dos terrenos baldios levados a cabo pelas populações locais de acordo com as suas necessidades concretas ao longo dos séculos.
IV) - Durante a vigência do Dec.-Lei nº. 39/76 de 19/1 e, posteriormente, da Lei nº. 68/93 de 4/9, foi amplamente defendido na doutrina que os limites dos baldios nada têm a ver com os limites das freguesias. Esses Baldios se são “comuns” aos habitantes de povoações de mais do que uma freguesia, tal significa que, quando o baldio se instituiu, satisfazia, desde logo, as necessidades de mais do que uma aldeia ou povoado que formavam uma “comunidade” espelhada por mais do que uma freguesia, ou que se veio a espalhar por mais do que uma freguesia em razão da divisão da freguesia, a partir da freguesia “mãe”, sendo que, com a entrada em vigor da Lei nº. 68/93, tal questão ficou ultrapassada com o n.º 2 do art. 22º, onde, expressamente, se reconhece que “as áreas dos baldios” se podem “situar nos limites territoriais de mais de uma freguesia”.
V) - Após a entrada em vigor da Lei nº. 75/2017 de 17/8, que revogou a Lei nº. 68/93 de 4/9, continua a entender-se que os baldios, por serem temporalmente muito anteriores à divisão administrativa do país, não se encontram delimitados pelas linhas definidoras dos limites territoriais das freguesias ou dos municípios, pois que existem baldios que se estendem por áreas territoriais de mais do que uma freguesia e, até, de mais de um município.
VI) - No âmbito da citada Lei nº. 75/2017 actualmente em vigor, a área onde se situam os baldios será a formada pelo território que, gravitacionalmente, por este seja atraída. E o seja por força do local onde os seus compartes tenham residência e/ou local onde se situem os prédios rústicos beneficiados por tal baldio, sendo, portanto, o espaço geográfico do lugar ou lugares (de uma ou mais freguesias, ou de um ou mais concelhos) que o possuem e gerem comunitariamente.

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pela Autora Junta de Freguesia de Y e X e, em consequência, confirmam a sentença recorrida, embora com fundamentação diferente da proferida pelo Tribunal de 1ª instância.

Custas pela recorrente.
Notifique.
Guimarães, 16 de Dezembro de 2021
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

Maria Cristina Cerdeira (Relatora)
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta)
Margarida Almeida Fernandes (2ª Adjunta)