Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2476/20.0T8BRG.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL DE DIVISÃO DE COISA COMUM
FASES
TAXA DE JUSTIÇA EXCEPCIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I. A acção especial de divisão de coisa comum (artºs 925º a 929º, CPC) comporta duas fases: na primeira, de índole declarativa, decidem-se as questões suscitadas pelo pedido de divisão; na segunda, de natureza executiva, procede-se à divisão em substância (se tal for possível) ou à adjudicação/venda da coisa (se o não for).
II. Tendo, nos termos do nº 2, do artº 926º, o tribunal decidido as questões da compropriedade, da quota de cada interessado e da indivisibilidade e tendo determinado que, após trânsito, os autos lhe fossem conclusos para prosseguimento, e apresentando-se como manifestamente improcedente e resultado de descuidada análise e compreensão e imprudente ponderação dos termos da sentença e do regime aplicável a interposição de recurso pela autora com fundamentos desconexos com o claro sentido da decisão, a ponto de lhe imputar o contrário do que dela consta, deve a mesma ser sancionada com a aplicação de taxa de justiça excepcional, nos termos do artº 531º, CPC.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. RELATÓRIO

A autora L. P. intentou, em 28-05-2020, no Tribunal de Braga, Acção Especial de Divisão de Coisa Comum contra o réu D. C..

Alegou que ambos são comproprietários, na proporção de metade cada, de um imóvel (fracção autónoma), por eles adquirido mediante empréstimo bancário, ainda em dívida. Pretende pôr termo àquela situação. O réu recusa-se a cooperar para isso e vem-no utilizando sem nada pagar. A renda vale 600,00€/mês. Exige-lhe metade, “o que desde já se requer”. Tal bem é indivisível em substância. Por isso, “requer” que o tribunal fixe as quotas de cada um “e proceda à sua adjudicação a ambos”, sendo “intenção” da autora vender. “A divisão terá de ser feita nos termos da lei do processo, observando-se, assim, o disposto nos art.s 925º a 929º do CPC”.

Concluiu pedindo que a acção seja “julgada procedente” e “proferida decisão que ponha termo à indivisão”.

Juntou prova documental, arrolou prova testemunhal e requereu depoimento de parte do réu.

Este, na respectiva contestação, aceitou a compropriedade e o valor da quota de cada um. Alegou que também pretende a divisão, reconheceu que, porém, o bem é indivisível em substância e sustentou, por isso, que ele deve ser adjudicado a um deles ou vendido a terceiro. Impugnou o seu preconizado valor venal e defendeu que este processo é meio impróprio para nele ser formulado o pedido de pagamento de rendas. Em reconvenção, pediu a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de 11.079,80€ de despesas por ele feitas (nomeadamente prémios de seguro e prestações do empréstimo) e as que ainda vier a fazer e que entende deverem ser tidas em conta aquando da venda ou adjudicação.

Na réplica, a autora excepcionou também a impropriedade do processo quanto à compensação pretendida na reconvenção, impugnou a demais factualidade e defendeu que a acção deve seguir como “comum” e admitir-se a “ampliação” às rendas referidas na petição.

Por convite do tribunal, a autora juntou, em 30-11-2020, a escritura de aquisição e cópias do registo predial.

Na sequência, o tribunal recorrido proferiu, em 23-11-2020, sentença, na qual, depois de relato sucinto, saneou (apenas tabelarmente) os autos, considerou como provados “para a decisão a proferir nos termos do artº 926º, nº 2” do CPC, os factos relativos à aquisição da propriedade, em 22-05-2002, por compra celebrada em escritura, da fracção em causa e ao seu subsequente registo a favor de ambos, e decidiu o seguinte:

Nestes termos, decido declarar que a fracção autónoma identificada no artigo 1º da petição inicial é indivisível em substância e que a autora e o réu são comproprietários da mesma na proporção de metade cada um” (imputou ainda as custas a ambos e fixou o valor da causa em 83.190,00€).

No final, ordenou que, após trânsito, os autos lhe voltassem conclusos.

Perante isso, a autora reagiu interpondo recurso, no qual peticionou que:

a) Tal decisão seja revogada e substituída por outra “que admita a divisão da coisa comum nos termos peticionados”;
b) Subsidiariamente, que a mesma seja declarada nula.

Nas suas alegações, começou por salientar que não concorda com tal decisão na parte em que “que ordena que a coisa comum – imóvel – não é indivisível em substância, mantendo, por isso, o regime de compropriedade”. Acrescentou que a mesma violou as normas dos artºs 1412º e 1413º, do CC, “mantendo em regime de compropriedade o imóvel”. Além disso, que é nula por oposição com os respectivos fundamentos e por ter deixado de pronunciar-se sobre questões que deveria ter apreciado – artº 615º, nº 1, alíneas c) e d). Acrescentou, ainda, que o tribunal “não atendeu – ou não entendeu – o pedido”, que decidindo como decidiu “está a vedar a possibilidade de dividirem o bem imóvel”, que “na óptica do tribunal, a coisa é indivisível em razão da substância, bem como não podem as partes, que não chegam a acordo, fazer-se usar do processo judicial para dividir o imóvel” e, ainda, que, assim, “obriga as partes a manter em compropriedade um imóvel, cuja divisão pretendem”. Interroga sobre a quem, por isso, devem recorrer para o efeito. Ao não enveredar pela adjudicação ou venda, a sentença “escorrega”, pois “considera a coisa indivisível, deveria ter olhado com olhos de ver, para o pedido”. Se neste “atentasse devidamente”, “jamais teria proferido sentença no sentido que proferiu: mantém-se a compropriedade”, assim estando a “retirar” o direito às partes. Não vislumbra “o critério” do Mº Juiz nem o “silogismo fenomenológico efectuado”. Havendo “contradição” entre os fundamentos (referidos para as várias hipóteses consignadas na lei) e a decisão (a de “manter a compropriedade”) e porque “não considerou nem se pronunciou” sobre a venda ou adjudicação, a sentença é nula.

Em suma: a decisão revela “falta de alicerce firme”, “atropela a lei”, “retira à recorrente a possibilidade […] de pôr termo à comunhão”, “está dotada de altaneiras insciências por arbítrio” e incorre em “clamorosas nulidades”.

Apresentou conclusões [1].

O réu não respondeu.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos autos, com efeito devolutivo, no respectivo despacho o Mº Juiz tendo consignado [2]

Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, questiona-se:

a) Ilegalidade da decisão (violação de normas substantivas e adjectivas).
b) Nulidade da decisão (artº 615º, nº 1, alíneas c) e d), CPC).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Relevam os decorrentes do relato que antecede, emergentes dos autos e inquestionados.

IV. APRECIAÇÃO

O apelo da autora é incompreensivelmente falho de justificação razoável e plausível. Apresenta-se manifestamente improcedente, por desprovido de qualquer mérito. Resulta, aliás, de imprudente análise e ponderação da decisão recorrida e de seu deficiente cotejo com o invocado regime legal aplicável.

Como resulta do nº 2, do artº 926º, CPC havendo contestação, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo a decisão – decisão sumária – sobre as questões suscitadas pelo pedido – emergente, aliás, do direito potestativo, de divisão de coisa comum consignado nos artºs 1412º e 1413º, do CC.

Tais questões primordiais da divisão são as da existência de propriedade em comum, da fixação da quota de cada comproprietário e da divisibilidade (em substância) da dita coisa.

Sobre estas e sobre aquela resulta dos articulados haver consenso entre as partes. Ambas a querem, reconhecem a respectiva quota no bem comum e aceitam que o mesmo é indivisível em substância.

Logo, era dispensável, como foi dispensada, a produção de quaisquer provas.

Por isso e como claramente o tribunal a quo teve o cuidado de explicitar na sentença, avançou-se “para a decisão a proferir nos termos do artº 926º, nº 2”, nesta concluindo e assentando que a coisa é indivisível em substância e que a proporção de cada comproprietário é de metade.

O processo comporta duas fases: uma declarativa; outra executiva.

Obviamente, está-se na primeira. Oportunamente, passar-se à segunda. [3]

Por isso mesmo, ele não findou.

Em sinal disso, como esclarecimento e advertência às partes e como orientação à secretaria judicial, consignou-se: “Após trânsito, conclua”.

Como é por demais evidente, sendo a coisa indivisível (em substância), como é, para a sua venda ou para a adjudicação, será marcada, oportunamente, a conferência dos interessados. É o que prevê o artº 929º, nº 2, e o que decorria da própria petição da autora.

Com efeito, ela alegou, logo aí, que o bem não podia ser fraccionado (fisicamente) e, por isso, se conformou e sugeriu que “a divisão terá de ser feita nos termos da lei do processo, observando-se, assim, o disposto nos artºs 925º a 929º.”

Requereu até, para tanto, que se fixassem as quotas (cfr., a propósito, item 9º, da pi), questão que, como se sabe, é prévia à da adjudicação/venda e se decide em momentos diferentes que este processo especial define.

Ora, naqueles referidos termos não se prevê, e por isso não é suposta, uma decisão, propriamente dita, que, resolvendo um litígio, “ponha termo à indivisão”, como a autora peticionou [4]. Esta há-de resultar, isso sim, da venda ou da adjudicação e da consequente concentração do direito real na titularidade de uma única pessoa, já que a coisa não é fraccionável em substância nem o é tal direito.

Mostrando-se, pois, o iter processual direccionado a pôr termo à indesejada comunhão tal como substantivamente estabelece o artº 1412º, em linha com o modo de o fazer como previsto no artº 1413º, ambos do CC, e a seguir os trâmites sequenciais traçados adjectivamente nos artºs 925º a 929º, CPC, como da sentença resulta, não foi nesta cometida a ilegalidade assacada.

Nem ela padece de qualquer nulidade.

Os vícios previstos nas alíneas c) e d), do nº 1, do artº 615º, CPC, cuja noção está vastamente escalpelizada na Doutrina e na Jurisprudência [5], obviamente não se verificam.

Ao declarar-se na sentença que a coisa é indivisível em substância e que é de metade a proporção de cada uma das partes, não se contrariou qualquer dos fundamentos, de facto ou de direito. Pelo contrário, decidiu-se em coerência com eles.

Ao não se proceder logo a qualquer adjudicação ou venda, não se omitiu qualquer pronúncia sobre questão que devesse, então e ali, ser apreciada. Pelo contrário, decidiu-se o que podia e devia sê-lo.

A sentença não é, pois, nula, como está bom de ver.

De resto, não há qualquer violação do também brandido artº 6º, nº 1, CPC – dever de gestão processual.

Decidiu-se prontamente em ordem ao andamento célere, de forma a promover a passagem à fase seguinte da acção, deixando-se bem claro qual era o objecto e fim e determinando-se que os autos voltassem conclusos, naturalmente para se providenciar sobre os termos subsequentes, cuja marcha este recurso – ele sim – acabou por interromper e entorpecer.

Não é, portanto, verdade que a decisão “ordenou” que a coisa “não é indivisível em substância”. Pelo contrário, olhando-se a mesma “com olhos de ver” – a expressão pertence à apelante –, vê-se que nela se declarou que o é, como, aliás, ela e o réu, concordam.

Ao afirmá-lo, não decidiu o tribunal que o bem é, de todo, indivisível. Como é sabido e está explicado, o facto de não ser fraccionável fisicamente não exclui a possibilidade de o imóvel ser divido juridicamente.

A afirmação, pois, daquela indivisibilidade não postergou este modo de proceder à divisão.

Também não é verdade que a sentença “manteve” o regime de compropriedade. Pelo contrário, deu o primeiro passo, conforme adjectivado na lei (artº 926º, nº 2, CPC) para lhe pôr termo. Mais nenhum podia nem devia ter dado. Seguir-se-ão os demais, na devida oportunidade.

O pedido foi claramente bem entendido, adequadamente tratado e a divisão da compropriedade sobre o imóvel encontra-se em vias de ser considerada e atendida. Não foi recusada.

Na óptica do tribunal bem patente na lógica da sentença e na sua conformidade à lei, não se evidencia, atentando-se nela devidamente, qualquer obstáculo à futura divisão, alguma negação ou limitação ao seu direito nem ao uso do presente mecanismo adjectivo, muito menos a imposição de que continue a manter-se a compropriedade.

Ela está alicerçada no Direito (substantivo e adjectivo), não revela qualquer “insciência”, muito menos qualquer patologia. Não merece, pois, qualquer censura jurídica, sequer crítica por falha de qualquer outra natureza imputável ao Mº Juiz que a proferiu.

Daí que, sem necessidade de mais considerações, deva afirmar-se a improcedência do recurso e negar-lhe provimento.
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Decidindo sobre as custas do recurso, nos termos do artº 607º, nº 6, CPC (aplicável ex vi do artº 663º, nº 2, in fine), é linear a conclusão de que elas recaem evidentemente sobre a apelante, de acordo com o artº 527º, nºs 1 e 2, por decair in totum.

A já salientada e fundamentada improcedência manifesta do recurso e a imprudência na sua interposição revelada na incorrecta, apressada e deficiente leitura da decisão recorrida e falta do seu atento cotejo com o regime adjectivo aplicável para verificação da sua conformidade, a ponto de a recorrente dizer discordar daquilo que nela se decide apesar de estar em linha com o que alegou na petição e pretende, e lhe imputar erros e vícios que ostensiva e inequivocamente ela não contém, mormente o de que decidiu manter a compropriedade e negar a divisão da coisa, quando tal não corresponde ao seu evidente sentido, apenas por incompreensão do teor daquela e alheamento da lei processual respectiva, suscitam a questão de aplicação de taxa justiça excepcional.

Se agisse com a diligência devida, a recorrente – que está devidamente patrocinada por advogado e se presume tecnicamente bem assessorada – teria concluído que não há razões para discordar da decisão sumária em causa, que a mesma não afronta os seus interesses, não viola a lei substantiva nem a processual e teria evitado atravessar o presente recurso, usando indevidamente os meios que o sistema de justiça oferece às partes, suscitando actividade inócua, maxime perante tribunal superior, atrasando o trânsito em julgado da decisão e, assim, o andamento dos autos e a almejada resolução do verdadeiro litígio que a opõe ao réu: a adjudicação ou venda do bem comum. [6]

Trata-se de um recurso anómalo, traduzindo uso indevido dos meios adjectivos, fruto de claro descuido sobre a sua razão e eficácia e cuja tributação, por isso mesmo, deve não só reflectir a ultrapassagem dos parâmetros da normalidade supostos no nº 2, do artº 529º, como promover o sancionamento de actividade escusada.

Deve, por isso, a recorrente ser tributada com taxa justiça sancionatória excepcional, nos termos do artº 531º - norma que visa precisamente demover e reprimir tais iniciativas displicentes – e que, como decorre do artº 10º, do RCP, varia entre 2 e 15 UC´s.

Tendo, pois, em conta tudo o exposto que converge na reprovação da actuação da recorrente por estar ao arrepio dos princípios básicos que norteiam o sistema judicial e subjazem, em particular, ao processo civil, e que revela o grau de censura e de ilicitude, atentas as necessidades preventivas e, enfim, a natureza e objecto da questão, o valor da causa e as consequências, sem se descurar que se ignoram as suas condições económicas, entende-se ajustada a fixação da referida taxa num patamar baixo mas ainda assim capaz de afirmar os valores ínsitos a tal norma e ajustado à conduta descrita: quatro UC´s.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela recorrente, com taxa de justiça excepcional que se fixa em 4 (quatro) UC´s – (artºs 527º, nºs 1 e 2, 529º e 531ºdo novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
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Notifique.
Guimarães, 22 de Abril de 2021

Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:

Relator: José Fernando Cardoso Amaral
Adjuntos: Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Eduardo José Oliveira Azevedo



1. Que, na sua maior parte, reproduzem mais do que sintetizam, ao arrepio do ónus estabelecido no artº 639º, nº 1, do CPC, o texto das alegações. Por isso e porque já por nós condensadas, quanto ao essencial, no relato, apenas aqui se deixam em nota, a título de esclarecimento. Ei-las: “A. No pretérito dia -.05.2020 a aqui A. intentou contra o R. a presente acção de divisão de coisa comum sobre o prédio correspondente à fracção autónoma …, CD, sito Av. Pad… Braga, …, inscrito e descrito, em propriedade horizontal, na Conservatória do Registo Predial de Braga, sob o artigo matricial n.º …, com garagem na cave do edifício, tendo alegado que ambos são comproprietários em partes iguais desse imóvel. B. Alegou em sede petitória que não pretende manter a (com)propriedade do imóvel em causa, sendo que já se abeirou, por diversas vezes, do recorrido para pôr termo ao regime de compropriedade: ou através de venda, por ambos, do imóvel a terceiros, pelo valor real de mercado, ou através de venda/adjudicação da sua metade/parte ao recorrido, sendo que face à atitude passiva deste, não lhe resta outro caminho à recorrente senão auxiliar-se da via judicial/Tribunal para o efeito. C. Todavia, o Tribunal a quo, com todo o respeito que lhe é merecido, não deveria ter decidido como decidiu, ao “declarar que a fracção autónoma identificada no artigo 1º da petição inicial é indivisível em substância e que a autora eo réu são comproprietários da mesma na proporção de metade cada um”, o que não se concebe, pois mantém inalterada a situação que se requereu dividir. D. Para sustentar a decisão de “manter as coisas como estão” o Tribunal a quo alega e sustenta que “a noção de coisas divisíveis – e, por exclusão, de coisas indivisíveis – é-nos facultada pelo artigo 209.º do Código Civil. Aí prescreve o legislador que “São divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam”. Anotando este normativo, sublinham Pires de Lima e Antunes Varela que “neste caso o conceito é predominante jurídico e não naturalístico ou físico, já que, materialmente, todas as coisas são divisíveis”. Ou, como refere Jacinto Rodrigues de Bastos, a propósito daquele mesmo artigo 209º, “Materialmente todas as coisas, sem excepção do átomo, são divisíveis. Juridicamente, porém, nem tudo pode dividir-se. Só é divisível aquilo que pode fraccionar-se sem perda da sua função própria ou do seu valor”, destaque e sublinhado nosso, destaque e sublinhado nosso. E. Finaliza o Tribunal a quo que “no caso em apreço, decorre dos factos assentes que a autora e o réu são efectivamente comproprietários da fracção autónoma objecto da acção, e que o são em iguais proporções (cfr. o artigo 1403º, nº 2 do Código Civil). É também evidente – e não foi sequer questionado pelo réu na contestação – que esse imóvel não é susceptível de ser dividido em substância, o que, como tal, deverá ser declarado”. F. A recorrente não concorda nem pode concordar com a visão do Tribunal a quo, porquanto o Tribunal a quo misturou o conceito de "(in)divisibilidade" do imóvel, com o conceito de "divisão" entre os comproprietários. G. Ora, a divisibilidade traduz-se na possibilidade de fraccionamento da coisa sem que as partes daí provenientes percam a essência da coisa dividida; a divisão significa o cessar da compropriedade pela concentração do direito de cada compropietário num objecto determinado e privativo (Henrique Mesquita, A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, nota 1, 258, e Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1, 287). H. Foi exactamente esse o pedido formulado pela recorrente: por termo e dividir a coisa comum, através de venda, por ambos, do imóvel a terceiros, pelo valor real de mercado, ou através de venda/adjudicação da sua metade/parte ao recorrido, sendo que a pretensão da recorrente é que se venda o imóvel ou que seja, na totalidade, adjudicado ao recorrido, recebendo esta as tornas a que terá direito nessa adjudicação/divisão. I. Aliás, o próprio Tribunal a quo refere, no sentenciado, que prescreve o artigo 1412º, nº 1 do Código Civil, que “Nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa”. A divisão da coisa comum pode ser amigável e convencional, ou, na falta de acordo entre os consortes, poderá ser realizada através de processo judicial (artigo 1413º do Código Civil), destaque nosso. J. Alude, ainda, o Tribunal a quo que “na lei de processo, este direito à divisão é adjectivado no artigo 925º do Código de Processo Civil e nos seguintes. Ali se prescreve que “Todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível”, destaque e sublinhado nosso. K. Pois bem, escorrega aqui a sentença do Douto Tribunal a quo. L. Conforme é de fácil percepção, já que o Tribunal a quo considera a coisa indivisível, deveria ter olhado, com olhos de ver, para o pedido da recorrente, porquanto nos artigos 5.º e 9.º da petição inicial a recorrente refere para a) pôr termo ao regime de compropriedade: ou através de venda, por ambos, do imóvel a terceiros, pelo valor real de mercado, ou através de venda/adjudicação da sua metade/parte ao recorrido; b) (…) sendo que a intenção ou pretensão da recorrente era (e é) vender a sua parte e/ou a totalidade da propriedade, pagar o valor do empréstimo ao banco e dividir o valor restante de maneira justa em duas partes. M. Deste modo, o Tribunal a quo deveria ter seguido o raciocínio plasmado por si antes do “Decido Nestes Termos”, na medida em que fundamenta que “Naquela primeira hipótese a divisão é feita através da atribuição a cada um dos consortes de uma parcela física da coisa, de acordo com o quinhão de cada um. Na segunda, a divisão da coisa far-se-á através da adjudicação dela a um dos consortes, preenchendo-se as quotas dos restantes com tornas em dinheiro, ou mediante a sua venda e repartição do produto obtido pelos comproprietários, também aqui de acordo com a quota de cada um. Tanto é o que resulta do texto do citado artigo 925º, como também dos normativos ínsitos nos artigos 927º e 929º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil”. N. Destarte, repete-se, mesmo que o Tribunal a quo considerasse que o imóvel é indivisível em substância, o que não deveria pelo que se grafou supra, caso atentasse devidamente no pedido da recorrente jamais teria proferido sentença no sentido que proferiu: MANTÉM-SE A COMPROPRIEDADE.O. Contudo, com a sentença proferida o Tribunal a quo está, sobremaneira, a retirar à recorrente, e a final também ao recorrido, o direito de por fim à compropriedade do imóvel em causa, violando o disposto no art. 1412.º e 1413.º Código Civil. P. Não se vislumbra, portanto, qual o critério que motivou a decisão do Meritíssimo Juiz a quo, vislumbrando-se, isso sim, uma contradição entre os fundamentos fácticos da decisão e a decisão stricto sensu. Q. Não se entende o motivo pelo qual o Tribunal a quo fixou refere que ““na lei de processo, este direito à divisão é adjectivado no artigo 925º do Código de Processo Civil e nos seguintes. Ali se prescreve que “Todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível”, sendo que foi isso que a recorrente alegou na petição inicial e, a final, o Tribunal a quo, mesmo concebendo a adjudicação ou venda, decide manter a compropriedade entre a recorrente e o recorrido, agarrando a elemento indivisibilidade na substância. R. Em todo o caso, e enquanto não for esta contradição eliminada e atendendo ao facto de ser notória e relevante para a própria decisão, encerra a mesma uma nulidade, a qual desde já se argui para todos os legais efeitos. S. Outra hipótese a considerar é o Tribunal a quo não ter tomado em linha de conta o alegado e pedido pela recorrente na petição inicial nos termos alegados no decurso das presentes alegações e em sede da nulidade supra arguida. T. Destarte, o Tribunal a quo não considerou nem se pronunciou na sua decisão sobre o alegado e pedido pela recorrente em sede de impulso processual: pôr termo ao regime de compropriedade: ou através de venda, por ambos, do imóvel a terceiros, pelo valor real de mercado, ou através de venda/adjudicação da sua metade/parte ao recorrido, já que este mantém uma atitude passiva à divisão da coisa. U. Por relevar para a boa e judicativa decisão, padece a decisão em crise de nulidade, a qual desde já se argui para todos os legais efeitos, por não se vislumbrar o critério e o silogismo fenomenológico efectuado pelo Tribunal a quo para decidir como decidiu. V. Tudo o alegado evidencia o desajuste da decisão recorrida.W. Foram violadas, entre outras, as normas dos arts. 6.º, n.º1, 615.º, n.º 1, alínea c), primeira parte e alínea d) Código do Processo Civil e 1412.º e 1413.º do Código Civil. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, E, EM CONSEQUÊNCIA: A) SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA POR OUTRA QUE ADMITA A DIVISÃO DA COISA COMUM NOS TERMOS PETICIONADOS PELA RECORRENTE; B) AINDA, E SUBSIDIARIAMENTE, SER DECLARADA NULA A DECISÃO RECORRIDA NOS TERMOS ALEGADOS E CONCLUÍDOS, COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COMO É DA MAIS ELEMENTAR E ABSOLUTA JUSTIÇA.”.
2. Embora sem apreciar nem fundamentar em concreto como exige o artº 617º, nº 1, CPC, no caso, se nos afigurando manifestamente dispensável a baixa do processo para tal efeito.
3. Não se tratava, nem se trata aqui – até porque o réu nenhuma objecção suscitou – da reconvenção deduzida e das conexas questões dos eventuais créditos recíprocos a considerar no momento adequado.
4. Por algum motivo a acção era, no CPC anterior, uma das intituladas como de arbitramento: ela não tem por objecto último exclusivo declarar ou constituir qualquer direito, reprimir qualquer violação e condenar em prestação, nem executar qualquer crédito.
5. Podem verificar-se, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do STJ, de 30-05-2013, processo nº 660/1999.P1.S1, e de 03-10-2017, processo nº n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1.
6. Acórdãos do STJ, de 10-05-2017 e de 18-12-2019, processos nºs 136/13.8JDLSB.L2-A.S1 e 12806/04.7DLSB.L2-A.S1.