Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
414/19.2GAEPS.G1
Relator: TERESA COIMBRA
Descritores: RELATÓRIO SOCIAL
MEIO PROBATÓRIO FACULTATIVO
OMISSÃO DA SUA SOLICITAÇÃO
CONSEQUÊNCIAS LEGAIS
REGIME PERMANÊNCIA HABITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1.A junção de relatório social a um processo é facultativa, na medida em que só se for entendido “necessário à correta determinação da sanção” ( art. 370º do CPP) é que o tribunal deverá diligenciar por obter tal meio de prova. Tal significa, portanto, que a necessidade da sua junção tem de ser casuística e concretamente avaliada.
2 O nosso processo penal, que consagra um sistema mitigado de cisão (“césure”) entre a decisão sobre a culpa e a decisão sobre a sanção a aplicar (artigos 368º e 369º do CPP), - havendo até a possibilidade de reabertura da audiência (artigo 371º do CPP) e de produção de prova suplementar, caso tal se revele necessário - distingue, além de outros, entre meios ou diligências de prova “essenciais para a descoberta da verdade” e meios de prova “necessários para a correta determinação da sanção”, sendo que a diferença não está só no conteúdo e força das expressões “essenciais” e “necessários”, mas está no momento processual a que tal meio de prova se dirige: a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade respeita à primeira parte, isto é, à decisão sobre a culpa, enquanto que a falta de relatório social, quando necessário à correta determinação da sanção, respeita à segunda parte, isto é, à decisão sobre a sanção a aplicar.
A omissão da prova do primeiro tipo constitui uma nulidade sanável, nos termos do artigo 120.º nº 2 al. d) do CPP; a omissão da prova do segundo tipo constitui uma irregularidade, nos termos do art.º 123º do CPP.
3. Se um arguido entende que há determinadas circunstâncias da sua vida que o favorecem e que deveriam ser tidas em conta pelo tribunal, circunstâncias que o tribunal desconhece, então é razoável esperar que as leve ao conhecimento de quem julga e é irrazoável criticar o tribunal quando este as não foi procurar. Este direito e dever de colaboração em nada colide com o facto de qualquer arguido beneficiar da presunção de inocência e, portanto, não estar obrigado a fazer prova da sua inocência, nem estar obrigado a colaborar com o tribunal na descoberta da verdade ou a prestar declarações, sem que tal o possa desfavorecer.
4. O cumprimento de pena privativa de liberdade em regime de permanência na habitação, previsto no art. 43º do CP, vai além da privação da liberdade, porque contém a possibilidade de promover uma mudança na vida de quem deixou de poder viver em liberdade, mas não apresenta uma perigosidade tal que tenha de ser encarcerado em estabelecimento prisional. É, portanto, uma norma destinada a arguidos que tenham de cumprir penas curtas de prisão e com a qual se pretende evitar o desenraizamento social, familiar, profissional, e, assim, conseguir que a reintegração social não passe de um arquétipo, de um conceito inatingível.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do tribunal da relação de Guimarães.

I.
No processo especial sumário que, com o nº 414/19.2GAEPS, corre termos pelo juízo de competência genérica de Esposende foi decidido (transcrição):

- Condenar o arguido A. L. como autor material de um crime de desobediência p.p. artigo 348º, nº 1 do CP, na pena de 6 meses de prisão;
- Condenar o arguido nas custas do processo (…)
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Inconformado com a condenação recorreu o arguido para este tribunal da relação, apresentando no final da motivação as seguintes conclusões:

1. A decisão recorrida assentou nos factos que o Tribunal considerou como provados.
2. Muitos dos factos, pressupostos da punibilidade no enquadramento defendido na decisão, não podem ser considerados provados face à prova que sobre eles foi produzida.
3. O n.º 1, n.º 2, n.º 3 e n.º 4 da matéria de facto dada como provada merece forte censura, devendo ser tais factos dados como NÃO PROVADOS.
4. Da prova produzida apenas resulta que o comportamento do recorrente se limitou a falar em voz alta.
5. Não foi o comportamento do recorrente que obrigou a paragem dos trabalhos.
6. Tal aconteceu por livre iniciativa dos trabalhadores.
7. Da prova produzida não pode-se retirar, com a segurança devida e exigida, nenhum facto que permita concluir que o recorrente quis impedir a prossecução dos trabalhos.
8. O recorrente se encontrava no local a tentar obter informações relativas ao uso do terreno de que se arroga LEGITIMO possuidor.
9. O recorrente não entendia porque razão não lhe havia sido solicitada pela Câmara autorização prévia para uso do terreno necessário à realização do evento da “X”.
10. Como sempre aconteceu em todos os anos transatos.
11. O real motivo da indignação e exaltação do recorrente no dia dos factos nunca esteve relacionado com a sua intenção em impedir a prossecução dos trabalhos que estavam a ser realizados no local pelos funcionários da Câmara.
12. Mas antes, com a surpresa de os mesmos estarem num terreno do qual o recorrente se arroga proprietário.
13. Sem que lhe tenha existido um pedido de autorização previa.
14. À semelhança do que aconteceu nos anos anteriores.
15. Do ponto de vista do recorrente se revelou um abuso e uma VIOLAÇÃO DE UM DIREITO de posse e propriedade que entende ser seu.
16. Pelo que o Tribunal a quo não poderia julgar provada a matéria dos pontos 1,2,3 e 4 dos factos provados, impugnando-se nos termos do disposto no art.º 412º, n.º 3, al. a), do CPP.
17. O Tribunal a quo não poderia julgar provada a matéria dos pontos 5,6,7,8,9 e 10 como provados, devendo tais factos ter sido dados como NÂO PROVADOS.
18. A informação transmitida não foi esclarecedora ao ponto do recorrente se convencer que os documentos de que falavam as testemunhas eram referente ao terreno de que se arroga proprietário.
19. Sendo por demais evidente a FALTA DE CLAREZA NA INFORMAÇÃO prestada ao recorrente no dia dos factos.
20. O recorrente convenceu-se de que os documentos que lhe falavam e que justificavam a propriedade da Câmara eram referentes ao terreno vizinho e não do terreno que o recorrente se arroga proprietário.
21. NÃO RESULTA que o recorrente agiu com o propósito desrespeitar a ordem da autoridade competente.
22. Mas antes agiu de convicto de estar a salvaguardar o seu direito de propriedade.
23. O Tribunal a quo não poderia julgar provada a matéria do ponto 11.
24. O Tribunal a quo fez uma APRECIAÇÃO INSUFICIENTE E ERRÓNEA não deitando mão do PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO, articulado com o princípio da presunção da inocência, ao não dar como provada a tese mais favorável ao aqui recorrente.
25. Foi feita uma incorreta apreciação, ponderação e avaliação da prova produzida em julgamento, relevante para a decisão, a qual impunha uma decisão diversa da recorrida.
26. O recorrente não tinha consciência de que estaria a desrespeitar uma ordem emanada pelos agentes da GNR.
27. Não atuou deliberada e conscientemente com o propósito de desrespeitar essa ordem.
28. O recorrente que apenas completou o 6.º ano de escolaridade.
29. A conduta do recorrente deve ser encarada como irrelevante e deve ser graduada mais como uma REAÇÃO DE NÃO COMPREENSÃO do recorrente relativamente à cominação que lhe estava a ser transmitida, do que como uma séria pretensão de desrespeitar uma ordem emanada pelos agentes da GNR.
30. A violação do PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO deve ser tratada como ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA.
31. O recorrente não teve a consciência da ilicitude da sua recção.
32. Portanto a culpa do recorrente é diminuta.
33. Foi inobservado o PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA CULPA
34. A pena de prisão efetiva aplicada é desproporcionada e desadequada, quando a lei prevê a possibilidade de penas de substituição, que se revelam suficientes e adequadas a satisfazer as finalidades de prevenção.
35. A aplicação tout court da pena de prisão é suscetível de produzir efeitos perversos, de dimensões imprevisíveis.
36. O Tribunal a quo conferiu uma excessiva relevância às causas agravantes gerais, sobretudo a respeitante aos antecedentes criminais relacionados, manifestamente sobrevalorizados.
37. E NÃO VALOROU, OU NÃO VALOROU ADEQUADAMENTE, outros fatores, maxime a circunstância daqueles antecedentes criminais (e o crime sub judice) estarem diretamente relacionados com o mesmo assunto
38. Os crimes constantes do registo criminal do recorrente encontram-se relacionados com o facto de o recorrente se mostrar indignado pelo não reconhecimento de um direito que entende ser seu, a ofensa ao seu direito de posse.
39. O Tribunal a quo parece não ter valorizado na justa medida este aspeto.
40. O Tribunal a quo não teve ainda em conta que o recorrente estava exaltado pelo facto dos agentes da GNR não atenderem às suas razões.
41. A pena de prisão efetiva aplicada excede a necessária à proteção dos bens jurídicos e não considera a função ressocializadora da pena.
42. Não foram adequadamente considerados os fatores a que a lei manda atender em sede de atenuação geral da pena.
43. O Tribunal a quo afastou as penas de substituição – do artigo 45.º do Código Penal (multa de substituição), do artigo 48.º do Código Penal (prestação de trabalho a favor da comunidade) e o mecanismo ainda previsto no artigo 43.º (regime de permanência na habitação) do Código Penal.
44. Muito mal andou o Tribunal a quo, porquanto a opção pela pena de prisão (pena principal) não esgota o processo tendente à determinação da medida da pena.
45. O Tribunal a quo entendeu mal que nenhuma das penas de substituição legalmente previstas responde de forma adequada e suficiente às finalidades da punição.
46. A sentença recorrida não cumpre cabalmente a fundamentação que tem de presidir em matéria de semelhante melindre como é a que se prende com a liberdade dos cidadãos.
47. O Tribunal a quo não se pronunciou concretamente sobre a substituição da pena de prisão, tendo em vista o leque de penas de substituição que a lei estabelece, o que deve ser feito respeitando a hierarquia legal das penas de tal natureza, entende o recorrente que a sentença recorrida enferma de NULIDADE DECORRENTE DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA, conforme artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP.
48. O Tribunal a quo decidiu sem possuir elemento probatório suficiente.
49. Não se socorreu do devido e necessário relatório social.
50. O Tribunal a quo encerrou a audiência de julgamento sem qualquer elemento referente à personalidade, à situação económica e social do recorrente e os factos provados neste âmbito restringem-se aos antecedentes criminais.
51. A existência de um relatório social para um julgamento, elaborado por técnicos sociais habilitados torna-se indispensável para habilitar o Tribunal a qui no conhecimento de fatores actualizado, com particular incidência no juízo sobre a determinação da medida concreta da pena.
52. O facto de o recorrente não ter requerido a elaboração do relatório social, o mesmo não dispensa o Tribunal a quo de, oficiosamente, determinar a elaboração de relatório social, pelos serviços competentes.
53. Não o tendo feito verifica-se efetivamente na sentença recorrida o VÍCIO DA INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO, constante do artigo 410. º nº 2 alínea a) do CPP, quanto à globalidade da fundamentação de facto de conhecimento oficioso.
54. Pelo exposto impõe-se a revogação da decisão proferida nos autos, e a sua substituição por acórdão que decrete a ABSOLVIÇÃO DO ORA RECORRENTE, da prática, em autoria material, de um crime de desobediência, que lhe é imputado.

SEM PRESCINDIR,

55. Impõe-se a revogação da decisão proferida nos autos, e a sua substituição por PENA DE PRISÃO COM SUSPENSÃO NA SUA EXECUÇÃO pelo período mínimo legal.
56. Ou, caso assim se não entenda, a suspensão da execução da PENA DE PRISÃO PELO PERÍODO MÍNIMO LEGAL, CONDICIONADA À OBSERVÂNCIA DE REGRAS DE CONDUTA.
57. Ou, caso ainda assim se não entenda, a substituição da decisão proferida nos autos, por PENA SUBSTITUTIVA NÃO PRIVATIVA DA LIBERDADE, DESIGNADAMENTE A DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE.
58. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou as normas constantes dos artigos 348.º n.º 1 al. b), 40.º, 70.º, 71.º e 72.º do Código Penal, 340º, 379.º, n.º 1, al. c) e 410.º, n.º 2, al. a) e c) do Código de Processo Penal e os princípios Gerais do In Dúbio Pró Réu e da Culpa.

APOIO JUDICIÁRIO

O recorrente requereu a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, encontrando-se a aguardar decisão, requerendo-se a dispensa do pagamento de taxa de justiça inicial devida pela apresentação do presente recurso.

TERMOS EM QUE DEVERÁ, em consequência do exposto supra, deve ser dado provimento ao recurso e por conseguinte:

a) Ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por outra que determine a ABSOLVIÇÃO DO ORA RECORRENTE, da prática, em autoria material, de um crime de desobediência, que lhe é imputado.

SEM PRESCINDIR,

b) Ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por PENA DE PRISÃO COM SUSPENSÃO NA SUA EXECUÇÃO pelo período mínimo legal.

OU, CASO ASSIM SE NÃO ENTENDA,

c) Ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO PELO PERÍODO MÍNIMO LEGAL, CONDICIONADA À OBSERVÂNCIA DE REGRAS DE CONDUTA.

OU, CASO AINDA ASSIM SE NÃO ENTENDA,

d) Ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por PENA SUBSTITUTIVA NÃO PRIVATIVA DA LIBERDADE, DESIGNADAMENTE A DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE.
Com o que se fará inteira e acostumada JUSTIÇA.
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O recurso foi corretamente recebido e a ele respondeu em primeira instância o ministério público pugnando pela sua improcedência.
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Após a remessa dos autos a este tribunal, idêntica posição voltou a ser assumida pelo ministério público.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP), tendo o arguido respondido sublinhando a posição já anteriormente assumida.
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Após os vistos, prosseguiram os autos para conferência.

II.
Cumpre apreciar e decidir, tendo em conta que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (artigo 412º, CPP) sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no nº 2 do artigo 410º do CPP e das nulidades não sanadas.

As questões que o recorrente traz à apreciação deste tribunal podem, pela ordem exposta, resumir-se assim:

- Errada apreciação da factualidade fixada nos pontos de 1 a 10 na matéria de facto provada;
- Violação do princípio in dubio pro reo consubstanciadora de erro notório na apreciação da prova;
- Subsidiariamente, a substituição da pena efetiva imposta por pena suspensa ou outra não privativa de liberdade v.g. por prestação de trabalho a favor da comunidade;
- Nulidade da sentença por omissão da pronúncia (artigo 379º, nº 1, alínea c) do CPP) no que respeita à preterição de pena não privativa de liberdade.
- Existência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto, por falta do relatório social.

É a seguinte a matéria de facto e respetiva fundamentação constante da sentença de primeira instância:

1. No dia 12 de julho de 2019, cerca das 9h45, quando o militar da GNR A. F. se encontrava de patrulha às ocorrências, acompanhado do Guarda Principal A. C., nº …, recebeu uma comunicação via rádio proveniente do posto, a fim de se deslocar ao castro de …, em …, Esposende, em virtude de estar um indivíduo a impedir a implementação de estruturas para a realização da Feira Medieval “X” em terreno do Município de ….
2. Chegados ao local verificaram dois trabalhadores do município e a testemunha R. C., estando estes parados e o arguido a gesticular e vociferar em direcção a estes, impedindo-os de trabalhar normalmente, tendo o arguido parado apenas no momento em que se apercebeu da presença daquela patrulha no local.
3. No local foram informados por R. C. que o arguido, enquanto estavam a realizar os trabalhos, tentou impedir a normal prossecução dos mesmos.
4. O arguido foi abordado no interior do terreno, propriedade do município, sendo que este justificava a sua presença no local por este ser o legítimo proprietário.
5. Foi solicitado ao arguido por A. F. que abandonasse o local para a normal prossecução dos trabalhos, ao que este de imediato recusou, tendo sido advertido que incorreria no crime de desobediência e seria como tal detido.
6. Após várias tentativas que conduzissem ao abandono do local por parte do arguido, este, mesmo advertido de incorrer no crime de desobediência, recusou-se veementemente a abandonar o local, tendo sido dada voz de detenção e conduzido ao posto da GNR para elaboração do respectivo expediente bem como posteriormente presença no tribunal.
7. No dia anterior, outra patrulha da GNR deslocou-se ao local dos factos pela mesma ocorrência, sendo que nesse momento o arguido anuiu abandonar voluntariamente o local.
8. Tais ocorrências têm dilatado o prazo de execução dos trabalhos, pondo em risco a normal realização do evento que se realiza nos dias 19, 20 e 21 de julho de 2019.
9. O arguido cometeu os factos supra descritos de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de desrespeitar a ordem emanada de autoridade competente, que lhe fora regularmente comunicada, não obstante saber que essa ordem emanava de autoridade competente e que lhe devia obediência, bem como sabia que, não a acatando, incorreria na prática de um crime de desobediência.
10. O arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que devia obediência à ordem que lhe tinha sido regularmente comunicada, a qual era legítima porque proveniente de autoridade competente.
11. Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
12. O certificado de registo criminal do arguido de fls. 69 a 78 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
13. O arguido encontra-se desempregado.
14. Vive em casa própria, com a mulher e uma filha de 24 anos de idade.
15. Completou o 6º ano de escolaridade.
*
Com relevância para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos,
*
A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação e ponderação de todos os meios de prova produzidos e/ou analisados em audiência de julgamento.
Dispõe o art. 127.º do CPP que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. É no equilíbrio destas duas vertentes (as regras da experiência e a livre convicção do julgador) que a prova há-de ser apreciada.
Este princípio da livre apreciação da prova é válido em todas as fases processuais, mas é no julgamento que assume particular relevo. Não que se trate de prova arbitrária, no sentido de o juiz decidir conforme assim o desejar, ultrapassando as provas produzidas, A convicção do juiz não deverá ser puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Tal decorre do art.º 374.º, nº 2 do CPP, o qual determina que a sentença deverá conter “ uma exposição tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”.
Mas a decisão do juiz há-de ser sempre uma “convicção pessoal” - até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais “- Prof. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, vol. I, ed. 1974, pag. 204).
O art. 127.º do CPP indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Assim, a exposição tanto possível completa sobre os critérios lógicos que constituíram o substracto racional da decisão- art.º 374.º, n.º 2 do CPP- não pode colidir com as regras da experiência.
Assim, teve-se em conta o depoimento da testemunha A. F., militar da GNR que descreveu de forma credível, e sem qualquer interesse na causa, a forma como abordou o arguido, dando-lhe ordem, por diversas vezes, para abandonar o local em causa, propriedade da Câmara Municipal, sob pena daquele incorrer na prática de um crime de desobediência, que o arguido não veio a acatar. Perante tal recusa em cumprir com o ordenado, o arguido foi detido e levado para o posto da GNR para elaboração do expediente.
Teve-se em conta o depoimento circunstanciado e desinteressado de A. C., militar da GNR, que depôs nos mesmos termos da testemunha A. F., tendo o seu depoimento sido considerado.
A versão apresentada pelo arguido, de forma hesitante e desafiante, não logrou convencer o tribunal, por não se afigurar isento no seu relato, sendo certo que não teve apoio credível em qualquer outra prova, tendo a mesma constituído apenas uma tentativa de se alijar da responsabilidade das acções que pretendeu tomar para não abandonar o local em causa. Não foi minimamente credível no seu relato de que os militares da GNR não o advertiram de que se não abandonasse o local em causa incorreria na prática de um crime de desobediência.
Foi, contudo, muito claro e, nessa, parte, credível, no sentido de esclarecer que se encontrava no interior do terreno constante da acusação, e não no terreno que era do seu pai, e que neste momento faz parte da herança por morte do seu pai. Identificou o terreno em causa como seu, afirmação essa que o arguido não pode reputar como minimamente séria, como a seguir se irá descrever.
O arguido reconheceu terem-lhe dito que tal terreno tinha sido comprado pela Câmara Municipal, mas que não acreditou nisso.
Tal conhecimento da existência de uma escritura de compra e venda, onde a Câmara pontua como compradora, veio a ser-lhe dado no dia 11 de julho, pela testemunha R. C., que prestou um depoimento desinteressado, seguro e credível.
No que concerne às respectivas condições pessoais, económicas e sociais, a convicção do tribunal ancorou-se nas declarações do arguido, prestadas, nessa parte, de forma que se afigurou credível, sem que outra prova em contrário se haja produzido.
Mais se teve em consideração o teor do auto de notícia de fls. 3 a 5 dos autos da certidão judicial junta a fls. 60 e ss., relativa aos Procs. n.ºs 942/13.3GAEPS (processo crime em que o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto simples, no prédio em causa nos autos), 228/14.6TAEPS (processo crime em que o arguido foi condenado, entre o mais na prática de um crime de furto simples, no prédio em causa nos autos), 9/14.7T8EPS (processo de inventário para partilha da herança de D. A., de onde resulta que o prédio em causa nos autos, ora pertença da Câmara Municipal de …, pertencia a esta herança, em que L. A. assumiu, naqueles autos, a qualidade de cabeça de casal e que nunca o arguido aí reclamou ser proprietário do prédio em causa nos autos), da relação de bens junta no proc. de inventário n.º 9/14.7T8EPS (fls. 140 e ss.), da certidão relativa ao Proc. n.º 942/13.3GAEPS (processo crime em que o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto simples, no prédio em causa nos autos), das certidões das condenações nos processos nº 39/14-9TAEPS, 244/16.3GAEPS, 339/16.3GAEPS, 785/16.2GAEPS e 587/17.9GAEPS, e do CRC junto aos autos.
Os documentos juntos a fls. 158 a 162 não dizem respeito ao prédio em causa nos autos, conforme resulta do seu teor, mormente atenta a distinta localização dos prédios.
Reiteramos o que se expôs, com meridiana clareza, no processo nº 244/16.3GAEPS, quanto aos motivos pelos quais o arguido não pode desconhecer que o prédio em causa não lhe pertence:
“A escritura de doação é inequívoca quanto ao objecto da doação, nunca aí se fazendo referência ao prédio em causa nos autos, nem a uma qualquer doação de todo o património do Tio ao arguido.
O facto de o arguido nunca ter apresentado reclamação no processo de inventário supra identificado, a requerer a exclusão do prédio em causa nos autos evidencia que o arguido bem sabe que o prédio não lhe pertence, pertencendo, antes, à herança do seu Tio.
Por força da sua participação no processo de inventário, não podia o arguido desconhecer, como não desconhecia, que o prédio sobre o qual actuou integra o acervo a partilhar, constituindo, por conseguinte, coisa pertença da dita herança, tendo o mesmo, ao fazer dos indicados bens coisa sua, agido com vontade intencionalmente direccionada e de forma consciente. De registar que a sua condição de interessado no inventário tem como efeito a sua titularidade sobre quota ideal da herança a partilhar e não a sua propriedade sobre qualquer dos bens relacionados.
Importa atentar finalmente ao conhecimento generalizado de que é crime apropriar- se/subtrair bens alheios.
Aliás, o arguido foi, em momento anterior aos factos em causa nos autos, condenado pela prática de um crime de furto no prédio em causa nos autos pelo que dúvidas não pode ter que o prédio não lhe pertence”.
O arguido, como se referiu supra, veio ainda a ter conhecimento de uma escritura de compra e venda do prédio (junta a fls. 19 a 24) no interior do qual lhe foi dada a ordem de abandonar o local pela GNR, sob pena de incorrer no crime de desobediência, na véspera dos factos em apreço, em 11 de julho de 2019, por via do conhecimento que lhe foi dado, da existência dessa escritura, pela testemunha R. C.. O arguido, por sua vez, e pese tal informação, e pese todas as anteriores condenações criminais que tiveram na sua génese tal terreno, não se coibiu de agir como agiu.
A clareza da ordem transmitida por autoridade competente para o efeito, por diversas vezes, pelo militar da GNR A. F., para abandonar o local, sob pena de incorrer no crime de desobediência, não deixam dúvidas quanto à existência de uma ordem, legítima, do conhecimento do arguido, que escolheu a ela desobedecer.
Assim, dúvidas não existem de que o arguido agiu cometendo os factos supra descritos de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de desrespeitar a ordem emanada de autoridade competente, que lhe fora regularmente comunicada, não obstante saber que essa ordem emanava de autoridade competente e que lhe devia obediência, bem como sabia que, não a acatando, incorreria na prática de um crime de desobediência.
O arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que devia obediência à ordem que lhe tinha sido regularmente comunicada, a qual era legítima porque proveniente de autoridade competente.
Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Incorreu, pois, o arguido, na prática de um crime de desobediência, pelo qual vem acusado.
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Apreciação do recurso.

O recorrente discorda da apreciação da prova feita pelo tribunal de primeira instância. Entende, em resumo, que o facto de o arguido “gesticular e vociferar para os funcionários” não era suficiente para “impedir” o trabalho daqueles, incumbidos que estavam da implementação da estrutura para a realização da feira medieval; que não podia o tribunal concluir que foi o comportamento do recorrente que obrigou à paragem dos trabalhos; que agiu no convencimento de que exercia um direito de posse e propriedade sobre o terreno do qual se arroga proprietário e, portanto, sem consciência da ilicitude e da punibilidade da conduta, até porque nunca lhe disseram “que estava a praticar um crime”.

As afirmações do recorrente foram sustentadas com a transcrição de diversos depoimentos, pelo que se impôs a sua análise, v.g. dos depoimentos dos agentes da GNR que foram chamados ao local e das declarações do próprio arguido.

Ora, da análise dos depoimentos resulta que o arguido ao aperceber-se de que funcionários tentavam montar a estrutura necessária para a realização da feira medieval, se lhes dirigiu a “gesticular e vociferar” (testemunha A. F.), que por isso tentou falar-lhe à parte para ver “se o levava à razão” e abandonava o local, mas ele recusou-se. E é este comportamento que o recorrente entende que não é violento ou agressivo, nem justificativo da paragem dos trabalhos. Só que não foi assim que o entenderam e sentiram os funcionários, como disse a testemunha R. C. já que os funcionários ficaram “intimidados e não quiseram arriscar”. Ora, a observação dos acontecimentos não permite dizer que a interrupção dos trabalhos se deveu a livre iniciativa dos trabalhadores, já que, obviamente, a realização de trabalhos pressupunha condições pacíficas. Portanto, compreende-se e aceita-se que os trabalhadores intimidados optassem por não continuar a atividade, tendo sido necessário chamar a GNR ao local.

Acresce que da prova resulta também que ao arguido foi dito que o terreno havia sido comprado pela Câmara Municipal e para tanto realizada escritura pública, tendo-lhe sido dado conhecimento da compra no dia 11 de Julho pela testemunha R. C..

Acresce ainda que do depoimento dos agentes resulta de forma muito clara que o arguido foi expressamente advertido, por diversas vezes, de que se não abandonasse o local incorreria na prática de um crime de desobediência.

É certo que o arguido disse que não lhe disseram “que não lhe explicaram as razões pela qual estava a ser detido”, mas tal é, claramente, contrariado pelos agentes cujos depoimentos foram considerados verosímeis porque desinteressados, seguros e credíveis, contrariamente à forma como o arguido depôs “hesitante e desafiante”, não isento.

Portanto, os agentes da GNR deram ao arguido uma ordem (praticaram um ato de comando impondo-lhe o abandono do local), tinham enquanto agentes de autoridade legitimidade para o fazer, a ordem foi dada de forma a que o arguido adquiriu o seu efetivo conhecimento, por forma a orientar corretamente a sua consciência ética para o desvalor jurídico do seu comportamento, que voluntariamente adotou. E só o acatamento da ordem permitia garantir que não era posta em causa a autonomia intencional do Estado, já que o que o crime de desobediência visa garantir é precisamente a possibilidade de os agentes de administração pública, v.g. de autoridade, tomarem e executarem decisões conforme ao direito, para os quais são competentes sem entraves intoleráveis, o que é essencial para a manutenção do Estado de direito (cfr. O crime de desobediência à luz da Constituição de Francisco Borges, Almedina, 2011, 89).

Esta análise da prova, que com brevidade se deixou exposta, leva à conclusão de que os factos 1 a 10 não podem ser alterados como pretendido pelo arguido.

Não há, pois, dúvida de que o arguido praticou o crime de desobediência que lhe foi imputado.

Esta conclusão afasta liminarmente a pretensão do recorrente de ver aplicada à análise do seu comportamento o princípio in dubio pro reo. Este princípio, como se sabe, só tem aplicação quando o juiz se vê a braços com uma situação de dúvida insuperável, da qual não pode sair prejudicando o arguido. Portanto, nem o princípio in dubio pro reo é uma regra de interpretação, porque é um princípio de direito probatório, nem a dúvida a que há que fazer apelo é “aquela que o juiz não teve, mas deveria ter tido”.

Portanto, sem dúvidas, arredada está a aplicação do pretendido princípio.

Esta conclusão afasta também liminarmente a consideração de que o tribunal a quo errou notoriamente na apreciação da prova, erro notório que o recorrente entende ter ocorrido com o afastamento do princípio in dubio pro reo.

Como se sabe o erro notório é um vício de conhecimento oficioso (artigo 410º, nº 2, alínea c) do CPP) que se traduz numa “falha grosseira e ostensiva”, utilizando a linguagem de Simas Santos e Leal Henriques, percetível pelo cidadão comum. É um vício da decisão que se constata a partir do texto de decisão – e só deste – uma desconformidade tão evidente que é de ocorrência rara, contrariamente à frequência da sua invocação.

Ora o texto da sentença recorrida não ostenta tal deformidade e muito menos a concretamente identificada consubstanciada no afastamento do princípio in dubio pro reo, como já atrás dito.

Improcede, também, neste segmento a pretensão recursiva.

As restantes questões dizem respeito à pena aplicada, à sua não substituição por pena não privativa de liberdade - o que, além do mais, no entender do recorrente consubstancia nulidade -, para além do também invocado vício de insuficiência da matéria de facto (artigo 410º, nº 2, alínea a) do CPP) por não ter sido obtido relatório social.

Começando por esta concreta questão, - para exposição lógica do raciocínio que levará à decisão final - da falta de relatório social, impõe dizer o seguinte:

Dispõe o nº 1 do artigo 370º do CPP com a epígrafe “Relatório Social” que: “O tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respetiva atualização quando aqueles já constarem do processo”(sublinhado nosso).
A junção do relatório é, pois, facultativa, (cfr Ac. STJ de 06/02/2019 proferido no processo 488/12.7JAAVR.1.P1.S1 in wwwdgsi.pt), na medida em que só se for entendido “necessário à correta determinação da sanção” é que o tribunal deverá diligenciar por obter tal meio de prova. Tal significa, portanto, que a necessidade da sua junção tem de ser casuisticamente, concretamente, avaliada.
Mas significa mais: significa que a não junção do relatório social, quando necessário, consubstancia um vício do procedimento adotado, um “error in procedendo”, mas não necessariamente um vício da decisão, um “error in iudicando”. De facto, pode haver decisões injustas sem que tenham ocorrido vícios de procedimento e pode haver vícios de procedimento que não conduzam a decisões injustas.
Ora, é a lei que diz quais são os vícios de procedimento e também é a lei que estabelece as consequências da sua ocorrência (artigos 118º a 123º do CPP).
É certo que há quem considere (cfr Ac. RE de 21/12/2017 in wwwdgsi.pt entre outros) que a falta de relatório social consubstancia uma nulidade dependente da arguição por se tratar de “omissão de diligência que pode reputar-se essencial para a descoberta da verdade” (artigo 120º, nº 2, alínea d), 2ª parte). Mas, salvo o devido respeito, não tem de ser, necessariamente, assim.
Desde logo porque se impõe fazer a distinção entre meios ou diligências de prova “essenciais para a descoberta da verdade” (artigo 120º, nº 2, alínea d) do CPP) e meios de prova “necessários para a correta determinação da sanção” (artigo 370º, nº 1 do CPP). E a diferença não está só no conteúdo e força das expressões “essencial” e “necessários”. Está no momento processual a que tal meio de prova se dirige.
Como se sabe o nosso processo penal consagra um sistema mitigado de cisão (“césure”) entre a decisão sobre a culpa e a decisão sobre a sanção aplicar (artigo 368º e 369º do CPP), havendo até a possibilidade de reabertura da audiência (artigo 371º do CPP) e de produção de prova suplementar, caso tal se revela necessário.
Ora, assim sendo, terá de entender-se que a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade (artigo 120º, nº 2, alínea d) do CPP) respeita à primeira parte (da decisão sobre a culpa), enquanto que a falta de relatório social, quando este é necessário para a determinação da sanção, respeita à segunda parte, isto é, à decisão sobre a sanção a aplicar.
Portanto, assim sendo, a falta de relatório social nunca constituiria a referida nulidade.
Mas vejamos ainda a questão sob outro ponto de vista.
De acordo com Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário ao Código de Processo Penal, 4ª edição, 881 “a lei portuguesa reconhece apenas três critérios materiais de admissibilidade de prova: a prova essencial (“indispensável”,absolutamente indispensável” ou “estritamente indispensável”); a prova necessária (“previsivelmente necessária”, “absolutamente necessária”, “útil”, “de interesse”, “relevante” ou “de grande interesse” ou, na formulação negativa a prova “inadequada”, “de obtenção improvável ou muito duvidosa” ou “com finalidade meramente dilatória”, “irrelevante” ou “supérflua”) e a prova conveniente.
A diferença entre estes três tipos de critérios é fundamental em termos práticos: a omissão da prova do primeiro tipo constitui uma nulidade sanável nos termos do artigo 120.º nº 2 al. d) do CPP; a omissão da prova do segundo tipo constitui uma irregularidade, nos termos do art.º 123º do CPP; a omissão da prova do terceiro tipo não constitui qualquer vício processual.
Assim sendo, enquanto vício de procedimento, a não junção de relatório social constituiria uma irregularidade a invocar no próprio ato (neste caso, no julgamento) ou, se a este o interessado não tiver assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado (artigo 123º, nº 1 do CPP).
Na situação em apreço, o recorrente não invocou qualquer irregularidade atempadamente, mas invocou o vício previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do CPP, vício este que sempre seria do conhecimento oficioso.

Vejamos, então, se tal vício se verifica.

O princípio da lealdade processual – princípio que deve enformar todos os ramos do direito – e que no dizer de Paulo Pinto de Albuquerque (ob. Cit, anot 401º, 1051) “se impõe aos sujeitos e participantes processuais” representa uma imposição de princípios gerais inscritos na própria dignidade humana e da ética, que deve presidir a todos os atos dos cidadãos.

A este propósito diz o Tribunal Constitucional no acórdão nº 429/95 citado no acórdão da Relação do Porto de 09/11/2016 in www.dgsi.pt: “Neste domínio são de realçar os deveres de vigilância e de boa fé processual: o primeiro obriga os sujeitos processuais “a reagir contra nulidades ou irregularidades que considerem cometidas e entendam relevantes, na perspetiva de defesa, não podendo naturalmente escudar-se na sua própria negligência no acompanhamento das diligências ou audiências para intempestivamente vir reclamar o cumprimento da lei relativamente a atos em que estiveram presentes e de que, agindo com a prudência normal, não puderam deixar de se aperceber”; o segundo impede que os sujeitos processuais possam “aproveitar-se de alguma omissão ou irregularidade porventura cometida ao longo dos atos processuais em que tiveram intervenção, guardando-a como um “trunfo”, para em fase ulterior do processo, se e quando tal lhes pareça conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processado”.

E note-se que este direito e dever de colaboração em nada colide com o facto de qualquer arguido beneficiar de presunção de inocência e, portanto, não estar obrigado a fazer prova da sua inocência, nem estar obrigado a colaborar com o tribunal na descoberta da verdade ou a prestar declarações, sem que tal o possa desfavorecer.

Mas se um arguido entende que há determinadas circunstâncias da sua vida que o favorecem e que deveriam ser tidas em conta pelo tribunal, circunstâncias que o tribunal desconhece, então é razoável esperar que as leve ao conhecimento de quem julga e é irrazoável criticar o tribunal quando este as não foi procurar.

No caso em apreço o arguido esteve no julgamento e nele o tribunal obteve o conhecimento de que o arguido estava desempregado, vivia em casa própria com a mulher e uma filha de 24 anos e completou o 4º ano de escolaridade. Não foi requerido por si ou pela sua ilustre defensora, ao abrigo do artigo 340º do CPP, a realização de qualquer diligência de prova que se configurasse necessária e viável, nem o tribunal a ordenou, dado o desconhecimento de qual seria a diligência útil que poderia ter sido levada a cabo. Esta omissão faz padecer a sentença do invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 2, alínea a) do CPP)? A resposta terá de ser negativa.

Este vício existe quando se constata que da factualidade constante da decisão faltam elementos que, podendo ser indagados ou descritos, impossibilitam, pela sua ausência, um juízo seguro de condenação ou absolvição (Ac. STJ de 15/02/2007 in www.dgsi.pt). E mesmo que se considere que este vício existe quando ficam por indagar factos essenciais à decisão no seu todo (relativos ao juízo de culpa e à determinação da natureza e dimensão da pena), eles têm de ser indagáveis, isto é, tem de ser possível efetivamente investigar tais factos. (Neste sentido AC. Relação de Guimarães de 25.03.2019 proferido no processo 45/11.5GAVVD). Ora, outros atinentes às condições pessoais do arguido, implicariam, pelo menos, que o arguido os invocasse como relevantes.

Mas, mesmo que assim não se entendesse, incontroverso é que, tal vício, teria de resultar patente do texto da sentença e tal não ocorre. Da sentença recorrida não se percebe o que é que possa ter faltado de relevante, para além do indagado e obtido, para que o tribunal se julgasse habilitado a tomar a decisão.

Portanto, nesta vertente, o recurso não procede.

Vejamos agora se a aplicação da pena de prisão efetiva em estabelecimento prisional se deve manter ou se deverá ser substituída por pena não privativa da liberdade ou por outro modo de execução, como pretende o arguido.

Mas ainda antes impõe-se distinguir duas realidades, em face da argumentação utilizada pelo recorrente.

Dispõe o artigo 379º nº 1 alínea a) do Código de Processo Penal que é nula a sentença quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).

A questão que o recorrente invoca como não tendo sido apreciada devendo sê-lo, respeita à aplicação de pena substitutiva da de prisão efetiva.

Mas, uma coisa, é o tribunal ter omitido pronúncia sobre uma concreta questão, isto é, neste caso não se ter pronunciado sobre a possibilidade de aplicação de outra pena ou outra modalidade de execução da pena que não a prisão efetiva, outra coisa, é o tribunal, não obstante se ter pronunciado sobre a questão, não ter optado pela solução preconizada pelo recorrente.

No momento de escolher a natureza e medida da pena, o tribunal a quo deixou plasmado na sentença o seguinte entendimento:

Diz-nos o art.º 50.º n.º 1 do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, ou seja, o que a lei visa com o instituto em termos de finalidade político-criminal “é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos — «metanóia» das concepções da vida e o mundo (…) ou como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, § 519).
A suspensão da pena assenta na formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, ou seja, na formulação de um juízo de que ele não praticará novos crimes.
Na ponderação da personalidade do agente, a sua conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias do mesmo, o tribunal terá que ter em mente que a suspensão da execução da pena de prisão apenas poderá ser aplicada se sustentar e viabilizar os desígnios de prevenção especial - apoiando e promovendo a reinserção social do condenado - e geral - na perspectiva em que a comunidade não encare a suspensão, como um sinal de impunidade.
Relativamente à personalidade o arguido é pessoa refractária a uma convivência social de acordo com as regras do direito —a reiterada prática de crimes é disso reveladora.
A simples censura do facto e, muito especialmente, a ameaça da pena de prisão não realizam de todo e de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, bem como pela mesma ordem de razões se afasta de forma categórica o cumprimento de trabalho a favor da comunidade.

No caso concreto, entende-se que a simples ameaça de prisão não realiza de forma adequada as finalidades da punição.
O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é o da conclusão, pelo tribunal, por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No juízo de prognose deverá o tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime.
Tal assim é em face do extenso passado criminal do arguido, com sucessivas condenações em pena de prisão suspensa na sua execução, e nunca conseguiu, apesar das oportunidades que lhe foram concedidas, inclusivamente com pena suspensa, mudar de vida e de ter um comportamento conforme ao direito.
A dita punição não se compadece com uma pena de substituição porque, absolutamente nada permite sustentar o juízo de prognose social favorável de que o legislador faz depender a sua aplicação, não existindo qualquer confissão nos autos ou qualquer atitude de arrependimento por parte do arguido, que, pelo contrário, faz tábua rasa das instituições do direito de propriedade, praticando sucessivamente crimes e relativamente aos quais sofreu condenações, inclusivamente de penas de prisão suspensa, que não lhe serviram de suficiente advertência para obstar à prática de novos crimes.
A ausência de eficácia dissuasória das condenações já sofridas pelo arguido, e a necessidade que existe de restaurar a confiança da comunidade na validade da norma jurídica violada impõem outrossim que se conclua que só a aplicação de uma pena de seis meses de prisão efectiva é passível de satisfazer as exigências mínimas de prevenção que o caso reclama.
Quanto à personalidade por aquele revelada, evidenciada na cronologia dos antecedentes criminais – de 2011 até ao presente – a mesma revela um padrão de vida desconforme com as regras que regulam a vida em sociedade, está, de tal forma carecida de socialização, que as anteriores advertências de prisão suspensas na sua execução não surtiram qualquer efeito, existindo, por isso, exigências de prevenção especial que reclamam a aplicação de pena de prisão efectiva.
Nestas circunstancias e em face da sistemática violação da ordem jurídico penal pelo arguido, qualquer pena de substituição era um prémio ao arguido, um convite ao crime e uma inutilidade judicial, em face do fim que compete às penas: protecção dos bens jurídicos e reinserção social do arguido (artº 40º CP).
Pelo que não é de aplicar o instituto de suspensão da execução da pena de prisão, devendo o mesmo ser condenado no cumprimento efectivo da pena de prisão de 6 meses.
Por todos os motivos, decorrentes das exigências de prevenção geral e sobretudo especial que no caso se reconhecem, são de afastar as penas de substituição – do art. 45º do Código Penal (multa de substituição), do art. 48º do Código Penal (prestação de trabalho a favor da comunidade) – bem como o mecanismo ainda previsto no art. 43º (regime de permanência na habitação) do Código Penal.
Pelo que fica dito percebe-se que o tribunal a quo, equacionou a suspensão da pena e outras formas de substituição e, bem assim, e o seu cumprimento em regime de permanência na habitação, concluindo não ser possível por elas optar.
Isto é, o tribunal a quo não omitiu pronúncia sobre a possibilidade de substituir a pena imposta por outra menos gravosa na sua execução, pelo que, não tendo havido omissão de pronúncia, a sentença não é nula nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, como pretende o recorrente.
Coisa diferente é saber se a solução a que chegou o tribunal a quo para punir este concreto arguido deve ser mantida.
A fixação de qualquer pena exige sempre um processo de avaliação do comportamento de um concreto indivíduo, de uma situação concreta e sempre única - porque parafraseando Batista Machado, cada novo caso é um novo começo - apesar de tantas vezes semelhante a outras que já passaram e que hão-de passar pela apreciação do julgador. Por isso a pena tem de refletir o juízo que “aquele concreto indivíduo e aquele concreto crime exigem.” Neste sentido Ac. RC de 19.09.2001 in CJ XXVI, IV, 50.
O primeiro pedido formulado pelo arguido, é o da suspensão da pena de prisão, o qual, como se sabe, depende da verificação de dois pressupostos, um formal, a sua duração inferior a 5 (cinco) anos e um material, a prognose de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Quanto ao pressuposto formal, ele está preenchido uma vez que o recorrente é condenado numa pena de 6 (seis) meses de prisão.

Já quanto ao pressuposto material exige a lei, no artigo 50º do Código Penal, que o Tribunal ao tomar a decisão olhe, por um lado, para o arguido, isto é,

- para a sua personalidade,
- para as suas condições de vida,
- para a sua conduta anterior e posterior ao crime e
- para as circunstâncias em que o crime foi praticado, e por outro lado que olhe
- para a sociedade, sobretudo para as razões de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa da própria sociedade.

Antes, porém de concluirmos, se é possível de forma “fundada e calculada”, usando as palavras de F. Dias in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do crime § 521, suspender a pena imposta, detenhamo-nos um pouco nos fins das penas.

Como se disse no acórdão proferido no processo 699/18.1GBVVD.G1 in wwwdgsi.pt, a propósito da possibilidade da suspensão de pena imposta, é incontroverso que os tribunais são, ou devem ser, fomentadores e garantes de paz social. E, para tanto, diz o artigo 40º do Código Penal que com a aplicação das penas visa-se proteger bens jurídicos, quer intimidando, isto é, promovendo o afastamento das pessoas da prática de crimes (prevenção geral negativa ou de intimidação), quer transmitindo à comunidade um sentimento de confiança, nas normas vigentes (prevenção geral positiva ou de integração). Mas a paz social não se consegue apenas olhando para a sociedade e com a proteção de bens jurídicos… É necessário olhar para o condenado, porque é sobre ele que a pena vai diretamente atuar e é dele que se espera que não só não volte a cometer crimes, como que se reintegre na sociedade (prevenção especial positiva).

Só assim se consegue, verdadeiramente, que a dignidade da pessoa humana que a Constituição elege como pilar da construção social, não seja posta em causa no momento de decidir a aplicação de uma pena. A pena não pode ir além da culpa, não pode ir além do necessário, porque se o for é injusta e uma pena injusta não é útil, não serve a ninguém, nem à sociedade nem ao condenado.

Como diz Roxin in Problemas Fundamentais de Direito Penal – Editora Vega - Universidade Direito e Ciência Política, 40, servindo a pena exclusivamente fins racionais e devendo possibilitar a vida humana em comum e sem perigos, a execução da pena apenas se justifica se prosseguir esta meta na medida do possível, isto é, tendo como conteúdo a reintegração do delinquente na comunidade (…) e acrescenta é do interesse da comunidade em recuperar o delinquente após o cumprimento da sua pena como membro apto para a vida e fiel ao direito (…).

E é por isso que a aplicação de uma pena de curta duração é necessariamente personalizada, ajustada aquela concreta pessoa e situação. Para tanto dispõem os tribunais de amplitude nas molduras penais abstratas e de penas diversas que permitam uma correta adequação aos factos, à personalidade, à culpa e às finalidades preventivas, até porque como ensina Fernanda Palma punir alguém deve corresponder à responsabilidade de libertar o criminoso do seu crime e não a uma simples fórmula técnica.

De entre todas as penas a de prisão é a mais temida, a mais estigmatizante, e, já se sabe também, a menos pedagógica, a menos reintegradora. Por isso, ao longo dos anos foi perdendo terreno, foi permitindo que outras penas a substituíssem, reservando para si o papel de ratio ultima, isto é. destinada aos arguidos e às situações necessariamente graves em que a manutenção do agente do crime em liberdade não pacifica a sociedade.

A pena substitutiva da de prisão efetiva, que mais tem afastado a aplicação desta, é a suspensão da sua execução, que é a pretendida pelo arguido.

Vista por uns como uma espécie de absolvição fomentadora de um sentimento de impunidade e, por outros, como uma verdadeira pena com potencial ressocializador, com sentido pedagógico e reeducativo, a suspensão da pena é uma verdadeira pena autónoma que se impõe como opção quando a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada as finalidades da punição (artigo 50º do CP).

Antes de continuarmos a aproximação ao caso concreto, importa não esquecer que mesmo que o tribunal conclua por um prognóstico favorável – à luz das considerações exclusivas de prevenção especial de socialização – a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime (…) não estão aqui em questão considerações da culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa (cfr. Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, §520, p. 344).

Finalmente, e ainda antes de nos focarmos na situação que nos ocupa, sirvamo-nos, de novo, dos ensinamentos de Roxin ob cit, 45 quando diz que convém não esquecer que “o delinquente constitui tantas vezes “uma pessoa débil e urgentemente carenciado de um tratamento terapêutico social” (…) sendo certo que “o que a sociedade faz pelo delinquente também é afinal o mais proveitoso para ela”. Ou dizendo de outro modo, citando Assunção Esteves, o esforço de ressocialização tem de ser compreendido numa lógica construtiva e redentora.

O recorrente já foi condenado em penas de multa; já foi condenado em penas de prisão suspensas na sua execução; já foi condenado em pena de prisão substituída por multa. Voltou sempre a praticar crimes.

A decisão da suspensão exige sempre a formulação de um juízo de prognose positiva. Olhando para o passado criminal do arguido e tendo em conta as oportunidades que já lhe foram concedidas, esse juízo tem de ser negado. De facto, na situação de vida que o arguido continua a evidenciar não é possível fazer a afirmação de que, em liberdade, o arguido vai conseguir não cometer crimes, já que denota uma personalidade impulsiva e com dificuldade de acatar regras. No entanto, a privação de liberdade pode e deve ser usada de forma a levar o arguido a refletir seriamente sobre o que lhe é exigido, sobre a necessidade de se promover como pessoa, como ser humano livre e responsável, fora do ambiente degradante de um estabelecimento prisional.

Dispõe o art. 43º do Código Penal com a epígrafe “ Regime de permanência na habitação” que

1.- Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b)(...)
2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.
3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.

4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:
a) Frequentar certos programas ou atividades;
b) Cumprir determinadas obrigações;
c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;
d) Não exercer determinadas profissões;
e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;
f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.
5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.

Trata-se de uma norma que vai além da privação da liberdade, porque contém a possibilidade de promover uma mudança na vida de quem deixou de poder viver em liberdade, mas não apresenta uma perigosidade tal que tenha de ser encarcerado em estabelecimento prisional. É, portanto, uma norma destinada a arguidos que tenham de cumprir penas curtas de prisão e com a qual se pretende evitar o desenraizamento social, familiar, profissional, e, assim, conseguir que a reintegração social não passe de um arquétipo, de um conceito inatingível.

Provou-se que o arguido se encontra desempregado, que se encontra num quadro de vida a reclamar mudança. Mas tem de ser uma mudança que integre o arguido, que o promova como pessoa, como ser humano com dificuldades e capaz de ultrapassar aos poucos a fragilidade de personalidade que ostenta.
A lei prevê que, no cumprimento do pena em regime de permanência na habitação, nos termos do art. 43º do CP, o tribunal possa autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado. A lei prevê ainda que o tribunal possa subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:

a) Frequentar certos programas ou atividades;
b) Cumprir determinadas obrigações;
c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;(…)

O regime de permanência na habitação sujeito ao cumprimento de obrigações apresenta-se, assim, como a solução mais justa, porque penalizante sem deixar de ser educativa, que não desiste do arguido, nem choca a sociedade, que se centra no condenado, na ultrapassagem das suas fragilidades, pela especial vigilância e controlo a que fica sujeito por parte dos técnicos de reinserção social que fiscalizam o cumprimento da pena.
O conjunto de obrigações a impor ao arguido deverá passar por tentar compreender e ultrapassar a dinâmica de elevação e queda que tem caracterizado a vida do arguido a reclamar, quando possível, o exercício de uma profissão e até, também, se possível, pelo aumento da escolaridade, ou (por exemplo) por ser integrado em cursos que sejam orientados para a alteração da personalidade que ostenta e, nessa medida, capazes de favorecer a integração social. É manifesto que o arguido não o consegue fazer sozinho, mas a sociedade e os tribunais dispõem de técnicos capazes de prever para a vida do arguido, um conjunto de obrigações, que sem pôr em causa a privação de liberdade, simultaneamente se apresentem compatíveis com a reclamada mudança de vida.
É evidente que o sucesso no cumprimento do plano depende do esforço do arguido, mas uma correta personalização das medidas a adotar e dos objetivos a atingir, terá certamente um efeito mobilizador, não ficando o condenado sozinho, entregue a si mesmo nesse esforço de superação.
Obtidos que foram os legais consentimentos, a pena deverá, portanto, ser cumprida em regime de permanência na habitação, no âmbito da qual deverá o arguido ficar sujeito ao cumprimento de obrigações: inscrever-se no instituto de emprego e realizar o trabalho que lhe venha a ser indicado; aceitar participar em cursos de formação pessoal que ajudam a controlar a agressividade e personalidade impulsiva e que promovam a efetiva inserção social que venham a ser indicadas pelos técnicos de reinserção social.
Procede assim, parcialmente, nesta vertente de execução da pena, o recurso.
*
III.
DECISÃO

Em face do exposto acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso do arguido A. L. e, em consequência, substituem a execução da pena de 6 meses de prisão em estabelecimento prisional, pelo cumprimento da mesma pena em regime de permanência na habitação sujeito a vigilância eletrónica.

Sem custas.
Notifique.
Guimarães, 13 de julho de 2020

Maria Teresa Coimbra.
Cândida Martinho.