Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1116/18.2T8BCL-A.G1
Relator: JOSÉ DIAS CRAVO
Descritores: RESPONSABILIDADE PARENTAL
FALECIMENTO DE UM DOS PROGENITORES
ACORDO COM TERCEIRA PESSOA
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Tendo o menor, por acordo dos seus progenitores, sido confiado à mãe, e tendo esta falecido, a circunstância de as responsabilidades parentais passarem a ser exercidas em exclusivo pelo progenitor sobrevivo não afasta, no interesse da estabilidade emocional e desenvolvimento do menor, a possibilidade de ele estabelecer com terceira pessoa um acordo confiando o menor à sua guarda.

II – Tal acordo prosseguirá o superior interesse da criança se essa terceira pessoa for um familiar próximo com quem o menor mantém estreito relacionamento e que se dispõe a proporcionar-lhe melhores condições de desenvolvimento do que as que resultariam do seu desenraizamento social e da sua deslocação para o local de residência do progenitor sobrevivo.

III – Havendo acordo entre o progenitor e a terceira pessoa quanto à confiança do menor à guarda desta, podem ambos submeter tal acordo ao Tribunal, com vista à sua homologação judicial.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

A. R., actualmente emigrado em Angola e quando em Portugal residente na Rua …, freguesia de ..., concelho de Barcelos, intentou a presente ACÇÃO(1) TUTELAR COMUM com referência ao menor G. S., nascido em …, residente na Rua …, freguesia de ..., concelho de Barcelos, tendo aduzido, em síntese, os seguintes factos:

- o menor G. S. é filho do requerente e de P. C.;
- os pais do menor divorciaram-se no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento n.º ... que correu termos na Conservatória do Registo Civil, por decisão de 21 de Setembro de 2017;
- no âmbito do processo de divórcio foram reguladas, por acordo, as responsabilidades parentais relativamente ao menor e à irmã A. C., que entretanto atingiu a maioridade a 2-03-2018, tendo os mesmos ficado entregues à guarda e cuidados da mãe com quem residiriam, exercendo esta as responsabilidades parentais relativas a actos de vida corrente dos filhos, já que o progenitor trabalhava em Angola;
- tendo a mãe do menor falecido a 16-12-2017, por decorrência legal, as responsabilidades parentais passaram a ser exercidas, exclusivamente, pelo requerente;
- após o casamento, o requerente e a progenitora do menor fixaram residência na casa da mãe desta, A. M., na actual Rua … já referida, sendo que após o divórcio, o menor, a irmã e a mãe mantiveram a sua residência na casa da avó materna;
- o menor, desde o seu nascimento, sempre conviveu diariamente com a avó materna estabelecendo-se entre eles laços de afecto;
- trabalhando o requerente em Angola e não tendo intenção de regressar definitivamente a Portugal, até porque nunca conseguiria aqui e com um salário médio que se pratica no país, suportar as despesas inerentes a poder proporcionar uma vida condigna ao menor e à irmã que, embora tenha atingido a maioridade, mantém intenção de continuar a estudar e seguir o ensino superior, entende o requerente que levar o menor para residir consigo em Angola não defende os seus interesses, a sua saúde e educação, pois implicaria um afastamento das suas rotinas, do meio social onde se encontra integrado, da sua escola, amigos e toda a família;
- manter o menor à guarda da avó materna, como já vem acontecendo de facto, uma vez que é esta que tem vindo a acompanhar a sua actividade escolar e a prover às suas necessidades, para o que dispõe de condições, é o que melhor salvaguarda os interesses do menor, a sua saúde, educação e desenvolvimento físico, intelectual e social;
- desde o falecimento da mãe, o menor, por vontade de todos (requerente e avó) tem estado de facto confiado à avó materna e todos desejam que esta situação se mantenha, por todos entenderem que é o que melhor para o interesse do menor;
- o requerente, conjuntamente com a avó materna do menor, submeteram junto da Conservadora do Registo Civil uma alteração ao acordo sobre o exercício das responsabilidade parentais (2), que não foi homologado por haver oposição do Digno Magistrado do Ministério Público junto do Juízo de Família e Menores de Barcelos por entender que a Conservatória do Registo Civil não é competente para a prática de tal ato de alteração, sendo o meio próprio a presente Ação Tutelar Comum.

Termina requerendo que se decrete que o menor G. S. fique entregue à guarda e cuidados da avó materna já identificada, regulando-se no mais as responsabilidades parentais nos termos supra referidos e anteriormente submetidos junto da Conservatória.

Ouvido o Ministério Público, pronunciou-se em 8-05-2018 nos seguintes termos:

-Visto: promovo se indefira liminarmente o peticionado por ilegitimidade activa do aqui Autor que – segundo o desenho e configuração que, no petitório, o mesmo faz da causa de pedir e do concreto pedido que formula em corolário respectivo na mesma petição inicial – deve e tem que figurar, antes como Réu, no lado passivo da acção, devendo figurar como Autora a ali referida Avó materna: na verdade a presente acção, assim por ele configurada, não é mais que uma acção de Limitação do Exercício das Responsabilidades Parentais, responsabilidades essas de que (por decesso da progenitora) o pai é o único actual titular (cfr.artº1904º do Cod. Civil) sendo, ele próprio, a pedir que tal poder-dever por ele titulado, seja comprimido e limitado, nos termos peticionados: nítido é que, perante tal pedido, só pode o mesmo figurar como Réu…sendo, aliás, bem sintomático que a presente Acção foi desenhada como uma Acção sem Réus…ou, melhor, com um “réu” “inventado” por mera necessidade de preenchimento do formulário electrónico: o menor, seu filho…: é que o mesmo progenitor apesar de, artificialmente, se ter colocado na inusitada posição processual de “Autor”, não conseguiu “inventar” um melhor Réu ou Ré pois a própria “natureza das coisas” ónticamente a isso o impediu: tendo, no entanto, caído no absurdo de, perante o mencionado objecto da acção, demandar o próprio filho…e, até, sem indicar curador “litis” para este.------------------------------------------------------------------------------------------

Tendo sido cumprido o contraditório relativamente à promoção do Ministério Público, veio o requerente esclarecer não haver litígio entre a avó materna e o pai do menor, recordando estarem ambos de acordo sobre a pretensão, tendo já anteriormente submetido para homologação na Conservatória do Registo Civil uma alteração ao acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais nos termos do qual o menor ficaria à guarda da avó, tendo, porém, o MP então entendido que tal questão deveria ser objecto de decisão judicial. Não estando em causa uma inibição do exercício das responsabilidades parentais, pretende a regularização de uma situação de facto, que deriva do progenitor estar emigrado, havendo consenso de todos relativamente a tal situação, que pretende tenha cobertura legal. Reconhecendo não ser o menor Réu nos autos, como resulta da exposição dos factos, mas a ter que haver um, será a avó materna a ser chamada aos presentes autos. Entendendo não ser caso de indeferimento liminar, como é próprio do processo tutelar cível e tratando-se de jurisdição voluntária, sempre pode o tribunal, se assim o entender, convolar a presente acção ou convidar ao suprimento de qualquer excepção dilatória, com vista ao prosseguimento dos fins pretendidos.

Em 26-06-2018, é então proferido o seguinte despacho liminar:

A presente acção de processo tutelar comum foi proposta pelo progenitor contra o próprio filho G. S..
Com efeito, pese embora na petição inicial não se faça sequer referência a qualquer parte, do lado passivo da acção, no formulário apresentado consta efectivamente como requerido o menor acima identificado, o que certamente decorrerá de lapso.
Ora, conforme é referido pelo Digno magistrado do Ministério Público tal não é legalmente admissível.
Porém, conforme decorre da petição inicial, dos elementos juntos com esta e do requerimento de fls. 18 a 20, não existe qualquer dissídio entre o A. e a avó a quem este alegadamente quer confiar a guarda do menor, dado o decesso da mãe deste e à circunstância de o progenitor ter de se ausentar para o estrangeiro a fim de trabalhar e não ser aconselhável levar o menor consigo.
Acresce que o requerente já tentou proceder a diligências no sentido de formalizar a sua pretensão junto da CRC de Barcelos, sendo que aí e dado Parecer pelo Digno Magistrado do Ministério Público no qual foi aconselhado a intentar uma acção tutelar comum, o que efectivamente fez.
Acresce que nos termos do art.º 1907.º é possível por acordo ou decisão judicial (…) confiar o filho à guarda de terceira pessoa.
Ora, não obstante, se nos afigurar ser isso o pretendido, a verdade é que não foi identificado uma parte para figurar no lado passivo da acção, designadamente a avó, como requerida, sendo-lhe então concedida a possibilidade de alegar ou apresentar prova, relativamente à pretensão expressa pelo progenitor ou até em sede de conferência obter acordo que vá de encontro à pretensão do requerente.

Assim, e porque a nosso ver estamos perante uma situação de ilegitimidade passiva, que constitui uma excepção dilatória – cfr. art.º 577.º, al. e), a qual é de conhecimento oficioso – art.º 578.º do Código de Processo Civil (CPC), ao abrigo do dever de gestão processual do juiz – cfr. art.º 6.º e 590.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil (CPC), notifique-se o A. para, em 10 dias, querendo, regularizar a instância e fazer intervir como Ré nesta Acção a identificada avó materna do menor, deduzindo também contra estes o pedido formulado, com a cominação prevista no art.º 576.º do mesmo diploma legal.

Logo que teve conhecimento de tal despacho, inconformado com o mesmo, veio o MP em 11-09-2018 apresentar recurso de apelação contra o mesmo, finalizando as suas alegações com a apresentação das seguintes conclusões:

1. – O actual Cod. Procº Civil (aqui aplicável ex vi o disposto no artº33º nº1 do Regime Geral do Procº Tutelar Cível) confere, na verdade, ao juiz um poder autónomo de gestão activa e efectiva do processo: a nova tramitação processual impõe, pois, ao juiz um novo “poder-dever”: este passa a ter o dever de direcção, de impulso, de simplificação e agilização processual, bem como o dever de sanação de actos meramente dilatórios e da falta de pressupostos processuais, devendo determinar a realização de todos os actos necessários a regularizar a instância;
2. – Também, aqui, com a consagração deste princípio da gestão processual há uma clara adesão do direito processual civil português à regra anglo-saxónica do “active case management”: a gestão inicial do processo encontra assento no artigo 590º do Cod. Procº Civil, e implica a possibilidade do juiz, logo após a recepção da petição inicial, “indeferir a mesma quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente”:
3. – Nomeadamente a incompetência absoluta ou relativa do tribunal, a nulidade do processo, a falta de personalidade ou capacidade judiciárias e, ainda, a ilegitimidade absoluta (excepção dilatória insuprível): como é o caso do Réu demandado na presente Acção: o próprio menor (!?);
4. – Poder-se-ia aventar a hipótese de que a ilegitimidade passiva se poderia resolver, no presente caso, pelo recurso à intervenção principal provocada…
5. – Ora, no que à intervenção principal provocada respeita, esta apenas é admissível em casos de litisconsórcio voluntário ou necessário, bem como nas situações específicas contempladas no art.º 316º do Cod. Procº Civil:
6. – O mencionado art.º 316º do CPC veio estabelecer que ocorrendo casos de litisconsórcio necessário, qualquer parte pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária: Em situações de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39º (esta última hipótese já era expressamente prevista no art. 325º, n.º 2 do CPC, por remissão para o art. 31º-B do CPC):
7. – Prevê ainda o n.º 3 do artigo 316º do CPC que o chamamento até pode, inclusivé, ser deduzido por iniciativa do réu quando mostre interesse atendível em chamar outros litisconsortes voluntários (sujeitos passivos da mesma relação material controvertida) ou quando pretende provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor:
8. – No caso o aqui demandado – o menor – não tem interesse algum em chamar quem quer que seja e muito menos em ser demandado: pois é parte absolutamente ilegítima (!);
9. – Na verdade, quanto à apresentação de petições e outras peças processuais na plataforma electrónica “Citius”, dispõe o art. 7º da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto sob a epígrafe “Preenchimento dos formulários”: «1 - Quando existam campos no formulário para a inserção de informação específica, essa informação deve ser indicada no campo respetivo, não podendo ser apresentada unicamente nos ficheiros anexos. 2 - Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos.»;
10. – Destarte, nesta Acção, constando do sobredito formulário como Réu o próprio menor, fixada e estabelecida ficou a parte passiva no processo…
11. – O que aconteceu foi que o A. apresentou uma nova petição “inicial”…substituindo esse Réu…e demandando, agora e apenas, a avó materna;
12. – Com a intervenção desta avó materna não ficou sanada a ilegitimidade passiva do menor…que continua como Réu…: ilegítimo;
13. – E a sua ilegitimidade é insuprível: muito menos por apresentação de nova petição inicial com substituição do Réu (!);
14. – Na verdade, apenas no caso da ocorrência da hipótese legalmente prevista nos termos conjugados dos artºs.560º e na alínea f) do artigo 558.º do mesmo Cod. Procº Civil (nomeadamente quando não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário o que não é o caso destes autos) é que o Tribunal pode conceder ao Autor o benefício de este poder apresentar outra petição: não o podendo fazer nos termos em que o fez: pelo que não pode haver-se regularizada a instância nos presentes autos: é que o menor continua como Réu…e a nova petição inicial é legalmente inadmissível na presente instância;
15. – Ademais o Tribunal recorrido nada disse sobre a invocada ilegitimidade activa: e algo devia ter dito;
16. – Na verdade – segundo o desenho e configuração que, no petitório, o mesmo Autor faz da causa de pedir e do concreto pedido que formula em corolário respectivo na mesma petição inicial – deve e tem ele que figurar, antes como Réu, no lado passivo da acção, devendo figurar como Autora a ali referida Avó materna:
17. – Na verdade a presente acção, assim por ele configurada, não é mais que uma acção de Limitação do Exercício das Responsabilidades Parentais, responsabilidades essas de que (por decesso da progenitora) o pai é o único actual titular (cfr.artº1904º do Cod. Civil) sendo, ele próprio, a pedir que tal poder-dever por ele titulado, seja comprimido e limitado, nos termos peticionados:
18. – Nítido é que, perante tal pedido, só pode o mesmo figurar como Réu…sendo, aliás, bem sintomático que a presente Acção foi desenhada como uma Acção sem Réus…ou, melhor, com um “réu” “inventado” por mera necessidade de preenchimento do formulário electrónico: o menor, seu filho…: é que o mesmo progenitor apesar de, artificialmente, se ter colocado na inusitada posição processual de “Autor”, não conseguiu “inventar” um melhor Réu ou Ré pois a própria “natureza das coisas” ônticamente a isso o impediu: tendo, no entanto, caído no absurdo de, perante o mencionado objecto da acção, demandar o próprio filho…e, até, sem indicar curador “litis” para este.
19. – Destarte, ao omitir a sua pronúncia sobre a questão da ilegitimidade activa o Tribunal recorrido, nos termos conjugados dos artºs.613º nº3 e 615º nº1 alªd), ambos do Cod. Procº Civil, feriu de Nulidade aquela sua Decisão datada de 26-06-2018 (refªnº158636362_da versão electrónica do processo) e, por consequente arrastamento, os recentes despachos judiciais de 03.09.2018 (refªnº159425614) e de 05.09.2018 (refªnº159582191) que designaram data para a realização da Conferência com intervenção do menor G. S.: Nulidade daquelas decisões que aqui se invoca expressamente e para todos os efeitos da lei.
20. – Nem se diga, por fim, que a conclusões diversas levaria a consideração da natureza de “jurisdição voluntária” da espécie da presente Acção:
21. – Na verdade, esse específico considerando, vale, sobretudo, para a Decisão de mérito, em si: para a Decisão sobre o concreto projecto de vida da criança: não pode é o julgador “atropelar” as regras comuns sobre a regularidade da instância e sobre os pressupostos formais da instância: é que “jurisdição voluntária” não é “jurisdição arbitrária”...
22. – Sobretudo, agora, face às regras vigentes no processo civil que também se aplicam aos processos previstos no actual Regime Geral do Procº Tutelar Cível, por força da previsão do artº33º nº1 deste último diploma:
23. – Há, na verdade, mais uma vez que relembrar as obrigações do Juiz como disciplinador do processo e da panóplia dos seus “poderes-deveres” de gestão processual logo na gestão inicial do processo, deveres estes que encontram assento no artigo 590º do Cod. Procº Civil, o que implica a possibilidade do juiz, logo após a recepção da petição inicial, “indeferir a mesma quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente”…como se imporia no caso presente;
24. – Destarte, não pode escudar-se a defesa e sustentação das Decisões judiciais ora em crise na natureza de jurisdição voluntária deste tipo de processos, antes o poder-dever do Juiz na boa gestão processual lhe imporia o indeferimento da inepta petição inicial: o que se pugna perante essa Veneranda Relação.
25. – Violou, pois, o Tribunal recorrido os comandos legais expressos no art.º 33.º, n.º 1 do Regime Geral do Procº Tutelar Cível bem como nos artigos 560º, alínea f) do artigo 558.º, 590º, 613º nº3 e 615º nº1 alªd), todos do Cod. Procº Civil;
26. – Deverão, pois, julgar-se procedentes as invocadas excepções de ilegitimidade activa e passiva nesta Acção e ordenar-se o indeferimento liminar da petição inicial ou, pelo menos, julgar-se procedente a invocada Nulidade por falta de pronúncia sobre uma das questões inicialmente levantadas pelo Ministério Público (a ilegitimidade do Autor) e mandar-se repetir o Despacho ordenando ao Tribunal recorrido que se pronuncie, também, sobre esta questão sobre a qual nada disse.
27. – Assim sendo, por falta de bom fundamento legal, devem revogar-se e alterar-se, nos termos ora pugnados, as decisões ora em crise, nomeadamente a Decisão datada de 26-06-2018 (refªnº158636362_da versão electrónica do processo) e, por consequente arrastamento, os recentes despachos judiciais de 03.09.2018 (refªnº159425614) e de 05.09.2018 (refªnº159582191) que designaram data para a realização da Conferência com intervenção do menor G. S.;

TERMOS EM QUE,

Deverá ser julgado procedente o Recurso ora em apreço impondo-se a alteração e revogação total das Decisões recorridas nos termos ora pugnados,
Com o que, Decidindo pelo modo ora pugnado farão, V.as Ex.as, Colendos Desembargadores, Mui Boa e Avisada Justiça, Como é, aliás, Vº. Mui Alto e Honrado Mister.
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Não foram apresentadas contra alegações.
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A Exmª Juíz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos. Pronunciou-se sobre as arguidas nulidades.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende que:

- se declare nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia;
- se julguem procedentes as invocadas excepções de ilegitimidade activa e passiva na acção e se ordene o indeferimento liminar da petição inicial.
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3OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Pretende o apelante que se declare nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia e se julguem procedentes as invocadas excepções de ilegitimidade activa e passiva na acção.
Comecemos, pois, pela questão da nulidade.

I) Da nulidade da decisão, por omissão de pronúncia – art. 615º/1, d) do Código de Processo Civil

Entende o recorrente que a decisão em causa no recurso é nula por omissão de pronúncia. E isto porque, tendo invocado a ilegitimidade activa do autor na sua promoção de 8-05-2018, o Tribunal nada disse.

Assim o prescreve o art. 615°/1, d) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Um vício que tem a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art. 608º/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objecto do recurso, conforme resulta dos artigos 635º/4 e 639º/1 e 2, do mesmo diploma legal.

Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia.

Vício relativamente ao qual importa definir o exato alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade.

Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de ALBERTO DOS REIS, na distinção a que procedia: «[….] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.»

«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.» (3)

O mesmo é dizer, conforme já decidido no Supremo Tribunal de Justiça (4), «O tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam», ou dizer ainda, «O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente».

Diz, a este mesmo propósito, LEBRE DE FREITAS: «’Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido.

Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida.
Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-2) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.» (5)

Numa aparente maior exigência, referia ANSELMO DE CASTRO:
«A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludênciadas excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da anulabilidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.»

Mas logo o mestre de Coimbra ressalvava: «Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”». (6)

Ora, no caso em apreço, o Tribunal recorrido, no despacho em causa, depois de identificar a pretensão do requerente e o seu enquadramento legal, entendendo como lapso constar do formulário o menor como requerido, já que na petição inicial nenhuma referência se faz a qualquer parte, do lado passivo da acção, o que devia ter ocorrido, designadamente a avó, como requerida, sendo-lhe então concedida a possibilidade de alegar ou apresentar prova, relativamente à pretensão expressa pelo progenitor ou até em sede de conferência obter acordo que vá de encontro à pretensão do requerente, entendeu estar-se perante uma situação de ilegitimidade passiva, o que constituía uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, tendo, ao abrigo do dever de gestão processual do juiz, mandado notificar o A. para, em 10 dias, querendo, regularizar a instância e fazer intervir como Ré nesta acção a identificada avó materna do menor, deduzindo contra ela o pedido formulado, com a cominação legal.

Logo, face à solução dada pelo Tribunal, prejudicada ficou a questão que o ora apelante suscitara, da ilegitimidade activa do autor, pois tendo a Mmª Juiz identificado a pretensão do requerente e feito o seu enquadramento legal, convidando-o a regularizar a instância perante a situação de ilegitimidade passiva, nada mais se lhe impunha analisar, depois de motivadamente ter tomado determinada orientação.

A discordância do recorrente perante a solução encontrada pelo Tribunal é outra questão e que aqui agora não se coloca – porque também está em causa no recurso, irá ser analisado infra –, pois apenas se impõe aferir da omissão de pronúncia relativamente ao por ele alegado. O que não ocorreu, como já supra exposto, doutrinal e jurisprudencialmente.

Como assim, em face do exposto, entendemos que a decisão recorrida não padece da nulidade que lhe é apontada.
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II) Das invocadas excepções de ilegitimidade activa e passiva nesta acção

Discorda o recorrente do despacho liminar que mandou prosseguir o processo, mandando regularizar a instância do lado passivo, pois entende que o mesmo tem vícios insanáveis na respectiva instância, quer do lado passivo, quer do lado activo. Isto é, tendo invocado excepções de ilegitimidade activa e passiva na acção e requerido o indeferimento liminar da p.i, entende que deveriam as mesmas ter sido julgadas procedentes e ordenado o indeferimento liminar da p.i.

Recordemos o enquadramento factual que esteve na origem dos presentes autos:

- o menor G. S. é filho do requerente A. R. e de P. C.;
- os pais do menor divorciaram-se no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento n.º ... que correu termos na Conservatória do Registo Civil, por decisão de 21 de Setembro de 2017;
- no âmbito do processo de divórcio foram reguladas, por acordo, as responsabilidades parentais relativamente ao menor e à irmã A. C., que entretanto atingiu a maioridade a 2-03-2018, tendo os mesmos ficado entregues à guarda e cuidados da mãe com quem residiriam, exercendo esta as responsabilidades parentais relativas a actos de vida corrente dos filhos, já que o progenitor trabalhava em Angola;
- tendo a mãe do menor falecido a 16-12-2017, as responsabilidades parentais passaram a ser exercidas, exclusivamente, pelo requerente;
- após o casamento, o requerente e a progenitora do menor fixaram residência na casa da mãe desta, A. M., na Rua ..., sendo que após o divórcio, o menor, a irmã e a mãe mantiveram a sua residência na casa da avó materna;
- o menor, desde o seu nascimento, sempre conviveu diariamente com a avó materna estabelecendo-se entre eles laços de afecto;
- trabalhando o requerente em Angola, não tem o mesmo intenção de regressar definitivamente a Portugal, até porque nunca conseguiria aqui e com um salário médio que se pratica no país suportar as despesas inerentes a poder proporcionar uma vida condigna ao menor e à irmã que, embora tenha atingido a maioridade, mantém intenção de continuar a estudar e seguir o ensino superior;
- não pretende o requerente levar o menor para residir consigo em Angola, pois entende que tal não defende os seus interesses, a sua saúde e educação, pois implicaria um afastamento das suas rotinas, do meio social onde se encontra integrado, da sua escola, amigos e toda a família;
- pretende o requerente manter o menor à guarda da avó materna, como já vem acontecendo de facto, uma vez que é esta que tem vindo a acompanhar a sua actividade escolar e a prover às suas necessidades, para o que dispõe de condições, sendo que entende que tal situação é a que melhor salvaguarda os interesses do menor, a sua saúde, educação e desenvolvimento físico, intelectual e social;
- desde o falecimento da mãe, o menor, por vontade de todos (requerente e avó) tem estado de facto confiado à avó materna e todos desejam que esta situação se mantenha, por todos entenderem que é o que melhor para o interesse do menor;
- o requerente, conjuntamente com a avó materna do menor, submeteram junto da Conservadora do Registo Civil uma alteração ao acordo sobre o exercício das responsabilidade parentais (7), que não foi homologado por haver oposição do Digno Magistrado do Ministério Público junto do Juízo de Família e Menores de Barcelos, por entender que a Conservatória do Registo Civil não é competente para a prática de tal acto de alteração, que é merecedora do crivo judicial, sendo o meio próprio a Acção Tutelar Comum;
- tendo então o requerente proposto a presente acção de processo tutelar comum, figurando no cabeçalho como requerente e sem fazer referência a qualquer parte do lado passivo, terminando por requerer que se decrete que o menor G. S. fique entregue à guarda e cuidados da avó materna já identificada, regulando-se no mais as responsabilidades parentais nos termos supra referidos e anteriormente submetidos junto da Conservatória;
- no formulário que apresenta a petição inicial, consta como requerido o menor.

Ao pronunciar-se liminarmente, o MP promoveu o indeferimento liminar da petição, por ilegitimidade activa do A., pois, atendendo à causa de pedir e ao concreto pedido formulado, tratando-se de uma acção de limitação do exercício das responsabilidades parentais, o requerente tem que figurar como R., tendo a acção sido desenhada sem Réus, apesar de ter sido “inventado” um, por mera necessidade de preenchimento do formulário electrónico: o menor.

Tendo o requerente, ao abrigo do contraditório relativamente à promoção do Ministério Público, vindo esclarecer não haver litígio entre si e a avó materna do menor, recordando estarem ambos de acordo sobre a pretensão, tendo já anteriormente submetido para homologação na Conservatória do Registo Civil uma alteração ao acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais nos termos do qual o menor ficaria à guarda da avó, tendo, porém, o MP então entendido que tal questão deveria ser objecto de decisão judicial. Não estando em causa uma inibição do exercício das responsabilidades parentais, pretende a regularização de uma situação de facto, que deriva do progenitor estar emigrado, havendo consenso de todos relativamente a tal situação, que pretende tenha cobertura legal. Reconhecendo não ser o menor Réu nos autos, como resulta da exposição dos factos, mas a ter que haver um, será a avó materna a ser chamada aos presentes autos. Entendendo não ser caso de indeferimento liminar, pois, como é próprio do processo tutelar cível e tratando-se de jurisdição voluntária, sempre pode o tribunal, se assim o entender, convolar a presente acção ou convidar ao suprimento de qualquer excepção dilatória, com vista ao prosseguimento dos fins pretendidos.

Seguindo-se então o despacho ora em recurso.

Diga-se, desde já, não ter sido invocada pelo MP, in casu, a excepção de ilegitimidade passiva do menor, tudo não tendo passado de um equívoco, como por todos foi reconhecido: desde logo pelo MP, ora recorrente, ao afirmar ter sido a presente acção desenhada como uma Acção sem Réus…ou, melhor, com um “réu” “inventado” por mera necessidade de preenchimento do formulário electrónico: o menor, seu filho; depois pelo requerente ao responder que conforme resulta claro da exposição dos factos e do pedido não é o menor G. S., Réu nos presentes autos, mas a ter um Réu sempre será a avó materna a ser chamada aos presentes autos; e finalmente pela Srª Juiz que concluiu que A presente acção de processo tutelar comum foi proposta pelo progenitor contra o próprio filho G. S.. Com efeito, pese embora na petição inicial não se faça sequer referência a qualquer parte, do lado passivo da acção, no formulário apresentado consta efectivamente como requerido o menor acima identificado, o que certamente decorrerá de lapso.

Assim, tendo sido consensualmente visto como lapso o preenchimento do formulário electrónico com a identificação do menor como requerido, não faz qualquer sentido ser agora invocado o dito reconhecido lapso como excepção de ilegitimidade passiva. A pretensão do requerente é clara desde o início: atribuir a guarda do menor à avó materna, na sequência da morte da progenitora, à guarda de quem se encontrava, visando a regularização de uma situação de facto, que deriva de estar emigrado, havendo consenso de todos relativamente a tal situação, que pretende tenha cobertura legal.

Em sede de direito substantivo, o lapso em causa, que era ostensivo e resultava do próprio contexto, é objecto de rectificação a todo o tempo, nos termos do art. 249º do CC, regime que sendo previsto para os negócios jurídicos, é igualmente aplicável a actos jurídicos, nomeadamente a declarações de vontade não negociais produzidas no decurso de um processo judicial, atento o disposto no art. 295º do CC.

Ora, rectificado o lapso, o que temos e assim foi entendido por todos os sujeitos processuais intervenientes, é uma acção que foi desenhada sem Réus, para citar o recorrente. Logo, se não havia Réus, revela-se impossível a verificação da excepção de ilegitimidade passiva do menor.

Passemos, então à invocada excepção de ilegitimidade activa do Autor.

Entende o recorrente, que tal como configurado na p.i. pelo requerente, atenta a causa de pedir e o concreto pedido formulado, estamos perante uma acção de Limitação do Exercício das Responsabilidades Parentais, responsabilidades essas de que (por decesso da progenitora) o pai é o único actual titular (cfr.artº1904º do Cod. Civil) sendo, ele próprio, a pedir que tal poder-dever por ele titulado, seja comprimido e limitado, nos termos peticionados. Deve e tem, pois, o mesmo que figurar, antes como Réu, no lado passivo da acção, devendo figurar como Autora a ali referida Avó materna.

Já no despacho recorrido, a Srª Juiz a quo, concluiu que, conforme decorre da petição inicial, dos elementos juntos com esta e do requerimento de fls. 18 a 20, não existe qualquer dissídio entre o A. e a avó a quem este alegadamente quer confiar a guarda do menor, dado o decesso da mãe deste e à circunstância de o progenitor ter de se ausentar para o estrangeiro a fim de trabalhar e não ser aconselhável levar o menor consigo.

Acresce que o requerente já tentou proceder a diligências no sentido de formalizar a sua pretensão junto da CRC de Barcelos, sendo que aí e dado Parecer pelo Digno Magistrado do Ministério Público no qual foi aconselhado a intentar uma acção tutelar comum, o que efectivamente fez.

Acresce que nos termos do art.º 1907.º é possível por acordo ou decisão judicial (…) confiar o filho à guarda de terceira pessoa.

Ora, não obstante, se nos afigurar ser isso o pretendido, a verdade é que não foi identificado uma parte para figurar no lado passivo da acção, designadamente a avó, como requerida, sendo-lhe então concedida a possibilidade de alegar ou apresentar prova, relativamente à pretensão expressa pelo progenitor ou até em sede de conferência obter acordo que vá de encontro à pretensão do requerente.

Assim, e porque a nosso ver estamos perante uma situação de ilegitimidade passiva, que constitui uma excepção dilatória – cfr. art.º 577.º, al. e), a qual é de conhecimento oficioso – art.º 578.º do Código de Processo Civil (CPC), ao abrigo do dever de gestão processual do juiz – cfr. art.º 6.º e 590.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil (CPC), notifique-se o A. para, em 10 dias, querendo, regularizar a instância e fazer intervir como Ré nesta Acção a identificada avó materna do menor, deduzindo também contra estes o pedido formulado, com a cominação prevista no art.º 576.º do mesmo diploma legal.

Ora, como já supra referido, o que o requerente pretende é atribuir a guarda do menor à avó materna, na sequência da morte da progenitora, à guarda de quem se encontrava, visando a regularização de uma situação de facto, que deriva de estar emigrado, havendo consenso de todos relativamente a tal situação, que pretende tenha cobertura legal. Aliás, chegou a formular, conjuntamente com a avó materna do menor, uma alteração ao acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, que submeteram junto da Conservadora do Registo Civil, mas que não foi aí homologado por haver oposição do Digno Magistrado do Ministério que entendeu não ser a Conservatória do Registo Civil a competente para a prática de tal ato de alteração, sendo o meio próprio a instauração de Acção Tutelar Comum.

Tem, pois, razão a Srª Juíz a quo quando constata e afirma não existir qualquer dissídio entre o A. e a avó a quem este alegadamente quer confiar a guarda do menor, dado o decesso da mãe deste e à circunstância de o progenitor ter de se ausentar para o estrangeiro a fim de trabalhar e não ser aconselhável levar o menor consigo.

Acresce que o requerente já tentou proceder a diligências no sentido de formalizar a sua pretensão junto da CRC de Barcelos, sendo que aí e dado Parecer pelo Digno Magistrado do Ministério Público no qual foi aconselhado a intentar uma acção tutelar comum, o que efectivamente fez.
Acresce que nos termos do art.º 1907.º é possível por acordo ou decisão judicial (…) confiar o filho à guarda de terceira pessoa.

Assim, atendendo à pretensão do requerente e ao enquadramento feito, estamos perante um Processo para Homologação de acordo extrajudicial. Logo, a Srª Juiz a quo, ao invés do convite formulado ao requerente para regularizar a instância e fazer intervir como ré na acção a avó materna do menor, deveria antes ter convidado o requerente a apresentar nova p.i. em que ambos fossem requerentes e com vista à homologação do acordo, tal como aquele já o fizera perante a CRC de Barcelos.

Com efeito, tendo a mãe do menor falecido, passou o requerente, progenitor sobrevivo, a exercer em exclusivo as responsabilidades parentais, como decorre do disposto nos arts. 1903º, 1904º e 1912º, todos do CC (8).

Mas essa circunstância não afasta, no interesse da estabilidade emocional e desenvolvimento do menor que deve presidir a todas as decisões dos progenitores no âmbito do exercício das responsabilidades parentais, a possibilidade de o progenitor sobrevivo estabelecer com terceira pessoa um acordo confiando o menor à sua guarda.

E quando essa terceira pessoa é um familiar próximo com quem o menor se relacionou e que se dispõe a proporcionar-lhe melhores condições de desenvolvimento do que as que resultariam, como no caso presente, do desenraizamento social do menor e sua deslocação para o local de residência do progenitor sobrevivo, esse acordo não pode deixar de ser prosseguido.
É neste contexto que ganha sentido, no caso dos autos, a regra constante do art. 1918º/1 do CC, aplicável ex vi art. 1907º/1 do CC.

Sendo que a terceira pessoa a quem o menor, por acordo com o progenitor sobrevivo, for confiado, passa a exercer em relação ao menor os poderes e deveres dos pais que forem exigidos pelo adequado desempenho das suas funções (art. 1907º/2 do CC).

Assim, tem essa terceira pessoa que estar devidamente legitimada para o exercício das suas funções, nomeadamente como encarregado de educação perante a escola que o menor frequente ou outros serviços públicos.

O acordo que existia em relação ao exercício das responsabilidades parentais do menor necessita de ser alterado face ao falecimento da mãe, a cuja guarda ele estava confiado, e o progenitor sobrevivo e uma terceira pessoa acordaram no exercício dessas responsabilidades parentais.

Respeitando o acordo o superior interesse do menor, nada obstará à sua homologação.

De resto não tem esta acção por objectivo modificar a situação de facto existente, nem faria sentido modificar o que quer que fosse quando os interesses do menor, com o beneplácito de todos, convergem no sentido de o manter e de o proteger em face da lei.
Não sendo despiciendo atentar que, o pedido deduzido contra a avó materna como decidido, é manifesto carecer de fundamento legal pois, estando ambos de acordo, não se vislumbra qual a necessidade de intervenção do tribunal (9).

A acção tutelar comum tem natureza de jurisdição voluntária (arts 67º e 12º do RGPTC) e a tais processos são aplicáveis regras ou princípios distintos dos atinentes aos processos de jurisdição contenciosa.

Assim:

a) De acordo com o art. 986º/2 do CPC, nos processos de jurisdição voluntária o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, isto é, há um claro predomínio do princípio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo quanto ao objecto do processo (10).
Significa isso que enquanto na área da jurisdição contenciosa o tribunal tem de cingir-se, em regra, aos factos alegados pelas partes (em obediência ao princípio dispositivo), nos processos de jurisdição voluntária o juiz pode investigar livremente os factos (princípio inquisitório), de acordo com a directriz traçada no nº 2 do art. 986º.
b) Nos termos do art. 987º, nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.
Trata-se do predomínio da conveniência (11), ou da equidade (12), sobre a legalidade, ou seja, em vez da obediência a regras normativas rígidas (como nos processos de jurisdição contenciosa: art. 607º/2, in fine), vigora a liberdade de opção casuística pelas soluções de conveniência e de oportunidade mais adequadas a cada situação concreta.
c) Segundo o art. 988º/1, nos processos de jurisdição voluntária as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração.
É o princípio da livre modificabilidade das decisões ou providências de jurisdição voluntária, em contraste com a inalterabilidade das decisões de jurisdição contenciosa (art. 613º) (13).
d) Finalmente, conforme estatui o art. 988º/2, das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

A irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das resoluções tomadas nos processos de jurisdição voluntária é outra das características destes processos, que os distingue dos processos de jurisdição contenciosa.

O princípio que aqui interessa salientar, dada a sua potencial importância para a solução do caso em apreciação é o do predomínio do inquisitório sobre o dispositivo, princípio esse que liberta o tribunal da exigência do art. 5º, segundo o qual o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes e lhe permite investigar e levar em consideração factos que julgue relevantes, independentemente de terem ou não sido alegados.

Revertendo ao caso que nos ocupa e como já supra referido, pretende o requerente atribuir a guarda do menor à avó materna, na sequência da morte da progenitora, à guarda de quem se encontrava, visando a regularização de uma situação de facto, que deriva de estar emigrado, havendo consenso de todos relativamente a tal situação, que pretende tenha cobertura legal. Pretensão que chegou a formular, conjuntamente com a avó materna do menor e que submeteram junto da Conservadora do Registo Civil, de alteração ao acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, mas que não foi aí homologado por haver oposição do Digno Magistrado do Ministério que entendeu não ser a Conservatória do Registo Civil a competente para a prática de tal acto de alteração, que era merecedora do crivo judicial, sendo o meio próprio a instauração de Acção Tutelar Comum.

Deverá, pois, tal pedido de homologação ser requerido por ambos, pai e avó materna do menor.

Assim, apesar de não se apurar a ilegitimidade activa do A. como alegado pelo recorrente, verifica-se que se decidiu mal, já que a decisão em recurso não se mostra consentânea com os pressupostos que expôs e que impunham outro desfecho.

Impõe-se, pois, a sua revogação, mandando-se notificar o A. para, em 10 dias, querendo regularizar a instância, apresentando nova p.i. em que constem como requerentes para homologação do acordo junto, o progenitor e a avó materna do menor. O que se decidirá.

Procede, pois, com outro fundamento, o recurso.
*

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – Tendo o menor, por acordo dos seus progenitores, sido confiado à mãe, e tendo esta falecido, a circunstância de as responsabilidades parentais passarem a ser exercidas em exclusivo pelo progenitor sobrevivo não afasta, no interesse da estabilidade emocional e desenvolvimento do menor, a possibilidade de ele estabelecer com terceira pessoa um acordo confiando o menor à sua guarda.
II – Tal acordo prosseguirá o superior interesse da criança se essa terceira pessoa for um familiar próximo com quem o menor mantém estreito relacionamento e que se dispõe a proporcionar-lhe melhores condições de desenvolvimento do que as que resultariam do seu desenraizamento social e da sua deslocação para o local de residência do progenitor sobrevivo.
III – Havendo acordo entre o progenitor e a terceira pessoa quanto à confiança do menor à guarda desta, podem ambos submeter tal acordo ao Tribunal, com vista à sua homologação judicial.
*

6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, com outro fundamento, acordam os juízes desta secção cível em julgar procedente o recurso e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida e mandar notificar o A. para, em 10 dias, querendo, regularizar a instância, apresentando nova p.i. em que constem como requerentes para homologação do acordo junto, o progenitor e a avó materna do menor.
Sem custas.
Notifique.
*
Guimarães, 06-12-2018

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Raquel Baptista Tavares)


1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Barcelos – Juízo Fam. Menores – Juiz 2
2. Cujos termos eram os seguintes: 1º...O menor G. S. fica entregue à guarda e cuidado da avó materna A. M. com quem residirá, exercendo esta as responsabilidades parentais relativas a atos de vida corrente dos menores. 2º…Os atos de particular importância serão decididos de comum acordo entre a avó materna e o pai. 3º…Atento o facto de o progenitor trabalhar em Angola e não ter intenção de regressar definitivamente a Portugal, estipula-se que o pai, quando em Portugal poderá estar com o menor sempre que o desejar, sem prejuízo dos seus períodos de descanso e estudo. 4º…O menor passará com o pai um período de férias nas férias escolares de verão e natal, em período a combinar. 5º…Dia de aniversário do progenitor e do menor, dia do pai, Natal e Pascoa, será a combinar pontualmente. 6º...O pai contribuirá mensalmente com a quantia de 500,00€ euros (quinhentos euros) para os alimentos do menor, entregando tal quantia à avó materna até ao dia oito de cada mês por transferência bancária para conta que a esta indicar ou por qualquer outro meio, sendo tal quantia atualizável anualmente de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE para o ano anterior em percentagem nunca inferior a 2%. 7º…Além do estipulado na cláusula anterior o pai contribuirá, em todas as despesas médicas e medicamentosas não comparticipadas pelo S.N.S., bem como as despesas escolares designadamente, respeitantes a matriculas, livros, material escolar e visitas de estudo, mediante o respetivo comprovativo.
3. CPC Anotado, 5º, 143.
4. Ac. STJ de 30.04.2014, Proc. Nº 319/10.2TTGDM, in www,dgsi.pt.
5. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320.
6. DIREITO PROCESSUAL CIVIL DECLARATÓRIO, VOL. III, Almedina. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143.
7. Cujos termos eram os seguintes: 1º...O menor G. S. fica entregue à guarda e cuidado da avó materna A. M. com quem residirá, exercendo esta as responsabilidades parentais relativas a atos de vida corrente dos menores. 2º…Os atos de particular importância serão decididos de comum acordo entre a avó materna e o pai. 3º…Atento o facto de o progenitor trabalhar em Angola e não ter intenção de regressar definitivamente a Portugal, estipula-se que o pai, quando em Portugal poderá estar com o menor sempre que o desejar, sem prejuízo dos seus períodos de descanso e estudo. 4º…O menor passará com o pai um período de férias nas férias escolares de verão e natal, em período a combinar. 5º…Dia de aniversário do progenitor e do menor, dia do pai, Natal e Pascoa, será a combinar pontualmente. 6º...O pai contribuirá mensalmente com a quantia de 500,00€ euros (quinhentos euros) para os alimentos do menor, entregando tal quantia à avó materna até ao dia oito de cada mês por transferência bancária para conta que a esta indicar ou por qualquer outro meio, sendo tal quantia atualizável anualmente de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE para o ano anterior em percentagem nunca inferior a 2%. 7º…Além do estipulado na cláusula anterior o pai contribuirá, em todas as despesas médicas e medicamentosas não comparticipadas pelo S.N.S., bem como as despesas escolares designadamente, respeitantes a matriculas, livros, material escolar e visitas de estudo, mediante o respetivo comprovativo.
8. Só assim não será se o pai for judicialmente inibido, total ou parcialmente, de tal exercício, ou se for decretada qualquer providência limitativa do mesmo (arts. 1918º e 1920º).
9. Neste sentido, Tomé d'Almeida Ramião, Organização Tutelar de Menores Anotada, 10.a edição, pags. 167-168.
10. Vd. Castro Mendes, Direito Processual civil I, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1980, pág. 93.
11. Vd. Castro Mendes, ob. cit., pág. 94.
12. Vd. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo civil, 1979, pág. 72.
13. Vd. Manuel de Andrade, ibidem; A. Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 72.