Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
236/18.6IDBRG.G1
Relator: MARIA ISABEL CERQUEIRA
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
SUSPENSÃO CONDICIONADA AO PAGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – A suspensão da execuçao da pena de prisão aplicada pela prática de crimes de natureza tributária tem que ser sempre condicionada ao pagamento da prestação tributária e legais acéscimos, nos termos do art.º 14º do RGIT, entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional como não violador dos princípios constitucionais da culpa, da adequação e da proporcionalidade.
II - Sendo apenas aplicável quanto a esses crimes os ensinamentos do AUJ n.º 8/2012 quando são abstractamente puníveis com pena de prisão ou multa e já não quando apenas é aplicável a primeira.
III – Reduzida, em sede de recurso, a medida da pena aplicada a co-autores do mesmo crime, por razões não estritamente pessoais, deve ser aferida a bondade da pena aplicada a co-autor que não recorreu dessa medida, por força do disposto nos art.ºs 402º, n.º 2, a) e 403º n.º 3 do CPP e dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal:

Relatório

No Juízo Local Criminal de Barcelos – Juiz 1, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi, em 8/07/2021, proferida sentença que condenou cada um dos arguidos A. M., A. F. e P. M., pela prática em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal p. e p. pelos art.ºs 103º n.º 1 e 104º n.º 2 alínea a) do RGIT (L. 15/2001, de 5/06), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, e condicionada ao pagamento à Administração Fiscal por cada um deles da quantia de 12.564,76 euros.

Mais foram aqueles arguidos condenados, bem como as co-arguidas X, Ldª e SARL – ... France, a pagarem, solidariamente, nos termos dos n.ºs 2 e 4 do art.º 111º do Código Penal (a partir de agora apenas referido como CP), ao Estado, a quantia de 37.694,26 euros, montante correspondente à vantagem patrimonial tida com o crime.

Desta decisão interpuseram aqueles arguidos o presente recurso, alegando, nas suas conclusões, pelas quais se afere o seu âmbito:

1 – Os recorrentes A. M. e A. F. ser excessiva a pena aplicada, que deveria ter sido fixada, no máximo de 1 ano de prisão, suspensa por igual período de tempo (designadamente, face às circunstâncias enumeradas nas conclusões 14 a 17 do seu recurso), e sem a condição de pagamento ao Estado da quantia de 12.564,76 euros, por o art.º 14º do RGIT não ser de funcionamento automático, impondo-se a sua interpretação de harmonia com o disposto nos art.ºs 50º n.º 1, 51º, 52º e 53º do CP e com os ensinamentos do AUJ n.º 8/2012, interpretação que se tivesse sido feita implicaria a não imposição daquela condição por a mesma não ser razoável face às suas situações económicas. Sem prescindir, alegam que a manter-se aquela condição, o prazo para o pagamento não deve ser nunca inferior a 10 anos, e ser a decisão recorrida nula por falta de fundamentação no tocante à fixação da medida da pena e ao prazo de cumprimento daquela condição, nomeadamente por ter sido aplicada a mesma pena a arguidos com situações económicas diferentes. Concluem pela aplicação de uma pena de multa.
2 – O arguido P. M. impugna as alíneas c), f), h) a k), e m) a o) da matéria de facto provada, que sustenta deverem ter sido dados como não provados, por nunca ter exercido a gerência de facto da co-arguida X, Ldª, indicando como a imporem decisão diversa da acolhida pelo tribunal a quo parte das suas declarações e das dos co-arguidos A. F. e A. M., e o depoimento das testemunhas F. J., R. M., R. C., B. A. e M. P., nas partes que referencia relativamente à gravação da audiência, além de as transcrever. Acrescenta que não deveria ter sido conferida a credibilidade que o tribunal a quo conferiu ao depoimento das testemunhas J. G. e F. S., alega como violados os princípios da livre apreciação da prova e in dúbio pro reo e c onclui pela sua absolvição.
A Magistrada do M.P. junto do tribunal recorrido respondeu aos recursos interpostos, pugnando pela sua total improcedência.
A Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal emitiu douto parecer, no qual se pronuncia no mesmo sentido da total improcedência dos recursos interpostos.
Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 417º do CPP, foram colhidos os vistos legais, e procedeu-se à conferência, cumprindo decidir.
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No acórdão recorrido, foram considerados provados e não provados os seguintes factos, com a seguinte motivação (que se transcrevem integralmente)

II – Fundamentação.

1. De facto.
1.1. Factos provados.

a) A X, Lda, é uma sociedade por quotas a que foi atribuída o número de identificação de pessoa colectiva e de identificação fiscal ………, está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …, sendo que para efeitos de tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) declarou como actividade a construção de edifícios (residenciais e não residenciais), com o CAE ….
b) Para efeitos de Tributação em sede de IVA, a sociedade X, Lda encontra-se enquadrada no regime de tributação normal, com periodicidade mensal.
c) A despeito de ter sido inscrito, no respectivo Registo Comercial, como sendo gerentes da referida sociedade o arguido A. M., este desde 09/05/2014, e N. M., esta entre 24/04/2013 até 02/01/2017, certo é que, pelo menos entre meados do ano de 2014 até ao início do ano de 2015, foram os arguidos A. M., A. F. e P. M. quem administraram a sociedade arguida, tomando conjuntamente todas as decisões relativas ao seu normal funcionamento, incluindo as que se reportavam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos pela arguida sociedade.
d) Os arguidos A. M. e S. H. são casados entre si.
e) Em 09/05/2014, A. M. e N. M. outorgaram procuração no Cartório Notarial de A. A., sito em Esposende, através da qual declararam constituir da sociedade X, Lda, A. F., conferindo-lhe poderes para a representar (incluindo o de realizar quaisquer operações) junto de quaisquer bancos ou instituições bancárias, nacionais ou estrangeiras; constituir, modificar, transferir, cancelar ou retirar toda a espécie de depósitos de bens móveis, dinheiro, valores e numerário; comparecer como representante legal da sociedade perante toda a espécie de Tribunais da Jurisdição ordinária, civil ou penal; fazer, admitir toda a espécie de adjudicações e ofertas; comparecer perante o notário, autoridades ou funcionários e outorgar e subscrever perante os mesmos documentos, requerimentos ou escrituras (incluindo para compra e venda de móveis e imóveis), representar a sociedade em tudo quanto esteja relacionado com os interesses da mesma, perante o Estado, autarquias locais e organismos dependentes direta ou indiretamente daquelas; outorgar quaisquer contratos junto de qualquer entidade pública ou privada; representar a sociedade junto de clientes e fornecedores, entre outros poderes.
f) A sociedade SARL ... France – em liquidação, é uma sociedade de direito francês, com o número de contribuinte FR ………., constituída em 08/02/2013, com sede em … Rue …., Nantes, cujo objeto social consiste na realização de todos os trabalhos de renovação, restauração, reabilitação, reparação, desenvolvimento, construção, transformação de bens móveis e imóveis.
g) No período referido em c), ou seja, pelo menos entre meados do ano de 2014 até ao início do ano de 2015, era o arguido A. M., quem administrava a sociedade SARL ... France, tomando todas as decisões relativas ao seu normal funcionamento, incluindo as que se reportam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos pela arguida sociedade.
h) Em dia não determinado do ano de 2014, situado entre o mês de Maio e o dia 31/12/2014, os arguidos, por si e em representação das sociedades arguidas que administravam, decidiram criar facturas e recibos emitidas em nome de J. M. e da sociedade SARL ... France, para obterem benefícios fiscais indevidos para a X, Lda, nos seguintes termos.
i) Acordaram os arguidos comumente que a sociedade X, Lda inscreveria na sua contabilidade faturas emitidas pela referida sociedade SARL ... France e ainda em nome do referido J. M., referentes a transacções fictícias, forjando para o efeito o seu conteúdo, por forma a incluir ali despesas que não foram efectivamente suportadas pela sociedade arguida X, Lda, incrementando os custos, diminuindo o lucro tributável, por forma a obter, com base nas mesmas, vantagens patrimoniais em sede de IRC.
j) Na execução de tal propósito, os arguidos elaboraram ou fizeram elaborar por alguém a seu mando, em nome da sociedade SARL ... France e de J. M., as seguintes faturas, que incluíram na contabilidade da sociedade arguida X, Lda, no ano fiscal de 2014, como se de verdadeiros custos se tratassem:
k) Não obstante, as facturas supra não correspondem a serviços efetivamente prestados à sociedade X, Lda pela sociedade e/ou entidades que ali figuram como emitentes.
l) Em virtude da emissão e inclusão das facturas supra na contabilidade da sociedade arguida e da sua inclusão na declaração anual de IRC apresentada junto da Autoridade Tributária (onde se fez constar falsamente ter sio pago, como custos de actividade, os valores referidos nas referidas faturas), a sociedade X, Lda obteve, em sede de IRC, decorrente de dedução das ditas despesas mencionadas nas indicadas facturas, vantagem patrimonial a que não tinha direito, pelo que deixou de entregar à Administração Fiscal, no ano de 2015, o valor de € 37.694,26 (trinta e sete mil, seiscentos e noventa e quatro euros e vinte e seis cêntimos)
m) Os arguidos actuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, no interesse da sociedade X, Lda, bem sabendo que as faturas supra identificadas não correspondiam a transações reais, actuando, ao emitirem ou mandarem emitir e ao utilizarem as faturas supra, com o propósito de falsear os resultados do exercício de 2014 da arguida X, Lda apresentados à Autoridade Tributária, nos termos que sabiam não corresponderem à verdade.
n) Agiram, ainda, com o propósito de que a sociedade arguida X, Lda obtivesse vantagens patrimoniais que sabiam não ter direito, correspondente ao valor da diminuição das receitas tributárias em sede de IRC resultante da declaração dos custos/despesas mencionados.
o) Actuaram os arguidos em comunhão de esforços e acordo de vontades, em nome e no interesse das sociedades arguidas, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
p) O valor da quantia devida a título de imposto e referido em l) ainda não se encontra pago.

1.1.2. Outros factos com relevo para a decisão da causa.
q) O arguido A. M. gere uma sociedade de comércio de automóveis, auferindo um rendimento mensal de € 887,00; a sua cônjuge trabalha como administrativa na referida empresa auferindo um salário mensal de € 754,00; têm 3 filhos de 8 anos, 2 anos e 6 meses; vivem em casa arrendada, pela qual pagam uma prestação mensal de € 350,00; o arguido encontra-se a pagar uma prestação mensal no valor de € 210,00, para amortização de um crédito pessoal que contraiu; frequentou o curso de engenharia civil.
r) Este arguido não tem antecedentes criminais.
s) O arguido A. F. gere uma sociedade de construção civil, auferindo um rendimento mensal de € 850,00; a sua cônjuge é operária, auferindo um salário mensal de € 1200,00; têm 1 filho de 1 ano de idade; vivem em casa arrendada, pela qual pagam uma prestação mensal de € 550,00; frequentou um curso universitário, sendo técnico superior de construção civil.
t) Este arguido não tem antecedentes criminais.
u) O arguido P. M. trabalha como empregado comercial numa sociedade de construção civil, onde aufere um rendimento mensal de € 650,00 a que acrescem complementos remuneratórios variáveis; mora com uma companheira, de quem tem dois filhos de 11 e 12 anos de idade, sendo que ela tem uma empresa de construção civil de onde retira um vencimento mensal de cerca de € 800,00; mora em casa própria, encontrando-se a pagar a prestação mensal de € 620,00 para amortização do crédito que contraiu para a aquisição da mesma; tem o 6.º ano de escolaridade.
v) Este arguido já foi condenado por sentença proferida a 20/03/2019, já transitada em julgado a 29/04/2019, neste Juízo Local Criminal de Barcelos (J1), com o n.º 1396/17.0T9BRG, pela prática em 13/06/2017, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00.
w) As sociedades arguidas mostram-se descapitalizadas e não têm antecedentes criminais.

1.2. Factos não provados.

Com eventual relevo para a decisão da causa nenhum outro facto se demonstrou, designadamente não se demonstrou que:
- a arguida S. H. tivesse administrado a sociedade SARL ... France, conjuntamente com o arguido A. M., nos termos referidos em g) dos factos provados;
- a arguida S. H. tivesse tomado parte na execução do plano referido em h) a p) dos factos provados.

1.3. Motivação.
É sabido que, na formação da sua livre convicção, ao Tribunal não está vedada a possibilidade de retirar ilações dos factos probatórios, socorrendo-se de um raciocínio dedutivo ou indutivo, apoiado nos princípios da lógica e fundamentado nas regras do normal acontecer.
Não se duvidando, pois, da não rara impossibilidade de apoiar a convicção que se exige da entidade decidente nos chamados elementos de prova directa, admite-se pacificamente que, no complexo de actos que integram a actividade probatória, possam intervir determinados meios que, conduzindo à demonstração positiva de factos diversos do tema da prova, permitem, através de um raciocínio dedutivo ou indutivo, filiado nas máximas da experiência comum, uma ilação favorável quanto aos factos probandos.
Sob pena de incontornável frustração de qualquer tentativa de apreensão exacta da realidade sujeita a judicial comprovação, exige-se do julgador que, uma vez confrontado – como não raras vezes sucede no universo da criminalidade em que nos situamos – com a ausência de testemunhos completos e auto-suficientes, proceda a uma apreciação global e correlativa de toda prova produzida, valorando-a dialecticamente e inferindo a partir dos factos expressamente afirmados aqueles outros que são sugeridos por um critério de experiência comum ou pela lógica subjacente aos normais acontecimentos da vida.
Ora, é justamente a possibilidade, consensualmente reconhecida, de uma tal convicção indutiva que, porque no caso proporcionada com o índice de segurança suposto pela confirmação da hipótese acusatória, permitiu o reconhecimento dos factos tidos por demonstrados.
Vejamos em que termos, principiando pelas declarações do arguido A. M..
Segundo o mesmo, apesar de ter assumido “formalmente” a gerência da X a partir de Abril ou Maio de 2014, referiu ser o arguido A. F. quem, de facto, geria a empresa, sem que lhe prestasse contas acerca da administração que fazia da sociedade.
Perguntado da razão pela qual aceitou ser o gerente “formal” da sociedade, explicou ter sido assim, posto que o A. F. não podia ter nada em nome dele e, por isso, o arguido, sucedendo à N. M., quem assumiu os referidos actos de gestão. Explicou que as suas funções na empresa se limitavam ao auxílio na parte da mecânica, enquanto o co-arguido P. M. supervisionava as obras nos estaleiros. No mais, viajava para acompanhar o pessoal (funcionários) no estrangeiro, sempre que ali existiam obras feitas pela X. Confrontado com a intervenção da sociedade ... France, explicou que formalmente era a sua mulher, a S. H. quem formalmente era sócia e administradora da sociedade, posto que o declarante não o podia ser porque não tinha autorização de residência naquele país. De resto, explicou que esta empresa, na administração da qual participava ainda um indivíduo de nome G., foi criada para “ajudar” a X a “ganhar obras” em França, sendo aliás o arguido A. F. que fazia os orçamentos e a preparação das obras adjudicadas pela referida empresa francesa, utilizando a mão-de-obra da X para a realização dos trabalhos. Confrontado com as facturas mencionadas da acusação, disse não ter ideia das mesmas, referindo, aliás, que em Maio ou Junho de 2014 a ... France já tinha fechado (não faziam qualquer obra), desconhecendo aliás como chegou a dita factura (cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 120) à contabilidade. Também disse desconhecer quem era o J. M. e como a factura entrou na contabilidade, pois nunca se meteu nesses assuntos. No que tange à actuação do P. M., referiu que o mesmo tinha uma intervenção idêntica à do ora declarante, dedicando-se à angariação de trabalhadores e ajudando na oficina a arranjar os carros. Reconheceu o arguido que era ele e o P. M. quem davam directamente ordens aos trabalhadores, posto que o A. F. não falava com eles, mas era ele (o A. F.) quem projectava os trabalhos, sendo que os mesmos eram realizados de acordo com as instruções deste e do dono da obra. Na prática, o declarante encarregava-se da direcção das obras no estrangeiro, enquanto o P. M. tinha essa incumbência em Portugal.
O arguido P. M., por seu vez, confirmou que a sua “participação” na X se limitava à angariação de clientes (conhecia dois na França e outros em Portugal), tratando ainda de arranjar o pessoal e de ajudar nas questões da mecânica (oficina). Disse desconhecer totalmente a “parceria” entre a X e a ... France, referindo mesmo que esta última sociedade era uma simples cliente da X, nunca tendo a ... France trabalhado para a X. Acrescentou que quem mandava na X era exclusivamente o arguido A. F., acrescentando que inicialmente a empresa esteve em nome da N. M. (e depois passou para o nome do A. M.) porque o A. F. não podia ter nada em seu nome, justificando-se com um alegado processo de insolvência em Espanha de onde aquele teria sido interveniente. Confrontado, ainda, com a factura emitida pelo J. M., disse desconhecer quem era e como apareceu esta factura. Explicou, aliás, que tudo passava pelas mãos do A. F., designadamente no que concernia à aquisição das carrinhas para o transporte do pessoal (realizadas no OLX) e arranjos: era tudo facturado (com excepção das aquisições a particulares e à sucata), mas insistiu que todos os conhecimentos que tem sobre isso foi de ouvir dizer, nunca tendo tratado nada directamente. Referiu, aliás, que a despeito de ser sócio da empresa, apenas se limitava a trabalhar, referindo que era o A. F. quem dava as ordens para levantar o dinheiro e a tratar desses assuntos (sendo que o J. G. lhe disse que se não concordava com o modo como as coisas eram feitas para sair, o que acabou por fazer em 2019). Reconhece ter-se reunido uma ou duas vezes com o contabilista da X, mas a maior parte das vezes era o A. F. que se reunia com ele. A propósito da criação da empresa, disse que em 2013, criou a X com outro sócio, o R. P., sendo que nessa altura abordaram o A. F. (a propósito da necessidade do transporte de uns trabalhadores para a Àustria), que entretanto (e por causa disso) “entrou” para a empresa, sendo que foi este quem trouxe o A. M. para a X, visto que este teria muitos conhecimentos em França e iriam trabalhar para ele. Certo é que, por razões que não concretizou, foi o A. F. quem passou a mandar na X, sendo que todos os movimentos (compras, levantamentos de dinheiro, gastos, etc.) eram comunicados ao A. F., que mandava o J. G. fazer as “folhas de caixa” para justificar as entradas e saídas de numerário e que preenchia os documentos necessários ao levantamento das quantias, na altura realizados pela N. M. (sua companheira).
Versão diferente foi a narrada pelo arguido A. F., que narrou como em Junho/Julho de 2013 foi abordado pelo R. M., que lhe disse ter uma empresa de construção em Portugal, que lhe pertencia e ao P. M. (apesar de a mesma ter ficado em nome das respectivas mulheres, a E. B. e a N. M.) e que gostaria de contar com a sua colaboração (como técnico). Certo é que, quando se preparou para trabalhar na X, o arguido constatou que a empresa não tinha suficiente “estrutura”, sendo que teve na altura de entregar ao R. P. € 10.000,00 para ele mandar uma carrinha com trabalhadores para a Áustria (negócio que se veio a revelar ruinoso). Certo é que, pelo menos a partir dessa altura, começou a intervir na organização da X (ganhando assim um estatuto semelhante aos outros sócios, em razão da dita entrada de dinheiro para o envio dos trabalhadores), a despeito de, quer o R. P., quer o P. M., não lhe “ligarem” muita importância (no que concerne às orientações que ia sugerindo). Entretanto, no final do ano de 2013 conheceu o A. M. em …, que tinha uma empresa em França (a SARL ... France) com um indivíduo de nome G. (que no início de 2014 se desligou da ... France e vendeu a sua participação social à mulher do A. M., a S. H.), considerando o arguido ser essa uma boa oportunidade para expandir o negócio da X para aquele país, razão pela qual foi este (A. M.) convidado a participar na X. Certo é que, apesar das perspectivas do arguido A. M., a X só conseguiu fazer, além de pequenos trabalhos, um orçamento para um trabalho em França (que nem sequer chegou à fase da obra), pelo que, em Abril de 2014, em razão do insucesso da parceria com a ... France, foi decidido pelo declarante, pelo P. M. e pelo próprio A. M. que ele viria para Portugal para, os três, se dedicaram ao desenvolvimento da X (entretanto o R. P. saiu da empresa). O arguido A. M. acabou então por vir, passando também ele a fazer recrutamento e a dar apoio em Portugal, enquanto o arguido P. M., além do recrutamento dos trabalhadores e angariação de clientes, também arranjava as carrinhas. Em síntese, a X em Portugal acabou por nunca ter grande actividade, sendo que em França apenas fez pequenos trabalhos (em Janeiro de 2014, para a ... France e ainda para uma empresa francesa do sul de França), realizando ainda obras no Luxemburgo para outra empresa (C. Construções). Confrontado com a factura emitida pelo J. M., disse desconhecer quem era esta pessoa, mas que o valor da mesma era reportado a umas peças para umas carrinhas compradas por um dos co-arguidos (P. M. ou o A. M.); referiu, por outro lado, que normalmente a aquisição das próprias carrinhas e/ou peças eram pagas em numerário, inexistindo qualquer documento justificativo das transacções; quando existiam os documentos, os mesmos eram entregues por quem os trazia e eram “metidos” assim mesmo na contabilidade. A propósito, era o declarante quem normalmente falava com o contabilista, mas quando havia reuniões presenciais, a mesma era feita com os três responsáveis pela empresa presentes (o declarante e os co-arguidos P. M. e A. M.). Já no que concerne à factura da ... France, explicou que foi combinado pelos três arguidos, o declarante, o P. M. e o A. M. que, em razão da empresa apresentar muito lucro (proveniente da dívida de clientes) e ser necessário diminuir os gastos, o A. M. iria emitir uma factura em nome da SARL ... France (aliás, só este arguido tinha acesso à emissão das facturas daquela empresa, e por isso só ele podia fazer isso) para “tapar o buraco” (sic), apesar de reconhecer que nenhuma obra ou serviço foi prestado pela ... France à X. Conclui referindo que a empresa era gerida pelos três co-arguidos, de forma solidária e em igualdade de forças.
Em sustento da versão do arguido A. F., o contabilista da X, a testemunha F. S., que foi contratado pelo arguido P. M. e pelo R. M., aquando da constituição da sociedade, e que dando conta das transformações do pacto social entretanto ocorridas (com as já explicadas compras e vendas de participações sociais), esclareceu que recebia a documentação através do funcionário J. G. e que, sempre que havia reuniões para se tratarem de assuntos relacionados com a empresa, as mesmas eram na presença dos três arguidos, P. M., A. F. e A. M., sendo que se existisse a necessidade de tratar de algum assunto relacionado com a empresa podia ligar para qualquer um deles, reconhecendo, no entanto, que, no dia-a-dia, os arguidos tinham funções especificas na organização da sociedade (v.g., o P. M. tratava da angariação do pessoal), concluindo porém que todos os arguidos estavam a par do estado financeiro da empresa e mostravam igual interesse no desenvolvimento da mesma.
Também o R. M., primitivo “sócio e gerente de facto” da X, nos termos já explicados pelos arguidos A. F. e P. M. (confirmando ter constituído com o P. M. a sociedade X e, posteriormente, ter pedido ajuda ao A. F. a propósito do transporte de trabalhadores para a Áustria), disse que acabou por sair da empresa em início de 2014 porque “não existia diálogo” (sic) entre eles. Esclareceu como ocorreu a entrada do arguido A. M. na sociedade, sendo que quando deixou a empresa a mesma era gerida pelos três (não sabe como evoluíram, depois, e quais passaram a ser as concretas funções de cada um).
Já a testemunha R. C., trabalhador da X, reconheceu como sendo seus patrões os três arguidos: apesar de dirigir, na prática, a maior parte das suas solicitações ao A. F., por ser este quem tinha mais facilidade para de dispor de dinheiro, qualquer um dos três estava apto para lhe resolver as questões que lhes colocava (mesmo do foro financeiro).
O depoente B. M., filho de um dos antigos trabalhadores da X e a quem o P. M. pediu ajuda para recrutar pessoal para a empresa, mostrou conhecer os três arguidos em causa (A. M., o P. M. e ouvir falar do A. F.), sendo que o pai reconhecia qualquer um dos três (em especial o A. M. e o P. M.) como sendo os “patrões”. Segundo o que lhe foi transmitido pelo J. G., quando foi tratar das contas do pai, qualquer decisão tinha de passar, ademais, pelo dito A. M. e por mais alguém (que não conseguiu identificar).
A testemunha P. G., que foi motorista da X durante um ano, contratado pelo P. M., disse que este arguido o mandou para a Córsega, sendo que quando precisava de tratar de algum assunto da sociedade, falava com o Xavier (alcunha do A. M.) ou com o P. M.. Se precisasse de dinheiro falava com o funcionário administrativo, o J. G., sendo que ouviu falar do A. M. a propósito de pagamentos que houvessem de ser feitos.
A testemunha J. G., que foi administrativo da empresa X de 2014 até finais de 2017 e, posteriormente, ingressou noutra empresa (Y) criada pelos três arguidos (P. M., A. M. e A. F.), foi peremptório em esclarecer que quem mandava na X eram estes três arguidos. Afirmou que a ... France, tanto quanto era do seu conhecimento, nunca trabalhou para a X, pelo que não consegue justificar a factura em causa nos autos. Para proceder aos pagamentos devidos pela X, normalmente confirmava com o P. M. e com o A. F. (a despeito de ter a ideia, como referido, de que o arguido A. M. era conhecer da situação e operações financeiras). Já quando ao J. M., não sabe quem é nem a que se refere a factura emitida em nome do mesmo. Acrescentou que se fizeram muitas transferências e levantamentos para compras de materiais e de carrinhas, sendo que a empresa “não era rica” (sic), tinha sérias dificuldades financeiras, designadamente porque os clientes se atrasavam nos pagamentos ou não pagavam. No que concerne às funções de cada um dos arguidos, explicou que as mesmas eram repartidas: no que em concreto concerne ao P. M., ele estava constantemente no escritório, andava a comprar carrinhas e a arranjar carros, “mandava” (sic) meter anúncios para fazer entrevistas (de recrutamento), etc. Certo é que os três arguidos ganhavam por igual, mandavam os três de forma igual e as reuniões eram sempre com os três presentes.
Ainda a testemunha J. M., em nome de quem foram emitidas a factura e recibo juntos a fls. 206 e 207), disse não conhecer nenhum dos arguidos, nunca tendo ouvido falar da sociedade ou daqueles, nunca ter prestou os serviços ou vendido o que quer que seja, negando ter sido ele quem emitiu a mencionada factura e o dito recibo.
Em síntese, perante a prova produzida, sobretudo tendo por fundamento o depoimento das testemunhas F. S. e J. G., não ficou o Tribunal com qualquer dúvida de que a gestão da sociedade arguida era concretizada pelos três arguidos já identificados, descartando-se de facto a responsabilidade da arguida S. H. que não praticou qualquer acto ou teve qualquer intervenção nos factos sob escrutínio. A propósito, importa assinalar que, analisados os documentos de pagamento juntos ao processo, designadamente de fls. 130/131, 132, 133, 192 e 195, logo se atinge que estas transferências e/ou levantamentos foram feitos invariavelmente pelo arguido P. M., o qual, com o J. G., movimentavam com regularidade a conta bancária da empresa.
Importa, de resto, notar que inexistem dúvidas acerca da falsidade das facturas de que os arguidos, em conluio (nos termos explicados designadamente pelo A. F., que, de resto, transmitiu a versão mais aproximada do que se entende ter sido a realidade dos factos), fizeram uso, designadamente para a dedução das despesas relativas ao exercício de 2014, sendo indiscutível que os movimentos em apreço (cfr. fls. 120, 122, 123 e 206/207) correspondem a operações ficitícias ou simuladas e que não têm o mínimo de substrato real.
Por isso, como explicou a testemunha J. L., inspector tributário, ao ser imputadas as despesas documentadas nas mencionadas facturas (pretensamente emitidas pelo J. M. e pela SARL ... France) na declaração de IRC (de fls. 250/254), foi realizada uma liquidação de que resultou um prejuízo para os cofres do Estado no valor € 37.694,26 (cfr. correcção de fls. 383/390vº e demonstração de fls. 408/409).
Finalmente, importa considerar a demais prova documental, designadamente a certidão do registo comercial da X, Lda (fls. 239/243v.º), instrumento de procuração outorgado a favor do arguido A. F. (fls. 328 a 329v.º) e informação registral transmitida pelas autoridades francesas de fls. 453/463, tudo documentos autênticos e cujo teor não oferece margem para dúvidas.
Valoraram-se os CRCs juntos a fls. 741, 742/743, 746, 747, 748/v.º e 749.
Valoraram-se, finalmente, as declarações complementarmente prestadas pelos arguidos, relativamente à situação pessoal, familiar, social e económica de cada um deles.
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Fundamentação de facto e de direito

1 - O recurso dos arguidos A. M. e A. F.

As conclusões do recurso definem o seu âmbito, e nelas estes recorrentes apenas vêm pôr em causa a pena de 2 anos e 6 meses de prisão que foi aplicada a cada um deles, apodando-a de elevada e exagerada, alegando ultrapassar a mesma a medida das suas culpas e fomentar a quebra da sua inserção social, e sustentando que a mesma deveria ter sido fixada em 1 ano de prisão.

No entanto, e fazendo-o, subsidiariamente quanto a esta questão e à da desproporcionalidade da condição de suspensão da pena aplicada que também aduzem, vêm alegar a falta de fundamentação da decisão recorrida, quanto à fixação da medida da pena, questão que por integrar a nulidade da sentença prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 379º do CPP tem que ser previamente analisada, por a ser deferida ser prejudicial relativamente à decisão das restantes.

Ora, relativamente à fixação da medida da pena, o tribunal a quo, depois de uma breve exposição teórica sobre esta questão, e além de analisar o grau da necessidade de prevenção de futuros crimes, teve em conta o grau de ilicitude e de dolo da actuação dos recorrentes, o montante do prejuízo para o Estado, o facto de os arguidos não terem antecedentes criminais, a sua inserção familiar e social e a sua dificuldade de interiorização do desvalor da conduta.

Fundamentou, pois, a fixação da medida das penas, e mesmo considerando-se essa fundamentação insuficiente, o que nem se concede, nunca tal circunstância implicaria a nulidade arguida, cuja arguição se indefere, pois, e citando o douto acórdão deste tribunal de 6/02/2017, relatado pelo Sr. Desembargador Jorge Bispo, in www.dgsi.pt, “Porém, a propósito da exigência de fundamentação em análise, a doutrina vai no sentido de que só a sua falta absoluta é que conduz à nulidade da decisão. A fundamentação insuficiente, deficiente ou não convincente não constitui nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso - Vd. Alberto do Reis, Código de Processo Civil, anotado, vol. 5, pág. 140; Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III (1972), pág. 246; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, pág. 669 e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 221..
Também a jurisprudência se orienta no mesmo sentido, entendendo que só a falta absoluta de fundamentação, "por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira" determina a nulidade do despacho/sentença. A "insuficiência ou a mediocridade da motivação [que] é espécie diferente [da falta absoluta de motivação] afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade" - Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 26-03-2014 (processo n.º 15/10.0JAGRD.E2.S1), disponível em disponível em http//www.dgsi.pt., e de 30-04- 2014, (processo n.º 330.08.3PATNV.C2.S1), disponível na Coletânea de Jurisprudência online, com a referência 8895/2014.”.
Não se verificando aquela nulidade, cumpre apreciar a bondade e proporcionalidade da medida da pena de 2 anos e 6 meses de prisão fixada em 1ª instância, à qual correspondia a medida abstracta de 1 a 5 anos de prisão.
A medida da pena têm de ser encontrada de harmonia com o disposto nos art.ºs 40º e 71º do CP, ou seja, em função da culpa do agente, sem nunca a poder ultrapassar, e das exigências de prevenção, tendo em vista a protecção dos bens jurídicos e a reintegração daquele.
As finalidades da punição são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e no caso concreto, são muito intensas as exigências de prevenção geral, face ao elevadíssimo número de crimes de natureza fiscal cometidos no País, e a uma generalizada desvalorização pelos agentes desses crimes do mal por eles constituído para as Finanças Públicas com o consequente “emagrecimento” do Estado social, não assumindo as razões de prevenção especial significativa acuidade, por os recorrentes não terem antecedentes criminais.
A pena de prisão, como diz Figueiredo Dias citado no Comentário ao Código Penal de Paulo Pinto de Albuquerque em anotação ao art.º 40º, visa a prevenção geral positiva, ou de protecção de bens jurídicos, fornecendo “…uma moldura de pena dentro de cujos limites actuam considerações de prevenção especial, constituindo a culpa o limite máximo da moldura e a defesa da ordem jurídica o limite mínimo da moldura.”.
O desvalor da acção é intenso e os recorrentes agiram com dolo directo, mantendo a conduta criminosa por cerca de 8 meses, e causando ao Estado um prejuízo de 37.694,26 euros, no entanto, e salvo melhor opinião, a fixação da medida da pena em 2 anos e 6 meses de prisão, tendo em conta os frequentes e elevadíssimos valores dos prejuízos causados ao Estado, por vezes ao longo de anos, habitualmente em causa nos crimes de natureza fiscal apreciados nos nossos tribunais, mostra-se excessiva e desproporcionada, pelo que, se altera a mesma para 2 anos de prisão, medida igual para ambos os recorrentes, por não obstante as ligeiras diferenças nas suas situações económicas e familiares, tal igualdade se mostrar mais justa, adequada e proporcionada ao benefício ilegítimo tido pelos arguidos com a prática do crime em causa e à duração no tempo da conduta criminosa.

Pena, que por se considerar que a simples censura do facto e ameaça dela servem o fim de afastar os recorrentes da criminalidade, tal como decidido em 1ª instancia, se suspende pelo período ali fixado, e com a condição também ali fixada, por tal o impor o art.º 14º do RGIT, preceito que o Tribunal Constitucional entendeu como não violador dos princípios constitucionais da culpa, da adequação e da proporcionalidade (veja-se, entre outros, Acórdão deste Tribunal n.º 327/08, e a ali referida possibilidade de sempre poder haver regresso de melhor fortuna), e que obriga a que a suspensão da pena aplicável por crime tributário seja sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até 5 anos, da prestação tributária em falta e legais acréscimos.

Por sua vez, os ensinamentos do AUJ n.º 8/2012 que impõem um juízo de prognose da razoabilidade da obrigação de pagamento ao Estado da prestação tributária em falta como condição de suspensão da execução da pena mesmo nos crimes tributários não são aplicáveis no caso em análise para o qual apenas está legalmente prevista a pena de prisão (no sentido de que o mesmo apenas é aplicável quando é admissível a opção pela pena de multa, ver acórdãos deste Tribunal de 10/10/2016 e 3/07/2017, ambos in www.dgsi.pt, que qui se dão por integralmente reproduzidos).

Porém, sendo embora o RGIT lei especial, não deixa de ser aplicável aos crimes tributários o disposto no art.º 56º do CP, que apenas permite a revogação da suspensão da execução da pena nos casos de infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostas ou o cometimento de crime pelo qual o agente venha a ser condenado durante o período de suspensão da execução da pena, que revele que as finalidades que estavam na base desta não foram por ela alcançadas.
Assim, nunca o simples facto de os recorrentes não pagarem aquele montante ao Estado, naquele prazo, por si só, poderá ter a consequência da revogação da suspensão da execução da pena (prazo que pode até vir a ser prorrogado, nos termos do n.º 2 do art.º 14º já citado), nem nada nos autos prova que os recorrentes não possam vir até a pagar aquela quantia, não obstante a sua actual situação económica, pelo que, está legalmente vedada a possibilidade de ser retirada aquela condição de suspensão da execução da pena, tal como o está a possibilidade de prorrogar o prazo de pagamento da quantia em causa para 10 anos.
Tem, pois, que improceder quanto a estas possibilidades o recurso interposto pelos arguidos A. M. e A. F., mantendo-se a condição da suspensão da execução das penas aplicadas aos mesmos em 1ª instância, bem como o período de suspensão da execução da pena, e se é certo que a imposição da condição integra um “esforço acrescido” para os arguidos, não podem estes deixar de reflectir que o mesmo é uma consequência da prática por si de factos criminosos, e que qualquer que seja a natureza da pena a aplicar a mesma implica penosidade para o agente sob pena até de desvirtuamento do seu caracter de sanção penal.

2 – O recurso do arguido P. M.

Este recorrente veio impugnar a matéria de facto provada constante de c), f), h) a k) e m) a o), sustentando que mesma deveria ter sido dada como não provada, por não se ter provado, ou no mínimo por ter ficado a dúvida, que tenha tido a gerência de facto da sociedade arguida X, Ldª, o que nunca aconteceu, ou que tenha tido domínio do facto na decisão da submissão das facturas em causa nos autos na contabilidade da mesma, indicando como a imporem decisão diversa da acolhida pelo tribunal a quo, partes das suas declarações e das dos co-arguidos A. M. e A. F., e dos depoimentos das testemunhas R. M., R. C. e B. M., partes que referencia relativamente à gravação da audiência efectuada, além de as transcrever.

Acrescenta que não poderia o tribunal a quo ter conferido a credibilidade que conferiu ao depoimento das testemunhas J. G. e F. S., alega não ser sujeito passivo de qualquer obrigação fiscal em causa nos autos, e verificarem-se na douta decisão insuficiência da matéria de facto para a sua condenação, erro notório na apreciação da prova, e violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.

Ora, e quanto aos vícios decisórios imputados à decisão recorrida, previstos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do art.º 410º do CPP, aliás de conhecimento oficioso para o tribunal de recurso, os mesmos tendo de resultar apenas e só do texto da mesma decisão por si só ou conjugado com regras de experiência comum, verifica-se o segundo quando, analisada a decisão recorrida na sua globalidade e sem recurso a elementos extrínsecos, é manifesto que o tribunal fez uma apreciação ilógica da prova, em oposição às regras básicas da experiência comum, ou seja, sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão diferente daquela a que chegou o tribunal.

Tratando-se de um erro ostensivo, que é detectado pelo homem médio, tal não se verifica na sentença recorrida, na qual, o tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto aos factos imputados, expondo com clareza os motivos da sua convicção, fazendo-o de forma linear, crítica e compreensível para o tribunal de recurso e para o cidadão comum relativamente às razões que levaram à prova dos factos imputados ao recorrente, designadamente, a falta de credibilidade atribuída à parte das suas declarações relativas ao exercício da gerência de facto da sociedade X, Ldª, em detrimento da credibilidade conferida nessa parte, entre outros elementos de prova, às declarações do co-arguido A. F..

Tal como não se verifica o primeiro daqueles vícios que nada tem a ver com a insuficiência da prova produzida para a decisão de facto, que é o que verdadeiramente o recorrente põe em causa, e que se prende apenas com a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão justa, e que era a assumida em 1ª instância, face à matéria provada dela constante de c) e h) a o), matéria suficiente para a sua condenação pela prática do crime que lhe era imputado em co-autoria com os restantes arguidos.

O mesmo se diz quanto aos alegados erros de julgamento na consideração como provadas das alíneas c), f) e h) a o) da matéria de facto provada da douta decisão recorrida, já que, não eram as provas indicadas como a imporem decisão diversa da acolhida em 1ª instância que tinham a virtualidade de o fazer, pois, impor é diferente de consentir (ver neste sentido, ente outros, Acórdão deste Tribunal de 30/11/2009, relatado pelo Sr. Desembargador Fernando Ventura, in www.dgsi.pt, onde se podem encontrar outros que se possam citar sem qualquer expressa menção da sua proveniência).
E isto porque reapreciadas as mesmas provas, e outras partes das declarações e depoimentos indicados, como o permite o n.º 6 do art.º 412º do CPP, nada impõe a conclusão de que apenas o arguido A. F. geria de facto a sociedade X, apesar de este “riscar” 80% e os restantes apenas o resto (testemunha R. P.), ou de ter ouvido dizer que o chefão era o mesmo A. F., para depois concluir que mandavam os 3 (testemunha R. C.), ou que ouvia dizer que em dinheiros quem “falava” era o mesmo A. F. (testemunha B. M.).
Tal como nada impunha o conferir de uma menor credibilidade aos depoimentos das testemunhas J. G. e F. S., este último contabilista da sociedade ainda antes da “chegada” do arguido A. F. à mesma, pois, e citando o Acórdão deste Tribunal de 23/03/2015, relatado pelo Sr. Desembargador Lee Ferreira, e em que foi Adjunta a aqui Relatora,Importa lembrar uma vez mais que os motivos pelos quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem de um juízo de valoração realizado pelo juiz de primeira instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum. A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova confere ao julgador em primeira instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. Com efeito, na apreciação do depoimento das testemunhas e das declarações dos arguidos atribui-se relevância aos aspectos verbais, mas também se pode considerar a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, os olhares para os advogados e as partes, antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias insusceptíveis de captação por um registo de áudio. Todos estes indicadores são importantes e podem ser reveladores do desconforto da mentira e da efabulação.
Interessa ainda realçar que o tribunal de segunda instância não tem possibilidade de fazer as perguntas que entende deverem ser feitas, nem pela forma que considera adequada e processualmente válida.
Como sabemos, julgar é precisamente “escolher”, “optar”, “decidir”.A função do julgador não consiste em encontrar a versão que recolhe maior número de testemunhos, mas, sempre entre os limites de racionalidade e da experiência comum, determinar como os factos se passaram: exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações, o convencimento da entidade a quem compete julgar depende de uma conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante.
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Assim, o julgador não está sujeito a uma “contabilidade das provas” e não será a circunstância, muito frequente em circunstancialismos semelhantes ao destes autos, de se deparar com versões contraditórias, que forçosamente se tenha de entender como verificada uma situação de dúvida intransponível e um consequente juízo probatório de “não provado”.

No caso sub judice, como no caso ali analisado, “nada impedia o tribunal de conferir consistência à narração…” daquelas testemunhas, que revelaram um conhecimento mais profundo e sedimentado em factos concretos e no tempo de que todos os arguidos geriam de facto a sociedade X, designadamente o ora recorrente, tal como o afirmava o arguido A. F. que assumindo uma maior preponderância sua na decisão dos assuntos financeiros desta, por ter entrado com capital necessário para o desenvolvimento da actividade dela, concluiu de forma fundamentada e sem margem para duvidas que “mandavamos os 3” (minutos 23,52 das suas declarações), no tocante à gerência de facto da sociedade.
E nos autos, tal como no caso ali analisado, tem que ser mantida a matéria de facto provada, porque “… o recurso não pressupõe nem se destina a uma reapreciação global de todos os elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas a uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, na avaliação das provas que impunham uma decisão diferente …Verificamos assim que o tribunal valorou a prova e decidiu, para lá de uma dúvida razoável, optando pela conjugação de determinados elementos em detrimento de outros, numa solução perfeitamente plausível. Em lado algum transparece que o tribunal recorrido tenha enfrentado uma situação de dúvida quanto à ocorrência dos factos que julgou provados.
Agora em sede de recurso, percorridos todos os excertos de declarações e depoimentos que o recorrente transcreve na motivação do recurso, não podemos afirmar que a convicção formada pelo tribunal de primeira instância seja desprovida de razoabilidade, nem nos suscita incerteza que justifique a aplicação do princípio in dubio pro reo. Se porventura se poderia configurar uma solução distinta, é para nós segura a inexistência de elementos de prova que nos imponham uma decisão diferente da constante na sentença recorrida.
Em conclusão improcede o recurso neste âmbito, devendo manter-se a decisão da matéria de facto…” (negrito por nós acrescentado).
Designadamente, por a convicção do tribunal a quo ter sido obtida para além da “dúvida razoável” (expressão usada pelo Prof. Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, I, relativamente ao in dubio pro reo, dimanação no âmbito probatório do princípio da presunção de inocência com assento constitucional), ou seja, sem violação deste princípio, nem do princípio da livre apreciação da prova, por esta ter sido apreciada de forma totalmente “…recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo” (expressão do mesmo Professor, na mesma obra relativamente a este princípio).
Na verdade, o tribunal a quo, fez uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão de considerar que o recorrente geria de facto, aquando do cometimento do crime em causa, a sociedade X, Ldª, totalmente compreensível para o cidadão comum e para o tribunal de recurso, e fazendo uma indicação e análise crítica das provas que serviram para fundamentar a sua convicção, em obediência ao n.º 2 do art.º 374º do CPP, pelo que, repete-se não foi violado aquele princípio, e tem que ser mantida na totalidade a matéria de facto provada da decisão recorrida, que integra o elemento objectivo e subjectivo do crime pelo qual o recorrente P. M. vem condenado, o que à partida, impunha a total improcedência do recurso por si interposto.
No entanto, os factos praticados e pelos quais o recorrente vem condenado, foram praticados, em co-autoria material com os recorrentes supra referidos, relativamente aos quais, a pena foi alterada por razões não estritamente pessoais, pelo que, por força dos art.ºs 402º n.º 2 alínea a) e 403º n.º 3 do CPP, e dos princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, se altera a pena aplicada a este recorrente para 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período e sujeita à condição fixada em 1ª instância.
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Decisão

Pelo exposto, os juízes deste Tribunal acordam em julgar:

1 - Parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos arguidos A. M. e A. F., alterando a pena que lhes foi fixada em 1ª instância para 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução, pelo período e sob a condição ali fixados.
2 – Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido P. M., alterando-se, no entanto, a pena que lhe foi aplicada em 1ª instância para 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução, mantendo-se o período de suspensão e a condição ali imposta.
Sem custas.
Guimarães, 10 de Janeiro de 2022