Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4747/20.7T8VNF.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: HORÁRIO FLEXÍVEL
PARECER DA CITE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A Recorrente, nem na alegação de recurso, nem na respectiva conclusão deu cabal cumprimento ao disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, ou seja não indicou a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada e tanto basta para concluir pelo impedimento deste Tribunal de apreciar a impugnação da matéria de facto.
II – Resulta do prescrito no art.º 57.º do CT, designadamente dos seus nºs 3, 5 e 8, al. c), que seja qual for o seu fundamento, a recusa do empregador em conceder ao trabalhador o horário flexível e a consequente apresentação da apreciação pelo trabalhador, impõe seguidamente a intervenção do CITE, para efeitos de emissão do respectivo parecer, considerando-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador se o processo não for submetido a apreciação de tal entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
III - Ainda que o empregador recuse a pretensão do trabalhador, com base no fundamento na inaplicabilidade do procedimento legal previsto no artigo 57.º do CT., está obrigado a submeter o processo à apreciação do CITE.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: A. C.
APELADA: X – COMBOIOS, E.P.E.

Tribunal Judicial da Comarca de Barga, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Famalicão

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

A. C. instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra X – COMBOIOS, E.P.E., pedindo a condenação da Ré a permitir que passe a trabalhar em regime de horário flexível, gozando os dias de descanso semanal em dias coincidentes com sábado, domingo e feriados obrigatórios.
Para tanto, alega que é trabalhadora da Ré, exerce as funções de assistente comercial e presta o seu trabalho por turnos. Solicitou à Ré a atribuição de horário flexível, de forma a ter um horário compatível com o horário de infantário do seu filho, das 7h30 às 19h e no gozo dos dias de descanso semanal ao sábado, domingo e feriado.
A Ré deferiu o pedido formulado pela Autora, excepto quanto à pretensão de gozar os dias de descanso nos sábados, domingos e feriados, com o que a autora não concorda. Alega ainda que respondeu à Ré, nos termos do artigo 57.º, nº 4 do Código do Trabalho, ao que a Ré respondeu sem cumprir o nº 5 daquele artigo, pelo que entende que se verifica a aceitação do pedido por parte da ré.
A Ré contestou, dizendo que quanto aos fins-de-semana, a pretensão da autora não tem cabimento legal, pelo que não tinha de observar o procedimento previsto no artigo 57.º do C. Trabalho. Mais alega a Ré que os trabalhadores da estação onde se insere a autora laboram em regime de três turnos rotativos, incluindo fins-de-semana e feriados, sendo que o deferimento do pedido da autora iria implicar a redução dos descansos de fim-de-semana aos demais trabalhadores.
Os autos prosseguiram os seus trâmites normais e realizado o julgamento foi proferida sentença pela Mma. Juiz a quo, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo totalmente improcedente a acção e, consequentemente, absolvo a ré do pedido.
Custas pela autora.
Notifique. ”

Inconformada com esta sentença, dela veio a Autora interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que depois de aperfeiçoadas terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

I. Vem o recurso interposto da douta sentença com Ref.ª 171524058 de 27 de Janeiro de 2021 proferida nos autos de processo comum, pelo Juízo de Trabalho de Vila Nova de Famalicão, que julgou totalmente improcedente o pedido da Recorrente de exercer a sua prestação laboral em horário flexível, nomeadamente o gozo do descanso semanal obrigatório e semanal em dias coincidentes com sábado, domingo e feriados obrigatórios, determinado pela falta de previsão legal.
II. A lei laboral – arts 56.º e 57.º do CT - não deixa ao arbítrio do trabalhador a escolha de um horário em concreto/fixo, salvaguardando-se os poderes de direção da entidade empregadora neste domínio pese embora, seja ao trabalhador a quem cabe manifestar a preferência por qual período de exercício da sua atividade melhor se compatibiliza com a sua vida familiar – sendo essa a ratio do regime - dentro do espectro de horário de trabalho esse sim inteiramente balizado pelo empregador.
III. A colocação da trabalhadora em horário a ser fixado dentro de uma amplitude temporal diária e/ou semanal, subsume-se na modalidade de horário flexível, se essa indicação respeitar o período normal de trabalho, como acontece no caso da Recorrente, uma vez fixado horário de segunda a sexta-feira no período compatível com as 7h30 e 19h, enquadrando-se nos turnos existentes e no horário de funcionamento da estação.
IV. Resulta claro e provado dos autos o contexto familiar da Recorrente: mãe de duas crianças menores, com, respetivamente, 10 anos e 20 meses, totalmente dependentes dos seus cuidados, com horários escolares incompatíveis com o seu horário de trabalho e do pai/marido que labora em regime de escalas com turnos de serviço e descanso rotativos na Guarda Nacional Republicana, sendo a determinação quantitativa dessa organização do tempo de trabalho condição sine qua non para a Recorrente conciliar com previsibilidade e segurança as demandas sua vida familiar e o próprio maternar.
V. A Apelante solicitou a fixação de horário flexível entre 7h30 e 19h00, de segunda a sexta-feira, com folga ao sábado e domingo, por ser este o que se compatibiliza com o horário de funcionamento da instituição escolar do filho.
VI. Ainda que horário tenha horas fixas de início e termo do período diário de trabalho e dias fixos de folga, o mesmo não deixa de o horário que visa adequar os tempos laborais às exigências familiares da vida trabalhadora que existem todos os dias, sejam eles dias de semana, fins de semana ou feriados, especialmente na rotina de crianças tão tenra idade! - vide douto aresto da Relação do Porto de 02-03-2017, P. 02-03-2017, P. 2608/16.3T8MTS.P1: «Assim, será um horário flexível para os efeitos em causa, todo aquele que possibilite a conciliação da vida profissional com a vida familiar de trabalhador com filhos menores de 12 anos, ainda que tal horário, uma vez definido, na sua execução seja fixo.»
VII. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou e não fez a devida interpretação, entre outros, dos arts. 56.º e 57.º do CT, pelo que, em face do exposto deve ser revogada a douta decisão recorrida.

Sem prescindir,

VIII. A entidade empregadora recusou-se dar cumprimento ao disposto no 57.º, n.º 5 do CT, e não submeteu o processo à apreciação pelo CITE, com fundamento na inaplicabilidade do regime de horário flexível e consequentemente do regime de recusa, considerando desnecessário o parecer daquela entidade, justificando que o seu entendimento já haveria tido acolhimento judicial e bem assim, da autoridade inspetiva, tese acolhida pelo Tribunal a quo.
IX. A tese acolhida pelo Tribunal a quo, naquela que se considera ser s.m.e, uma decisão manifestamente contra legem, não seria por si só seria suficiente para recusar o pedido da Autora e não prejudica que houvesse lugar a entendimentos distintos, provindos da mesma entidade, como aqueles a que aludimos supra,
X. O que resulta claramente da lei é - art.º 57, n.º 5 CT - decorrido o prazo para o trabalhador se pronunciar sobre a intenção de recusa do empregador, este envie o processo ao CITE, para efeito de emissão do respetivo parecer.
XI. Ainda que por suposição se acreditasse que uma empresa com a dimensão e posicionamento nacional como é recorrida pudesse desconhecer o procedimento em causa, fica esclarecido no compêndio “PROCEDIMENTOS A ADOTAR EM RELAÇÃO A PEDIDOS DE: Horário Parcial/ Horário Flexível” da sua autoria no qual concretiza que, a nível do interno, é a Direção dos Recursos Humanos que é responsável por enviar o processo ao CITE sob pena de deferimento tácito.
XII. A violação desse dever que impende sobre Recorrida, consubstancia a violação da lei ademais, a prática de uma contraordenação grave tal como prescreve os n. 10 do art.º 57.º do CT, que não se pode ignorar!
XIII. A decisão recorrida viola a aplicação das normas jurídica dos ns. 4, 5, 8, 10 do art.º 57.º CT, devendo, por isso ser substituída por outra que reconheça que a entidade empregadora aceitou o pedido de horário flexível trabalhadora nos precisos termos em que foi formulado
Aqui chegados,
XIV. O posto de trabalho da Recorrente é composto por um total de 5 trabalhadores, que laboram em regime de três turnos de 8 horas diárias, com horário de funcionamento entre as 6h15 e as 20h30, organizados da seguinte forma:
- 1º 6h00 às 14h00 (sem pausa de almoço)
- 2º 8h00 às 17h00 (com pausa de almoço)
- 3º 12h45 às 20h45 (sem pausa de almoço)

XV. Resultou provado que (pontos O e P), para assegurar os três turnos, o descanso semanal rotativo e o gozo de 2 fins de semana de folga, de forma rotativa por todos os colaboradores, a cada 7 semanas, são necessários 5 trabalhadores.
XVI. Ainda que Apelante goze de todos os dias de descanso de forma fixa ao final de semana, não deixa de estar plenamente assegurado, a todos os seus colegas de gozo de 2 fins de semana a cada período de sete semanas, direito adquirido pela aplicação dos ns, 3 e 4 da cláusula 33ª do Acordo de Empresa que não sai de qualquer forma beliscado com a implementação do pedido da Apelante.
XVII. Em todos os sábados e domingos, os turnos seriam assegurados por três trabalhadores, como de resto já acontece atualmente em 3 sábados e 3 domingos, sem que a Recorrente tenha folgas fixas, sendo assim, totalmente viável o funcionamento da estação ao final de semana com três colaboradores.
XVIII. A consequência mediata da pretensão da Apelante sobressai tão só quanto à limitação do trabalho suplementar a prestar noutras estações, por aquele 4º trabalhador.
XIX. Ora, a presença/ausência do 4º colaborador adicional não tem relevância para a organização gestão do funcionamento normal do posto de trabalho da Recorrida, uma vez que, por norma, esse trabalhador é destacado para prestar serviço noutras estações, fora de Famalicão tal como refere a testemunha da Recorrida C. L., dos 10m-11m16s, ficheiro áudio n.º 20210119103621_5836666_2870547:
(…)
XX. A ausência do 4º trabalhador colocaria em causa o funcionamento de outras estações (que não a de Famalicão) apenas de forma esporádica, já que não é frequente o recurso a esse colega da Estação ....
XXI. O mesmo é corroborado pela mesma testemunha J. C. aos 14m24s-15m08s, ficheiro áudio 20210119105639_5836666_2870547:
(…)
XXII. Assume-se que em caso de necessidade de trabalho suplementar, a Recorrida recorre sempre em primeira linha a um trabalhador remanescente de outra qualquer estação não se aferindo acrescidas as exigências de gestão por parte da Recorrida, perante a necessidade de tornar exequível o horário flexível da Apelante ou a necessidade de reajustamentos, pelo que, não decorre da decisão recorrida motivo justificativo que fundamente a recusa do pedido da Recorrente.
XXIII. A Recorrida, enquanto empregadora, tem o ónus de provar a impossibilidade de substituição da Recorrente no caso de ser uma trabalhadora indispensável ou as exigências imperiosas do funcionamento da empresa impedem a atribuição do horário flexível.
XXIV. Não se demonstra a inexistência de turnos compatíveis, de dificuldades na organização da atividade da empresa ou sequer um maior encargo para a Recorrida na gestão do quadro de pessoal ou impossibilidade de substituição Apelante, em razão da sua categoria profissional nem de que para o desempenho das funções daquela sejam necessárias especiais características técnicas ou qualidades profissionais.
XXV. Consigne-se que nenhum facto atinente a esta questão fica provado na douta sentença recorrida, ou tampouco é apreciado na sua fundamentação, impondo-se não reconhecer a existência de motivo justificativo para a Autora recusar a atribuição de flexibilidade de horário pretendida pela Ré.
XXVI. Ao decidir como decidiu, a douta sentença julgou incorretamente o ponto único considerado não provado, impondo, os concretos meios probatórios supramencionados, decisão diversa da recorrida sobre a matéria de facto não provada.

Termina pugnando pela revogação da sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que reconheça o direito da Recorrente ao exercício da prestação laboral em horário flexível que compreenda o gozo do descanso semanal obrigatório e semanal em dias coincidentes com sábado, domingo e feriados obrigatórios.
Respondeu a Recorrida/Apelada defendendo a manutenção da sentença recorrida nos seus exactos termos.
O recurso foi admitido na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito.
Seguidamente foram os autos remetidos a esta 2ª instância, tendo-se em sede de despacho liminar determinado que a Recorrente procedesse ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso, o que veio a suceder.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer, no sentido da procedência do recurso.
A Recorrida veio responder, manifestando a sua discordância com tal parecer e conclui pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

- Da impugnação da matéria de facto;
- Da violação do n.º 5 do art.º 57.º do CT.
- Da atribuição de folgas fixas, no âmbito do regime de horário flexível de trabalhador com responsabilidades parentais.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados são os seguintes:

A) A autora foi admitida para trabalhar sob a autoridade e direção da ré em 1/02/2010, tendo exercido as funções de Assistente Comercial. B) Atualmente, o local de trabalho da autora é em …, designadamente na Bilheteira da Estação de …, Largo …, ….
C) De acordo com o seu contrato de trabalho, o horário de trabalho da autora pode ser definido por turnos.
D) A autora foi recentemente mãe pela segunda vez, sendo que o seu filho tem atualmente 20 meses.
E) O filho mais novo da autora está totalmente dependente dos seus cuidados, na medida em que esta não dispõe de apoio familiar que lhe permita conciliar o horário de trabalho com o horário do infantário que o seu filho frequenta.
F) Também a filha menor da autora, de seu nome M. V., de 10 anos de idade, está totalmente dependente dos cuidados da autora, não sendo o horário escolar da mesma compatível com todos os turnos existentes no local de trabalho da autora.
G) O marido da autora labora na Guarda Nacional Republicana, em regime de escalas com turnos de serviço e descansos rotativos, o que muito dificulta a sincronização de horários.
H) Por carta registada com aviso de receção, enviada em 29/06/2020, a autora requereu à ré que lhe fosse concedida a possibilidade de trabalhar “em qualquer horário que seja compatível com o horário praticado pelo infantário do meu filho, que abre às 7:30 e encerra às 19:00 horas. Muito embora V. Exa. disponha de dois turnos com horários compatíveis, designadamente o das 8h às 17h e o das 9h às 18h, caso pretendam, predisponho-me a praticar outro horário, desde que circunscrito ao referido horário do infantário.
Para além da atribuição de horário flexível, nos termos a que me referi anteriormente, é também fulcral para mim que me seja permitido gozar os dias de descanso semanal ao sábado, domingo e feriados obrigatórios, uma vez que nestes dias, o infantário encontra-se encerrado e não disponho de ninguém que possa cuidar dos meus filhos. Alternativamente, estou disponível para trabalhar nos feriados que coincidam com o descanso do pai do meu filho, em caso de necessidade de empresa, mediante prévio acordo”.
I) Por carta, datada de 10/07/2020, remetida pela ré, esta declarou “é possível atribuir os turnos seguintes: Turno 2 (8:00-11:30/12:30-17:00) e o Turno 2ª (9:00-11:30/12:30-18:00), com folgas rotativas, a partir de 26.07.2020.
(…)
Em relação ao pedido de fixação do gozo dos dias de descanso semanal, esclarece-se que o mesmo não tem enquadramento legal, nomeadamente na previsão do artigo 56º do Código do Trabalho …”.
J) Por não se conformar com tal posição, em 20/07/2020, a autora remeteu a carta junta a fls. 14/15, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
K) Em resposta, a ré remeteu à autora comunicação datada de 30/07/2020, junta a fls. 17, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
L) Dá-se aqui como reproduzido para todos os efeitos legais o conteúdo das cartas enviadas pela autora e ré juntas a fls. 18, 19 e 19 verso.
M) Dá-se aqui como reproduzido para todos os efeitos legais o conteúdo do documento interno denominado “PROCEDIMENTOS A ADOTAR EM RELAÇÃO A PEDIDOS DE: Horário Parcial/ Horário Flexível”.
N) Asseguram o funcionamento da Estação ... 5 trabalhadores, que laboram em regime de escalas/turnos rotativos, onde se incluem os descansos semanais e os feriados.
O) Os trabalhadores têm descansos semanais rotativos, o que significa que em cada período de 7 semanas há 4 sábados e 4 domingos em que estão ao serviço quatro trabalhadores e em 3 sábados e 3 domingos três trabalhadores ao serviço.
P) Esta organização da prestação de trabalho permite não só guarnecer todos os turnos de serviço, como nos fins de semana em que estão disponíveis quatro trabalhadores, sejam colmatadas as necessidades de prestação de trabalho suplementar, fazendo face a ausências de trabalhadores na própria estação ou em estações próximas.
Q) Os trabalhadores têm, no período de 8 semanas, dois descansos coincidentes duas vezes com o sábado e o domingo.

Os factos não provados são os seguintes:

- Nas estações da ré há invariavelmente um colaborador que “sobra” e que vai colmatar falhas noutras estações.
*
IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1 – Da impugnação da matéria de facto;

Insurge-se a Apelante quanto ao ponto único dos factos dados como não provados dizendo que o tribunal a quo julgou incorrectamente tal factualidade (conclusão XXVI do recurso).
Como é consabido, cabe ao recorrente que pretende ver modificada a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1ª instância impugná-la nos termos previstos no artigo 640.º do CPC.
Exige-se assim que o recorrente observe os ónus de alegação previstos no citado artigo 640.º do CPC., o qual prescreve no seu n.º 1, que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto é obrigatória a especificação: dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados; dos concretos meios probatórios que impõem que sobre eles seja proferida uma decisão diferente; e da decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, «sob pena de rejeição» do recurso sobre a matéria de facto.
Daqui resulta, que quando o recorrente pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, deve enunciar na motivação e sintetizar nas conclusões os pontos de facto que pretende impugnar com referência aos temas da prova, ou na ausência deles, com referência ao artigo dos articulados onde se encontra a matéria de facto objecto de erro na decisão e indicar a decisão que em sua opinião deve ser proferida sobre tais factos que considera terem sido incorrectamente julgados.

No caso em apreço a Apelante faz diversas considerações sobre a falta de motivo justificativo do indeferimento pelo empregador da sua pretensão, para posteriormente concluir que o tribunal a quo julgou incorrectamente o ponto único da factualidade não provada, aplicando indevidamente o disposto nos artigos 56.º e 57.º do CT. Para tanto transcreve a este propósito o depoimento de duas testemunhas e nada mais conclui.
De tudo isto resulta inequívoco que a Recorrente, nem na alegação de recurso, nem na respectiva conclusão deu cabal cumprimento ao disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, ou seja não indicou a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada e tanto basta para concluir pelo impedimento deste Tribunal de apreciar a impugnação da matéria de facto.
Em face do exposto, por incumprimento do ónus de impugnação, rejeita-se o recurso sobre a decisão da matéria de facto.

2- Da violação do n.º 5 do art.º 57.º do CT.

Insurge-se a Recorrente não só quanto ao facto da recorrida não a ter autorizado a gozar os dias de descanso semanal, de modo a que tais dias coincidam com os dias de fim-de-semana (sábados e domingos) e feriados obrigatórios, no âmbito de prestação de trabalho em regime de horário flexível, mas também por se ter recusado a submeter a sua decisão à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

Vejamos:

Prescreve o art.º 56.º sob a epígrafe “Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares” o seguinte:

1–O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.
2–Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
3– O horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve:
a)- Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
b)- Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
c)- Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.
4–O trabalhador que trabalhe em regime de horário flexível pode efectuar até seis horas consecutivas de trabalho e até dez horas de trabalho em cada dia e deve cumprir o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas.
5–O trabalhador que opte pelo trabalho em regime de horário flexível, nos termos do presente artigo, não pode ser penalizado em matéria de avaliação e de progressão na carreira.
6–Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.
A este propósito estabelece ainda o artigo 57.º do CT sob a epígrafe “Autorização de trabalho a tempo parcial ou em regime de horário flexível” que:
1–O trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos:
a)- Indicação do prazo previsto, dentro do limite aplicável;
b)- Declaração da qual conste:
i)- Que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação;
ii)- No regime de trabalho a tempo parcial, que não está esgotado o período máximo de duração;
iii)- No regime de trabalho a tempo parcial, que o outro progenitor tem actividade profissional e não se encontra ao mesmo tempo em situação de trabalho a tempo parcial ou que está impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal;
c)- A modalidade pretendida de organização do trabalho a tempo parcial.
2– O empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.
3– No prazo de 20 dias contados a partir da recepção do pedido, o empregador comunica ao trabalhador, por escrito, a sua decisão.
4–No caso de pretender recusar o pedido, na comunicação o empregador indica o fundamento da intenção de recusa, podendo o trabalhador apresentar, por escrito, uma apreciação no prazo de cinco dias a partir da recepção.
5–Nos cinco dias subsequentes ao fim do prazo para apreciação pelo trabalhador, o empregador envia o processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de o recusar e da apreciação do trabalhador.
6–A entidade referida no número anterior, no prazo de 30 dias, notifica o empregador e o trabalhador do seu parecer, o qual se considera favorável à intenção do empregador se não for emitido naquele prazo.
7–Se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.
8– Considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos:
a)-Se não comunicar a intenção de recusa no prazo de 20 dias após a recepção do pedido;
b)-Se, tendo comunicado a intenção de recusar o pedido, não informar o trabalhador da decisão sobre o mesmo nos cinco dias subsequentes à notificação referida no n.º 6 ou, consoante o caso, ao fim do prazo estabelecido nesse número;
c)-Se não submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro do prazo previsto no n.º 5.
9–Ao pedido de prorrogação é aplicável o disposto para o pedido inicial.
10–Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 2, 3, 5 ou 7.”
Por outro lado, é à Comissão Para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) a quem cabe, para além do mais, nos termos do art.º 3º do Decreto-Lei n.º 76/2012, de 26 de Março:
“(…)
d) Emitir parecer prévio no caso de intenção de recusa, pela entidade empregadora, de autorização para trabalho a tempo parcial ou com flexibilidade de horário a trabalhadores com filhos menores de 12 anos (…)”.
É à CITE que compete apreciar os pressupostos de aplicação do direito ao trabalho com horário flexível nos termos definidos por lei.
Cumpre, assim a esta entidade ponderar da verificação quer dos pressupostos, quer dos requisitos legais do regime do horário flexível, nomeadamente se foi observado pelo empregador a tramitação legalmente consagrada para tal pedido; e se os fundamentos para a intenção de recusa do pedido invocados pela entidade empregadora assentam em exigências imperiosas do funcionamento da empresa ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.
De tudo isto resulta inequívoco, designadamente dos nºs 3, 5 e 8, al. c), do art.º 57.º do CT. que em caso de intenção de recusa do empregador de atribuição do regime de horário de trabalho flexível solicitado pelo trabalhador e independentemente das razões ou fundamentos dessa recusa, o empregador tem de enviar o processo para ser apreciado pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, só ficando o procedimento legal completo com a emissão do competente parecer daquela entidade, considerando-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador se o processo não for submetido a apreciação.
Ora, é precisamente da lei que resulta a imposição da intervenção da CITE, para efeitos de emissão do respectivo parecer.
Com efeito, quando o empregador pretenda recusar a solicitação integral ou parcial do pedido formulado pelo trabalhador, independentemente da sua opinião no que respeita ao conceito de horário flexível, é obrigatório o pedido de parecer prévio à CITE, nos 5 (cinco) dias subsequentes ao fim do prazo estabelecido para apreciação pelo/a trabalhador/a da intenção de recusa, implicando a sua falta a aceitação do pedido, nos termos da alínea c) do n.º 8 do artigo 57.º do Código do Trabalho.
Em suma, o que legalmente impõe o parecer da CITE, nos termos do citado n.º 5 do art.º 57.º do CT é apenas a intenção de recusa (parcial ou total) do empregador do pedido de solicitação de horário flexível formulado pelo trabalhador, independentemente dos fundamentos dessa recusa, designadamente quando o empregador entende que os requisitos para deferimento de tal pedido não se encontram preenchidos ou entende que o pedido formulado não enquadra parcialmente em tal regime.
Por fim, acresce dizer que o empregador tem sempre a possibilidade legal, no caso de parecer desfavorável do CITE, de intentar acção judicial com vista a reconhecer motivo justificativo para a recusa.
No caso dos autos, a Autora tem dois filhos menores de 12 anos e solicitou à Ré que lhe fosse atribuído um regime de horário flexível, tendo observado o disposto no n.º1 do art.º 57.º do CT.
Da factualidade provada, designadamente sob as alíneas H), I, J), K) e L) resulta que a ré informou a autora que era seu entendimento que “em relação ao pedido de fixação do gozo dos dias de descanso semanal o mesmo não tem enquadramento legal, nomeadamente na previsão do artigo 56º do Código do Trabalho (...) pelo que nessa parte não era possível acolher o seu pedido”. Perante tal comunicação, a trabalhadora manifestou a sua discordância com tal decisão e solicitou que a ré desse cumprimento ao disposto no artigo 57.º, n.º 5, do Código do Trabalho. Em resposta, a ré informou que no caso estava afastada a aplicação do procedimento legal previsto no art.º 57.º do CT e consequentemente entendeu ser desnecessária a obtenção do parecer da CITE.
Ora, não podemos concordar com a posição assumida pelo empregador, razão pela qual e como já acima adiantámos, por resultar do prescrito no art.º 57º do CT, designadamente dos seus nºs 3, 5 e 8, al. c), seja qual for o seu fundamento, a recusa do empregador em conceder ao trabalhador o horário flexível e a consequente apresentação da apreciação pelo trabalhador, impõe seguidamente a intervenção do CITE, para efeitos de emissão do respectivo parecer, considerando-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador se o processo não for submetido a apreciação de tal entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
Ou seja, ainda que o empregador recuse a pretensão do trabalhador, com base no fundamento na inaplicabilidade do procedimento legal previsto no artigo 57.º do CT., está obrigado a submeter o processo à apreciação do CITE.
Neste sentido ver entre outros o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 31/03/2017, proferido no proc. n.º 8186/16.6T8CBR.C1, no qual se sumariou o seguinte
“III – O que resulta claramente do artº 57º do CT, designadamente dos seus nºs 3, 5 e 8, al. c), é que ocorrendo, seja qual for o seu fundamento, a recusa do empregador em conceder o trabalho a tempo parcial, e a consequente apresentação da apreciação pelo trabalhador, a lei impõe a intervenção do C.I.T.E., para efeitos de emissão do respectivo parecer, considerando-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador se o processo não for submetido a apreciação de tal entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
IV – Ainda que o empregador recuse, com base no fundamento de que o horário a tempo parcial se não destina à finalidade pretendida e prevista na lei, a pretensão do trabalhador, ainda assim está obrigado a submeter o processo à apreciação do CITE.
E Acórdão da Relação de Lisboa de proferido no âmbito do proc. n.º 12279/16.1T8LRS.L1-4, no qual se sumariou o seguinte
”Ainda que a ré entendesse que a pretensão da autora era de recusar por não se compaginar a horário flexível, deveria a mesma comunicar à autora por escrito, a sua intenção, estando também obrigada a submeter o processo à apreciação da CITE.
Retornando ao caso em apreço e constatando que a Ré não remeteu ao CITE o respectivo processo para emissão de parecer em face do prescrito no n.º 8 do art.º 57.º do CT, mais não resta do que considerar que a entidade empregadora aceitou o pedido da Autora nos termos em que foi formulado, impondo-se assim a revogação da decisão recorrida nesta conformidade.
Como refere o Procurador Geral-Adjunto no douto parecer “…, não tendo a ré/empregador submetido a apreciação do CITE o pedido formulado pela trabalhadora, tal pedido terá de ser considerado aceite pelo empregador nos seus precisos termos, por aplicação do nº 8, alínea c), do citado artigo 57º do Código do Trabalho.
Ou seja, face ao seu incumprimento, a ré está obrigada a atribuir à autora o horário flexível que compreenda o gozo do descanso semanal obrigatório e semanal em dias coincidentes com sábado, domingo e feriados obrigatórios, tal como foi solicitado.
Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas, sendo de dar procedência ao recurso da Autora.

V – DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso e consequentemente condena-se a Ré a permitir que a Autora A. C. passe a trabalhar em regime de horário flexível, gozando os dias de descanso semanal em dias coincidentes com sábados, domingos e feriados obrigatórios.
Custas a cargo da Recorrida.
Notifique
13 de Julho de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga