Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5419/17.5T8BRG.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: DEPOIMENTO DE PARTE
FACTOS CONTROVERTIDOS FAVORÁVEIS
ADMISSÃO
LIVRE VALORAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
O depoimento de parte, conduzindo ou não à confissão, pode ser livremente valorado pelo tribunal a quo para fundar a sua convicção acerca da veracidade de factos controvertidos favoráveis a qualquer das partes.
E podendo assim ser valorado, tal pressupõe que o mesmo tem igualmente de poder ser admitido apenas com esse fundamento, ou seja, incidindo apenas sobre factos favoráveis.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

A. C., titular do número de identificação civil …… e do número de identificação fiscal ……., e esposa, M. C., titular do número de identificação civil …….. e do número de identificação fiscal ……, residentes em …., na Suíça e, quando em Portugal, na travessa … Póvoa de Lanhoso;

intentaram contra:
1.ºs- J. M., titular do número de identificação fiscal ………, e esposa, E. D., titular do número de identificação fiscal ………, residentes na rua …, da freguesia de …, concelho da Póvoa de Lanhoso; e
2.ºs- D. S., titular do número de identificação civil …… e do número de identificação fiscal …., e esposa, M. L., titular do número de identificação civil ……. e do número de identificação fiscal ….., residentes na avenida …, da freguesia de …, concelho de Guimarães;

a presente ação declarativa de condenação, tendo pedido que:
a) Se declare e condene os Réus a reconhecerem o direito de preferência dos Autores na alienação do prédio melhor identificado no artigo 7.º, da petição inicial, nos exatos termos em que o mesmo foi transmitido através da escritura pública junta como documento n.º 5 à petição inicial;
b) Se adjudique aos Autores, em substituição dos 1.ºs Réus e com eficácia ex tunc, o direito de propriedade sobre o imóvel aludido na alínea anterior, condenando-se estes últimos a abrir mão desse prédio e a entregá-lo àqueles, completamente livre e desocupado;
c) Se ordene o cancelamento de todas e quaisquer inscrições na correspondente descrição predial que contrariem e/ou onerem esse direito de propriedade dos Autores, designadamente a que os 1.ºs Réus fizeram a seu favor e outras que entretanto possam ter realizado.

Para tanto, alegaram, em síntese, que:
- Os Autores são donos e legítimos proprietários de um prédio rústico sito no lugar …, da União de Freguesias de …, do concelho da Póvoa de Lanhoso;
- Esse prédio confina com o prédio rústico inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º …, denominado “Campo da …, … e de …”, o qual pertencia aos 2.ºs Réus e foi por estes vendido aos 1.ºs Réus, através de escritura pública de compra e venda outorgada em 17.07.2013;
- Aos Autores não foi dado prévio conhecimento do seu propósito de vender tal imóvel, e muito menos das condições da projetada venda, antes tendo os Réus realizado tal negócio no completo desconhecimento destes, dos quais foi mantido em segredo desde a sua celebração;
- Foi violada, assim, a preferência legal consagrada no n.º 1 do artigo 26º, do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31.03, que aprovou o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional, porquanto, em 17.07.2013, ambos os prédios estavam incluídos numa área da Reserva Agrícola Nacional, de acordo com o Plano Diretor Municipal (PDM) em vigor na Póvoa de Lanhoso, como ainda hoje estão.

Os Autores efetuaram o depósito do preço de € 3.000,00 (três mil euros), por meio do requerimento com a REF.ª 27324962 (cfr. fls. 22 a 25).

Regularmente citados, apenas os 1.ºs Réus J. M. e E. D. apresentaram contestação, a fls. 39 a 45 (REF.ª 27802142), na qual, em súmula, a título de exceção:
a) Invocaram que o direito de preferência está afastado à luz do que dispõe o artigo 1381º, do Código Civil (CCiv), já que, por um lado, o prédio destinou-se a fim diverso da cultura (tendo sido integrado num projeto de investimento agropecuário cofinanciado pelo Estado Português e pela União Europeia pelo programa PDR 2020) e, por outro lado, o imóvel adquirido constitui, conjuntamente com outros, uma exploração agrícola de tipo familiar, no âmbito do qual os prédios são fabricados, como um todo, há mais de trinta anos, pelo pai do Réu marido e seu agregado familiar, neles colhendo milho, centeio e batata com o intuito de prover ao sustento da sua família e ao sustento do pastoreio dos animais sua propriedade, fazendo-o sempre à vista de toda a gente;
b) Arguiram a exceção de caducidade, com o fundamento de que os Autores sabiam desde há muito tempo que aquele terreno tinha sido vendido aos 1.ºs Réus, e que era intenção destes construir no local uma vacaria.
Mais alegaram que, após a compra, procederam à construção de um edifício afeto à atividade agrícola e agropecuária (um armazém/vacaria com uma área de 240 m2), o que constitui uma benfeitoria, insuscetível de ser levantada, na qual despenderam a quantia de € 63.400,00, considerando neste valor apenas o conjunto de despesas por si efetuadas, mas ascendendo, após a construção no seu conjunto, ao montante de € 96.800,00.

Em função dessa obra realizada no prédio, os Réus formularam reconvenção a título subsidiário, na qual pediram a condenação dos Autores a:
a) Reconhecer que os Réus têm direito de retenção sobre o prédio objeto de preferência até serem pagos dos valores das benfeitorias nele implantadas, e
b) Pagarem aos Réus a importância de € 96.800,00 (noventa e seis mil e oitocentos euros) correspondente ao valor dessas benfeitorias.

Os Autores responderam à reconvenção por meio da réplica apresentada a fls. 54 a 57 (REF:ª 28243819), na qual sustentaram a sua inadmissibilidade e, subsidiariamente, a sua improcedência, na medida em que, na sua ótica, os 1.ºs Réus dispõem de outra meio de tutela do seu direito junto dos 2.ºs Réus, obrigados à preferência, acrescendo o facto de a construção não trazer ao prédio valor acrescentado, antes lhe retirando área aproveitável para a implantação de culturas. Por fim, alegaram que, a haver enriquecimento, ele não corresponde ao indicado pelos Réus, na medida em que obtiveram parcial financiamento através do programa PDR.

Os RR J. M. e mulher E. D. requereram o depoimento de parte dos AA. e do 2.º Reu D. S. a todos os factos alegados a integrar os temas de prova e que admitam confissão.

Sobre tal requerimento foi proferida decisão, em 7.07.2021, que não admitiu o depoimento de parte do Réu D. S., nos seguintes termos:
- “Verificando-se que, por lapso, no despacho de admissão dos meios de prova não foi proferida decisão sobre o depoimento de parte requerido quanto ao comparte D. S., de molde a colmatar essa omissão, passa-se de imediato a fazê-lo:
Reconduzindo-se o depoimento de parte ao meio técnico de índole probatória destinado a provocar a confissão da parte, a sua prestação apenas é admissível no que se reporta a factos pessoais, cuja prova reveste carácter desfavorável para a posição processual do depoente (cfr. artigos 452º e 454º, do CPCiv, e 352º do Código Civil).
Acresce que, apesar do artigo 453º/3, do CPCiv, admitir a prestação de depoimento pelo comparte, é necessário que o depoente tenha um interesse antagónico ao requerente do mesmo (assim, Lebre de Freitas, Código do Processo Civil Anotado e Comentado, vol. 2.º, Coimbra Editora, p. 470, face ao artigo 553º/3, do CPCiv de 1961, cuja redação é idêntica ao citado artigo 453º, do atual CPCiv).
No caso concreto, não se verifica esse interesse antagónico, já que o Réu D. S. não apresentou contestação e a prova da factualidade alegada pelos Réus contestantes aproveita a ambos (neste sentido, vd. Ac. TRG de 07/04/2011, proc. 138/10.6TBCMN-A.G1, e como Acórdão do TRG de 18.05.2017, proferido no processo n.º 197327/14.7YIPRT-A.G, e demais jurisprudência aí citada).
Notifique.”

Inconformados com tal decisão dela vieram recorrer os RR J. M. e mulher E. D. formulando as seguintes conclusões:

1.º Por despacho produzido apenas em audiência de julgamento, a Exma. Julgadora indeferiu o requerimento em que os 1.ºs RR contestantes haviam requerido depoimento de parte do Reu não contestante, com o argumento de que ele não teria um interesse antagónico ao do requerente porque não apresentou contestação e a prova da factualidade alegada pelos 1.ºs RR aproveita a ambos.
Ora, dispõe o n.º 3 do artigo 553.º do CPC que cada uma das partes pode requerer não só o depoimento da parte contrária, mas também dos seus compartes, em princípio esse depoimento de parte estava em condições de ser admitido, e não é o facto do 2.º RR não ter contestado que faz supor que tenha interesse idêntico ao dos 1.ºs RR.

2.º Pelo contrário até, pois, não tendo contestado a ação o muito que se poderia supor é que concordava com a posição dos AA.

3.º Nunca, aliás, o argumento da identidade de interesses entre os co-réus podia sobrepor-se ao disposto no citado artigo 553.º n.º 3 do CPC, até porque a jurisprudência tem também entendido que o depoimento de parte não se destina apenas a provocar a confissão, mas ao apuramento de factos que, sem constituírem confissão são assim desfavoráveis globalmente à posição do depoente.

4.º Contrariamente ao decidido, de resto, vai a jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães (acórdão de 10/11/2011, proferido no processo n.º 1932/09.6. TBVCT – A. G1.,) ao decidir que: “Não é legítimo indeferir o depoimento de parte dos intervenientes principais, comparte dos requerentes, com fundamento em que eles têm na ação interesse idêntico ao dos autores, quando os mesmos não apresentaram articulado próprio ou apresentaram articulado não coincidente com o dos autores. “
Termos em que deve ser revogado o despacho recorrido ser substituído por outro que ordene a admissão do depoimento de parte de D. S., conforme requerido,
Só assim se fazendo JUSTIÇA.

Houve contra-alegações por parte dos AA., nelas se pugnando pela improcedência da apelação e manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, cumpre apreciar e é legalmente admissível o depoimento de parte do Réu D. S..

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para o presente recurso há a considerar a factualidade constante do relatório supra.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Entendem os Recorrentes que, à luz do disposto no art. 453º, nº 3, do Código de Processo Civil, cada uma das partes pode requerer não só o depoimento da parte contrária, mas também dos seus compartes, pelo que, em princípio o depoimento de parte em causa estava em condições de ser admitido. Acrescenta ainda que não é o facto do 2.º RR não ter contestado que faz supor que tenha interesse idêntico ao dos 1.ºs RR. e que nunca o argumento da identidade de interesses entre os co-réus podia sobrepor-se ao disposto no citado artigo 453.º n.º 3 do CPC, até porque a jurisprudência tem também entendido que o depoimento de parte não se destina apenas a provocar a confissão, mas ao apuramento de factos que, sem constituírem confissão são assim desfavoráveis globalmente à posição do depoente.
Cabe assim apreciar da amplitude do depoimento de parte com vista a aferir se o mesmo somente deve incidir sobre factos que admitem confissão (que sejam desfavoráveis à parte que depõe), ou se o depoimento de parte também pode versar sobre factos favoráveis à mesma parte.
Sobre esta temática, por concordarmos com o entendimento nele sufragado, seguiremos de perto o Acórdão desta Relação, de 24.10.2019, proc. 1573/17.4T8BGC-C.G1 (in dgsi), no qual se sustenta, citando por sua vez aí jurisprudência e doutrina, que “De acordo com o princípio da indivisibilidade da confissão a que alude o art. 360.º do CC, se uma declaração complexa feita em depoimento de parte, requerido pela contraparte, contiver afirmações de factos desfavoráveis ao depoente, mas também factos que lhe são favoráveis, a contraparte que se quiser aproveitar de tal confissão como meio de prova plena deve, de igual modo, aceitar a realidade dos factos que lhe são desfavoráveis. Tendo que produzir oportuna declaração em que se reserva o direito de provar o contrário dos factos que lhe são desfavoráveis. Adquirindo, então, a confissão dos factos favoráveis, mediante a prova contrária dos factos que lhe desfavoráveis, a eficácia de prova plena.
A indivisibilidade da confissão complexa tem, pois, como consequência a inversão do ónus da prova quanto à parte favorável ao confitente.
Afirmando o declarante, por um lado, a realidade de factos constitutivos que lhe são desfavoráveis, e, por outro, a realidade dos factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito dos primeiros
Sendo certo que, ao contrário da confissão simples, tal declaração complexa só faz prova depois da parte se pronunciar, produzindo-se, assim, diferidamente o efeito da confissão, com a aceitação da parte contrária ou perante o seu silêncio.

Três vias vêm sendo permitidas à parte contrária (à do confitente):
(i) prescindir da confissão, não tendo a mesma a eficácia da prova plena, mas apenas como meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador (art. 361.º);
(ii) aceitar como tendo-se verificado os factos e as circunstâncias que lhe são desfavoráveis, ganhando, então, a confissão a eficácia de prova plena;
(iii) declarar que se quer aproveitar da confissão, mas que se reserva o direito de provar a inexactidão dos factos que lhe são desfavoráveis, caso em que a confissão adquire também a eficácia da prova plena, mas a realidade de tais factos ou circunstâncias que a ela, parte contrária, são desfavoráveis só ficará completamente estabelecida se não fizer a prova do contrário. Dando-se, assim, a inversão do ónus da prova que passa a caber à contraparte. (1)
A indivisibilidade da confissão complexa tem, assim, bem vistas as coisas, como consequência a inversão do ónus da prova quanto à parte favorável ao confitente.
Tendo a parte contrária, se não quiser ser prejudicada pela parte da confissão favorável ao confitente, de provar que ela não é verdadeira. (2)
Assim, “apesar de parecer contrário de alguma doutrina, uma jurisprudência (3) que se crê maioritária – conclui, à luz do princípio da livre apreciação das provas, pela admissibilidade da valoração do depoimento de parte, mesmo no segmento em que as respectivas declarações lhe eram favoráveis (artº 607 nº 5 do nCPC). Feitas todas as contas, a conclusão a tirar é, realmente, a da admissibilidade da produção e da valoração das declarações de parte, mesmo que respeitem a enunciados de facto que lhe sejam favoráveis. Segundo certo entendimento do problema, com uma ressalva importante – referida não à admissibilidade do meio de prova, mas à avaliação da sua força probatória: aquela valoração é admissível, contanto que o tribunal não se baseie exclusivamente nessas declarações para formar a sua convicção sobre a veracidade ou inveracidade dos factos controvertidos (4).
Quer dizer: a proibição de valoração deve considerar-se afastada, desde que as declarações, mesmo referidas a enunciados de facto que sejam favoráveis ao declarante, obtenham, de outros meios de prova – ou mesmo de regras de experiência ou de critérios sociais – um grau de confirmação adequado.
A circunstância de a essas declarações não poder ser atribuído o valor de confissão, não impede a sua livre valoração, dado que se não for possível atribuir ao meio de prova qualquer dos valores que a lei lhe atribui em abstracto, é sempre possível atribuir-lhe um desses valores, o que é confirmado pela regra de que o reconhecimento de factos desfavoráveis que não possa valer como confissão, sempre vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente (artº 361 do Código Civil).
E a correcção deste entendimento do problema é confirmada pela consagração, no Código de Processo Civil dito novo, de um novo meio de esclarecimento e convicção: a prova por declarações de parte (artº 466 do nCPC).
Deve, portanto, julgar-se perfeitamente admissível a valoração do depoimento de parte, no segmento em que não produz confissão, à luz da livre apreciação do tribunal, como sempre sucederá, de resto, no caso de acção relativa a direitos indisponíveis em que a confissão se tem por inadmissível (artº 354 b) do Código Civil).(…)
E assim sendo, ”É admissível a valoração do depoimento de parte, no segmento em que não produz confissão, à luz da livre apreciação do tribunal. (5)
Como igualmente se refere no Acórdão do S.T.J., de 5/05/2015, “O depoimento de parte prestado por um dos litisconsortes que se revele não possuir a virtualidade de servir como confissão, ainda que reduzido a escrito no momento em que é prestado, pode/deve ser livremente apreciado pelo julgador, no momento da apreciação de toda a prova produzida para a, ou na, formação do seu juízo conviccional. (6)
No que concerne à sua valoração, nos termos do Artigo 466, nº 3), do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.

No segmento em que não constituem confissão, as declarações de parte são – na definição legal – livremente apreciadas.
(…)
Reconhecendo esta amplitude do depoimento de parte refere-se no Ac. do STJ de 16.03.2011 (7), o Juiz no depoimento de parte não está espartilhado pelo escopo da confissão, podendo ali colher alguns elementos para a boa decisão da causa de acordo com o princípio da “livre apreciação da prova”.
“Pois, na sequência de correspondente opção legislativa, a lei processual civil tem feito florescer cada vez mais os poderes inquisitórios, em detrimento do princípio do dispositivo, com vista à maior aproximação do juiz à verdade material, sendo disso afloramento os art.s 6º, 7º, 411º e 452º, nº 1, que correspondem aos art.s 265º nº3, 266º nº2 e 552º nº1 do Código de Processo Civil de 1961.
“Permite-se que o Tribunal, em qualquer altura do processo, possa determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento sobre factos que interessem à decisão da causa, cfr. resulta dos art.s 452, nº 1 e 607º, nº 1.
“Acrescendo, que do art. 463º, nº 1, “a contrário”, resulta que quando a parte presta o seu depoimento não se visa exclusivamente a confissão.
“Donde, há que concluir que nada obsta, a que o tribunal na sequência dos poderes que tem de ouvir qualquer pessoa, incluindo as partes, por sua iniciativa, na busca da verdade material, tome em consideração, para fins probatórios, as declarações não confessórias da parte, as quais serão livremente apreciadas, nos termos do art. 607º, nº 5.
“A confissão e o depoimento de parte são, pois, realidades jurídicas distintas, sendo este mais abrangente do que aquela, por ser um meio de prova admissível mesmo relativamente a factos que não sejam desfavoráveis aos depoentes, caso em que ficará sujeito à livre apreciação do tribunal”.
Conforme refere o Ac. Do STJ de 02.10.2003, proc. 03B1909, in www.dgsi.pt e Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª ed., pág. 573, “Ainda, no sentido de que os simples esclarecimentos ou afirmações que não possam valer como confissão, podem valer como elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do Tribunal, podem ver-se, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, 1999, Almedina, pág. 387, Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, pág. 248, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. II, pág. 211 e os Ac.s do STJ, todos disponíveis in www.dgsi.pt, de 5.11.2008, procº 1902/2008, de 21.01.2009, procº 3966/2008, 10.12.2009, e de 20.01.2004, procº 03S3474.
Neles se adoptou o entendimento de que o depoimento de parte, que não redunde em confissão - por respeitar a factos favoráveis ao depoente -, é de livre apreciação pelo tribunal”.(8)(…)
Do exposto somos a concluir que o depoimento de parte, conduzindo ou não à confissão, pode ser livremente valorado pelo tribunal a quo para fundar a sua convicção acerca da veracidade de factos controvertidos favoráveis a qualquer das partes. E podendo assim ser valorado, tal pressupõe que o mesmo tem igualmente de poder ser admitido apenas com esse fundamento, ou seja, incidindo apenas sobre factos favoráveis.
Deste modo, impõe-se a procedência da presente apelação e a consequente revogação da decisão recorrida, admitindo-se o depoimento de parte requerido a toda a materialidade pretendida, com a consequente anulação da sentença proferida.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, decide-se revogar o despacho recorrido, admitindo-se o requerido depoimento a toda a materialidade para que foi indicado, com a consequente anulação da sentença proferida.
Custas pelos Recorridos.
Guimarães, 16.12.2021

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Margarida Gomes
Conceição Bucho