Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1362/18.9T8VRL.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: VENDA
INVALIDADE
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
SOCIEDADE POR QUOTAS
ACTAS FICCIONADAS
ASSEMBLEIAS INEXISTENTES
ASSINATURA FALSIFICADA
DELIBERAÇÃO DE VENDER
PODERES PARA OUTORGAR O NEGÓCIO
PRINCÍPIO DO PRIMADO DO DIREITO EUROPEU
VINCULAÇÃO DOS TERCEIROS IMEDIATOS E SUCESSIVOS ADQUIRENTES
RELAÇÕES INTERNAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

1. Pretendendo-se, com base em vícios da primeira venda e seu reflexo nas subsequentes, anulá-las todas, opor a invalidade aos adquirentes (e beneficiários dos ónus entretanto registados) e restituir o prédio vendido e onerado ao domínio da Sociedade vendedora (já extinta) e, como fundamento, se alegando que todos os demandados tinham conhecimento dos ditos vícios, dada a afectação que, no caso de procedência, se produziria nos interesses de todos e de cada um destes, está-se ante caso de litisconsórcio necessário – artº 33º, CPC.
2. Não tendo alguns dos réus contestado mas tendo os que deduziram oposição impugnado tal factualidade, tanto basta para, por um lado, afastar a pretendida aplicação do nº 2, do artº 574º, CPC (que não alberga a posição dos litisconsortes mas se cinge à de cada contestante, sendo certo que, de todo o modo, estando em causa factos opostos à defesa considerada no seu conjunto, não poderia aquela ser considerada admitida por acordo); e, por outro, a do artº 567º (revelia dos réus não contestantes), pois que este não se aplica excepcionalmente, no caso, por força das alíneas a) e c), do artº 568º.
3. Ademais, tais factos, na audiência prévia, foram considerados controvertidos, incluídos nos temas de prova e a decisão não foi alvo de qualquer oportuna reclamação pelas partes.
4. Não constitui confissão eficaz, inequívoca e indivisível – artºs 352º e sgs, CC – a declaração imputada a dois dos réus como tendo sido feita na audiência final de que a adquirente e subadquirente sabiam dos vícios, tanto mais que das actas não consta qualquer assentada nem que o depoimento tenha suscitado quaisquer dúvidas ou tal omissão sido alvo de reclamação – artºs 462º e 463º, CPC.
5. A noção de “factos indiciários” não se confunde com a de “factos indiciariamente” provados. Esta tem a ver com o modo ou grau de convicção adquirida sobre a veracidade de certos factos, admitida por lei, v.g., nas providências cautelares, como suficiente para basear a decisão. Aquela, respeita ao carácter instrumental de que certos elementos fácticos se revestem para, conjugados com outros meios de prova e avaliados globalmente, convencer da veracidade dos factos essenciais.
6. A interpretação do artº 260º, do Código das Sociedades Comerciais, deve ser feita em conformidade com o disposto no artº 9º, da 1ª Directiva do Conselho da EU, de 09-03-1968, e o seu sucedâneo artº 10º, da Directiva 2009/101/CE, e 16-09-2009, por força do princípio do primado do Direito Europeu.
7. Tendo dois dos três sócios (detentores da maioria do capital social) e gerentes de uma sociedade por quotas (que se obrigava com a assinatura de dois deles), vendido um prédio rústico e, para o efeito, apresentado ao Notário que celebrou a escritura duas actas ficcionadas de assembleias inexistentes, com assinatura falsificada do terceiro sócio e também gerente que já havia falecido antes, em que supostamente a deliberação de vender e a de àqueles conferir poderes para outorgar o negócio consta terem sido aprovadas, disposição que, de acordo com o artº 246º, nº 2, alínea c), do CSC, está, porém, compreendida nos actos cuja execução lhes podia ser cometida, ela fica vinculada perante os terceiros imediatos e sucessivos adquirentes, tanto mais que não se provou que estes sabiam, ou não podiam ignorar, tendo em conta as circunstâncias, daqueles vícios, cujos efeitos se confinam, assim, às relações internas e não às externas.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO [1]

Os autores:

1ª-C. M.,
2º-P. M. e
3ª-J. S.,

Intentaram, em 03-07-2018, no Tribunal de Vila Real, acção declarativa, de condenação [2], sob a forma de processo comum, contra os réus:

1º-E. R., na qualidade de legal representante dos sócios de X – Comércio e Indústria da Vinhos, SA, e, bem assim, dos sócios da Sociedade Agrícola Quinta de ..., Ldª,
2º-J. M., na qualidade de legal representante dos sócios da Sociedade Agrícola Quinta de ..., Ldª,
3º-J. E.,
4ª-M. B.,
5º-D. M.,
6ª-Caixa ..., Cooperativa de Responsabilidade Limitada,
7ª-Y – Indústria de Pré-Esforçados e Construção Civil, Lda.,
8ª-Autoridade Tributária e Aduaneira, Serviços de Finanças de ..., depois rectificado para Estado Português,
9ª-W (Portugal) Unipessoal, Lda, e
10ª-K – Quinta do Vale ..., Unipessoal, Lda.

Formularam o seguinte pedido:

“…deve a acção ser julgada, por provada, e consequentemente:
a) Declarar-se a inexistência das assembleias gerais de 10 de Janeiro de 2001 da Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda; ou, caso assim não se entendesse;
b) Declarar-se a nulidade das referidas assembleias gerais, por não terem sido convocadas, nos termos dos artigos 56.º, al. a) do Código de Processo Civil;

Consequentemente,
c) Declarar-se a nulidade das escrituras de compra e venda outorgadas pelos R.R. em 14 de Outubro de 2001, 3 de Março de 2002 e 23 de Dezembro de 2010, relativas ao prédio rústico sito em ... ou ..., com a área de 58.935 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia de ... sob o número ..., e inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o n.º ...;
d) Declarar-se a oponibilidade das nulidades aos réus sucessivamente adquirentes do prédio em causa;
e) Ordenar-se a restituição de tudo o que haja sido indevidamente prestado em consequência da declaração de nulidade das referidas escrituras de compra e venda;
f) Reconhecer-se a Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., como proprietária do prédio rústico sito em ... ou ..., com a área de 58.935 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia de ..., sob o número ..., e inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o n.º ...;
g) Ordenar-se o cancelamento das penhoras e hipotecas registadas sobre o prédio em questão;
h) Ordenar-se a restituição à Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., do prédio sito em ... ou ..., com a área de 58.935 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia de ..., sob o número ..., e inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o n.º ....”

Como fundamentos, alegaram, resumindo:

A Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda, foi constituída, em 29-11-2000, por M. A., marido da 1ª autora C. M. e pai dos 2º e 3ª autores, e pelos réus J. M. e E. R., irmãos daquele. Os autores titularam, conjuntamente, uma quota.
A sociedade comprou, em 07-12-2000, o prédio rústico referido no petitório e nele investiu a plantar uma vinha.
Foram elaboradas duas actas referentes a uma assembleia societária, ambas datadas de 10-01-2001, nelas constando que estiveram presentes os três sócios da dita sociedade, que deliberaram, por unanimidade, vender o referido prédio, pelo preço de 4.987,98€, e que designaram aqueles dois sócios (réus J. M. e E. R.) para representarem a sociedade na escritura de compra e venda.
O referido marido e pai dos autores (M. A.) faleceu em ..-03-2001, tendo-lhe sucedido, na titularidade da sua quota, os autores como seus herdeiros, conforme partilha.
Sucedeu que as duas referidas assembleias, de 10-01-2001, não foram convocadas, não se realizaram nem o dito sócio M. A. esteve presente, assim como não assinou as atas com o seu nome.
Não obstante, a sociedade “...” vendeu, em 14-10-2002, o prédio à 4ª ré M. E. (que é casada com o 5º réu D. M. e irmã dos 1º e 2º réus E. R. e J. M. e daquele falecido sócio, portanto cunhada e tia dos autores, respectivamente).
Essa 4ª ré e o marido 5º réu, viriam a vendê-lo, em 03-03-2003, à “X” (que havia sido constituída em 04-01-2003 pelos irmãos-réus J. M., E. R. e M. E. e, ainda, por S. M., S. A. e AA.) e que no acto foi representada pelo administrador S. A., cargo a que este viria a renunciar em 10-11-2006 – seria depois este seu ex-sócio a informar os autores sobre o sucedido.
A “X” vendeu, em 23-12-2010, o prédio rústico denominado ... ao 3º réu E. R., filho do 1º réu E. R..
Os réus E. R., J. M., D. M., M. E. e E. R. (bem como os sócios da “X”) sabiam que aquelas duas referidas assembleias de “..., Lda” não se realizaram, que as actas respectivas eram falsas, bem como a assinatura nelas aposta como pertencendo ao sócio M. A., alheio às mesmas, e do prejuízo que a venda (face aos preços e ao investimento que fora feito) acarretou àquela sociedade.
A “...” foi extinta em 23-11-2012, exercendo as funções de Liquidatários os réus J. M. e E. R..
A “X” foi extinta em 08-06-2006, exercendo as funções de Liquidatário o réu E. R..
Conclui, assim que as assembleias não realizadas são juridicamente inexistentes, ou nulas por não precedidas das formalidades, designadamente convocatória e que é nula a venda do prédio feita pela “...”, assim como as vendas subsequentes, nulidade esta oponível aos réus, por de tudo terem perfeito conhecimento.
Não obstante, sobre o prédio foram registadas diversas garantias reais, figurando o réu E. R. como devedor/executado, a saber: hipoteca voluntária à Caixa ..., penhora a favor da “Y”, da Fazendo Nacional, da “W” e da “Quinta Vale ...”.
Na execução fiscal da Fazendo Nacional em que ocorreu penhora, o prédio foi vendido em leilão electrónico, em 18-06-2018, à ré “C. B.”.
Deverá ele, porém, ser restituído à “...”.

Contestações:

-A Caixa ... impugnou, mormente por desconhecimento, a maior parte dos factos a que disse ser alheia e alegou que agiu sempre na convicção de que o prédio que lhe foi dado, pelo réu J. E., em garantia hipotecária do mútuo, a este pertencia, assim constando do registo e assim aquele se tendo comportado quando um avaliador lá se deslocou e aí foi por ele recebido (e pelo pai, 1º réu E. R.). Por isso, é-lhe inoponível qualquer nulidade de qualquer transmissão.

-O Estado, no essencial, impugnou e alegou em termos similares.

Entretanto, os autores, em 02-04-2019, apresentaram articulado em que ampliaram o pedido e deduziram incidente de intervenção principal provocada de “C. B. – Family Estates, Ldª”, tendo alegado para tanto, em síntese, que o prédio em causa foi a esta adjudicada e por ela registado a seu favor, pelo que também a respectiva venda executiva deve ser declarada nula.

Consequentemente, pediram que, admitindo-se a ampliação, seja também declarada a nulidade/anulação da venda do prédio, ocorrida no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...................132 e apensos e, consequentemente, da sua adjudicação à chamada e cancelado o registo de aquisição datado de 21 de Agosto de 2018.

Por despacho de 08-05-2019, decidiu-se admitir a ampliação da causa de pedir e do pedido, bem como a intervenção.

A Chamada “C. B.contestou, impugnando a factualidade narrada pelos autores, por desconhecimento, alegando que agiu na ignorância de qualquer vício e sempre na convicção de que o prédio era propriedade do executado E. R., observando que o referido S. A. é filho da 1ª autora e irmão dos 2º e 3º autores, participou na aquisição do prédio pela “X” à sua Tia M. E., não se compreendendo que tenha sido ele a informá-las da situação alegada e tenha feito também várias licitações aquando da venda executiva, considerando que tudo se deve ao facto de a contestante ter superado o seu lanço e estranhando ainda, além do mais, que os autores reclamem a propriedade do prédio para a “Quinta do ...” quando tal sociedade já se encontra extinta, o que entende ser juridicamente impossível.

Além disso, deduziu reconvenção, pedindo que, no caso de a acção vir a ser julgada procedente, sejam os autores condenados a pagar-lhe, a título de alegadas benfeitorias realizadas no prédio, e posteriormente concretizadas a convite, a quantia de 30.000,00€.

Os demais réus, apesar de citados por meio de carta registada com aviso de recepção, não contestaram.

Os autores replicaram às três contestações, contraditando as excepções, refutando os argumentos e mantendo a sua tese.

Na audiência prévia, os autores rectificaram alguns itens da petição, desistiram do pedido da alínea e) e fizeram um acrescento aos pedidos f) e h), no sentido de que se reconheça que o prédio em causa nunca saiu validamente da titularidade da sociedade disponente.

Foi fixado o valor da causa, admitida a reconvenção, verificados tabelarmente os pressupostos processuais, identificado o objeto do litigio e enunciados os temas da prova.

Por fim, apreciaram-se os requerimentos probatórios, admitindo-se a realização de uma perícia à questionada assinatura.

Junto o relatório pericial, designou-se e realizou-se a audiência de discussão e julgamento, nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas.

No seu decurso, além do mais, a Interveniente apresentou articulado superveniente, no qual requereu a ampliação do pedido – o que foi admitido, tendo-o os autores contestado.

Foram também prevenidas as partes de que o Tribunal tencionava ponderar factos resultantes de depoimentos de parte.

Com data de 04-06-2021, foi proferida a sentença, que, considerando prejudicada a apreciação do pedido reconvencional, culminou na seguinte decisão:

“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência,
Declaro a inexistência das assembleias gerais de 10 de Janeiro de 2001 da Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda;
Julgo a ação improcedente quanto ao demais, absolvendo os R.R. e Interveniente do demais pedido;
Custas, por um lado, a cargo dos A.A. e, por outro lado, a cargo dos R.R. e Interveniente, na proporção dos respetivos decaimentos (sendo o dos R.R. e Interveniente de € 30.000,01) - art. 527º, n º 1 a 3, do C.P.C.
Registe - art. 153º, n º 4, do C.P.C.
Notifique - art. 220º, n º 1, do C.P.C.”.

Os autores, inconformados em parte, apelaram, tendo nestes termos concluído as suas alegações: [3]

“A. O Tribunal a quo fez errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do Direito. Uma e outra carecem de ser alteradas.
B. Foram incorrectamente julgados, ao serem dados como provados na Sentença recorrida, os factos n.ºs 29, 31 a 33, 35, 36, 38, 40, 44 e 45 e, bem assim, os factos não provados n.ºs 1 a 5.
C. O facto 29 da matéria dada como provada deve ter-se por não provado porque da prova produzida nos autos e invocada na motivação da sentença não se retira que a CAIXA ... tenha agido na convicção de que o prédio onerado com a hipoteca constituída a seu favor pertencia ao Recorrido J. E. - antes se retira que a CAIXA ..., no âmbito da operação de constituição de hipoteca e contrato de mútuo, lidou sempre com o Sr. E. R., pai de J. E. e que era e sempre este o dono da propriedade.
O filho, o Recorrido E. R., detinha apenas uma “mera aparência de propriedade” o que também se prova pelo facto de os Réus E. R. e J. M. serem garantes do mutuo concedido àquele por serem os verdadeiros donos do prédio [18].
D. Quanto ao facto 31 da matéria dada como provada deve apenas ter-se por provado que “Até 18.06.2018, o Estado Português agiu na convicção de que o prédio pertencia ao R. J. E., sendo que, na data da adjudicação do prédio à Interveniente C. B., o Estado Português tinha já conhecimento da acção de reivindicação do prédio proposta pelos Autores e que o prédio não pertencia àquele J. E.”, porque, por força do facto provado n.º 30 e das declarações da testemunha J. C. [19] ficou assente que o Estado Português, pelo menos desde 18 de Junho de 2018, sabia da invalidade da venda originária.
E. Os factos 32 e 33 da matéria dada como provada foram incorrectamente julgados porque ficou demonstrado em Tribunal, através do depoimento de parte do Recorrido J. M. e do depoimento da testemunha S. A. [20] e, bem assim, do registo da acção constante da certidão de registo predial desde data anterior à adjudicação, que, em Fevereiro de 2018, o legal representante da Recorrida C. B. foi alertado para sobre a existência de uma problema no imóvel e, em 18 de Junho de 2018, foi informado sobre a falsificação das actas em causa [21]. Para além disso, a acção de reivindicação aqui em causa é anterior à adjudicação do prédio à Recorrida C. B.. Os elementos constantes dos autos implicam considerar apenas como provado que:
32 – A C. B. – Family Estates Lda. foi alertada, em Fevereiro de 2018, sobre a existência de um problema no imóvel e, em 18 de Junho de 2018, logo após a realização do leilão, foi informada sobre a falsificação das actas em causa.
33 - A C. B. – Family Estates Lda, depois de 18 de Junho de 2018, não podia ignorar que o prédio não pertencia ao Réu J. E.. (ver pp_ das alegações).
F. Os factos 35 e 36 da matéria dada como provada foram incorrectamente fixados porque: (i) quanto ao facto 35: decorre dos depoimentos das testemunhas M. M. e de S. A., contrariamente ao que resulta do depoimento do legal representante da Recorrida C. B. – naturalmente parcial – que, no ano de 2018, a C. B. poucos serviços realizou no imóvel e (ii) quanto ao facto 36: não existe qualquer prova documental que ateste a realização de tal despesa, a testemunha M. M. confirmou que a Recorrida C. B. não tinha sempre trabalhadores a trabalhar na vinha nos últimos 3 anos e a própria Recorrida C. B. alegou que, quanto ao valor da mão de obra em questão - 22.176,00€ - se tratam de trabalhadores que também realizam os mesmos trabalhos ou grande parte deles nas demais vinhas de que a C. B. é titular.
G. Conjugada a prova produzida, quanto ao facto n.º 35, devia o Tribunal a quo discriminar os serviços efectuados em cada ano em causa, e apenas ter dado como provado que:
A Reconvinte, em 2018, procedeu aos seguintes serviços, no prédio em causa:
- poda;
- triturou as vides;
- fez as amparas;
- fez as despontas com podas em verde.
Nos anos de 2019 e de 2020, a Reconvinte procedeu aos seguintes serviços, no prédio em causa:
a) Limpeza da vinha, que passou essencialmente numa primeira fase pela eliminação de ervas daninhas;
b) Limpeza das cepas da vinha até às raízes principais, descascando-as à mão;
c) Desinfestação das videiras;
d) Pulverização da vinha com caldas ferro-cálcidas;
e) Reparação de bardos, lateiros e ramadas;
f) Substituição e endireitamento dos esteios e esticadores;
g) Conserto de arames da vinha;
h) Processo de enxertia com utilização de castas apropriadas;
i) Corte de raízes que surgiram posteriormente ao enxerto;
j) Tratamento da vinha com sulfato de cobre e enxofre;
k) Tratamento da vinha contra os “inimigos” das videiras;
l) Adubação da vinha;
m) Escavação para a retenção das águas das chuvas, e bem assim limpeza de valas e regos para escoamento dos excessos de águas;
n) Poda;
o) Desfolhagem em volta dos cachos.
H. Porque inexiste nos autos prova capaz de fixar matéria contante do facto 36 como provada, sendo insuficiente para a prova da veracidade do seu conteúdo e das concretas despesas alegadas, as meras declarações de parte do legal representante da Autora, deve o facto n.º 36 dar-se como não provado.
I. Os factos 38 e 40 da matéria dada como provada devem ter-se por não provados porque: (i) os documentos/facturas juntos aos autos para prova desta despesa foram impugnados pelos Recorrentes, sendo insuficiente para a prova da veracidade do seu conteúdo e das concretas despesas alegadas as meras declarações de parte do legal representante da C. B. (nos termos do disposto no artigo 607º, n.º 5, do CPC); (ii) as facturas não fazem qualquer referência ao prédio em questão nos presentes autos; (iii) delas constam vários equipamentos/produtos que não são utilizados num só ano agrícola, a saber: serrotes, limas, galochas e um perfurador STIHL; (iv) delas constam vários produtos e serviços que não poderiam ser usados no prédio em questão nos persentes autos, tais como: toldes mono filme constantes da factura n.º 1/144 – utilizados para a apanha da azeitona quando o prédio tem vinha plantada; grampos para embardamento em pau – Grampo ZN FARP, Grampo ARPAO e Grampo CROCHET – quando o prédio está embardado em esteios de xisto e Trabalhos de camião 3 eixos e máquinas de grande porte [22]; (v) as facturas números 1/144, 1/129, 1/128, 1/169, 1/172, 2018A8/483 e 2018ª40/283 foram emitidas em data muito anterior à aquisição do prédio pela C. B. o que, naturalmente, as torna inaptas para que as despesas delas constantes possam ser consideradas [23].
J. O facto 44 da matéria dada como provada deve ter-se por não provado porque o documento junto pela Recorrida C. B. para esse efeito – devidamente impugnado pelos Recorrentes - nenhuma prova faz de que se trata de uma despesa paga para legalização da vinha sita no prédio de ... ou ....
K. A matéria constante do ponto 45 dos factos provados deve ter-se por não provada porque a Recorrida C. B. não juntou qualquer documento que comprove a entrega na Câmara ... de projecto de arquitectura relativo ao prédio, que o projecto se referisse ao prédio, nem fez qualquer prova do pagamento das taxas relativas a esse projecto e porque não se pode associar o edifício pretensamente a construir a uma necessidade do prédio ou dos cultivos nele existentes mas antes, a existir necessidade, do conjunto da exploração agrícola da C. B. que se desenvolve por diversos terrenos.
L. Mas a leviandade da consideração de tal projecto na Sentença recorrida evidenciasse quando a Recorrida alegou a entrega de um projecto de arquitectura na Câmara Municipal de … quando para licenciar uma construção de um edifício no prédio em causa seria competente a Câmara Municipal de … pois é neste concelho que o mesmo se situa.!
M. A matéria constante dos pontos 1 e 4 da matéria dada como não provada deve ter-se por provada porque: (i) regularmente citados da acção, os Recorridos M. E. e X não apresentam contestação, pelo que, nos termos do n.º 2 do art. 574º do CPC, se devem ter por admitidos por acordo tais factos (alegados pelos Recorrentes na PI), (ii) para além disso, os Recorridos E. R. e J. M. confessaram em Tribunal que a Recorrida M. E. sabia da falsificação das actas em causa e que e que a venda do prédio a esta teve como único propósito a preservação do património na família, tanto é que não houve, nesta venda, real pagamento do preço [24] e (iii) à data da venda do prédio por M. E. à X esta era sócia desta sociedade a qual foi constituída escassos dois meses antes de adquirir o imóvel e justamente para esse efeito.
N. A matéria constante dos pontos 2 e 3 da matéria dada como não provada devem ter-se por provados porque, regularmente citados da acção, os Recorridos D. M. e E. R., não apresentam contestação, pelo que, nos termos do n.º 2 do art. 574º do CPC, se devem ter por admitidos por acordo tais factos (alegados pelos Recorrentes na PI).
O. A matéria constante do ponto 5 da matéria dada como não provada deve ter-se por provada porque regularmente citados da acção, os Recorridos, não apresentam contestação, pelo que, nos termos do n.º 2 do art. 574º do CPC, se devem ter por admitidos por acordo tais factos.
P. Por outro lado, o Tribunal recorrido, ao contrário do que prescrevem os arts. 5º e 607º, nº 4 do Código de Processo Civil, que assim foram violados, não considerou na Sentença os factos instrumentais e, bem assim, aqueles que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, pelo que compete a esse Venerando Tribunal, no Douto Acórdão que vier a proferir, substituir-se à decisão da primeira instância, aditar os factos atrás referidos para o que os autos fornecem os necessários elementos (art. 665º do CPC).
Q. Por resultarem de documentos juntos aos autos pela parte a quem o conteúdo é desfavorável (art. 376º, nº 2 do Código Civil), além dos factos indiciariamente julgados provados, deveriam ter sido considerados indiciariamente provados, ao menos os seguintes factos:
i. Que a venda do prédio rústico sito em “... ou ...” foi feita pela Sociedade Agrícola ... à Recorrida M. E. e marido mas não foi por esta efectuado o pagamento do preço da venda – conforme resultou confessado pelo Recorrido J. M. no seu depoimento: [00:13.43] J. M.: Tanto é que não houve dinheiro a transitar. Foi mesmo só para dar espaço. Mais nada [25].
ii. Que, em 17 de Maio de 2018, o Recorrido J. E. e a C. B. – Family Estates, Lda, celebraram um contrato promessa de compra e venda relativo a dois imóveis, um dos quais o prédio rústico sito em “... ou ...”, em causa nos autos, nos termos e com o conteúdo dele constante – facto provado por documento junto aos autos pela Recorrida C. B. – Family Estates, Lda com a sua contestação;
iii. Que, em 15 de Junho de 2018, foi celebrado entre a Caixa ... e a C. B. – Family Estates, Lda, um contrato de mútuo com fiança e promessa de hipoteca, nos termos e com o conteúdo dele constante – facto provado por documento junto aos autos pela CAIXA ... em 5.11.2019. (ver pp_ das alegações).
R. Alterados os factos conforme se requereu e relacionados que sejam os factos ora requeridos aditar, bem como os demais julgados e indiciariamente provados, e após declarar a inexistência jurídica das deliberações sociais em causa, impõe-se a alteração da decisão por forma a acolher os pedidos formulados.
S. A interpretação perfilhada pelo Tribunal a quo quanto ao disposto no art. 260º, n.º 1, do CSC não pode ser aplicada aos presentes autos, atenta a factualidade nele produzida.
T. In casu, não estamos perante um simples acto dos sócios gerentes praticados dentro dos poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos. Em causa está um acto que extravasa esses poderes e que foi amparado por um expediente fraudulento.
U. Atestar-se que um sócio esteve presente nas assembleias gerais de 10 de Janeiro de 2001, que aprovou a venda do prédio rústico de ... pelo preço de € 4.987,98 e conferiu poderes aos Recorridos J. M. e E. R. para representar a Sociedade na respectiva escritura de compra e venda, sendo tudo isso falso, não é apenas uma formalidade que se mostra omitida, mas algo que, sendo verdadeiramente fundante ou constitutivo do negócio jurídico em causa (venda do imóvel), ao não se ter verificado verdadeiramente (antes com recurso a um meio ilegal), deve, contrariamente ao decidido, acarretar consequências quanto à sua validade.
V. A Sentença recorrida errou ainda ao considerar apenas a primeira parte do nº 1 do art. 9º da Directiva 68/151/CEE, desprezando a sua segunda parte que permite aos Estados Membros prever que a sociedade não fica vinculada, quando aqueles actos ultrapassem os limites do objecto social, se ela provar que o terceiro sabia, ou não o podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto ultrapassava esse objecto.
W. Faculdade essa que foi usada por Portugal, quanto às sociedades por quotas, no art. 260º do Código das Sociedades Comerciais que prevê que os actos dos gerentes vinculam a sociedade, se a) forem praticados em nome da sociedade; b) forem praticados dentro dos poderes que a lei lhes confere.
X. A sociedade não é vinculada por acto que não esteja compreendido nos poderes que a lei atribui ao órgão, embora esteja compreendido em poderes que a lei permitia atribuir ao órgão, mas que nessa sociedade não lhe foram atribuídos.
Y. A protecção conferida aos terceiros que consiste na consideração da aparência da existência de poderes dos gerentes cede perante o conhecimento pelos terceiros de que os gerentes não tinham tais poderes e que falsificaram deliberações dos sócios em ordem a criarem uma falsa aparência da existência de tais poderes.
Z. Ao decidir como decidiu a Sentença recorrida violou, pois, os artigos 246º e 260º do Código das Sociedades Comerciais e o art. 9º, 2º parte da Directiva 68/151/CEE do Conselho, e, bem assim, o art. 294º do CC, impondo-se a sua alteração por acórdão que declare inválida perante a Sociedade Quinta de ... a escritura de compra e venda outorgada em 14 de Outubro de 2002 (vd pp. 26 a 29 das alegações) e, por conseguinte, também os negócios que se lhe seguiram.
AA. Tratando-se a presente de uma acção de reivindicação (art. 1311º do CC), a nulidade dos sucessivos negócios sobre o prédio ... ou ... só não seria oponível aos sucessivos adquirentes – Recorridos – que lograssem provar a sua boa fé na aquisição e, como tal, pudessem beneficiar da especial tutela dos terceiros adquirentes de boa fé (art. 291º do CC), o que não sucedeu, como se demostra:
(a) No caso dos Recorridos M. E., D. M. e E. R., apesar de regularmente citados, não apresentaram contestação, o que significa que não alegaram, nem provaram, factos que integrem o requisito da boa fé, tal como formulado no art. 291º, n.º 3, do CC. Para além disso, no caso da Recorrida M. E., ficou demonstrado que esta conhecia os vícios que tiveram na origem da venda originária do prédio e que não efectuou qualquer pagamento pela compra do imóvel cujo preço não pago era, de resto, muito inferior ao seu valor– conhecimento esse que não pode deixar de ser extensível à Recorrida X, pelo facto de esta ser sócia desta sociedade aquando da aquisição do imóvel pela X e de esta sociedade ter sido constituída escassos dois meses antes da aquisição e para esse fim.
(b) Resultou ainda provado nos autos que o Estado Português sabia da falsificação das actas em causa muito antes da adjudicação do imóvel à Recorrida C. B., facto que também era do conhecimento do legal representante da C. B.. Para além disso, consta da certidão permanente do prédio de ..., que o registo de aquisição do mesmo pela Recorrida C. B. (20.08.18) é posterior ao registo da presente acção (07.07.18).
(c) Ainda quanto à Recorrida C. B., esta não só não logrou demonstrar a sua boa fé como existem ainda nos autos indícios da sua manifesta má fé pois que, quer o conteúdo do contrato promessa celebrado em 17 de Maio de 2018 com o Recorrido E. R., quer o contrato de mútuo celebrado em 15.06.2018 com a CAIXA ... (mormente o disposto na sua clausula 9ª, n.º 1 a 4), indiciam que existiu um negócio entre a Caixa ..., a C. B. e E. R. para que a C. B. adquirisse o imóvel a todo o custo.
BB. Decidindo como decidiu, a Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 1311º e 291º ambos do CC.
CC. Errou ainda o Tribunal recorrido ao entender, sob a forma de consideração, que existe in casu uma impossibilidade jurídica de restituição do prédio à sociedade agrícola Quinta ....
DD. O art. 164º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais prevê especificamente o regresso à esfera dos sócios de um bem que nunca saiu da sociedade – o que é o caso.
EE. A venda deriva de um acto juridicamente inexistente pois, como é sabido, compete aos sócios quando tal não esteja previsto, como não estava no pacto social, a aquisição e alienação de bens imóveis, donde não existindo tal deliberação, a venda originária é um acto que não produz quaisquer efeitos jurídicos o que acarreta, inelutavelmente, que o prédio nunca tenha saído da esfera jurídica, do património da Sociedade Agrícola Quinta ... e perante a sua liquidação por sucessão dos sócios na titularidade daquele bem.
FF. Resultou provado que Serviço de Finanças de ... soube do sucedido ainda antes do depósito do preço e muito antes da adjudicação mister era que tivesse sustado a venda, o que não aconteceu (arts. 839º e 840º do CPC).
GG. Decidindo como decidiu, a Sentença recorrida violou o disposto no artigo 164º, n. º2, do CSC e artigos 839º e 840º ambos do Código de Processo Civil também por isso se impondo a sua alteração de forma a acolher o peticionado.

Termos em que julgando o presente Recurso procedente, revogando, em parte, a Douta Sentença recorrida e substituindo-a por Acórdão que condene os Recorridos nos pedidos, Vossas Excelências farão recta e sã Justiça.
Notas
18 Cfr. depoimento constante da gravação áudio registada com o título 20201203152617_1347680_2871878, da audiência de 03.12.2020, entre os minutos 00:04:51 e 00:05:21, (ii) depoimento constante da gravação áudio registada com o título 20201203155423_1347680_2871878, da audiência de 03.12.2020, entre os minutos 00:05:30 e 00:07:02 e (iii) depoimento constante da gravação áudio registada com o título 20201203104649_1347680_2871878, da audiência de 03.12.2020, entre os minutos 00:07:56 e 00:08:52.
19 Cfr. depoimento constante da gravação áudio registada com o título 20201203153443_1347680_2871878, da audiência de 03.12.2020, entre os minutos 00:07:00 e 00:07:20.
20 Cfr. depoimento constante da gravação áudio registada com o título 20201203104649_1347680_2871878, da audiência de 03.12.2020, entre os minutos 00:07:58 a 00:08:26 e 00:14:26 a 00:14:51 e (ii) depoimento constante da gravação áudio registada com o título 20201203104649_1347680_2871878, da audiência de 03.12.2020, entre os minutos 00:18:50 e 00:21:49.
21 Não lhe corresponde qualquer texto anotado.
22 Os pontos terceiro e quarto acima mencionados resultam provados pelo testemunho de S. A., conforme depoimento constante da gravação áudio registada com o título 20201203104649_1347680_2871878, da audiência de 03.12.2020, entre os minutos 01:05:28 a 01:09:53.
23 Reconhecendo o legal representante da C. B. que terá ocorrido um erro da contabilidade ao juntar as facturas que motivaram a decisão do Tribunal recorrido quanto a tais despesas, Cfr. depoimento constante da gravação áudio registada com o título 20210107121333_1347680_2871878, da audiência de 07.01.2021, ao minuto 00:14:59.
24 Cfr depoimento constante da gravação áudio registada com o título 20201203100915_1347680_2871878, da audiência de 03.12.2020 entre os minutos 00:22:25 e 00:23:00 e (ii) depoimento constante da gravação áudio registada com o título 20201203104649_1347680_2871878, da audiência de 03.12.2020 entre os minutos 00:13:00:00 e 00:13:45.
25 Cfr. depoimento constante da gravação áudio registada com o título 0201203104649_1347680_2871878, da audiência de 03.12.2020 entre os minutos 00:13:43 e 00:13:52 – ênfase nosso.”

Na resposta, o réu Estado concluiu:

“1 – No recurso que agora apresenta da sentença proferida a 04.06.2021 invocam os recorrentes ter o Tribunal a quo incorrido em erro na apreciação da prova e da alteração da matéria de facto ao considerar como provado, no que ao recorrido Estado Português diz respeito, o ponto 31 da matéria de facto, assim os julgando incorretamente.
2 – Na ótica dos recorrentes, impunha-se, pois, uma interpretação distinta do disposto no artigo 246.º, nº 2, al. c) e no artigo 260.º do CSC e o artigo 9º da Diretiva 68/151/CEE do Conselho, bem como os artigos 294.º, 1311.º e 291.º do CC. [4]
4 – Contudo, na nossa ótica, sentença recorrida não merece qualquer reparo, não enferma de vícios ou nulidades que a invalidem, nela tendo sido efetuada uma correta decisão da matéria de facto e correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
5 – Está corretamente julgada e dado como provada a factualidade constante do aponto 31 da factualidade dada como provada, pois que o Estado Português efetivamente desconhecia até à data da venda -18/06/2018- os factos constantes dos pontos 6 a 9 da factualidade dada como provada, tendo efetivamente agido na convicção de que o prédio penhorado e vendido nesse dia, através de leilão eletrónico, pertencia ao Réu J. E..
6- Na verdade, até à data da venda (18/06/2018) não foi deduzida qualquer oposição, deduzidos embargos de terceiros nem apresentada qualquer reclamação do órgão de execução fiscal que tivesse eventualmente a virtualidade de suspender a tramitação do processo executivo.
7- Também não foi apresentado qualquer requerimento de anulação da venda dentro do prazo de 15 dias a contar da sua realização nem sequer posteriormente.
8-Da mesma forma, não foi objeto de reclamação o despacho de indeferimento proferido pelo Chefe de Finanças relativamente ao pedido de “suspensão de todas as diligências de venda do prédio rústico apresentado por fax pelas 19 horas e 27 minutos do dia 03/07/2018 data em que a sociedade adjudicatária procedeu ao depósito do valor da venda.
9- Por outro lado, ao contrário do que é entendimento dos recorrentes, o Tribunal a quo fez uma correta interpretação do disposto no artigo 260.º nº 1 do CSC e do artigo 9º (nomeadamente da sua segunda parte) da Diretiva 68/151/CEE do Conselho.
10 - Isto é, como bem se afirma na sentença recorrida, a Diretiva 68/151/CEE do Conselho impôs que as sociedades ficassem vinculadas perante terceiros pelos atos realizados pelos seus órgãos, a não ser que esses atos excedessem os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos.
11- Ora, o artigo 260.º, n º 1, do CSC determina que: “Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios”.
12 - Assim sendo, a sociedade fica vinculada também pelos atos que, apesar de não estarem dentro dos poderes que a lei confere aos gerentes, estejam dentro dos poderes que a lei permite conferir-lhes, tal como acontece com a alienação/venda e oneração de bens imóveis, nos termos do artigo 246.º, n º 2, c), do CSC, ou seja, tal como aconteceu na situação sub judice.
13- Na verdade, os únicos sócios gerentes da Sociedade Agrícola “Quinta ..., Lda.”, os réus e recorridos E. R. e J. M. decidiram realizar a venda, dentro dos poderes que a lei permitia conferir-lhes nos termos do artigo 246.º, n º 2, c), do Código das Sociedades Comerciais.
14- Assim, a sociedade “Quinta ..., Lda.” ficou vinculada a tal decisão de alienação razão pela qual a venda por eles decidida e efetuada nunca poderá ser inválida, com fundamento na inexistência ou nulidade de deliberação de todos os sócios.
Por estes fundamentos deverá o presente recurso ser julgado improcedente e manter-se, consequentemente, a sentença recorrida.
Assim se fazendo sã e inteira JUSTIÇA”.

E a Caixa ...:

1 - Os recorrentes interpuseram recurso do Acórdão com o fundamento de ter existido um erro na apreciação da prova e da alteração da matéria de facto, por considerarem, que ao serem dados como provados no Acórdão os factos constantes dos nºs. 29, 31 a 33, 35, 36, 38, 40, 44 e 45 foram os mesmos incorretamente julgados, bem como, os factos que integram os nº.s 1 a 5 dos factos não provados, que os mesmos consideram que deveriam ter sido dados como provados.
2 - Alteração de factualidade, que de acordo com os recorrentes, necessariamente impunha ao Tribunal Recorrido uma interpretação distinta das normas que os mesmos consideraram ter sido violadas.
3 - Os recorrentes consideram que foi violado o disposto no artigo 246.º, nº 2, al. c) e no artigo 260.º do CSC e o artigo 9º da Diretiva 68/151/CEE do Conselho, bem como os artigos 294.º, 1311.º e 291.º do CC.
4 - Com o devido respeito não assiste razão aos recorrentes, porquanto o acórdão recorrido é, do ponto de vista técnico-jurídico, irreparável, não enferma de vícios ou nulidades que o invalidam, fez correta decisão da matéria de facto e correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
5 - Ao contrário do que é entendimento dos recorrentes, o Tribunal a quo fez uma correta interpretação do disposto no artigo 260.º nº 1 do CSC e do artigo 9º (nomeadamente da sua segunda parte) da Diretiva 68/151/CEE do Conselho.
6 - Entendimento do Tribunal, que além de maioritário na nossa jurisprudência e doutrina, teve um enquadramento absolutamente logico e racional à factualidade dos presentes autos, porquanto como é obvio, o Tribunal a quo partiu da factualidade em discussão e após analise ponderada e criteriosa da mesma, procedeu a aplicabilidade das normas jurídicas em conformidade.
7 - Do artigo. 9. º nº 1 da Diretiva sobre Sociedades Comercias de 09/03/1968, que: “A sociedade vincula-se perante terceiros pelos actos realizados pelos seus órgãos, mesmo se tais actos forem alheios ao seu objecto social, a não ser que esses actos excedam os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos”. Sendo que, os Estados-membros podem prever que a sociedade não fica vinculada, quando aqueles actos ultrapassem os limites do objecto social, se ela provar que o terceiro sabia, ou não o podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto ultrapassava esse objecto; a simples publicação dos estatutos não constitui, para este efeito, prova bastante.
8 - Isto é, tal diretiva impôs que, as sociedades ficassem vinculadas perante terceiros, pelos atos realizados pelos seus órgãos, a não ser que esses atos excedessem os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos. Ora, o artigo 260.º, n º 1, do CSC determina que: “Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios”.
9 - Assim sendo, a sociedade fica vinculada também pelos atos que, apesar de não estarem dentro dos poderes que a lei confere aos gerentes, estejam dentro dos poderes que a lei permite conferir-lhes, tal como acontece com a alienação/venda e oneração de bens imóveis, nos termos do artigo 246.º, n º 2, c), do CSC.
10 - Ora, o artigo 246.º, nº 2, confere aos gerentes poderes para deliberar sobre as matérias elencadas nas respetivas alíneas, ou seja, a lei, permite conferir aos gerentes, poderes para deliberarem sobre esses assuntos ainda que o contrato de sociedade não confira esses poderes nas sua clausulas, os gerentes vinculam a sociedade apesar de não ter sido tomada deliberação pelos sócios.
11 - Porquanto, mesmo sem disposição estatutária neste sentido, e sem prévia deliberação dos sócios, a sociedade fica sempre vinculada pela alienação e/ou oneração de bens imóveis, perante terceiros pelos atos realizados pelos seus órgãos, a não ser que esses atos excedam os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos, isto é, a sociedade fica vinculada quando os atos não excedam os poderes que a lei atribua aos órgãos que atuam, como também quando os atos não excedam os poderes que a lei permita atribuir aos órgãos que atuam.
12 - O artigo 260.º, n º 1, do CSC, não pode deixar de se interpretar em concordância com o artigo 9.º, nº 1 da já referida Diretiva e em conformidade com o Princípio da Interpretação Conforme.
13 - Certo é, que à data dos factos, a sociedade agrícola “Quinta ..., Lda.”, tinha como gerentes os recorridos E. R. e J. M., sendo que o socio gerente M. A. já havia falecido, tendo os primeiros aludidos sócios gerentes procedido à venda do prédio rustico denominado de “...”, depois de decidirem/deliberarem realizá-la, dentro dos poderes que a lei permitia conferir-lhes nos termos do artigo 246.º, n º 2, c), do CSC, o que consequentemente e necessariamente, vinculou a referida sociedade “Quinta ..., Lda.” a tal venda, logo, a mesma nunca poderá seria inválida, com fundamento na inexistência ou nulidade de deliberação de todos os sócios, no que concerne a referida venda.
14 - O Tribunal a quo decidiu de forma absolutamente irrepreensível, fazendo uma adequada leitura da factualidade e uma correta interpretação das normas.
15 - O acórdão recorrido, deu como provados entre outros factos que:
(28) - A Caixa ..., desconhecia o constante de 6 a 9. E que, (29) - A Caixa ... , agiu na convicção de que o prédio onerado com a hipoteca constituída a seu favor pelo R. J. E., lhe pertencia. Ou seja, os recorrentes conformam-se, e consideraram que os factos constantes do n. 28 (dos factos provados) foi corretamente julgado, porém paradoxalmente, entendem que o facto constante do nº 29 da matéria dada como provada, deveria constar da matéria dada como não provada, isto tão somente porque, a testemunha C. R. no seu depoimento (que desde já se diga, se reproduziu de forma incompleto e descontinuo), refere que a operação foi feita a J. E., embora para o efeito, tenha tido contactos com o seu pai E. R. ….E porque, um outro ex-funcionário, terá dito, que em regra, nas operações da CAIXA ..., não são devolvidos valores aos compradores …
16 – Porém, não se concebe como de tais declarações, se possa extrair que a CAIXA ... não tivesse agido na convicção de que o prédio onerado com hipoteca constituída a seu favor pelo R. J. E., lhe pertencia.
17 - Qualquer homem médio, não concebe que a CAIXA ... e/ou qualquer outra instituição de crédito, concedesse um empréstimo de montante tão elevado, tal como concedeu ao réu E. R., garantindo o seu pagamento com uma hipoteca a onerar o prédio em causa, sabendo a mesma e/ou suspeitando a mesma, que o prédio não fosse do referido réu E. R.. Até porque, a ré CAIXA ..., nenhum interesse teria, nessas circunstâncias (sabendo e/ou suspeitando de que tal imóvel não pertencesse ao réu E. R.), em conceder o empréstimo em causa, muito pelo contrário, esta sabendo ou simplesmente suspeitando, nunca concederia tal empréstimo.
18 - A ré CAIXA ... não possuindo o Dom da adivinhação ou uma varinha de condão, jamais poderia saber ou imaginar da existência da falsificação das actas.
19 - A ré CAIXA ..., agiu sempre de boa fé, porquanto verificam-se claramente os pressupostos para a verificação dos pressupostos do regime de tutela dos terceiros de boa fé estabelecido no artigo 291.º do CC, pelo que lhe é imponível qualquer nulidade de qualquer transmissão da propriedade do prédio em causa.
20 - As pretensões dos recorrentes (reconhecimento da Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda. como proprietária do prédio em causa e de restituição de tal prédio à referida sociedade) seriam sempre e necessariamente improcedentes, pois como resulta dos autos, pela Ap. 50/20121126 foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da “Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda”; logo a sociedade considera-se extinta, deixando a mesma de ter personalidade e capacidade jurídicas. Porquanto, seria legalmente impossível reconhecer e restituir um imóvel a uma sociedade extinta/inexistente juridicamente, isto é, sem personalidade e capacidade jurídica.
21 - Extinta a Sociedade os bens que não tiverem sido partilhados, pertencem aos sócios, em “compropriedade” e não à sociedade.
22 – Porém do pedido formulado na Petição Inicial, resulta que os autores pedem: f) Reconhecer a Sociedade Agrícola Quinta de ... como proprietária do prédio rústico em ... ou ..., com a área de 58.935 m2, descrito na conservatória do registo Predial de ..., freguesia de ... sob o numero ..., e inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o n.º .... g) Ordenar o cancelamento das penhoras e hipotecas registadas sobre o prédio em questão; e h) Ordenar a restituição à Sociedade Agrícola Quinta de ..., Lda. o prédio rústico em questão sito em ... ou ..., com a área de 58.935 m2, descrito na conservatória do registo Predial de ..., freguesia de ... sob o numero ..., e inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o n.º .... Logo, contra lei expressa, não reclamam para si (em compropriedade), mas sim, para a extinta Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda.
23 – Os gerentes, estão sujeitos a responsabilidade civil e criminal pelos actos que pratiquem ou omissões em que incorram no exercício das suas funções e que infrinjam tais deveres, pelo que entendemos, que os autores para fazer valer os seus direitos/interesses, responsabilizando os então réus E. R. e J. M., deveriam ter lançado mão do regime estatuído pelo artigo 79º do CSC, que responsabiliza os gerentes para com os sócios, responsabilidade que se verifica, desde que estejam verificados os pressupostos da responsabilidade civil, isto é, a existência de facto ilícito, culpabilidade, prejuízos, nexo de causalidade.
24 - A CAIXA ... repudia veementemente as considerações infundadas e gratuitas, proferidas pelos recorrentes, tais como da existência de um “conluio” com o promitente vendedor e comprador, ou que determinada operação bancária “servisse apenas para regular as suas contas, designadamente, perante o regulador bancário”, sendo que, a CAIXA ... no âmbito da sua atividade creditícia age, e sempre agiu, dentro dos limites da lei, da boa fé e da liberdade contratual, porquanto celebrou os acordos/contratos, que à data, entendeu serem os mais ajustados para salvaguardar os interesses/direitos, com a certeza, porém, de que agiu sempre de boa fé.
25 - Os recorrentes entendem que o Tribunal a quo violou os artigos 5º e 607º, nº 4 do Código de Processo Civil, por considerar que o acórdão deveria conter factos instrumentais, que deveriam ter sido considerados indiciariamente provados, e que os mesmos elencam em três alíneas nas suas Alegações, porém também erradamente, pois o juiz na fundamentação do Acórdão, cumpriu imaculadamente todos os preceitos que legalmente lhe eram impostos.
26 - Os factos nº.s. 31 a 33, 35, 36, 38, 40, 44 e 45 dos factos dados como provados, bem como os factos dados como não provados nº.s 1 a 5 do Douto Acórdão, foram também eles, corretamente julgados, logo inexiste qualquer erro notório na apreciação da prova.
27 - O Tribunal a quo fez uma leitura criteriosa e correta da prova produzida, pelo que o Acórdão ora recorrido, não merece qualquer censura, assim sendo, não violou o Douto Acórdão recorrido qualquer dos preceitos referidos pelo Recorrente e, como tal, é o Douto Acórdão merecedor de se manter erecto na ordem jurídica devendo naufragar o recurso.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso ser declarado improcedente, mantendo-se em consequência, o Douto Acórdão recorrido, farão V Exas a consumada e sã JUSTIÇA.

Por sua vez, a interveniente sociedade “C. B.”:

“I. A Douta Decisão do Tribunal ad quo não apresenta nenhum dos vícios que lhe são apontados pelo recorrentes, pois faz uma correta interpretação da matéria de facto e aplicação do direito ao caso concreto.
II. Nos factos dados como provados constam todos os elementos, em termos de prova, tendo a mesmo sido devidamente apreciada pelo Tribunal a quo, não se vislumbrando qualquer erro notório e consequente não se deve proceder a qualquer alteração quanto à matéria de fato dada como provada, e nomeadamente quanto ao invocado relativamente à Interveniente Recorrida C. B. - Family Estates, Lda.
III. Inexistindo quaisquer erros de julgamento.
IV. Os recorrentes não tem em conta a remanescente prova que foi produzida em sede de julgamento e que o tribunal ad quo tomou em linha de conta para considerar como provados 32 e 33, 35, 36, 38, 40 , 44, e 45 em sede de decisão judicial;
V. E tal como referenciado em sede de decisão judicial: “Quanto ao constante de 32, não vislumbramos como é que a Interveniente pudesse saber da “falsificação” das atas em causa, quando é evidente que as pessoas que sabiam dessa “falsificação”, os R.R. E. R. e J. M. procuraram manter, e estamos em crer que mantiveram – até porque nisso tinham interesse – em segredo, a referida “falsificação”, não se tendo produzido prova que tal tivesse posto em crise. Não sabendo a Interveniente do que se houvesse passado há longos anos antes e estando o prédio registado a favor do R. E. R., o mais natural, à luz da normalidade das coisas, foi que tivesse pensado ser dele o prédio em causa (não se havendo produzido prova que apontasse em sentido contrário).
VI. “…Tal é também reforçado pelo teor dos documentos de fls. 177 a 179 e 255 verso a 261 verso. “
VII. Ao nível de prova documental, junta pelo Interveniente/Recorrido nomeadamente o contrato promessa que foi celebrado em 17-5-2018, que desde essa data passou a cultivar e ocupar o terreno sempre na convicção que seria propriedade do R. E. R.;
VIII. Os recorrentes valoram excessivamente o depoimento da testemunha S. A. filho da recorrente C. M., contudo esquecem que resulta da prova documental junta pelo ministério publico/AT e do depoimento do chefe das Finanças, que o mesmo o informou que teria meios próprios para reagir contra a venda ou contra a penhora pedido de anulação da venda nos termos do 257.º do CPP ou os embargos de terceiro nos termos do 342.º do CPC, meios que este, e os recorrentes, não utilizaram; o mesmo licitou no leilão eletrónico como se pretendesse aí adquirir o dito imóvel, ora se suspeitasse que havia algumas irregularidade não é normal licitar para o adquirir.
IX. O prédio em questão, resulta dos documentos juntos pelo MP/AT esteve sempre na posse da esfera patrimonial dos familiares dos sócios originários da sociedade Agrícola Quinta Vale …, ou de sociedades por eles (familiares) geridas, que sempre transmitiram o prédio entre eles, o que demonstra de conluio (entendimento) entre todos os familiares.
X. Só apos se concretizar a venda, com a adjudicação à ora Interveniente, e não ao filho da recorrente S. A., é que os recorrentes lançam mão de um requerimento de suspensão da venda executiva de forma extemporânea, pois foi realizado apos a realização da venda e do pagamento do valor.
XI. E o dito S. A. supostamente indicou que terá falado ao representante legal da Interveniente, já tendo sido bem adjudicado á Interveniente, se já sabia há mais tempo porque só falar depois do leilão onde também licitou, torna pouco credível tal versão, e abala os argumentos dos recorrentes em fazer crer que todos os RR sabiam da dita falsificação, e do teor das assembleias e respectivas atas.
XII. É manifesto de toda a prova produzida, que a Interveniente, e ora recorrida, agiu sempre de boa-fé, porquanto verificam-se claramente os pressupostos do regime de tutela dos terceiros de boa fé estabelecido no artigo 291.º do Código Civil, pelo que lhe é imponível qualquer nulidade de qualquer transmissão da propriedade do prédio em causa.
XIII. Quantos aos fatos n.º 35 e 36 existem elementos probatórios que permitissem ao tribunal recorrido fixar tais fatos como provados, prova documental junta, e prova testemunhal mais do que suficiente e prestada de forma credível, espontânea e coerente para se poderem considerar como provados tais fatos, não se tendo bastado Tribunal pelas declarações do representante legal da Interveniente Principal e sim também do depoimento das testemunhas P. S., C. S. e J. F..
XIV. Como decorre da decisão proferido pelo Tribunal ad quo:” A matéria de 34 a 43, decorre da prova documental de fls. 226 a 252 verso, conjugada com as declarações do legal representante da Interveniente e os depoimentos de várias testemunhas, das quais se destacam os de P. S., C. S. e J. F.. No que aos trabalhos e despesas tidas pela Interveniente no prédio, tivemos essencialmente em conta as declarações do legal representante da Interveniente, que foram algo exaustivas sobre a matéria em causa e que parcialmente foram sendo corroboradas pelos depoimentos essencialmente das testemunhas supra referidas. A matéria de 44 e 45, decorre da prova documental de fls. 302 a 307, conjugada com as declarações de parte do legal representante da Interveniente e o depoimento da testemunha J. F..”
XV. “…C. J. é agricultor na localidade onde se situa o prédio, tendo descrito como estava a vinha quando a Interveniente dela se passou a ocupar e aqueles que terão sido as despesas e proveitos retirados do mesmo pela Interveniente…
XVI. “…C. S. trabalhou para a Interveniente, nomeadamente no prédio em causa, relatando como se encontrava tal prédio quando a Interveniente o começou a granjear e as despesas e proventos que terá retirado desse granjeio…”
XVII. “…P. S. e J. F. são funcionários da Interveniente, tendo o primeiro deposto essencialmente sobre o estado da vinha quando a Interveniente a começou a granjear e o que ali fez/gastou e o segundo depôs sobre a mesma matéria e ainda sobre os proventos obtidos pela Interveniente com a exploração da vinha e os gastos tidos com a legalização da mesma…”
XVIII. “….O legal representante da Interveniente depôs essencialmente sobre os trabalhos e despesas tidos pela Interveniente com o prédio e com a legalização da vinha e sobre o projeto apresentado para o prédio em causa à Câmara Municipal…”
XIX. Quanto à fundamentação de direito, constante da decisão do tribunal a quo, que conduziu a julgar parcialmente procedente a ação, a inexistências das assembleias gerais, da legitimidade dos RR E. R. e J. M. para deliberarem a venda, e validade desta, e vinculação da sociedade perante 3.ºs, segundo o preceituado no art. 260.º do CSC e artigo 9.º da directiva, doutrinalmente seguindo o entendimento maioritário, não se pode apontar qualquer vício.
XX. O Tribunal a quo fez uma interpretação adequada ao caso em concreto do disposto no artigo 260.º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, bem como do artigo 9º (nomeadamente da sua segunda parte) da Diretiva 68/151/CEE do Conselho.
XXI. E um enquadramento absolutamente lógico e racional à factualidade dos presentes autos, partiu da factualidade em discussão e após análise ponderada e criteriosa da mesma, procedeu a aplicabilidade das normas jurídicas em conformidade.
XXII. O artigo. 9. º nº 1 da Diretiva sobre Sociedades Comerciais de 09/03/1968, impôs que, as sociedades ficassem vinculadas perante terceiros, pelos atos realizados pelos seus órgãos, a não ser que esses atos excedessem os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos.
XXIII. No que respeita ao artigo 260.º, n º 1, do Código das Sociedades Comerciais da mesma forma consignou que a sociedade fica vinculada também pelos atos que, apesar de não estarem dentro dos poderes que a lei confere aos gerentes, estejam dentro dos poderes que a lei permite conferir-lhes, tal como acontece com a alienação/venda e oneração de bens imóveis, nos termos do artigo 246.º, n º 2, c), do Código das Sociedades Comerciais.
XXIV. Dessa forma, o artigo 246.º, nº 2, confere aos gerentes poderes para deliberar sobre as matérias elencadas nas respetivas alíneas, ou seja, a lei, permite conferir aos gerentes, poderes para deliberarem sobre esses assuntos ainda que o contrato de sociedade não confira esses poderes nas sua cláusulas, os gerentes vinculam a sociedade apesar de não ter sido tomada deliberação pelos sócios.
XXV. Assim, mesmo sem disposição estatutária neste sentido, e sem prévia deliberação dos sócios, a sociedade fica sempre vinculada pela alienação e/ou oneração de bens imóveis, perante terceiros pelos atos realizados pelos seus órgãos, a não ser que esses atos excedam os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos, isto é, a sociedade fica vinculada quando os atos não excedam os poderes que a lei atribua aos órgãos que atuam, como também quando os atos não excedam os poderes
XXVI. A sociedade agrícola “Quinta ..., Lda.”, tinha como gerentes os recorridos E. R. e J. M., sendo que o sócio gerente M. A. já havia falecido, tendo os primeiros aludidos sócios gerentes procedido à venda do prédio rústico denominado de “...” (descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº ..., da freguesia de … e inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo nº ...), depois de deliberarem realizá-la, dentro dos poderes que a lei permitia conferir-lhes nos termos do artigo 246.º, n º 2, c), do Código das Sociedades Comerciais, o que consequentemente e necessariamente, vinculou a referida sociedade “Quinta ..., Lda.” a tal venda.
XXVII. A venda nunca poderá ser inválida, com fundamento na inexistência ou nulidade de deliberação de todos os sócios.
XXVIII. O Tribunal a quo fez uma adequada leitura da factualidade e uma correta interpretação das normas.
XXIX. Mais acresce e como referenciado na decisão do Tribunal ad quo o reconhecimento da Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda. como proprietária do prédio em causa e de restituição de tal prédio à referida sociedade seriam sempre e necessariamente improcedentes, pois como resulta dos autos, que foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da “Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda”, logo a sociedade considera-se extinta, deixando a mesma de ter personalidade e capacidade jurídicas.
XXX. Porquanto, seria legalmente impossível reconhecer e restituir um imóvel a uma sociedade extinta/inexistente juridicamente, isto é, sem personalidade e capacidade jurídica.
XXXI. E mesmo que, extinta a “Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda”, os eventuais bens que não tiverem sido partilhados, pertenceriam aos sócios em “compropriedade”e não à sociedade.
XXXII. O juiz teve contacto direto, pessoal, com as testemunhas e as partes, cujas declarações valorizou criteriosamente, assim como, com os documentos que serviram para fundamentar a decisão da matéria de facto, e que permitiram ao mesmo aperceber-se de todos os factos pertinentes para a resolução do litígio e para uma valorização da prova expurgada.
XXXIII. E em respeito pelo princípio da imediação, o Tribunal considerou que o Acórdão recorrido não deveria conter na sua decisão, quaisquer outros factos instrumentais, para além daqueles que fez constar, foi porque não os considerou relevantes e essenciais para fundamentar a decisão.
XXXIV. O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento globalmente considerada. E toda a prova documental inclusive a apresentada pelos Autores.
XXXV. Foi produzida prova suficiente, credível, nomeadamente, testemunhal e documental, que resulta nos fatos dados como provados.
XXXVI. A decisão do tribunal a quo não viola o disposto nos artigos 9.º da directiva, 260.º, 246º e 260º, 164º, n. º2do CSC, artigos 5º e 607º, nº 4 do Código de Processo Civil, e 1311º e 291º, 839º e 840º todos do Código Civil.

Termos em que, nos melhores de Direito, e sempre com o V/ mui douto suprimento, em face de tudo o que ficou exposto, deverá o Venerando Tribunal negar provimento ao recurso, não se modificando a decisão de facto e de direito, mantendo-se na íntegra e confirmando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, justamente porque não violou quaisquer preceitos legais, nomeadamente os mencionados pelos recorrentes.
Deste modo fazendo V. Exas, aliás, como é apanágio desse Areópago, a sempre sacramental e indispensável, JUSTIÇA!”

Foi admitido o recurso como de apelação, a subir de imediato, nos autos e com efeito devolutivo.

Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente – sem prejuízo dos poderes oficiosos conferidos ao tribunal e de não poderem ser apreciadas questões novas – se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim decorre do nosso regime legal de recursos e é pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, quanto à matéria de facto:

a) Deve alterar-se a respectiva decisão quanto aos factos provados nºs 29, 31 a 33, 35, 36, 38, 40, 44 e 45?
b) E, bem assim, quanto aos não provados nºs 1 a 5, julgando-os provados?
c) Devem aditar-se, como instrumentais, complementares ou concretizadores os factos a que se reporta a conclusão P e os referidos na conclusão Q?

E, quanto à de direito:

d) Deve, após a pretendida alteração e aditamento, alterar-se a decisão de direito “por forma a acolher os pedidos”?

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença

Embora questionada no recurso, a decisão desta matéria proferida pelo tribunal a quo seleccionou como factos considerados relevantes e deles julgou provados os seguintes:

1 - A Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., foi constituída em 29 de Novembro de 2000, por M. A. (pai dos Autores P. M. e J. S., e marido da Autora C. M.), e pelos R.R. J. M. e E. R..
2 - Tinha como objeto social a “exploração agrícola, nomeadamente viticultura, comércio, importação, exportação e representações de produtos diversos, nomeadamente, bebidas alcoólicas”.
3 - A gerência da referida sociedade ficou a cargos dos três sócios, ficando esta obrigada com a assinatura conjunta de dois gerentes.
4 - A Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., adquiriu, a 7 de Dezembro de 2000, o prédio rústico sito em ... ou ..., com a área de 58.935 m2, não descrito na Conservatória do Registo Predial ..., e inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o art.º ....
5 - A sociedade investiu entre € 50.000,00 (cinquenta mil) e € 100.000,00 (cem mil euros) na reconversão do referido prédio para exploração vitícola.
6 - Foram elaboradas duas atas de assembleia geral extraordinária de sócios da referida sociedade, ambas datadas de 10 de Janeiro de 2001, ambas numeradas com o número um e nelas tendo sido exarado que, reuniram todos os seus três sócios, e que deliberaram por unanimidade:
a) A venda do prédio rústico denominado de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n º ..., da freguesia de ..., e inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o art.º ..., pelo valor de € 4.987,98 (quatro mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos),
b) A concessão de poderes aos sócios E. R. e J. M., para outorgarem em representação de todos os sócios, escrituras de compra e venda de bens imóveis.
7 - As referidas “assembleias gerais” de 10-01-2001, não foram convocadas e não se realizaram.
8 - O que aconteceu foi que, após o dia 30-03-2001 - data em que faleceu o sócio M. A., (a quem sucederam como herdeiros a sua esposa C. M. e os seus filhos S. A., P. M. e J. S.) - e antes de 14-10-2002, os sócios E. R. e J. M. decidiram proceder à venda do prédio rústico denominado de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n º ..., da freguesia de ..., e inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o art.º ..., pelo valor de € 4.987,98 (quatro mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos);
9 - Foram então elaboradas as atas referidas em 6, para nelas se consignar tal decisão. Porém, nomeadamente porque nelas se quis apor e se apôs uma data em que o sócio M. A. ainda era vivo, ali se consignou a presença deste, a sua deliberação e a sua assinatura, que foi ali aposta por E. R..
10 - No âmbito do processo de inventário n º 67/04.2TBALJ, viriam a ser adjudicas a cada um dos A.A. 1/3 da verba n º 2, correspondente a uma quota de € 1.667,00 do inventariado M. A. na Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda.
11 - A 14 de Outubro de 2002, a Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., vendeu à R. M. B., casada no regime da comunhão geral com o R. D. M., o referido prédio, pelo preço de € 4.987,98 (quatro mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos).
12 - A X – Comércio e Indústria de Vinhos, S.A., foi constituída no dia 4 de Janeiro de 2003, pela R. M. E., e ainda por S. M., S. A., AA. e S. F..
13 - A 3 de Março de 2003, os R.R. M. E. e D. M., venderam o prédio pelo valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) à X - Comércio e Indústria de Vinhos, S.A., representada na referida escritura pelo administrador único S. A..
14 - Pela Ap. 4 de 29-04-2003, foi registada a aquisição, por compra, do referido prédio, a favor da X - Comércio e Indústria de Vinhos, S.A.
15 - Por carta datada de 10 de Novembro de 2006, S. A. renunciou ao cargo de administrador único da X - Comércio e Indústria de Vinhos, S.A.
16 - A 23 de Dezembro de 2010, a X - Comércio e Indústria de Vinhos, S.A., vendeu o prédio, pelo preço de € 5.500,00, ao R. J. E..
17 - Pela Ap. 2869 de 23-12-2010, foi registada a aquisição, por compra, do referido prédio, a favor de J. E..
18 - Pela Ap. 50/20121126, foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda.
19 - Pela Ap. 10/20161012, foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da X - Comércio e Indústria de Vinhos, S.A.
20 - Em fevereiro/março de 2018, S. A., informou os A.A., e estes passaram a ter conhecimento, de que:
a) O sócio M. A. não esteve presente nas aludidas assembleias gerais de 10 de Janeiro de 2001;
b) A assinatura de M. A. constante das atas foi “falsificada”.
21 - Os R.R. E. R. e J. M. tinham conhecimento do constante de 7 a 9.
22 - Relativamente ao prédio supra identificado, foram realizados os seguintes registos:
a) Hipoteca Voluntária registada pela Ap. 2357 de 13 de Setembro de 2012 a favor de Caixa ..., Cooperativa de Responsabilidade Limitada, para garantia do capital em dívida de € 322.000,00 (trezentos e vinte e dois mil euros), acrescida da taxa de juro anual de 12% e despesas no valor de € 4.520,00 (quatro mil quinhentos e vinte euros), com o montante máximo assegurado de € 481.080,00 (quatrocentos e oitenta e um mil e oitenta euros);
b) Penhora registada pela Ap. 1617 de 6 de Junho de 2017 a favor de Y – Indústria de Pré-Esforçados e Construção Civil do Norte, Lda., para pagamento da quantia exequenda de € 2.599,63 (dois mil quinhentos e noventa e nove euros e sessenta e três cêntimos), efetuada no âmbito do processo executivo n.º 149/17.0T8CHV, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Chaves – Juízo de Execução;
c) Penhora registada pela Ap. 31 de 24 de Julho de 2017, a favor da Fazenda Nacional, para pagamento da quantia exequenda de € 1.975,29 (mil novecentos e setenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos), efetuada no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...................132 e apensos, que corre termos no Serviço de Finanças de ...;
d) Penhora registada pela Ap. 781 de 15 de Dezembro de 2017, a favor de W (Portugal) Unipessoal, Lda., para pagamento da quantia exequenda de € 1.226,03 (mil duzentos e vinte e seis euros e três cêntimos), efetuada no âmbito do processo executivo n.º 989/17.0T8CHV, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Chaves – Juízo de Execução;
e) Penhora registada pela Ap. 4247 de 28 de Dezembro de 2017, a favor de K – Quinta do Vale ..., Unipessoal, Lda., para pagamento da quantia exequenda de € 16.470,51 (dezasseis mil quatrocentos e setenta euros e cinquenta e um cêntimos), efetuada no âmbito do processo executivo n.º 1948/17.9T8CHV, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Chaves – Juízo de Execução.
23 - Pela Ap. 4365 de 06-07-2018, foi registada a presente ação.
24 - No âmbito do processo de execução fiscal n.º ...................132 e apensos, foi ordenada a venda judicial do referido prédio por leilão eletrónico, venda essa que ocorreu no dia 18 de Junho de 2018.
25 - A C. B. - Famaly Estates, Lda., foi a vencedora do referido leilão eletrónico, tendo-lhe sido adjudicado o prédio pelo valor de € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros).
26 - Pela Ap. 2173 de 21-08-2018, foi registada a aquisição do prédio, por adjudicação em venda judicial, a favor da C. B. - Family Estates, Lda.
27 - A referida sociedade tem vindo a utilizar o referido prédio, cultivando-o e colhendo os respetivos frutos.
28 - A Caixa ... , desconhecia o constante de 6 a 9.
29 - A Caixa ... , agiu na convicção de que o prédio onerado com a hipoteca constituída a seu favor pelo R. J. E., lhe pertencia.
30 - O Estado Português desconhecia o constante de 6 a 9, até 18-06-2018.
31 - O Estado Português agiu na convicção de que o prédio pertencia ao R. J. E..
32 - A C. B. – Family Estates, Lda., desconhecia o constante de 6 a 9.
33 - A C. B. – Family Estates, Lda., agiu na convicção de que o prédio pertencia ao R. J. E..
34 - A Reconvinte dedica-se essencialmente à exploração de vinhas e bem assim à produção de vinhos e sua comercialização.
35 - A Reconvinte procedeu aos seguintes serviços, no prédio em causa:
a) Limpeza da vinha, que passou essencialmente numa primeira fase pela eliminação de ervas daninhas;
b) Limpeza das cepas da vinha até às raízes principais, descascando-as à mão;
c) Desinfestação das videiras;
d) Pulverização da vinha com caldas ferro-cálcidas;
e) Reparação de bardos, lateiros e ramadas;
f) Substituição e endireitamento dos esteios e esticadores;
g) Conserto de arames da vinha;
h) Processo de enxertia com utilização de castas apropriadas;
i) Corte de raízes que surgiram posteriormente ao enxerto;
j) Tratamento da vinha com sulfato de cobre e enxofre;
k) Tratamento da vinha contra os “inimigos” das videiras;
l) Adubação da vinha;
m) Escavação para a retenção das águas das chuvas, e bem assim limpeza de valas e regos para escoamento dos excessos de águas;
n) Poda;
o) Desfolhagem em volta dos cachos.
36 - Com estes serviços, despendeu, a título de mão de obra, cera de 22.176,00 € (vinte e dois mil cento e setenta e seis euros).
37 - A Interveniente aplicou no prédio:
a) Produtos de desinfestação;
b) Produtos de eliminação de ervas daninhas;
c) Ferro- cálcido;
d) Sulfato de cobre;
e) Enxofre;
f) Adubos;
g) Arame;
h) Castas.
38 - No que despendeu cerca de 3.000,00 € (três mil euros).
39 - Utilizou máquinas agrícolas, como sejam trator e máquina giratória, para a realização de trabalhos como lavrar e sulfatar a vinha;
40 - Com o que despendeu cerca de € 4.920,00 € (quatro mil novecentos e vinte euros).
41 - As despesas em causa foram realizadas porque eram necessárias à recuperação e rentabilização da vinha existente no prédio.
42 - Tais despesas valorizaram o prédio, pois se não tivessem sido realizadas, a vinha nele existente deteriorar-se-ia e poderia acabar por ter de ser “arrancada”, atento o estado de deterioração que apresentava.
43 - A Interveniente já retirou do prédio pelo menos 18.000 kg de uvas.
44 - O prédio em questão, em termos de vinha, não se encontrava legalizado para efeito de concessão de direitos de novas plantações e de replantações relativos à cultura da vinha, ao nível da região demarcada do Douro, tendo sido a Interveniente que a tal procedeu, pagando, para o efeito, a título de taxa, a quantia de € 4.558,00, em 11 de dezembro de 2020.
45 - Relativamente ao prédio em causa, a interveniente apresentou um projeto de arquitetura na Câmara Municipal, cujo custo ainda não se encontra contabilizado, mas que estima que possa rondar os € 800.000,00.”

E julgou como não provados os seguintes:

“1 - A R. M. E. tinha conhecimento de que o sócio M. A. não esteve presente na referida assembleia, da “falsidade” das referidas atas e da assinatura de M. A., e do prejuízo que a venda do referido prédio rústico acarretaria para a Sociedade Quinta de ..., traduzido na impossibilidade de recuperação do investimento realizado na implantação da vinha, num montante não inferior a € 100.000,00 (cem mil euros).
2 - O R. D. M. tinha conhecimento de que o sócio M. A. não esteve presente na referida assembleia, da “falsidade” das referidas atas e da assinatura de M. A., e do prejuízo que a venda do referido prédio rústico acarretaria para a Sociedade Quinta de ..., traduzido na impossibilidade de recuperação do investimento realizado na implantação da vinha, num montante não inferior a € 100.000,00 (cem mil euros).
3 - O R. E. R. tinha conhecimento de que o sócio M. A. não esteve presente na supra referida assembleia, da “falsidade” das referidas atas e da assinatura de M. A., e do prejuízo que a venda do referido prédio rústico acarretaria para a Sociedade Quinta de ..., traduzido na impossibilidade de recuperação do investimento realizado na implantação da vinha, num montante não inferior a € 100.000,00 (cem mil euros).
4 - Os sócios da X tiveram conhecimento de que o sócio M. A. não esteve presente na referida assembleia, da “falsidade” das referidas atas e da assinatura de M. A., e do prejuízo que a venda do referido prédio rústico acarretaria para a Sociedade Quinta de ..., traduzido na impossibilidade de recuperação do investimento realizado na implantação da vinha, num montante nunca inferior a € 100.000,00 (cem mil euros).
5 - Os demais R.R. tinham conhecimento de que o sócio M. A. não esteve presente na assembleia e de que a sua assinatura foi “falsificada”. “

Para tanto, fundamentou-se na seguinte motivação:

“Em ordem a proferir a decisão de facto supra, o tribunal fundou a sua convicção na prova por confissão, documental, pericial, depoimentos de parte, declarações de parte e depoimentos de testemunhas.
Foram inquiridas as seguintes testemunhas: M. M., S. A., C. J., A. R., M. J., Maria, A. M., C. R., J. C., JM., P. S., C. S. e J. F..
Dos depoimentos testemunhais dignos de maior relevância, destacam-se os que se seguem.
M. M. é cunhado da A. C. M. e dos R.R. J. M. e E. R., sendo empresário agrícola na localidade onde se situa o prédio, tendo essencialmente conhecimento do investimento que a Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., fez no prédio em causa e, da atuação que a Interveniente teve sobre o prédio, nomeadamente que gastos e proveitos terá tido com a exploração do prédio.
S. A. é filho da A. C. M. e irmão dos demais A.A., tendo deposto essencialmente sobre o momento e a forma como tomou conhecimento (ele e os A.A.), da “falsidade” das atas da sociedade acima aludida; as conversas que teve com o responsável da Interveniente após a realização do leilão do imóvel e gastos e proventos que a Interveniente terá tido/retirado com/do prédio em causa.
C. J. é agricultor na localidade onde se situa o prédio, tendo descrito como estava a vinha quando a Interveniente dela se passou a ocupar e aqueles que terão sido as despesas e proveitos retirados do mesmo pela Interveniente.
C. R. e JM., funcionários da Caixa ..., fizeram essencialmente referência a qual era o procedimento normal de contratação da Caixa ... em negócios como o que terá celebrado com o R. E. R. e aludiram ao desconhecimento de qualquer falsificação que pudesse ter havido.
J. C. é o chefe da repartição de Finanças de ..., tendo referido o que ocorreu no âmbito do processo de execução que ali correu termos e que levou à adjudicação do prédio em questão à Interveniente.
C. S. trabalhou para a Interveniente, nomeadamente no prédio em causa, relatando como se encontrava tal prédio quando a Interveniente o começou a granjear e as despesas e proventos que terá retirado desse granjeio.
P. S. e J. F. são funcionários da Interveniente, tendo o primeiro deposto essencialmente sobre o estado da vinha quando a Interveniente a começou a granjear e o que ali fez/gastou e o segundo depôs sobre a mesma matéria e ainda sobre os proventos obtidos pela Interveniente com a exploração da vinha e os gastos tidos com a legalização da mesma.
O legal representante da Interveniente depôs essencialmente sobre os trabalhos e despesas tidos pela Interveniente com o prédio e com a legalização da vinha e sobre o projeto apresentado para o prédio em causa à Câmara Municipal.
Dito isto, importa agora fazer uma referência específica fundamentadora, a cada facto ou grupo de factos.
A factualidade de 1 a 3, emerge da prova documental de fls. 12 verso a 15.
A matéria de 4, decorre da prova documental de fls. 16 a 18.
O constante de 5, resulta essencialmente dos depoimentos de parte dos R.R. E. R. e J. M., e do depoimento da testemunha M. M..
A factualidade de 6, decorre da prova documental de fls. 19 verso e 20, 44 a 46 e ainda do livro de atas junto aos autos.
Já a matéria de 7 a 9, resulta essencialmente dos depoimentos de parte de E. R. e J. M. e da prova documental de fls. 20 verso a 21.
Na parte em que estes dois depoimentos foram divergentes, mereceu-nos mais credibilidade o depoimento do segundo, já que, nalgumas partes, o seu depoimento foi corroborado por outros meios de prova, o que já não aconteceu com o depoimento de parte do 1º, que de alguma forma terá procurado relatar uma versão dos factos que tornasse menos censurável a sua conduta.
Tenha-se também em conta que, quando foram lavradas as atas em causa, já M. A. havia falecido e que as atas em causa, datadas de 10-01-2001 constam do livro de atas posteriormente à ata lavrada em 31-03-2001.
A matéria de 10 a 19 e 22 a 26, decorre da prova documental de fls. 25 a 43 verso, 50 a 51, 54 a 55 verso, 52 verso a 53 verso, 56 verso a 60, 56, 61 verso a 62 verso, 56 verso a 60, 13, 209 e verso, 187 verso a 191, 66 e 179 verso a 191.
Já a factualidade de 20, decorre do depoimento de parte do R. J. M. e do depoimento da testemunha S. A., não tendo o R. E. R. merecido credibilidade, nesta matéria (ao querer fazer crer que, também a A. soube da “falsificação” das atas, logo aquando da “falsificação”), porque o seu depoimento não foi corroborado por nenhum outro elemento de prova e, estamos em crer que, como acima referimos, não terá passado de uma forma de tentar minimizar a sua culpa no ocorrido.
A matéria de 21, decorre dos depoimentos de parte de E. R. e J. M..
O constante de 27, foi objeto de prova testemunhal inequívoca.
A matéria de 28 a 31, decorre da prova documental de fls. 103 a 127, da normalidade das coisas em circunstâncias idênticas (não vislumbramos como a CAIXA ... pudesse andar a conceder um empréstimo, no montante que concedeu ao R. E. R., garantindo o seu pagamento com uma hipoteca a onerar o prédio em causa, se soubesse ou sequer desconfiasse que, o prédio poderia não ser do R. E. R.. Nenhum interesse teria a R., nessas circunstâncias, em conceder o empréstimo em causa, antes pelo contrário. Também não vislumbramos qual pudesse ser o interesse do Estado em andar a penhorar um imóvel, se soubesse que o mesmo não pertencia ao R. E. R., antes só se compreendendo tal penhora face à crença de que o prédio pertenceria ao referido R., o que tudo era propiciado pelo registo do direito de propriedade do prédio a favor do R. E. R.; não se vislumbrando também como é que os referidos R.R. pudessem saber da “falsificação” das atas em causa, quando é evidente que as pessoas que sabiam dessa “falsificação”, os R.R. E. R. e J. M. procuraram manter, e estamos em crer que mantiveram – até porque nisso tinham interesse – em segredo, a referida “falsificação”, parecendo-nos que tal segredo só terá sido revelado em 2018, quando o prédio corria o risco de deixar a esfera patrimonial da família) e ainda dos depoimentos das testemunhas C. R. e JM., funcionários da CAIXA ... e J. C., chefe do serviço de Finanças de ....
Quanto ao constante de 32, não vislumbramos como é que a Interveniente pudesse saber da “falsificação” das atas em causa, quando é evidente que as pessoas que sabiam dessa “falsificação”, os R.R. E. R. e J. M. procuraram manter, e estamos em crer que mantiveram – até porque nisso tinham interesse – em segredo, a referida “falsificação”, não se tendo produzido prova que tal tivesse posto em crise.
Não sabendo a Interveniente do que se houvesse passado há longos anos antes e estando o prédio registado a favor do R. E. R., o mais natural, à luz da normalidade das coisas, foi que tivesse pensado ser dele o prédio em causa (não se havendo produzido prova que apontasse em sentido contrário).
Tal é também reforçado pelo teor dos documentos de fls. 177 a 179 e 255 verso a 261 verso.
A matéria de 34 a 43, decorre da prova documental de fls. 226 a 252 verso, conjugada com as declarações do legal representante da Interveniente e os depoimentos de várias testemunhas, das quais se destacam os de P. S., C. S. e J. F..
No que aos trabalhos e despesas tidas pela Interveniente no prédio, tivemos essencialmente em conta as declarações do legal representante da Interveniente, que foram algo exaustivas sobre a matéria em causa e que parcialmente foram sendo corroboradas pelos depoimentos essencialmente das testemunhas supra referidas.
A matéria de 44 e 45, decorre da prova documental de fls. 302 a 307, conjugada com as declarações de parte do legal representante da Interveniente e o depoimento da testemunha J. F..
Os factos não provados de 1 a 4, assim se consideraram por deles não se haver produzido prova que nos permitisse formar convicção segura da sua veracidade.
Ninguém afirmou a factualidade em causa, e ela também não decorre de qualquer outra prova.
Aliás, o R. E. R. afirmou mesmo ser desconhecido dos R.R. M. E. e D. M., a “falsificação” ocorrida.
Como acima referimos, da prova produzida, a ideia que nos ficou foi a de que, da “falsificação” das atas, apenas os R.R. E. R. e J. M. tiveram conhecimento e que procuraram manter, e mantiveram, tal em segredo, até 2018.“

O recurso

Relativamente à decisão de tal matéria, os autores, em termos suficientemente cumpridores dos requisitos previstos no artº 640º, CPC, impugnam vários dos pontos decididos e defendem o aditamento de outros.

Comecemos, então, pela apreciação da referida impugnação, o que se faz depois de ouvida a prova oral registada, não só a especificada pelos recorrentes como, ao abrigo da alínea b), do nº 2, daquela norma, toda a demais produzida.
*
Ponto de facto provado nº 29

Nele consta que “A Caixa ... , agiu na convicção de que o prédio onerado com a hipoteca constituída a seu favor pelo R. J. E., lhe pertencia.”

O tribunal a quo fundou, especificamente, a sua convicção quanto a esse ponto, conjuntamente com o nºs 28 e com os nºs 30 e 31 (estes respeitantes ao Estado), considerando, primeiro que as testemunhas C. R. e JM., funcionários do Banco, narraram o que disseram ser o procedimento normal naquelas circunstâncias e “aludiram ao desconhecimento de qualquer falsificação que pudesse ter havido”; e, depois, que tal matéria “decorre da prova documental de fls. 103 a 127, da normalidade das coisas em circunstâncias idênticas (não vislumbramos como a CAIXA ... pudesse andar a conceder um empréstimo, no montante que concedeu ao R. E. R., garantindo o seu pagamento com uma hipoteca a onerar o prédio em causa, se soubesse ou sequer desconfiasse que, o prédio poderia não ser do R. E. R.. Nenhum interesse teria a R., nessas circunstâncias, em conceder o empréstimo em causa, antes pelo contrário. Também não vislumbramos qual pudesse ser o interesse do Estado em andar a penhorar um imóvel, se soubesse que o mesmo não pertencia ao R. E. R., antes só se compreendendo tal penhora face à crença de que o prédio pertenceria ao referido R., o que tudo era propiciado pelo registo do direito de propriedade do prédio a favor do R. E. R.; não se vislumbrando também como é que os referidos R.R. pudessem saber da “falsificação” das atas em causa, quando é evidente que as pessoas que sabiam dessa “falsificação”, os R.R. E. R. e J. M. procuraram manter, e estamos em crer que mantiveram – até porque nisso tinham interesse – em segredo, a referida “falsificação”, parecendo-nos que tal segredo só terá sido revelado em 2018, quando o prédio corria o risco de deixar a esfera patrimonial da família) e ainda dos depoimentos das testemunhas C. R. e JM., funcionários da CAIXA ... e J. C., chefe do serviço de Finanças de .... ”

Os apelantes pretendem que o mesmo seja julgado não provado.

Entendem que são errados a valoração feita da prova e o caminho percorrido pelo Tribunal, pois que dela não se retira que a ré Caixa ... tenha agido, ao conceder o empréstimo e aceitar como sua garantia a hipoteca sobre o prédio rústico disputado, convicta de que este pertencia ao 4º réu mutuário J. E., uma vez que, no âmbito de tal operação, ela lidou sempre com o pai dele (1º réu, E. R.).

Baseia-se:

-Em primeiro lugar, na parte do depoimento em que a testemunha C. R., funcionário da Caixa, afirmou que foi sempre com o pai que lidou, que era com ele que falava e tratava das “situações que havia”;
-Em segundo lugar, na parte do depoimento da testemunha JM., igualmente funcionário da Caixa, o qual, em nada concretamente tendo participado, opinou que, claro, não é usual que, nas vendas judiciais, a exequente devolva o dinheiro ao comprador, como no caso sucedeu segundo o contrato de 15-06-2018 (fls. 255 a 261 do processo físico);
-Em terceiro lugar, no depoimento de S. A. (primo do réu E. R.), o qual referiu que o pai deste (e seu tio) é que punha e dispunha e aquele só ajudava;
-Em quarto lugar, no facto de o 1º réu E. R. (pai) e o 2º réu J. M. serem também co-executados na execução pela Caixa movida ao E. R., como garantes pessoais do mútuo concedido a este.

Ora, começando por aqui.

A prestação desta garantia, se induz a existência de ligação pessoal e mesmo de algum interesse na sua assunção (como é normal que aconteça), não nos permite concluir – como não teria permitido, ao tempo dessa operação de crédito, à Caixa mutuante – que tal interesse corresponda nem que aquela tenha sido foi motivada por ambos os garantes “serem os verdadeiros donos do prédio”. Trata-se, por isso e pelo que a seguir se dirá, de uma suposição sem suporte probatório objectivo e que as regras da experiência não consentem razoavelmente extrair. Pelo contrário.

Não obstante o dito predomínio aparente da pessoa do pai, nos contactos com a Caixa (e esta reconheceu até – item 31 da sua contestação – que ele se encontrava no prédio, juntamento com o filho proprietário a quando da avaliação), a qual desconhecia (conforme facto provado 28 e não impugnado) a história pregressa relativa ao procedimento daquele e do 2º réu J. M. quanto às assembleias, às actas e à decisão de venda do prédio e certamente confiou na certeza e segurança relativas à titularidade deste resultantes do registo publicitado a seu favor (ponto 17) na Conservatória e baseado na respectiva escritura pública, não deixou a testemunha C. R. de asseverar que a “operação foi feita pela filho”.

Além disso, a circunstância de haver tal ligação familiar entre a pessoa (filho) que figurava como o real proprietário, que interveio como mutuário e que deu o prédio de hipoteca e a pessoa (pai) que mais “dava a cara” e assumia “todas as situações” junto do Banco, para mais no contexto local e agrícola duriense em que não é estranha, apesar da titularidade do domínio do prédio e da exploração agrícola (viticultura), o recurso à mais larga experiência, melhor conhecimento e maior capacidade de orientação, decisão e resolução dos inerentes problemas por parte do pater familia numa atitude de entreajuda, não permitia concluir nem sequer estranhar no sentido de que algo de anormal e menos sério e lícito, para mais no reduto societário ou familiar, se passaria porventura capaz de afectar os actos.

Aliás, o facto de a escritura de compra (pelo filho) em 23-12-2012 ter sido outorgada e assinada pelo próprio E. R. (pai) como administrador único e em representação da vendedora “X”, com sede na Quinta do ..., se põe à vista a ligação e aponta para a existência daquele cenário cooperativo se não mesmo de comunhão, pelo menos de cumplicidade nos interesses associados à titularidade e exploração do prédio, não deixa de inculcar uma ideia de normalidade que, aos olhos de quem, como os representantes do Banco, é alheio e apenas tem de se preocupar, para implementação segura do seu negócio, com a verificação da regularidade dos títulos e nortear-se pela presumida confiança e seriedade que dos mesmos emanam enquanto garantias, não legitima sequer a formulação de suspeitas sobre a existência de qualquer anomalia, para que, de resto, não se mostra que lhe tivessem chegado motivos.

É óbvio que, movendo, como moveu a ré Caixa ..., também uma execução contra o réu J. E. (filho) para cobrança do seu crédito hipotecário e tendo o Fisco, na execução contra aquele, logrado vender o imóvel objecto da garantia e recebido da licitante compradora “C. B.” (a quem o mesmo veio a ser adjudicado) o preço respectivo, não é usual que, como consta do nº 2, da cláusula 9ª do aludido contrato de mútuo (fls. 259), ela se obrigue a devolver-lhe “os montantes que venha a receber em resultado da venda judicial/fiscal dos imóveis objecto da promessa de hipoteca”.

Simplesmente, o que resulta do processo é que, conforme auto de abertura de propostas de 18-06-2018 (fls. 180, verso, e 181, verso), a “C. B.”, que fez a maior oferta (140.000,00€), já antes, com data de 17-05-2018, celebrara um contrato promessa escrito com o aqui réu J. E. (ali executado) no qual este, como dono do prédio hipotecado e penhorado objecto das execuções e de um outro também rústico, prometera vendê-los àquela “C. B.”, pelo preço de 240.000,00€, devendo o pagamento ser efectuado directamente à Caixa ... para solver a dívida do promitente vendedor a esta instituição garantida pela hipoteca (fls. 177 e 178).

Constando, pois, do contrato de mútuo (fls. 256) entre a Caixa e “C. B.” que a quantia mutuada era destinada a pagar aquele preço relativo ao dito contrato-promessa mas tendo, entretanto, esta mutuária licitado e adquirido, na execução fiscal, um dos prédios prometidos (alvo da execução) – execução fiscal na qual, muito provavelmente, a Caixa ... terá reclamado o seu crédito por conta do qual esperava, no concurso, receber pelo menos parte do produto da venda –, é natural que tivessem ali adoptado estipulações destinadas a harmonizar cada uma das posições e respectivos interesses (cfr. referidos nºs 1 a 4, da citada cláusula 9ª, fls. 259).

Apesar dessa circunstância – ainda assim não contemporânea sequer da concessão do mútuo ao 3º réu J. E. para a aquisição que este fez em 23-12-2010 quando o concedido à “C. B.” é de 2018 – , não se vê, ao contrário do que dizem os recorrentes nem estes mostram, como pudesse concluir-se e devesse a Caixa ter concluído que o 1º réu E. R. (pai) era e sempre tivera sido (e não o seu filho, referido 3º réu E. R.) o dono de tal prédio e que ele figurava como uma “mera aparência de propriedade” e, portanto, que daí algo de relevante se colha no sentido de se demonstrar ou sequer pôr em dúvida – e portanto de dever ser julgado não provado – que a Caixa ..., nos termos e com os fundamentos apreciados, valorados e tomados como convincentes pelo tribunal a quo, tal como consta do facto 29, agiu convicta de que este era o verdadeiro proprietário.

Nada aponta e pelo contrário, face aos títulos documentais e às regras da experiência comum, tudo indica e convence que, não obstante o papel do referido réu progenitor e a engenharia negocial e financeira (com cujos motivos e fins nada tinha a ver e certamente não dominava nem se preocupava), este Banco mutuante agiu, sempre, perfeitamente ciente, certo e seguro, de que a propriedade era e se manteve na esfera jurídica do réu filho, desde o momento da aquisição e oneração por este (hipoteca para garantia do mútuo por ele contraído para pagar o preço à vendedora “X”) até à venda realizada no processo de execução fiscal que culminou na aquisição pela “C. B.”.

Não procede, pois, a argumentação dos recorrentes, colhida de esparsas alusões a trechos por eles selecionados e salientados mas descontextualizados dos depoimentos no seu todo e dos demais elementos, no sentido de que ocorre erro de valoração da prova e na decisão de tal ponto – notando-se que não impugnaram o conexo 28 relativo ao seu desconhecimento dos factos descritos nos nºs 6 a 9, situação que corrobora o 29 –, devendo o mesmo manter-se inalterado.

Ponto de facto 31
Nele consta que “O Estado Português agiu na convicção de que o prédio pertencia ao R. J. E.”.

A motivação do tribunal a quo é a já transcrita, a propósito do ponto anterior.

Contrapõem os recorrentes que, de acordo com o ponto 30, está assente que o réu Estado desconhecia as vicissitudes descritas nos pontos 6 a 9 mas apenas até 18-06-2018 e que a testemunha J. C. (Chefe dos Serviços de Finanças de ..., onde correu a execução fiscal e a venda do prédio) relatou – “se a memória não me falha”, como teve o cuidado de advertir – que S. A. (referido nos pontos 12, 15 e 20) lhe falou na falsificação da assinatura de seu pai (o falecido sócio de “..., Ldª”, referido nos pontos 1, 8, 9 e 10), pelo que não podia dar-se como provada a convicção do Estado contante do facto 30, pelo menos desde aquela data (18-06-2018).

Acrescentam que o Estado soube do sucedido (presume-se que aos factos 6 a 9 quiseram referir-se os apelantes) nesse dia, antes do pagamento do preço pela “C. B.” e de lhe ser adjudicado o prédio e, bem assim, da interposição desta acção em 03-07-2018, por fax que remeteram ao referido Chefe de Finanças, e pelo seu registo predial em 06-07-2018.

Por isso, pretendem que, quanto a tal ponto, deve ter-se por provado “apenas que até 18-06-2018, o Estado Português agiu na convicção de que o prédio pertencia ao R. J. E., sendo que, na data da adjudicação do prédio à Interveniente C. B., o Estado Português tinha já conhecimento da acção de reivindicação do prédio proposta pelos Autores e que o prédio não pertencia àquela J. E.”.

Ora, se se tiver em conta que o facto afirmado no ponto 31 – “agiu na convicção” – se refere essencialmente à penhora efectuada em 24-07-2017 na execução fiscal pelas Finanças e que viria a culminar na licitação em 18-06-2018 e, ainda que, quando a venda se consumou pela adjudicação, apesar de tudo mais não sabia o Chefe das Finanças senão que, conforme relato do referido S. A., “terá sido falsificada a assinatura do pai” (o que não passa de uma estranha iniciativa e versão deste na medida em que ele próprio participou na aquisição e na venda do prédio pela “X” de que era administrador e nas licitações, com vários lanços, o que revele interesse pessoal na aquisição do prédio sem temor pelas sugeridas vicissitudes), que havia desentendimentos sobre o prédio e a reivindicação do imóvel pelos autores através deste processo, daí não se segue que o referido Funcionário dispusesse de dados para pôr em dúvida ou não acreditar – face aos dados documentais e à inexistência de qualquer impugnação regular oportuna no âmbito da execução por qualquer interessado, fossem pelos aqui autores fosse por aquele S. A. ou por outros – que correspondia à verdade aquilo que lhe fora transmitido e de que o prédio penhorado, e depois vendido, não pertencia ao devedor executado J. E..

Ainda que, portanto, ele representasse, naquele contexto, o Estado exequente, dos referidos dados não se colhe que este soubesse, desde então, que o prédio não pertencia ao J. E., dada a enorme discrepância que obviamente havia e pesava na sua convicção entre aquilo que se propalava e alegava, a respeito do descrito nos pontos 6 a 9, e a realidade.

Assim, acrescentar-se, como defendido pelos recorrentes, que, na data da adjudicação do prédio à “C. B.”, o Estado sabia (pelo fax) da acção de reivindicação proposta pelos autores, é facto instrumental, em função desta natureza e da sua referida inconsequência para o efeito de prova do essencial (“agiu na convicção”) sem lugar no elenco dos provados.

Do conhecimento destes aspectos nada é possível inferir que contrarie a afirmação, no ponto 31, da questionada convicção e sua persistência por parte do Estado, pois que que da referida notícia e dos seus alegados fundamentos não resulta necessariamente que o Chefe de Finanças ao qual foi dada haveria necessariamente de se convencer, contra as evidências documentais, que o prédio não pertencia ao referido executado J. E..

Por isso, não se deverá alterar o mesmo.

Pontos de facto 32 e 33

Neles consta declarado como provado, respectivamente, que:

“- A C. B. – Family Estates, Lda., desconhecia o constante de 6 a 9.
- A C. B. – Family Estates, Lda., agiu na convicção de que o prédio pertencia ao R. J. E..”.

Sobre estes, motivou o tribunal a quo deste modo o seu juízo:

“…não vislumbramos como é que a Interveniente pudesse saber da “falsificação” das atas em causa, quando é evidente que as pessoas que sabiam dessa “falsificação”, os R.R. E. R. e J. M. procuraram manter, e estamos em crer que mantiveram – até porque nisso tinham interesse – em segredo, a referida “falsificação”, não se tendo produzido prova que tal tivesse posto em crise.
Não sabendo a Interveniente do que se houvesse passado há longos anos antes e estando o prédio registado a favor do R. E. R., o mais natural, à luz da normalidade das coisas, foi que tivesse pensado ser dele o prédio em causa (não se havendo produzido prova que apontasse em sentido contrário).
Tal é também reforçado pelo teor dos documentos de fls. 177 a 179 e 255 verso a 261 verso.”

Os recorrentes pretendem que se dê apenas como provado, respectivamente, que:

“– A C. B. – Family Estates Lda foi alertada, em Fevereiro de 2018, sobre a existência de um problema no imóvel e, em 18 de Junho de 2018, logo após a realização do leilão, foi informada sobre a falsificação das actas em causa.
- A C. B. – Family Estates Lda, depois de 18 de Junho de 2018, não podia ignorar que o prédio não pertencia ao Réu J. E.”.

Baseiam-se em que, pelo menos desde Fevereiro de 2018, o legal representante daquela sabia da falsificação das actas porque:

- o réu J. M., segundo o seu depoimento de parte, assim o teria reportado ao seu cunhado M. M.;
- a testemunha S. A. terá dito que, no dia seguinte ao do leilão electrónico (18-06-2018), informou o representante da dita sociedade (A. B.);
-este ter-lhe-á respondido que tinha documentos, interrogando-se os apelantes se se terá querido referir ao já referido contrato-promessa de compra e venda por esta celebrado com o réu J. E..

Estes constituirão, pois, elementos suficientes ao dispor do tribunal para que o Mº Juiz pudesse responder em termos diferentes – com o que não concorda a dita “C. B.” (cfr. suas alegações e conclusões VII a XII).

Ora, o co-réu J. M. (co-autor com o co-réu E. R. da falsificação da assinatura do seu consócio M. A., referida nos pontos 6 a 9), como consta da acta de audiência (fls. 299) disse que “contou o acontecido aos seus sobrinhos S. A. e P. M. por volta de Fevereiro de 2018 desconhecendo estes, até então, o que havia acontecido” (trata-se de S. A. e do seu irmão e aqui co-autor P. M., filhos do falecido M. A. e da co-autora C. M.).

Na audiência, aquele S. A., ouvido como testemunha, disse que já sabia (da existência de uma assinatura falsa, conforme instado) e já depois do leilão electrónico do prédio efectuado na execução fiscal (18-06-2018) ligou a A. B., questionando-o sobre com que documentos é que este teria “entrado no prédio”, a aconselhá-lo a que desistisse (porque este depoente, como asseverou, também estava interessado, interviera na licitação, aliás muito participada e bem renhida como se vê do auto respectivo – fls. 179, verso, a 180, verso – e chegou a oferecer nela o lanço de 125.000,00€) argumentando perante ele que estava “imediatamente atrás” (o que é certo, conforme fls. 180, verso) e advertindo-o que “senão eu vou revelar o que é que se passou no prédio há não sei quantos anos atrás”, ao que aquele lhe terá respondido que também não sabia que documentos ele tinha, que “sempre quis muito ser dono daquele prédio”.

Nessa descrição, nada, afinal, referiu espontaneamente sobre que o “que se passou no prédio” e apenas quando instado sobre se disse a A. B. quais eram os “problemas concretos”, respondeu laconicamente “sim, que havia assinatura falsa”, ao que o outro terá retorquido “eu também tenho os meus documentos”.

Ora, mesmo que à “assinatura falsa” tivesse, naquela conversa, sido feita alusão, o certo é que dela não resulta qualquer pormenorização sobre de que assinatura se tratava, muito menos do contexto em que tal ocorrera e sobre o respectivo significado e consequências – se eram dele conhecidas –, de modo a poder daí inferir-se que o legal representante da “C. B.” tivesse adquirido consciência dos factos 6 a 9, muito menos de que o prédio não pertencia ao réu executado J. E., sequer perspectivasse aqueles ou suspeitasse da hipótese de existir qualquer vício que abalasse tal titularidade.

Embora o réu J. M., no seu depoimento, tenha referido que disse ao cunhado M. M., pelos vistos também interessado na compra do prédio, que se o fizesse “sem falares comigo vais ter problemas, que há um problema grande dentro dessa propriedade que ainda ninguém o sabe e quando esse negócio for feito, se eu não estiver presente, eu vou começar a contar aos meus sobrinhos o que é que se passa e à minha cunhada” (o que o teria levado a desistir), acrescentando “E fiz igual ao senhor A. B.. Isto em Fevereiro pelo menos”, a verdade é que, ainda que assim tenha sido, e diga que o informou, não consta que o tivesse feito com quaisquer detalhes. Se “fez igual”, ter-se-á limitado a aludir a um “problema grande”, igualmente sem nada especificar que produzisse no legal representante da “C. B.” conhecimento de qual era o “problema”, de que este se referisse aos factos descritos nos pontos 6 a 9, nem que aqueles beliscassem, muito menos tivessem implicação importante na titularidade do domínio do prédio pelo J. E. e a consciencializassem de que este não era dono dele e nesse estado de espírito tenha agido.

De resto, se a persistência na licitação, depósito dos 140.000,00€ do preço e a entrada na posse do prédio (que já vinha desde a traditio convencionada no contrato-promessa a seguir referido, como decorre do seu teor e foi confirmado por A. B. nas suas declarações de parte), bem como os gastos significativos nele feitos, induzem, além do interesse firme na aquisição e manutenção do domínio, que a sociedade “C. B.”, apesar daquela conversa, confiou inexistirem motivos para que a transmissão via processo executivo e a referida titularidade estivessem ou pudessem sequer ser postos em causa, o contrato promessa que havia celebrado com o J. E. (em 17-05-2018) – pelo preço de 240.000,00€, ainda que sem sinal, com traditio, sujeito a execução específica e com cláusula penal de 75.000,00€ para qualquer dos outorgantes faltoso, obrigando-se o promitente vendedor a libertá-lo dos ónus, conforme convencionado –, juntamente com a regularidade que advinha pelo menos dos dados do registo predial, mais lhe incutia a tranquila e firme convicção de que o promitente e executado era verdadeiro dono, não passando a argumentação cogitada pelos apelantes e exposta nas suas alegações de que, se à segurança deste contrato A. B. se queria referir quando retorquiu também ter os seus documentos, tal derivava de por ele o 1º réu pai ficar “agarrado” e impossibilitado de vir a invocar os vícios pretéritos perante a sociedade promitente/adquirente, de uma mera suposição sem suporte na prova produzida, tanto mais que nenhuma interferência pessoal em tal contrato se lhe conhece.

A normalidade das coisas e a regras da experiência, tendo em conta o secretismo que naturalmente envolveu o descrito em 6 a 9 e os naturais interesses antagónicos dos concorrentes à compra, conjugados, por um lado, com a actuação da “C. B.” traduzida no contrato-promessa anterior com o proprietário/executado, na subsequente licitação na execução e no mútuo contraído, e, por outro, com a passividade dos contra-interessados que não reagiram, adequada e oportunamente e no processo fiscal (pelo contrário, S. A., apesar de dizer que sabia da falsificação e de o prédio estar numa situação de improdutividade e quase ao abandono, como referiu aquele declarante, persistiu nas licitações e tentou que a “C. B.” se afastasse), confluem no sentido acolhido pela sentença.

Não se descortinando, assim, erro na apreciação e valoração da prova, nas ilações dela conjugadamente extraídas e na decisão sobre tal facto e, de resto, sendo inócuos os elementos com que restritivamente se pretende sejam modificados os pontos em apreço (32 e 33) posto que vagos (no primeiro caso) e até conclusivos (no segundo), manter-se-á a mesma.

Pontos de facto 35, 36, 38 e 40

Todos eles tratam de trabalhos de recuperação, plantio e cultivo da vinha (actividade a que se dedica a “C. B.”, segundo o ponto 34) alegadamente feitos por esta no prédio, respectivos produtos, materiais e plantas, bem como seus custos e por isso aqui se agrupam.

Neles foi dado como provado:

“35 - A Reconvinte procedeu aos seguintes serviços, no prédio em causa:
a) Limpeza da vinha, que passou essencialmente numa primeira fase pela eliminação de ervas daninhas;
b) Limpeza das cepas da vinha até às raízes principais, descascando-as à mão;
c) Desinfestação das videiras;
d) Pulverização da vinha com caldas ferro-cálcidas;
e) Reparação de bardos, lateiros e ramadas;
f) Substituição e endireitamento dos esteios e esticadores;
g) Conserto de arames da vinha;
h) Processo de enxertia com utilização de castas apropriadas;
i) Corte de raízes que surgiram posteriormente ao enxerto;
j) Tratamento da vinha com sulfato de cobre e enxofre;
k) Tratamento da vinha contra os “inimigos” das videiras;
l) Adubação da vinha;
m) Escavação para a retenção das águas das chuvas, e bem assim limpeza de valas e regos para escoamento dos excessos de águas;
n) Poda;
o) Desfolhagem em volta dos cachos.

36 - Com estes serviços, despendeu, a título de mão de obra, cera de 22.176,00 € (vinte e dois mil cento e setenta e seis euros).

38 - No que [serviços descritos no ponto 37, não impugnado] despendeu cerca de 3.000,00 € (três mil euros).

40 - Com o que [trabalhos com máquinas a lavrar e a sulfatar descritos no ponto 39, não impugnados] despendeu cerca de € 4.920,00 € (quatro mil novecentos e vinte euros).”

Saliente-se, desde já, que, apesar disso, os recorrentes não impugnaram os pontos 37 referentes à descrição de produtos e materiais aplicados e castas introduzidas (de que resultou o custo referido no 38, só questionando este valor), nem o ponto 39 descritivo da utilização de máquinas agrícolas a lavrar e a sulfatar (de que resultou o custo expresso no ponto 40, igualmente questionado).

Ou seja: apenas questionam os trabalhos respeitantes à reparação do prédio e recuperação da vinha (que, segundo as declarações de A. B. estavam muito deteriorados e quase abandonados) e os indicados valores.

Não questionam os restantes serviços alegados e dados como provados.

Assim como não questionam os conexos pontos 41 e 42, cuja matéria foi igualmente alegada pela “C. B.”, explicativos da razão e finalidade daqueles, nos quais se afirma que “as despesas em causa foram realizadas porque eram necessárias à recuperação e rentabilização da vinha existente no prédio” e que “Tais despesas valorizaram o prédio, pois se não tivessem sido realizadas, a vinha nele existente deteriorar-se-ia e poderia acabar por ter de ser “arrancada”, atento o estado de deterioração que apresentava.”

Como motivos para assim ter decidido, o tribunal recorrido, expôs:

“A matéria de 34 a 43, decorre da prova documental de fls. 226 a 252 verso, conjugada com as declarações do legal representante da Interveniente e os depoimentos de várias testemunhas, das quais se destacam os de P. S., C. S. e J. F..
No que aos trabalhos e despesas tidas pela Interveniente no prédio, tivemos essencialmente em conta as declarações do legal representante da Interveniente, que foram algo exaustivas sobre a matéria em causa e que parcialmente foram sendo corroboradas pelos depoimentos essencialmente das testemunhas supra referidas.”

Mais detalhou que:

A testemunha M. M. (cunhado da autora C. M. e e dos 1º e 2º réus), disse ter conhecimento “da atuação que a Interveniente teve sobre o prédio, nomeadamente que gastos e proveitos terá tido com a exploração do prédio.“

A testemunha S. A. (filha da autora e irmão dos demais autores) depôs sobre os “gastos e proventos que a Interveniente terá tido/retirado com/do prédio em causa. “

A testemunha C. J. “é agricultor na localidade onde se situa o prédio, tendo descrito como estava a vinha quando a Interveniente dela se passou a ocupar e aqueles que terão sido as despesas e proveitos retirados do mesmo pela Interveniente. “

A testemunha C. S. “trabalhou para a Interveniente, nomeadamente no prédio em causa, relatando como se encontrava tal prédio quando a Interveniente o começou a granjear e as despesas e proventos que terá retirado desse granjeio.”

As testemunhas P. S. e J. F. “são funcionários da Interveniente, tendo o primeiro deposto essencialmente sobre o estado da vinha quando a Interveniente a começou a granjear e o que ali fez/gastou e o segundo depôs sobre a mesma matéria e ainda sobre os proventos obtidos pela Interveniente com a exploração da vinha e os gastos tidos com a legalização da mesma.”

Por fim, acrescentou também que “O legal representante da Interveniente depôs essencialmente sobre os trabalhos e despesas tidos pela Interveniente com o prédio e com a legalização da vinha e sobre o projeto apresentado para o prédio em causa à Câmara Municipal.”

Relativamente ao ponto 35, com base em extractos dos depoimentos das testemunhas M. M. e S. A., entendem os recorrentes que “foi produzida prova contrária” às declarações do legal representante da “C. B.”, que aqueles são desinteressados (logo, confiáveis) e que, por isso, “devia o tribunal a quo discriminar os serviços efectuados em cada ano em causa, e apenas ter dado como provados” alguns dos serviços – que elenca.

Ora, conquanto as ouvidas declarações de parte confirmativas e explicativas do alegado a tal respeito não sejam coincidentes com os extractos transcritos, na medida em que a testemunha M. M. reconhecendo parte minimiza os trabalhos “que eu saiba” e S. A., embora confirmando parte, refere que não consegue ver da estrada e há muitas variações, a verdade é que estas não são propriamente contrárias, negatórias, delas.

Além disso, não se vê com que base, por que razão, segundo que critério ou com que finalidade decisivas “deveria” o tribunal ter feito a preconizada discriminação dos serviços por anos e limitar apenas aos concretamente admitidos e na forma discriminada pelos recorrentes os trabalhos em causa.

Relativamente ao ponto 36, fundamentam os apelantes a sua discordância na alegação de que “não existe qualquer prova documental neste sentido” e que, de todo o modo, a testemunha M. M. disse que o valor de 22.176,00€ engloba mão de obra empregue nas demais vinhas pertencentes à “C. B.”, sendo insuficientes as declarações do seu legal representante.

Ora, o tribunal a quo fundamentou-se na documentação junta de fls. 226 a 252 e, além das referidas declarações consideradas exaustivas, nos depoimentos testemunhais de P. S., C. S. e J. F., acima aludidos, que as corroboraram

Não procede, pois, o argumento de que inexiste prova, uma vez que não rebatem a invocada. Nem o de que ela é insuficiente apenas em face do que disse aquela testemunha, evidentemente desvalorizada pelo tribunal recorrido quanto a tal aspecto.

Por isso, não se perscrutando qualquer erro, manter-se-ão inalterados os dois pontos (35 e 36).

No que respeita aos pontos 38 e 40 (despesas com produtos, materiais e plantas e com a utilização de máquinas), argumentam os recorrentes que os documentos/facturas a que se alude na motivação:

i) foram por si impugnados e são insuficientes, assim como as declarações de parte;
ii) as facturas não referenciam o prédio em causa;
iii) referem produtos e equipamentos utilizáveis em vários anos agrícolas;
iv) os toldes, os grampos e as máquinas não poderiam ter sido utilizados naquela vinha;
v) a testemunha S. A., na parcela do seu depoimento indicada, confirma estes dois últimos argumentos;
vi) há facturas com data anterior à da aquisição do prédio.

Sucede que, a nosso vêr, não têm razão.

Apesar de impugnados, os documentos são meios de prova livremente apreciáveis e valoráveis e assim o foram pelo Tribunal a quo, tal como o conjunto de depoimentos testemunhais e as declarações de parte incidentes sobre a respetiva factualidade. A circunstância de terem sido impugnados – apenas quanto ao seu “alcance e efeito probatório” – e os argumentos a seu respeito aduzidos – e ora reeditados, como se colhe da respectiva resposta oportunamente apresentada aos mesmos pelos autores e junta a fls. 268, verso – certamente também não deixaram de ser ponderados e contextualizados.

Não é expectável que os fornecedores de bens e prestadores de serviços apontem o seu destino ou, pelo menos, tratando-se de uma empresa com múltiplas e volumosas necessidades de trabalhos diversos e de produtos e materiais empregues na viticultura e em diversos prédios, a tal atribuam qualquer relevo. Por isso, a falta de indicação do prédio nas facturas não retira valor aos dados contidos em tais documentos, muito menos abala aquele que lhes foi conjugadamente atribuído.

Embora deles constem bens duráveis e produtos e serviços que não poderiam ter sido usados no prédio – no que o próprio S. A. não foi sequer claro na parte final do seu depoimento relativa à contra-instância, como é bem audível, em que foi questionado sobre fertilizantes e outros produtos que devendo ser aplicados periodicamente, poderiam, no entanto, sê-lo naquela altura – daí não se infere que tal não tenha sido, na sequência da já aludida resposta, ponderado e avaliado e, portanto, tido na devida conta nos valores considerados nos pontos em apreço.

De resto, nada lhe ouvimos, no referido segmento, que contrarie aquilo que, quanto à utilização de camião e máquinas, disse o legal representante da sociedade, nem quanto à discrepância temporal que este admitiu ter havido e explicou poder dever-se à forma e ao momento em que foi elaborada a contabilidade.

Nada, portanto, configura a existência de qualquer erro na apreciação e valoração conjunta de toda a prova – que obviamente não se cingiu apenas à indicada antes engloba os testemunhos de quem, sendo ou tendo sido empregado da empresa, tem conhecimento do que se passou – que deva ser por esta Relação corrigido mediante a alteração pretendida pelos apelantes para “não provado”.

Manter-se-á, pois, a decisão também quanto a estes pontos.

Pontos de facto 44 e 45

Neles consta como provado que:

“- O prédio em questão, em termos de vinha, não se encontrava legalizado para efeito de concessão de direitos de novas plantações e de replantações relativos à cultura da vinha, ao nível da região demarcada do Douro, tendo sido a Interveniente que a tal procedeu, pagando, para o efeito, a título de taxa, a quantia de € 4.558,00, em 11 de dezembro de 2020.
- Relativamente ao prédio em causa, a interveniente apresentou um projeto de arquitetura na Câmara Municipal, cujo custo ainda não se encontra contabilizado, mas que estima que possa rondar os € 800.000,00.”

Na motivação, o Mº Juiz recorrido explicou que a sua decisão “decorre da prova documental de fls. 302 a 307, conjugada com as declarações de parte do legal representante da Interveniente e o depoimento da testemunha J. F..”

Os recorrentes pretendem que a parte final do 44 relativa ao valor da despesa e toda a matéria do 45 deviam ter sido julgados não provados.

Relativamente àquele montante de 4.558,00€, dizem eles que não ficou provado, porque tal não resulta dos documentos, que tal respeitasse à legalização da vinha do prédio em causa – que é o designado por ... ou Vale ….

Quanto a este, referem não dispor o Tribunal de elementos, sendo insuficientes as declarações a esse respeito prestadas pelo legal representante da sociedade, e salientam que não foi junto sequer comprovativo da entrega do alegado projecto na Câmara que, aliás, como observam, deveria sê-lo na de Alijó e não na de Vila Real.

Ora, não vindo posto em causa que a vinha existente no prédio objecto do litígio não estava legalizada – como as regras da experiência profissional em processos congéneres ensinam que devia estar para poder ser devidamente explorado como vinho “beneficiado” da Região Demarcada do Douro cuja rentabilidade é muito superior à de qualquer outro produto congénere –, de onde se infere que necessariamente a empresa adquirente teve de providenciar por isso e assumir os custos respectivos; mostrando o documento de fls. 307 que ele foi pago por transferência bancária para a entidade licenciadora em 11-12-2020; constando dos de fls. 303 e 304 a referência do pedido de legalização a “... ou Vale …” – não resulta daí, muito menos “claro”, ao contrário do que pretendem os apelantes, que “nenhuma prova” advém no sentido de que tal despesa foi paga para legalizar a respectiva vinha. De que o foi e de que teve por objecto esse prédio consta aí bem explícito.

Não vindo postas em causa as declarações do legal representante da “C. B.” em que o Mº Juiz recorrido se ancorou, explicativas e justificativas de tal circunstância como ouvimos, e sendo certo que os argumentos ora expendidos já o haviam sido oportunamente – até de forma mais ampla e de tudo descrente – em sede de resposta à junção dos documentos ocasionada pela ampliação do pedido (fls. 313 e 314), não vislumbramos erro de julgamento quanto a tal ponto que deva ser por nós rectificado.

Em relação à estimativa do projecto alegadamente apresentado como fundamento do pedido ampliado “a liquidar”, no requerimento respectivo (fls. 308, verso) justificou-se que ele tinha em vista aumentar as instalações e na verdade indica-se a Câmara .... Não se juntou qualquer documento.

O Tribunal, na decisão de tal matéria, não identificou qualquer dos Municípios (assim parecendo ter ponderado a discrepância ora salientada, bem como as demais objecções que já haviam sido referidas na resposta à junção, e atentado que o próprio declarante não referiu qualquer Câmara). Refere-se apenas, no teor do ponto em causa, a “apresentação” de um “projecto de arquitectura”, sem a menor especificação. Aponta-se apenas para uma “estimativa” do respectivo custo. Nada mais.

Não vindo questionada no recurso a relevância para a boa decisão da causa de tal factualidade nem o que a seu propósito relatou o legal representante da “C. B.” na audiência – trata-se, segundo disse e está gravado, de um projecto de “ampliação de instalações” previsto no âmbito do desenvolvimento do negócio a que se dedica, estimado entre 800 mil e 1 milhão de euros, estando ainda a ser preparada a “candidatura” em Gabinetes especializados e à espera que venham “fundos” (o que é consonante com o tipo de actividades e de ambições no Douro exercidas em torno da paisagem, do vinho e do turismo por quem ali possui propriedades) – não encontramos razão bastante para duvidar da existência de fundamento para a convicção firmada pelo tribunal recorrido e, assim, para alterar o dito ponto e dar como não provada a apresentação e estimativa nele referidas, muito menos se encontra razão para qualificar de “leviandade” (conclusão L) a sua consideração. Deve, pois, manter-se.

Prosseguindo.

Constitui o elenco dos factos não provados:

“1 - A R. M. E. tinha conhecimento de que o sócio M. A. não esteve presente na referida assembleia, da “falsidade” das referidas atas e da assinatura de M. A., e do prejuízo que a venda do referido prédio rústico acarretaria para a Sociedade Quinta de ..., traduzido na impossibilidade de recuperação do investimento realizado na implantação da vinha, num montante não inferior a € 100.000,00 (cem mil euros).
2 - O R. D. M. tinha conhecimento de que o sócio M. A. não esteve presente na referida assembleia, da “falsidade” das referidas atas e da assinatura de M. A., e do prejuízo que a venda do referido prédio rústico acarretaria para a Sociedade Quinta de ..., traduzido na impossibilidade de recuperação do investimento realizado na implantação da vinha, num montante não inferior a € 100.000,00 (cem mil euros).
3 - O R. E. R. tinha conhecimento de que o sócio M. A. não esteve presente na supra referida assembleia, da “falsidade” das referidas atas e da assinatura de M. A., e do prejuízo que a venda do referido prédio rústico acarretaria para a Sociedade Quinta de ..., traduzido na impossibilidade de recuperação do investimento realizado na implantação da vinha, num montante não inferior a € 100.000,00 (cem mil euros).
4 - Os sócios da X tiveram conhecimento de que o sócio M. A. não esteve presente na referida assembleia, da “falsidade” das referidas atas e da assinatura de M. A., e do prejuízo que a venda do referido prédio rústico acarretaria para a Sociedade Quinta de ..., traduzido na impossibilidade de recuperação do investimento realizado na implantação da vinha, num montante numa inferior a € 100.000,00 (cem mil euros).
5 - Os demais R.R. tinham conhecimento de que o sócio M. A. não esteve presente na assembleia e de que a sua assinatura foi “falsificada”.

Na sua motivação, o Tribunal a quo, além naturalmente do que já referira quanto aos conhecimentos dos demais réus contestantes a propósito de outros pontos antecedentes que, a respeito do mesmo tipo de matéria, contrariam o 5, acrescentou que:

“Os factos não provados de 1 a 4, assim se consideraram por deles não se haver produzido prova que nos permitisse formar convicção segura da sua veracidade.
Ninguém afirmou a factualidade em causa, e ela também não decorre de qualquer outra prova.
Aliás, o R. E. R. afirmou mesmo ser desconhecido dos R.R. M. E. e D. M., a “falsificação” ocorrida.
Como acima referimos, da prova produzida, a ideia que nos ficou foi a de que, da “falsificação” das atas, apenas os R.R. E. R. e J. M. tiveram conhecimento e que procuraram manter, e mantiveram, tal em segredo, até 2018.“

Os recorrentes pretendem que os cinco pontos sejam modificados para provado.

Sustentam, quanto a todos eles, que, sendo referidos aos co-réus M. B., D. M., “Y”, “W” e “K – Quinta do Vale ...”, mas não tendo estes cinco réus contestado, devem os factos, nos termos do nº 2, do artº 574º, do CPC, considerar-se provados.

Não se tratando propriamente de impugnação no sentido estrito que apenas compreende a modificação da decisão errada decorrente de uma eventual deficiente apreciação e valoração (livres) de meios de prova (livremente valoráveis) mas de um eventual erro de subsunção da situação processual alegada à previsão da apontada norma adjectiva e, assim, de erro de direito, importa, então, verificar se e em que termos aquela se verifica, se esta lhe é aplicável e se a conclusão daí decorrente é a pretendida.

Dos 11 demandados (10 réus primitivos mais interveniente “C. B.”), só esta, a Caixa ... e o Estado, na verdade, contestaram.

Como decorre da petição e dos posteriores articulados, designadamente, daquele em que foi deduzido o chamamento o prédio fora adquirido e pertencia à Sociedade “...”. Esta, representada pelos dois sócios E. R. e J. M. venderam-no à ré, sua irmã, M. B., casada com o réu D. M.. Estes (o casal), por sua vez, venderam-na à “X” (constituída, entre outros, pelos três irmãos.

Depois, a “X” vendeu ao J. E..

Entretanto, este deu-o de hipoteca à Caixa ... e a “Y”, a Fazenda Nacional, a “W” e a “K – Quinta do Vale ...”, no âmbito dos respectivos processos executivos penhoraram-no, vindo ele a ser vendido na execução fiscal e aí licitado pela “C. B.”.

Pretendendo-se, com base no vício da primeira venda e seu reflexo nas demais, anulá-las todas, opor a invalidade aos sucessivos adquirentes e reverter o prédio do domínio titulado por esta licitante, sem qualquer oneração, para o da esfera jurídica da (já extinta) “...” e, como fundamento, se alegando e devendo os autores provar que todos os demandados tinham conhecimento da inexistência da assembleia geral, da deliberação e da falsidade das assinaturas das duas actas em que consta referida a decisão de vender e aos aludidos dois representantes consta terem sido poderes para a outorgar (nesse sentido tendo sido enunciado, sem qualquer reclamação, o tema de prova nº 3, como se observa a fls. 221), não há dúvidas que, dada a afectação que, no caso de procedência, se produziria em todos e cada um deles, se está ante caso de litisconsórcio necessário – artº 33º, CPC – como, de resto, sustentaram os próprios autores recorrentes no item 58º da sua petição.

Além disso, alegando que todos os demandados (item 46 da petição e 40 e 54 da primeira réplica e 23 da segunda) tinham perfeito conhecimento da situação viciante (ou seja, dos factos relativos à assembleia e à assinatura falsa das actas que acabaram assentes nos pontos provados 6 a 9), o certo é que a Caixa ... impugnou, não só em relação a si mas aos demais, esses factos (cfr., v.g. itens 19 a 21 da sua contestação), assim como o Estado (cfr.. v.g., itens 5º e 6º do seu articulado), tal como a “C. B.” (cfr. o item 2º da sua oposição).

Tanto basta para, por um lado, afastar a aplicação do nº 2, do artº 574º, CPC, que não alberga a posição dos litisconsortes mas se cinge à de cada contestante, e que de todo o modo, estando em causa factos opostos à defesa considerada no seu conjunto, não poderiam ser considerados admitidos por acordo; e, por outro, mesmo tendo em conta que à revelia dos réus não contestantes se refere, isso sim e em regra, o artº 567º, o certo é que também este não se aplica excepcionalmente no caso por força das alíneas a) e c), do artº 568º, não só porque, como se viu os outros réus contestantes impugnaram o questionado conhecimento pelos demais do vício mas também porque a vontade dos revéis é por si ineficaz para que se produza o efeito jurídico almejado pelos autores através desta acção.

Não se acolhendo, portanto, o entendimento a tal respeito brandido pelos recorrentes, com base nele não pode proceder a pretensão de que se considerem admitidos (provados) os factos não provados 1 a 5 – relembrando-se, aliás, que eles foram, na audiência prévia, considerados controvertidos, incluídos no tema de prova nº 3, decisão que não foi alvo de qualquer oportuna reclamação pelas partes, mormente pelos autores – cfr. fls. 221).

Ainda a respeito dos nºs 1 e 4 (M. E. e sócios da “X”), os apelantes acrescentam que os réus E. R. e J. M. confessaram que a irmã M. E. sabia do estratagema e seus fins, sendo um segredo entre os três, e que, sendo ela sócia da “X”, por via da sua pessoa esta sociedade tinha igual conhecimento.

Ora, não se trata de confissão nem ela é eficaz nem inequívoca e indivisível de tudo o mais narrado – artºs 352º e sgs., do Código Civil.

De resto, examinando-se as “assentadas” constantes da acta de fls. 298, verso, e 299, relativas ao depoimento de parte prestado pelos dois referidos réus E. R. e J. M., verifica-se sintomaticamente que nelas não consta que tivesse suscitado qualquer dúvida o seu depoimento a tal respeito merecedora de pedido de esclarecimento por qualquer dos mandatários (artº 462º, CPC) nem que por eles tivesse sido “confessada” tal matéria, sendo certo, ainda, que também dessa redacção e consequentemente do respectivo teor definidos no escrito pelo Mº Juiz não foi feita qualquer reclamação como se teria imposto se confissão relevante tivesse havido e as partes entendessem então que aquele a omitira, como tudo decorre do artº 463º, do CPC.

De qualquer das maneiras, a verdade é que, da audição da gravação a que procedemos, o que resulta do depoimento oral do réu E. R. é que ele foi peremptório em afirmar que quem sabia disto – ou seja, da elaboração das actas e sua assinatura, falsificadas – eram unicamente ele (que assinou), o irmão J. M., a viúva do falecido outro irmão M. A. (C. M.) e o sobrinho (único maior, à data) S. A., percutindo que tal segredo perdurou uns 18/19 anos (ouça-se, por volta dos 7 minutos da gravação). Quando instado por mandatário, respondeu firmemente que a “M. E. não sabia”, quem sabia eram só as três pessoas referidas, não sabia ela nem o marido D. M. (ouça-se entre os 14 e os 15 m e 30 s). Ao responder que “sim” à pergunta de advogada sobre se a dita irmã M. E. “sabia que isto era para salvaguardar os filhos menores” (do falecido, seus sobrinhos portanto, o que não é inteira verdade porque acrescentara antes que também era para se furtarem aos credores e os iludirem), obviamente tal conhecimento não abrangia a falsificação mas apenas o fim pretendido, não se percebendo como, com base nesse extracto, possa defender-se ter ele confessado qualquer dos pontos de facto (ouça-se bem e contextualize-se melhor a gravação por volta dos 22 m e 30 s).

E o que resulta do depoimento do co-réu J. M. é que ele, em tom claramente vacilante, refuta que a C. M. soubesse e sustenta que a M. E. sabia que o falecido não tinha estado presente nas supostas assembleias, justificando que era um segredo “entre os três”, ou seja, ele, o E. R. e a E. R., sempre ajuntando que “tanto é que a gente disse que era segredo entre os três” e “tanto é que não houve dinheiro a transitar, foi mesmo só para dar mais espaço” (“espaço” para negociarem com os credores, como dissera antes) e, ainda, que não falaram com a C. M.. Tal tom, a oposição ao que disse o irmão E. R. e a troca dos conhecedores do assunto da C. M. pela M. E. não convencem da credibilidade do seu depoimento, designadamente quanto a que a compradora soubesse do que se passara quanto à assembleia, às actas e às assinaturas, nem, portanto, que tal depoimento “demonstra à evidência”, como dizem os recorrentes, aquele conhecimento pela M. E., sendo que dos testemunhos a este propósito também invocados de M. J. e da irmã da recorrida M. E. não se identifica como ou em que parte do respectivo depoimento eles “corroboraram” tal “confissão” deste co-réu J. M..

Ainda assim, acrescente-se que, quanto ao conhecimento do “prejuízo” pressuposto, nos pontos não provados 1 a 4 e alegadamente resultante da venda, por parte dos réus M. E., D. M. e E. R. e dos sócios da “X”, tal situação não resulta demonstrada, seja a partir dos meios de prova para tal ora indicados, cujo teor e grau de fiabilidade, face a todo o contexto, motivações, objectivos e relacionamentos pessoais, familiares e negociais, não se mostram certa e seguramente convincentes de que tal tenha de facto sucedido, seja mesmo com base na circunstância de estar assente que a sociedade “...” investiu na reconversão do prédio rústico por si adquirido para exploração vitícola “entre 50.000,00€ e 100.000,00€” (ponto 5) e que o preço de venda declarado na escritura de venda à ré M. E. foi de, apenas, 4.987,98€.

Com efeito, a demonstração do sofrimento de tal “prejuízo” não se basta com estes simples e vagos indícios, precisando-se, para a tal respeito formar convicção segura, de outros que os concretizassem, explicassem e densificassem por forma a tornar possível um juízo comparativo entre o valor real do património da vendedora anterior e o valor real do património posterior ao acto de venda do prédio, de modo a concluir-se que, após este, se verificou uma diminuição que se não teria verificado se não fosse tal decisão e operação.

Em função de tudo o exposto, não há que alterar qualquer dos pontos em apreço.
*
Ainda neste capítulo da matéria de facto, defendem os apelantes que “deveriam ter sido considerados indiciariamente provados, ao menos os seguintes factos:

i. Que a venda do prédio rústico sito em “... ou ...” foi feita pela Sociedade Agrícola ... à Recorrida M. E. e marido mas não foi por esta efectuado o pagamento do preço da venda – conforme resultou confessado pelo Recorrido J. M. no seu depoimento: [00:13.43] J. M.: Tanto é que não houve dinheiro a transitar. Foi mesmo só para dar espaço. Mais nada.
ii. Que, em 17 de Maio de 2018, o Recorrido J. E. e a C. B. – Family Estates, Lda, celebraram um contrato promessa de compra e venda relativo a dois imóveis, um dos quais o prédio rústico sito em “... ou ...”, em causa nos autos, nos termos e com o conteúdo dele constante – facto provado por documento junto aos autos pela Recorrida C. B. – Family Estates, Lda com a sua contestação;
iii. Que, em 15 de Junho de 2018, foi celebrado entre a Caixa ... e a C. B. – Family Estates, Lda, um contrato de mútuo com fiança e promessa de hipoteca, nos termos e com o conteúdo dele constante – facto provado por documento junto aos autos pela CAIXA ... em 5.11.2019.“ (conclusão Q).

Não se percebe bem se, ao referirem “provados indiciariamente”, querem dizer, quanto ao modo ou grau, “provados sumariamente” [5] ou, quanto à sua natureza e função, “factos indiciários” – realidades obviamente diversas.

Sucede que, manifestamente, tais factos não são essenciais, nos termos do artº 5º, nº 1, 552º, nº 1, alínea d), ou 572º, alínea c).

Se o fossem e, portanto, devessem, primeiro, ser alvo da decisão aludida no nº 4, ou, depois, integrar o elenco dos provados referido no nº 3, do artº 607º, teria de se verificar a sua indispensabilidade para, ao abrigo da alínea c), do nº 2, do artº 662º, deverem ser aditados (caso efectivamente os elementos de prova convencessem da sua veracidade).

Eles também não são complementares nem concretizadores, na acepção da alínea b), do nº 2, do artº 5º, porque não fundamentadores do direito de que os apelantes se arrogam.

Eles são meros elementos que promanam dos meios de prova indicados (do teor de documentos) que mesmo a terem-se como certos e a reconhecer-se-lhes função instrumental ou indiciária – factos instrumentais na acepção da alínea a), do nº 2, do artº 5º, e do nº 4 do artº 607º, neste por contraposição aos essenciais alvo da decisão de facto – não têm lugar no elenco dos provados (ou dos não provados) mas apenas devem ser ponderados – “considerados” –, conjugados e avaliados pelo juiz com os demais fundamentos relevantes na formação da convicção.

Tal consideração (venda do prédio em causa à ré M. E.; contrato promessa de 17-05-2018; contrato de mútuo) foi feita na decisão de 1ª instância, assim como o foi já nesta.

Por isso e porque relativamente ainda ao pagamento do preço do prédio constante como declaradamente pago e recebido na escritura da referida venda (fls. 50, verso), não obstante o réu J. M. (co-réu interveniente nela como representante, juntamente com seu irmão E. R., da sociedade vendedora) ter dito “que não houve dinheiro a transitar” e que a venda “foi mesmo só para dar espaço”, não está aqui em causa a falsidade ou a simulação, sendo que o relevo de tal depoimento e inerente “revelação” – que não é e não vale como confissão nem se tem por facto certo e seguramente verdadeiro – já mais atrás e noutro contexto foi apreciado e, como então se referiu, sem o efeito que os apelantes pretendem que dele seja extraído quanto aos factos fundamentais, mormente os questionados.

Não há, assim, que proceder a qualquer aditamento.
*
Apesar da discordância e do inconformismo dos apelantes mas redundando toda a sua argumentação mais na justificação do seu modo diverso de apreciar a prova do que em erros patentes na decisão decorrida, deve, em suma, improceder o recurso quanto à matéria de facto, assim permanecendo incólume o rol dos factos provados e dos não provados elencado na sentença.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Os recorrentes, claro, mostram-se também inconformados com a decisão de direito, dirigindo-lhe variadas críticas pretensamente justificadas com extensa argumentação.

Neste capítulo, o tribunal a quo baseou a decisão no seguinte:

“a)
Os A.A. pretendem ver declarada a inexistência ou então a nulidade, das assembleias gerais de 10 de Janeiro de 2001, da Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda.
Provou-se que, não houve qualquer assembleia geral realizada no dia 10 de Janeiro de 2001.
Assim, tem de proceder a pretensão dos A.A., de declaração da inexistência das assembleias gerais de 10 de Janeiro de 2001, da Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., porquanto tais assembleias não existiram.
b) a f)
Os A.A. pretendem ver declarada a nulidade das escrituras de compra e venda outorgadas pelos R.R. em 14 de Outubro de 2001, 3 de Março de 2002 e 23 de Dezembro de 2010 e da venda judicial e adjudicação ocorridas no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...................132, a favor da C. B. – Family Estates, Lda., relativas ao prédio em questão.
Fundamentam a sua pretensão no entendimento de que, não constando do contrato social da Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., disposição específica quanto à alienação de imóveis, a venda do prédio em causa dependia de deliberação dos sócios quanto a essa matéria, conforme previsto no art. 246º, n º 2, c), do CSC, deliberação esta que inexistiu, ou foi nula. E inexistindo ou sendo nula a deliberação havida, quanto à venda do imóvel em causa, a venda que dele foi feita pela Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., à R. M. E., em 14-10-2002, é nula, por violação do disposto nos arts. 246º, n º 2, c), do CSC e 294º, do C.C., assim como nulas são as transmissões posteriores do imóvel.
Ora, consagra o art. 246º, n º 2, c), do CSC, que: se o contrato social não dispuser diversamente, compete também aos sócios deliberar sobre a alienação ou oneração de imóveis, a alienação, a oneração e a locação de estabelecimento.
No referido preceito atribui-se aos sócios, competência deliberativa, nas matérias em causa, mas permite-se que o estatuto social atribua competência decisória, nestas matérias, à gerência.
Sucede que, o estatuto social da Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., nada contempla a este respeito.
Acontece que, a referida sociedade procedeu à venda de um imóvel, sem que tivesse havido deliberação de todos os sócios nessa matéria.
Será que, tendo a sociedade procedido à venda de imóvel, sem disposição estatutária que permitisse aos gerentes da referida sociedade decidir de tal venda e sem deliberação de todos os sócios nessa matéria, com tal fundamento, a venda realizada pela Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., será nula?
Cremos que não.
A questão que a este respeito se coloca é a do alcance do art. 9º, n º 1, da diretiva sobre sociedades comercias, de 09-03-1968 e do art. 260º, n º 1, do CSC, que transpôs aquela norma para o direito interno.
O art. 9 º da diretiva sobre sociedades comercias, de 09-03-1968, consagra no seu n º 1, que: “A sociedade vincula-se perante terceiros pelos actos realizados pelos seus órgãos, mesmo se tais actos forem alheios ao seu objecto social, a não ser que esses actos excedam os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos.
Todavia, os Estados-membros podem prever que a sociedade não fica vinculada, quando aqueles actos ultrapassem os limites do objecto social, se ela provar que o terceiro sabia, ou não o podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto ultrapassava esse objecto; a simples publicação dos estatutos não constitui, para este efeito, prova bastante”.
Ou seja, a diretiva impôs que, as sociedades ficassem vinculadas perante terceiros, pelos atos realizados pelos seus órgãos, a não ser que esses atos excedessem os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos.
No art. 260º, n º 1, do CSC, que transpôs a diretiva, consagrou-se o seguinte:
“Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios”.
Parece-nos haver uma diferença literal entre o art. 9º, n º 1, da diretiva e o art. 260º, n º 1, do CSC.
Perante isto, é de perguntar novamente: será que, tendo a sociedade procedido à venda de imóvel, sem disposição estatutária que permitisse aos gerentes da referida sociedade decidir de tal venda e sem deliberação de todos os sócios nessa matéria, com tal fundamento, a venda realizada pela Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., será nula?
A questão resolve-se, cremos, essencialmente pela interpretação que se faça da parte final do art. 9º, n º 1, da diretiva.
Sobre esta questão específica já se debruçou a doutrina.
Coutinho de Abreu fê-lo no Curso de Direito Comercial, Vol. II, 5ª ed., pag. 556 e 557 e no Código das Sociedades Comerciais Em Comentário, Vol. IV, pag. 22, sendo que, neste último, disse o seguinte: “Pois bem, mesmo sem disposição estatutária neste sentido, e sem prévia deliberação dos sócios, a sociedade fica em princípio vinculada pela alienação ou oneração de bens imóveis (…). Na verdade, nos termos do art. 9º, 1, da 1ª Diretiva sobre sociedades, a sociedade vincula-se perante terceiros pelos atos realizados pelos seus órgãos, “a não ser que esses atos excedam os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos”. A lei (art. 246º, 2) permite atribuir à gerência poderes em matérias nela previstas. Interpretando o art. 260º, 1, em conformidade com a Diretiva, aquela conclusão impor-se-á”.
Ou seja, defende este autor que, o art. 260º, n º 1, do CSC, tem de ser interpretado em conformidade com a Diretiva, e que assim sendo, a sociedade fica vinculada também pelos atos que, apesar de não estarem dentro dos poderes que a lei confere aos gerentes, estejam dentro dos poderes que a lei permite conferir-lhes (como é o caso da venda de bens imóveis, nos termos do art. 246º, n º 2, c), do CSC).
Também Alexandre Soveral Martins, na mesma obra, na pag. 145 e 146, expressa o mesmo entendimento, referindo que: “Assim sendo, como o art. 246º, 2, permite conferir aos gerentes poderes para deliberar sobre as matérias referidas nas respetivas alíneas, a lei permite conferir aos gerentes poderes para deliberarem sobre esses assuntos. Mesmo que o contrato de sociedade não contenha uma cláusula a conferir esses poderes, os gerentes vinculam a sociedade apesar de não ter sido tomada deliberação pelos sócios”.
O referido entendimento baseia-se numa interpretação extensiva do art. 260º, n º 1, do CSC, que abarque o que consta da sua letra “dentro dos poderes que a lei lhes confere”, como o que faz parte do seu espírito, ou seja, “dentro dos poderes que a lei lhes permite conferir”, pois que é isso que decorre da Primeira Diretiva sobre direito das sociedades (segundo a qual, as sociedades se vinculam “perante terceiros pelos actos realizados pelos seus órgãos, mesmo se tais actos forem alheios ao seu objecto social, a não ser que esses actos excedam os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos”).
Como conclui o referido autor, na referida obra e pag., “(…) deve entender-se ficarem as sociedades por quotas vinculadas pelos atos dos gerentes praticados em nome da sociedade dentro dos poderes que a lei lhes confere ou permite conferir”.
O mesmo entendimento têm Paulo de Tarso Domingues, em A Vinculação das Sociedades por Quotas no Código das Sociedades Comerciais, pag. 296 e 297; Diogo Pereira Duarte, no Código Das Sociedades Comerciais Anotado, 3ª ed., pag. 914; e Joana Barbosa Martins, em Vinculação das Sociedades Comerciais Por Quotas, Dissertação de Mestrado, de Julho de 2016, pag. 21 e 22.
Há, porém, um entendimento doutrinal minoritária distinto deste.
Se bem o entendemos, não defende que o art. 260º, n º 1, do CSC, não deva ser interpretado de acordo com a diretiva, antes nos parece defender uma “interpretação restritiva” do segmento final do n º 1, do art. 9º, da diretiva.
Ou seja, parece-nos que esta corrente doutrinária defende que, a diretiva, ao dizer “poderes que a lei atribui ou permite atribuir”, abrange todos os poderes representativos de que o órgão seja dotado pela lei, diretamente (poderes que a lei atribui), ou então indiretamente mediante uma autorização de os atribuir (poderes que a lei permite atribuir).
Ora, se acaso se tivesse querido consagrar a vinculação da sociedade nos termos sobreditos, então, o que faria mais sentido era que tal se dissesse expressamente, por exemplo, com uma redação deste género: “A sociedade vincula-se perante terceiros pelos actos realizados pelos seus órgãos (…), a não ser que esses actos excedam os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos, desde que, neste último caso, lhes hajam sido atribuídos”.
Ao se ter omitido esta última parte, é porque se terá querido vincular a sociedade aos atos praticados pelos órgãos da sociedade, desde que a lei permitisse atribuir poderes a esses órgãos, independentemente de tais poderes lhes terem sido, ou não, atribuídos (onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir).
Esta interpretação, parece-nos ser a que também vai de encontro aos objetivos da diretiva, que são objetivos de proteção de terceiros, a assegurar mediante disposições limitativas das causas de invalidade das obrigações contraídas em nome da sociedade (como se pode constatar das considerações iniciais da diretiva).
Parece-nos também que, quando há uma autorização a atribuir poderes aos representantes, que eles não tinham sem essa autorização, após essa mesma autorização, à luz da lei, os representantes atuam ao abrigo dos poderes que a lei lhes atribui (pois que a lei lhes atribui poderes para representarem a sociedade na prática de um ato, quando foram autorizados a praticá-lo, no caso de essa autorização ser necessária).
E se assim for, de acordo com a interpretação da corrente minoritária, a parte final do n º 1, do art. 9º, da diretiva (poderes que a lei permite atribuir), não teria, parece-nos, qualquer utilidade prática, pois que, quando for necessária autorização para a prática de um ato e essa autorização exista, os atos praticados pelos representantes não excedem os poderes que a lei lhes atribui, pois que a lei lhes atribui poderes para atuarem autorizados.
A parte final do n º 1, do art. 9º, da diretiva, tem de ter utilidade, senão não se compreende porque haveria de ali constar, e essa utilidade só será alcançada com o entendimento sufragado pela doutrina maioritária, ou seja, de que a sociedade fica vinculada quando os atos não excedam os poderes que a lei atribua aos órgãos que atuam, como também quando os atos não excedam os poderes que a lei permita atribuir aos órgãos que atuam (como é o caso dos atos a que alude o art. 246º, n º 2, do CSC).
O art. 260º, n º 1, do CSC não pode deixar de se interpretar à luz do art. 9º, n º 1, da diretiva de que vimos falando. Assim o impõe o princípio da interpretação conforme.
Segundo este princípio, “(…) o intérprete e aplicador do direito, internamente, deverá, ainda quando deva aplicar apenas o direito nacional, atribuir a este uma interpretação que se apresente conforme com o sentido, economia e termos das normas comunitárias”, conforme diz Miguel Gorjão-Henriques, em Direito Comunitário, 3ª Ed., pag. 245.
E segundo José Caramelo Gomes, em O Juiz Nacional e o Direito Comunitário, pag. 66, “Constatada que seja a relevância da norma comunitária para a resolução do litígio e no caso de existir conflito aparente entre essa norma e uma norma de Direito nacional, o juiz de processo deverá, na medida do possível, conciliar as normas por via interpretativa, tal como determinado pelo princípio da interpretação conforme.
(…) Antes de afastar a aplicação da sua norma de Direito interno, o juiz nacional deve tentar conciliar as normas por via interpretativa, prosseguindo o resultado prescrito pela norma comunitária. Este é, em termos simples, o enunciado do princípio da interpretação conforme (…)”.
O juiz nacional deve, entre os métodos permitidos pelo seu sistema jurídico, dar prioridade ao método que lhe permite dar à disposição de direito nacional em causa uma interpretação compatível com o direito comunitário.
A este propósito, importa também citar o Ac. do STJ n º 3/2004, de 25-03-2004, no DR, I Série A, n º 112, de 13-05-2004, pag. 3024, onde se diz que: “(… princípio estruturante do direito comunitário de interpretação conforme, definido pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, órgão máximo da interpretação do direito comunitário, princípio que deriva do primado do direito comunitário sobre a ordem jurídica estatal, que significa, para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, a obrigação de os juízes nacionais interpretarem o seu direito nacional de modo a harmonizá-lo com o direito originário e derivado de origem comunitária, na medida do possível (…)”.
Analisemos então o caso dos autos, à luz do entendimento (maioritário) perfilhado e à luz do princípio da interpretação conforme.
Como os gerentes da sociedade, à data em causa, eram os R.R. E. R. e J. M., pois que o outro sócio gerente já havia falecido, circunstância esta (o óbito) que não transmitiu a sua qualidade de gerente para os seus sucessores, por força do disposto no art. 252º, n º 4, do CSC (como dizem Ricardo Costa e Carlina Cunha, no Código Das Sociedades Comerciais Anotado, Vol. IV, 3ª ed., na pag. 78: Assim, o falecimento do sócio-gerente produz a extinção da relação de gerência, sem prejuízo da transmissão da quota aos herdeiros (…) pelo modo automático como opera, constitui, aliás, uma causa de caducidade daquela relação”), e tendo esses sócios gerentes procedido à venda do imóvel em nome da sociedade, depois de decidirem/deliberarem realizá-la, dentro dos poderes que a lei permitia conferir-lhes no art. 246º, n º 2, c), do CSC, à luz do supra exposto, a sociedade ficou vinculada a essa venda, não sendo, consequentemente, a mesma inválida, com fundamento na inexistência ou nulidade de deliberação de todos os sócios quanto a essa venda.
E como todos os restantes pedidos formulados pelos A.A. se sustentavam na alegada nulidade (inverificada) da venda realizada pela sociedade, estão os mesmos votados à improcedência.
Apesar do exposto, far-se-á ainda mais uma breve consideração.
As duas pretensões fundamentais dos A.A. são a de reconhecimento da Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., como proprietária do prédio em causa e de restituição de tal prédio à referida sociedade.
Não vislumbramos como pudessem tais pretensões proceder.
É que, pela Ap. 50/20121126, foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda.
E segundo o art. 160º, n º 2, do C.S.C., a sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios, sem prejuízo do disposto no art. 162º a 164º, pelo registo do encerramento da liquidação.
Não tem relevância para o agora em apreciação, o disposto nos arts. 162º a 164º, do CSC, já que, o primeiro preceito se reporta às ações que se encontrem pendentes aquando da extinção da sociedade, o que não é o caso dos autos, e, o segundo preceito diz respeito à cobrança de um direito de crédito da sociedade, que também não está em causa.
Assim, a extinção da sociedade é equiparável à morte civil, deixando a mesma de ter personalidade e capacidade jurídicas.
Consequentemente, não se vê como se pudesse reconhecer uma sociedade extinta/inexistente juridicamente, sem personalidade e capacidade jurídicas, como sendo a proprietária de um prédio e ordenar-se-lhe a restituição do prédio - é, parece-nos, uma impossibilidade jurídica, a atribuição de direitos a quem não existe - .
Extinta a sociedade, os bens que não tiverem sido partilhados, pertencem aos sócios, em “compropriedade” e não à sociedade.
Afigura-se-nos ainda que, mesmo que os A.A. peticionassem para si (e não para a sociedade, como fazem), só seria assegurada a sua legitimidade ativa se também E. R. e J. M. (sócios da sociedade em causa, juntamente com os A.A. e titulares, como estes, do eventual direito em causa) estivessem na ação do lado ativo, ao lado dos A.A. (o que não ocorre), e não do lado passivo, pois que da procedência da ação lhes adviria um benefício e não uma desvantagem (regresso do bem ao património de todos os sócios).
Mas ainda que assim fosse, o exercício do direito em causa por parte desses sócios E. R. e J. M., sempre nos pareceria abusivo, por atuarem em violação do princípio da confiança que criaram nos sucessivos adquirentes de direitos sobre o bem em causa, por atuarem sob a forma de venire contra factum proprium, o que paralisaria o direito que coubesse aos referidos sócios.
E não vemos como se pudesse assim anular ou declarar nulos os atos que se pretende ver anulados ou declarados nulos, assistindo esse direito apenas aos A.A. e não também aos referidos sócios (pois não vemos como pudesse restituir-se o bem aos A.A. apenas na parte correspondente ao seu direito, pois ou o bem é restituído na sua totalidade ou não o é).
Talvez os A.A. possam encontrar tutela para os seus interesses/direitos, responsabilizando eventualmente os referidos E. R. e J. M., nos termos do art. 79º, do C.S.C.
g) Uma vez que a apreciação do pedido reconvencional dependia da procedência da ação, concretamente, da procedência do pedido de declaração de nulidade da venda feita à Interveniente e da pretendida entrega do prédio e estes pedidos improcederam, fica prejudicada a apreciação do pedido reconvencional.”

Ora, como decorre, em síntese, da conclusão R apresentada pelos recorrentes e daquilo que, mais profusamente, explanam nas suas alegações, a impugnação da decisão de mérito e a pretendida alteração da sentença no sentido da procedência total da acção e da condenação nos pedidos foram por eles colocadas na dependência da almejada modificação prévia da decisão de facto, em especial da alteração para “provado” dos pontos relativos ao alegado “conhecimento” por parte dos réus M. E., D. M., E. R. e “X” das vicissitudes descritas nos pontos 6 a 9 quanto à não efectivação da assembleia, à falsificação das actas e da assinatura e, bem assim, do prejuízo alegadamente provocado à extinta sociedade “...” com a venda do prédio alvo do litígio; e, ainda, por parte dos demais réus, da ausência à dita assembleia do falecido M. A. e falsificação da sua assinatura nas actas.

Com efeito, a construção jurídica por eles tecida e erguida, com vista a abalarem a que baseia a sentença proferida e obterem a reversão do nesta decidido, parte da preconizada alteração dos pontos de facto impugnados e do aditamento dos requeridos e seu relacionamento com os demais julgados provados, sobretudo quanto ao conhecimento da actuação dos sócios sem respaldo em deliberação da assembleia geral e amparada em actas falsificadas e do seu reflexo considerado juridicamente patológico no acto de venda inicial e nos subsequentes, de molde a convencerem que a interpretação do artº 260º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) levada a cabo pelo tribunal a quo deve atender ao segundo parágrafo do nº 1, do artº 9º, da 1ª Directiva do Conselho, de 09 de Março de 1968, segundo o qual os Estados-membros podem prever que a sociedade não fica vinculada, quando aqueles actos “– ou seja, os actos vinculantes realizados pelos seus órgãos perante terceiros mesmo que alheios ao seu objecto social – ultrapassem os limites do objecto social, se ela provar que o terceiro sabia, ou não o podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto ultrapassava esse objecto” (conclusões V e Y).

Tal conhecimento – seja nos termos e para os efeitos do artº 260º, nº 1, do CSC, interpretado este no sentido de que a concreta situação, por o acto “extravasar” os poderes que a lei atribui ou permite atribuir aos gerentes e se traduzir num “expediente fraudulento”, não está, alegadamente, nele contemplada como admitindo a vinculação da sociedade uma vez que, segundo argumentam, mais que à inexistência da deliberação, melhor se lhe adequa a sanção mais grave de nulidade da primeira venda e nulidade consequencial das posteriores e demais actos subsequentes, seja nos termos e para os efeitos dos artº 289º e 291º, do CC, de que resultaria a oponibilidade da declaração da invalidade aos terceiros de boa fé –, não foi, contudo, demonstrado, face à improcedência da impugnação quanto aos pontos não provados 1 a 5, bem como quanto aos pontos provados 29, 31 e 33 relativos à convicção com que agiram os réus Caixa ..., Estado e Interveniente “C. B.”.

A nulidade das escrituras invocada como causa de pedir fundamentava-se na inexistência de necessária deliberação dos sócios para a sociedade poder alienar o imóvel – artº 246º, nº 1, alínea c), CSC – já que tal não fazia parte do seu objecto nem estava previsto no contrato de constituição respectivo.

A venda não precedida dessa deliberação, na perspectiva dos recorrentes e segundo a sua petição, conformaria uma ilegalidade (consubstanciada na violação daquela norma) subsumível à previsão do artº 294º, do Código Civil, e determinante da nulidade daquele negócio, bem como dos subsequentes.

Ocorre, por um lado, que deste efeito (o previsto no artº 294º, CC) estão ressalvados os casos em que outra solução resulte da lei; e, por outro, que é precisamente isto que acontece no caso, por força do artº 260º, do CSC, devidamente interpretado, como mandam os princípios [6], em conformidade com a 1ª Directiva de 09-03-1968 (artº 9º) e a sucedânea Directiva 2009/101/CE, e 16-09-2009 (artº 10º).

Devendo a vontade societária formar-se internamente nos termos legalmente previstos e manifestar-se externamente, perante as pessoas com quem a sociedade se relaciona, por intermédio dos respectivos gerentes (caso das sociedades por quotas) e traduzindo-se tal expressão na prática por estes de actos jurídicos de onde decorrem direitos mas também obrigações que caibam nas suas competências (artº 259º, CSC), a verdade é que nesse exercício podem ocorrer vicissitudes susceptíveis de afectar a validade e eficácia de tais actos e, portanto, de interessarem terceiros.

Ora, a 1ª Directiva 68/151/CEE visou declaramente, como resulta do seu preâmbulo, conseguir uma harmonização entre as diversas legislações nacionais no sentido de preservar dos efeitos daquelas, nomeadamente da nulidade de obrigações assumidas, os interesses desses terceiros susceptíveis de serem afectados por elas, conferindo a estes garantias que não se circunscrevam ao património social das sociedades obrigadas.

Assim, “a protecção de terceiros deve ser assegurada por disposições que limitem, na medida possível, as causas de invalidade das obrigações contraídas em nome da sociedade”. Mas mais: “para garantir a segurança jurídica tanto nas relações entre a sociedade e terceiros, como entre os sócios, é necessário limitar os casos de nulidade, assim como o efeito retroactivo da declaração de nulidade, e fixar um prazo curto para a oposição de terceiros a esta declaração”.

Neste sentido, além de medidas publicitárias (artºs 2º a 4º), na secção seguinte relativa à “validade das obrigações contraídas pela sociedade”, o artº 9º previu que “A sociedade vincula-se perante terceiros pelos actos realizados pelos seus órgãos” – sabendo-se que, face ao nosso CSC, a gerência é um órgão societário (artº 252º). E vincula-se “mesmo se tais actos foram alheios ao seu objecto social”, como é a alienação, mediante contrato de compra e venda, de um imóvel, quando tal não integra o objecto societário.

Não será assim, ou seja, não haverá vinculação, quando aqueles actos “excedam os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos” – remata o referido nº 1, no seu primeiro parágrafo. Da alínea c), do nº 2, do artº 246º, conjugada com a parte final do artº 259º (CSC), resulta que a lei permite atribuir aos órgãos de gerência poderes para praticarem (executarem) actos de alienação.

No caso, tal sendo permitido, mesmo não tendo existido assembleia deliberativa da venda, não se verifica aquele excesso de poderes.

Mesmo que se considerasse que os actos praticados pelos gerentes ultrapassaram os limites do objecto social, que não se compreendem nestes, ficou reservada a cada um dos Estados-membros a possibilidade de prever e de estabelecer, na sua legislação nacional, que a sociedade só não fica vinculada “se ela provar que o terceiro sabia, ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto ultrapassava esse objecto” – segundo parágrafo do artº 9º em análise.

O efeito vinculativo, portanto, só se detém se esbarrar com esta situação subjectiva por parte dos terceiros (além daquela hipótese de os actos praticados pelos gerentes excederem os poderes que a lei lhes atribui ou permite atribuir).

Nesta senda, o artº 260º, que claramente, se bem que com formulação textual não coincidente [7], transpôs para ordem jurídica interna a referida Directiva e concretamente aquelas normas, dispõe, no seu nº 1, que “os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere” – ou seja, dos poderes que a lei atribui ou permite atribuir-lhes como órgãos que são – “vinculam-na para com terceiros”.

A tal vinculação não obstam – continua a norma – “as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios”. Ou seja, como dizia a Directiva, “mesmo se tais actos forem alheios ao seu objecto social”. Só assim não será, portanto, se se tratar de actos cuja atribuição ao órgão seja de todo vedada por lei ou exceda os por ela atribuídos – o que não sucede: nada na lei impede a sociedade de deliberar vender e de atribuir aos seus gerentes o poder de a representar no acto de venda.

No nº 2, em linha com o aludido segundo parágrafo do artº 9º, nº 1, da Directiva, lá está salvaguardado que a sociedade “pode opor a terceiros” – ou seja, pode eximir-se à vinculação perante eles – “as limitações de poderes resultantes do seu objecto social, se provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias que o acto praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade o não assumiu, por deliberação expressa ou tácita dos sócios”.

Os actos praticados pelos gerentes compreendem-se naqueles cuja execução lhes compete ou lhes pode ser cometida e mesmo que assim não fosse e tal limitação resultasse do objecto social, teria a sociedade de provar o referido conhecimento ou não ignorância.

A Directiva 2009/101/CE, reiterou e reproduziu mesmo nos considerandos (1), (9) e (10) os objectivos da primeira e repetiu, no artº 10º, o mesmo texto que constava no seu artº 9º.

Não obstante, pois, na situação aqui em apreço, não ter existido deliberação válida sobre a venda mas tendo esta sido consumada mediante escritura outorgada em que intervieram os dois sócios e gerentes que, em conjunto, além de deterem a maioria – 2/3 – do capital social (cfr. o contrato de constituição da sociedade, junto a fls. 14), tinham poderes para “validamente representar e obrigar a sociedade em todos os seus actos e contratos” uma vez que reunidas as “necessárias assinaturas de dois gerentes” (como exigido no artº 4º, número um), a sociedade vinculou-se perante a compradora (ré M. E.) – mais a mais porque não se alegou nem se provou que ela soubesse das vicissitudes precedentes.

Tendo-se, nos termos da lei, vinculado validamente [8] com a compradora terceira e, portanto, apesar daquelas vicissitudes e consequentes ilegalidades/irregularidades ocorridas nas relações societárias internas (sociedade, sócios, gerentes) mas que não se repercutem nas relações externas, não relevando isso, para efeitos do artº 294º, CC, também nenhuma outra patologia se tendo invocado, de natureza formal ou substancial (por exemplo, ao nível da falta ou vícios da vontade), que afecte o negócio e fundamente a sua consequente nulidade, a propriedade transmitiu-se (também por força dos artºs 874º e 879º, alínea a), e nos termos do artº 408º, CC) da “...” para a ré M. B..

Tendo-se, assim, como sã e firme a aquisição do prédio por esta e, portanto, inexistindo qualquer afectação das demais transmissões (e onerações) que se lhe seguiram, não podiam proceder, como não procederam, os demais pedidos.

Acompanhamos, como se vê, o percurso judicativo seguido na sentença pelo Mº Juiz a quo, seja no recorte dos problemas a resolver, seja na avaliação da factualidade apurada com relevo para a respectiva solução, seja, ainda, na escolha, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, pelo que não podemos deixar de corroborar as conclusões por ele extraídas e a consequente decisão proferida, aliás amparada no entendimento que se nos afigura predominar na Doutrina ali citada e nos sólidos argumentos com que refuta a minoritária.

Como, refere o Prof. Coutinho de Abreu [9]:

“…uma interpretação daqueles enunciados [refere-se ao artº 9º, nº 1, da 1ª Directiva, e aos artºs 260º, nº 1, e 409º, nº 1, do CSC] conforme à Directiva impõe que a sociedade fique vinculada também pelos actos que, apesar de não estarem dentro dos poderes que a lei confere aos administradores, estão dentro dos poderes que a lei permite conferir-lhes.
Concretizemos. O nº 2 do artº 246º atribui competência aos sócios para deliberar, por exemplo, sobre a alienação ou oneração de bens imóveis, trespasse, oneração ou locação de estabelecimento (al. c)) – salvo se o estatuto social dispuser diversamente. Isto é, a lei permite aqui que tal competência seja atribuída (estatutariamente) aos gerentes. Assim, uma sociedade cujo estatuto não tenha feito uso da faculdade prevista no nº 2 do artº 246º fica, apesar disso, vinculada pela venda de estabelecimento social efectuada pelos gerentes (não lhes foi atribuído este poder, mas a lei permite a atribuição”.

Fica vinculada, no caso, pela venda decidida e efectuada pelos dois gerentes (sócios E. R. e J. M.) sem que tal poder lhes tenha sido atribuído em deliberação tomada em assembleia, como aqui sucedeu, isto independentemente de eles, para outorgarem a escritura, se terem munido de actas ficcionadas contendo assinaturas falsificadas, o que sempre redunda na inexistência da reunião e logo de deliberação e, portanto, não é oponível aos terceiros protegidos por lei relativamente aos quais a sociedade ficou obrigada, ao contrário do que argumentam os apelantes, mormente a propósito da natureza e gravidade das referidas vicissitudes.

Com efeito, bastando “para validamente representar e obrigar a sociedade em todos os seus actos e contratos […] as assinaturas de dois gerentes” – artigo 4º, ponto dois, do contrato de constituição de sociedade – fls. 14 –, a circunstância de, para comprovarem a sua qualidade de representantes, lhes ter sido exigida pelo Notário e de a este terem apresentado a acta falsificada que especificava os poderes para outorgarem a escritura de compra e venda (conforme consta desta – fls. 50) e de, noutra acta, terem concomitantemente ficcionado com assinatura também falsificada do sócio falecido a deliberação de vender, apesar da censura que o esquema mereça, não deixa de requerer a protecção dos terceiros nos termos dos artºs 260º, do CSC, e do artº 9º da referida Directiva, nem tal desvalor consta nessas normas como dela excludente, a não ser que aqueles soubessem das limitações advenientes de tais vicissitudes, o que não ocorreu.

Só nesta hipótese ocorreria a preconizada “ineficácia geral” que os apelantes pretendem dever sere retirada da declarada inexistência da deliberação.

Não nos parecem, pois, de acolher os argumentos, sustentados pelos recorrentes com citações relativas ao entendimento diferente (e minoritário) de Raúl Ventura, aliás proficientemente rebatidos na sentença, nem no conhecimento das referidas vicissitudes pela terceira adquirente M. E. – conhecimento que não resultou provado.

Se a falta de deliberação a que se reconduz a falsificação das actas e da assinatura com a consequente inexistência de assembleia implica não terem os gerentes efectivamente poderes para dispor do imóvel não arreda a constatação de que, apesar disso, a venda ocorre no exercício daqueles que à sociedade não era legalmente proibido, antes era permitido, atribuir-lhes, sendo que se o facto de o não terem sido regularmente pode responsabilizá-los nas relações internas a que se circunscreve o problema pelos prejuízos decorrentes da prática do acto sem aquele pressupostos respaldo, ainda assim este não deixa de vincular a sociedade perante os terceiros.

Consagra-se, deste modo, na lei um privilégio para os interesses destes e para o comércio jurídico em geral relativo à dimensão da sua eficácia, em detrimento de um mais amplo reflexo de tal vício, na presunção bastante de que, ao relacionarem-se em termos negociais com as pessoas que se lhes apresentam como gerentes a dar corpo à sociedade e voz à sua vontade, elas actuam regularmente e em conformidade com esta e dentro de limites do objecto social não excluídos por lei de lhes serem atribuídos, devendo a presunção desta aparência e a confiança por ela gerada [10] relevar externamente sem necessidade de, para disso se certificarem mais certa e seguramente, terem de se rodear de outras cautelas, por eles mais difíceis de conseguir e sempre redundantes no entorpecimento da fluidez do tráfego mercantil, mormente no contexto transfronteiriço e intracomunitário visado pelo Direito da União – sem prejuízo de a sociedade provar o contrário, ou seja, que os terceiros sabiam ou não deviam ignorar que o acto ultrapassou aqueles limites, para assim se libertar do vínculo. [11]

Já se salientou que, mesmo a reconhecer-se a possibilidade de tal prova ser tentada por qualquer dos sócios numa situação como esta em que a sociedade “...” já foi extinta [12], tal conhecimento não resultou demonstrado pelos autores recorrentes titulares de uma das quotas, sendo certo ainda que, como por último se considerou na sentença a propósito dessa circunstância, mesmo que, para efeitos da titularidade do imóvel, se admitisse poderem os sócios suceder-lhe e aqueles poderem agir nesse sentido, o certo é que não foi esse o pedido deduzido [13] – o de que se considerasse que a sociedade não ficou vinculada – nem se vê como pudesse legitimamente tê-lo sido, do ponto de vista adjectivo, uma vez que os autores herdeiros de uma das três quotas litigam do lado activo contra os titulares das outras duas, já que estes por aqueles foram demandados em posição contraposta à sua na relação material litigada tal como a configuraram.

Por tudo isso e – repete-se – porque, não se verificando a nulidade de qualquer das vendas, não há que tirar daí quaisquer efeitos no sentido da sua insubsistência nem sequer na perspectiva do regime da não protecção de terceiros de boa fé com que argumentam longamente os apelantes mas que, todavia, a factualidade apurada não abona, deverá julgar-se improcedente o recurso e confirmar-se a sentença, notando-se, para finalizar que a invocação do regime da nulidade da venda executiva – no caso, operada em processo fiscal – dos artºs 839º e 840º, do CPC, ora pelos apelantes feita no recurso, não fora sequer invocado, nem esta acção seria lugar próprio para tal, por óbvias razões daí decorrentes tal escapando à nossa apreciação.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
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Custas pelos recorrentes – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
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Notifique.
Guimarães, 16 de Dezembro de 2021



Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:

Relator: José Fernando Cardoso Amaral
Adjuntos: Eduardo José Oliveira Azevedo
Maria João Pinto de Matos


1. Por opção do relator, o texto próprio não segue as regras do novo acordo ortográfico.
2. Invocando o artº 1311º, do CC, e apelidando-a de reivindicação.
3. Não se respeita, antes se adapta, a formatação de texto usada nos originais transcritos.
4. Não existe número 3.
5. Grau de convicção que, sendo bastante numa providência cautelar, não o é nesta acção.
6. Princípio do primado do Direito Europeu e da interpretação do direito nacional conforme ao Direito da União.
7. Porventura justificável apenas por desvio de redacção assumida no decurso do processo legislativo e em função de critérios de técnica legística como, por exemplo, terá acontecido ao transformar-se a oração final do segundo parágrafo do nº 1, do artº 9º, no autónomo nº 3, do artº 260º, do CSC.
8. Note-se que tal vinculação ope legis é enunciada na epígrafe da secção II da 1ª Directiva como “validade”.
9. Curso de Direito Comercial, volume II Das Sociedades, Almedina, 3ª edição, Fevereiro de 2009, páginas 561 e 562.
10. Confiança que apenas só não será merecedora de tutela no caso de os actos praticados serem proibidos por lei, pois que, nesse caso, “não há confiança legítima contra o que dispõe a lei”, como se refere no Acórdão do STJ, de 24-02-2015, processo 580/11.5TBMMN.E1.S1, citando o Prof. Oliveira Ascenção.
11. Assinale-se que o Acórdão da Relação do Porto, de 19-05-2010, proferido no processo nº 295/08.1TBOAZ.P1, invocado pelos autores na petição inicial em apoio da sua tese não versa sobre o problema da eficácia vinculativa, ou não, perante terceiros de deliberações qualificadas como inexistentes.
12. O que a sentença recorrida entendeu não ser viável, em linha, aliás, com o entendido no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 18-01-2018, processo nº 181/06.1T8PRG.G1, e este com o da Relação do Porto, de 27-03-2008, processo 0831264, sendo que o invocado disposto no artº 164º, do CSC, não contempla tal situação e carece de fundamento legal a referência no intróito da petição a que os 1º e 2º réus são representantes da sociedade extinta
13. Relembre-se que, na audiência prévia (fls. 213), os três autores, apenas co-titulares de uma das três quotas da extinta sociedade (fls. 26, 41 e 42), desistiram do pedido da alínea e) – restituição de tudo o que houvesse sido prestado em consequência da pretendida declaração de nulidade -, mantiveram que deveria aquela, apesar de juridicamente defunta, ser reconhecida como proprietária do prédio e ser ordenada aos réus a sua restituição à mesma e acrescentaram que deveria ser reconhecido que ele “nunca saiu validamente da titularidade” da finada.