Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4239/17.1.T8GMR.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CARACTERIZAÇÃO
DECLARAÇÕES DE PARTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - Como é consabido as declarações de parte, são um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal (cfr. artigo 466.º do CPC), que contudo deve ser valorado com especial cautela e cuidado, já que como meio probatório, não deixam de ser declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção, sendo por isso de considerar, em regra, de irrazoável e insensato, que sem o auxílio de quaisquer outros meios probatórios, o Tribunal dê como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.
II - Nas declarações da parte importa que o seu relato seja espontaneamente contextualizado e seja coerente, quer em termos temporais, espaciais e emocionais e que seja credenciado/apoiado por outros meios de prova, designadamente que as declarações da parte sejam confirmadas, por outros dados que, ainda que, indirectamente, demonstrem a veracidade da declaração. Caso contrário a declaração revelará força probatória de tal forma débil que não deve ser tida em conta.
III - O acidente de trabalho pressupõe a ocorrência de um evento anormal, súbito, imprevisto, exterior à vítima, que ocorra no tempo e no local de trabalho e que provoque uma lesão na saúde ou na integridade física ou psíquica de vítima, causadora de um dano que lese a capacidade funcional do sinistrado ou a morte.
IV - Atentas as dificuldades que se colocam ao sinistrado em termos de prova, o legislador criou mecanismos tendentes a facilitar-lhes essa tarefa através da consagração de presunções, tal como emerge do citado artigo 10.º da NLAT, do qual resulta que desde que o sinistrado prove a verificação/ocorrência do evento causador das lesões e o do nexo de causalidade entre as lesões corporais, perturbações funcionais ou doenças contraídas no acidente e a redução da sua capacidade de trabalho ou de ganho, fica liberto da prova do nexo de causalidade entre o evento (acidente) e as lesões.
V - Provadas as circunstâncias de tempo, modo e lugar, onde ocorreu o evento naturalístico de forma súbita, inesperada e alheia à vontade do sinistrado, do qual resultou lesão corporal, tendo presente o disposto os artigos 8.º e 10.º n.º 2 da NLAT, é de concluir estarmos perante um sinistro laboral indemnizável nos termos previstos na lei.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
APELANTE: R. M..
APELADAS: X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e Y – COMÉRCIO DE PRODUTOS DE HIGIENE, LDA.

Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Guimarães – Juiz 2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

R. M. instaurou acção especial emergente de acidente de trabalho contra “X Companhia de Seguros, S.A.”, e “Y Comércio de Produtos de Higiene, Lda.”, pedindo a condenação da Ré Seguradora a pagar-lhe as seguintes prestações:

a) As despesas médicas, medicamentosas e de transporte para sessões de fisioterapia e consultas, no montante que não é possível determinar e deverá ser liquidado em sede de execução de sentença;
b) As despesas médicas e medicamentosas a efetuar pelo autor para a sua completa recuperação, cujo montante não é possível determinar na presente data, pelo que deverão ser liquidadas em sede de execução de sentença;
c) A pensão anual e vitalícia que for calculada com base no vencimento auferido e outras retribuições auferidas à data do acidente e na IPP que lhe for atribuída em junta médica a realizar nos presentes autos, mas em montante nunca inferior a 6.060,00 euros (seis mil e sessenta euros), que corresponde à IPP de pelo menos 6,000% de que o autor ficou afetado, equivalente a um capital anual de remissão de 359,09 euros, desde o dia seguinte ao dia da alta 10.11.2017;
d) A quantia de 2.710,77 euros (dois mil setecentos e dez euros e setenta e sete cêntimos), referente ao período de IPA do autor de 14.06.2017 a 10.11.2017;
e) Juros de mora, sobre as prestações anteriores, calculados à taxa legal, desde o vencimento, até efetivo e integral pagamento;
f) Devendo a primeira ré ser condenada em todas as custas e despesas do processo, nomeadamente custas de parte;

e a condenação da Ré empregadora a pagar-lhe:
g) a pensão anual e vitalícia que for calculada com base no subsídio de alimentação auferido e na IPP que lhe for atribuída, mas em montante nunca inferior a 850,00 euros (oitocentos e cinquenta euros), que corresponde à IPP de pelo menos 6,000% de que o autor ficou afectado, equivalente a um capital anual de remissão de 72,60 euros desde o dia seguinte ao dia da alta 10.11.2017
h) Deve a segunda ré ser condenada custas na proporção da sua responsabilidade.

A Ré seguradora apresentou contestação dizendo em resumo que as sequelas que o sinistrado apresenta resultam de lesão antiga, estando já em cicatrização em 14/06/2017, por isso foi-lhe dada alta pelos serviços clínicos da seguradora, com a menção “lesão não aceite por apresentar características subagudas”. Por outro lado, o evento agora descrito na petição inicial é factualmente diferente relativamente ao evento inicialmente relatado, quer pelo sinistrado, quer na participação efectuada à Ré Seguradora. Por fim, alega a Ré que só se responsabiliza pelo valor do salário para si transferido, do qual não se fez constar o subsídio de refeição.
Conclui pedindo a improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.
A Ré empregadora não apresentou contestação.
O Instituto da Segurança Social, I.P. veio deduzir contra as Rés pedido de reembolso da quantia de €5.169,48 relativa ao subsídio de doença pago ao autor no período de 7/7/2017 a 8/6/2018.
Apenas a Ré seguradora contestou este pedido, concluindo pela sua absolvição.
Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.
Foi proferida decisão no apenso de fixação de incapacidade, que fixou ao sinistrado R. M., uma incapacidade para o trabalho temporária absoluta desde 14/06/2017, até 10/11/2017, data da alta ou cura clínica, a partir da qual se fixou a incapacidade para o trabalho permanente parcial de 4,94%.
Na sequência desta decisão veio o Instituto da Segurança Social, I.P. requerer a redução do seu pedido para a quantia de €1.720,44 correspondente ao subsídio de doença pago apenas no período de 7/7/2017 a 10/11/2017. Tendo sido admitida tal redução sem oposição das demais partes.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, foi proferido despacho que fixou a matéria de facto provada e por fim, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo a presente acção não provada e improcedente nos termos sobreditos e, em consequência:
Apenas condeno a ré seguradora, X – Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao autor, R. M., a quantia de € 10 que já havia aceite pagar-lhe a título de despesas de transporte ao tribunal e ao GML durante a fase conciliatória deste processo, acrescida de juros de mora à taxa legal;
Absolvendo a ré seguradora de tudo o mais pedido quer pelo autor quer pelo Instituto da Segurança Social, I.P.;
Absolvendo a ré empregadora, Y – Comércio de Produtos de Higiene, Ldª, da totalidade do pedido quer do autor quer do Instituto da Segurança Social, I.P.
*
Fixo à acção o valor de € 10 e sendo a ré seguradora responsável apenas nesta proporção.
Registe e notifique.”
*
Inconformada com esta decisão apelou para este Tribunal da Relação de Guimarães, o sinistrado, que apresentou as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:

1. O recorrente não concorda com a decisão proferida por entender que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e valoração da prova carreada para os autos e, ao mesmo tempo, uma errada interpretação e aplicação da lei, devendo ser alterada a decisão de mérito.
2. Entende o recorrente que a matéria de facto controvertida encontra-se incorretamente julgada atenta a prova carreada para os autos e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, devendo dar-se como provada a materialidade de facto controvertida inserta sob os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º
3. As declarações do próprio réu - ficheiro 220200929100446_5486937_2870539, de 02h10m a 09h45m e de 19h05m a 20h04m -, assim como o depoimento da testemunha, L. M. (colega de trabalho do sinistrado) - ficheiro 20200929111307_5486937_2970539, de 02h00m a 13h00m, de 17h49m a 18h15m, 19h57ma 20h12m -, impunham a conclusão de que, quando procedia à limpeza de uma máquina, o recorrente escorregou numa mangueira que se encontrava no chão e caiu de imediato ao chão, torcendo a perna esquerda, do que lhe resultou dor no joelho esquerdo, padecendo de incapacidade temporária absoluta e incapacidade permanente para o trabalho.
4. Convém destacar, também, o depoimento coerente, imparcial e credível prestado pela testemunha, R. P. (cônjuge do sinistrado) - ficheiro 220200929100446_5486937_2870539, de 03h00m a 03h20m, de 04h16m a 04h32m e de 04h38m a 05h00m -, a qual viu o joelho do autor inchado e segundo a qual este nunca padeceu de problemas nos joelhos até à ocorrência do episódio sub judice, (afirmação coincidente com o depoimento do recorrente), desconhecendo-se o motivo pelo qual a sentença optou por não fazer qualquer referência sobre tal afirmação.
5. Por outro lado, cumpre dar ênfase ao depoimento coerente e esclarecer da irmã do recorrente, M. L. - ficheiro 20200929105435_5486937_2870539, de 02h34m a 05h21m, de 14h20m a 14h40m -, a qual afirmou e repetiu, ao contrário do que consta na decisão em crise, ter visto o seu irmão logo na segunda-feira seguinte ao acidente, decorrendo das regras da experiência comum que o intervalo de tempo decorrido justifique o facto de não ter conseguido indicar a perna que apresentava o joelho inchado.
6. Parece-nos, pois, que os excertos das gravações supra transcritas conjugados com as regras da experiência comum permitirão concluir de forma inversa do Tribunal recorrido, dando, assim, como provada a factualidade descrita sob os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da matéria de facto controvertida, caindo, assim, por terra os argumentos que auxiliaram o Tribunal recorrido a formar a sua convicção.
7. Verifica-se, ainda, uma manifesta falta de fundamentação na descredibilização dos depoimentos prestados pelas testemunhas e das declarações do autor.
8. Para lá de ter feito uma errada apreciação da prova, a sentença recorrida violou ou não fez uma correta aplicação do disposto no artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.
9. Ademais, ao contrário da posição sufragada na sentença recorrida, entendemos que o recorrente logrou fazer a prova do nexo de causalidade entre as lesões sofridas e o acidente a que se reportam os autos, ocorrido no tempo e no local de trabalho e por conta da empregadora.
10. Tal emerge, entre o mais, da perícia médica realizada em 31.10.2017, pelo Gabinete Médico-Legal de Guimarães, de fls. 89 a 93 verso, segundo a qual “os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões e se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo.” - nosso relevo.
11. Tal resulta, igualmente, da perícia médica de fls. 60 a 62 do apenso A, da qual resulta uma resposta afirmativa à questão de saber se as lesões de que padece o autor são compatíveis com a acção descrita de pisar uma mangueira e cair, para além de se fazer constar que o autor padece de gonalgia residual e laxidez ligeira do joelho, a título de sequelas permanentes.
12. Para além de resultar, também, do apontado auto de perícia por junta médica de 26.07.2019, de fls. 77 a 79 do apenso para fixação de incapacidade, segundo o qual as lesões descritas no relatório de ressonância magnética datado de 27.06.2017 são compatíveis com o tipo de traumatismo descrito nos autos.
13. Por outro lado, não podemos deixar de estranho o facto de a sentença em crise ter ignorado e desconsiderado, em absoluto, os relatórios periciais carreados para os autos e dos quais decorre que as lesões sofridas pelo autor e descritas no relatório de ressonância magnética são compatíveis com o tipo de traumatismo sofrido pelo trabalhador.
14. O Tribunal a quo optou por dar ênfase à possibilidade de as lesões descritas no relatório de ressonância magnética (datado de 27/06/2017) serem lesões recentes, embora possam ter ocorrido12 dias antes desse exame, não sendo possível precisar com segurança o lapso temporal decorrido entre a lesão e a data do exame.
15. Aliás, sempre deveria o Tribunal recorrido ter destacado o facto de o sinistro ter ocorrido em 14/06/2017 e o exame de fls. 23 do apenso A referido na sentença sob censura ter sido efectuado em 27/06/2017, ou seja, 12 dias depois do evento sob discussão nos presentes autos, o que não fez.
16. Olvidando-se, por completo, das conclusões constantes da prova pericial que apontam no sentido da existência de um nexo de causalidade das lesões descritas com o tipo de traumatismo descrito nos autos.
17. Assim sendo, não se compreende como pode o Tribunal a quo concluir que o autor não sofreu um acidente de trabalho por inexistir nexo de causalidade entre a relação de trabalho do autor e esse acidente, entre este e as lesões sofridas quando temos relatórios médicos que permitem concluir em sentido oposto.
18. Aliás, não se compreende o raciocínio levado a cabo pelo Tribunal recorrido ao concluir que o conceito de acidente de trabalho tem como elemento constitutivo a violência (porque danifica o corpo ou a saúde, alterando o equilíbrio anterior)” e que, por via disso, “(…) como não se provou que tenha sido violento, a ponto de ter resultado uma lesão corporal e/ou perturbação funcional e/ou doença para o mesmo, não se pode concluir que o autor sofreu um acidente de trabalho.”
19. Nos termos do n.º 1, do artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, constitui “acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.”.
20. In casu, atenta a materialidade apurada, deveria o Tribunal recorrido concluir pela existência de um acidente de trabalho, de que resultou numa lesão física do autor, e, portanto, gerador da obrigação de reparação dos danos dele emergentes.
21. Aliás, a respeito do critério da violência, são vários os autores e a jurisprudência que entendem não se tratar de um critério indispensável á caracterização do acidente - cf. O acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 159/05.0TTPRT.P1.S1, em 30.05.2012, consultável em www.dgsi.pt, e Carlos Alegre in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2ª edição, página 36.
22. Por isso, ao contrário do entendimento sufragado na sentença em crise, entendemos que a violência não constitui uma característica essencial do acidente de trabalho.
23. De todo o modo, mesmo que assim não se entenda, resulta do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, processon.º5705/2007-4, disponível emwww.dgsi.pt, que o acidente de trabalho que “(…) Violento é afinal tudo o que “viola” o equilíbrio orgânico, quer seja uma queda, uma explosão, quer uma situação particularmente angustiante, ou de trabalho excessivo que faça, por exemplo, desencadear um ataque cardíaco ou uma perturbação mental.”
24. Ora, partindo dos apontados relatórios periciais conjugados com a prova testemunhal e o depoimento do recorrente produzidos em sede de audiência de julgamento e com as regras de razoabilidade, experiência e bom senso, entendemos resultarem apurados os elementos que nos permitem dar por verificada a causalidade entre o evento ocorrido e as lesões sofridas pelo recorrente.
25. Pelo exposto, tendo o episódio em causa, ocorrido no tempo e no local de trabalho e por causa do mesmo, sido gerador de uma perturbação no equilíbrio do recorrente, temos de considerar estarem reunidos os requisitos previstos no artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro.
Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que deve ser revogada a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente.”
*
A Ré Seguradora veio responder ao recurso, concluindo pela sua improcedência.
Admitido o recurso interposto na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta Relação.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Ajunto foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Não houve qualquer resposta ao parecer.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
III – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nele não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

1 - Da impugnação da matéria de facto;
2 – Da ocorrência do acidente de trabalho e respectivas consequências

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consideram-se provados os seguintes factos:

1- Em 14/6/2017, pelas 15h. e 30m., em Guimarães, o autor (R. M.) trabalhava sob as ordens e fiscalização da 2ª ré (Y – Comércio de Produtos de Higiene, Ldª), com a categoria profissional de operador de máquinas de embalar/rotular, mediante a retribuição de € 557 por 14 meses, acrescida de € 751,79 anuais a título de outras remunerações e de € 110 por 11 meses a título de subsídio de alimentação.
2- Procedendo à limpeza de uma máquina, quando escorregou numa mangueira que se encontrava no chão, torcendo a perna esquerda, do que lhe resultou dor no joelho esquerdo.
2 A - Aquando do descrito em B), o autor também caiu de imediato ao chão (Aditado em conformidade com o decidido em IV-1)
3- O autor foi submetido a uma ressonância magnética ao joelho esquerdo, em 27/6/2017, que revelou rotura praticamente total, subaguda, do ligamento cruzado anterior.
4- O autor foi sujeito a exame médico no Gabinete Médico-Legal de Guimarães nos termos constantes de fls. 91 a 93 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5- A 1ª ré (“X - Companhia de Seguros, S.A.) e a 2ª ré haviam celebrado entre si um contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº 23737342, através do qual esta transferiu para aquela a responsabilidade pela reparação de eventuais acidentes de trabalho sofridos pelo autor, relativamente à data e às retribuições aludidas em A (actual item 1), com excepção do subsídio de alimentação.
6- A 1ª ré pagou ao autor a quantia de € 299,46 relativa a indemnização por incapacidade temporária absoluta desde 15/6/2017 a 5/7/2017 nos termos descritos a fl. 63 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7- Aquando da fase conciliatória, a 1ª ré aceitou pagar ao autor as despesas de deslocação ao GML e ao tribunal, no montante de € 10 e juros destes.
8- Aquando da fase conciliatória, a 2ª ré reconheceu que pagava ao autor o subsídio de alimentação aludido em A (actual item 1) e que estava por transferir para a 1ª ré.
9- A fase conciliatória findou sem a conciliação do autor e da 1ª ré pelas razões constantes do auto de fls. 116 a 118 - cujo teor aqui se dá por reproduzido.
10- O autor nasceu no dia -/3/1981 – cfr. consta de fl. 18 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
11- O autor, beneficiário nº ………… do Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Braga, recebeu deste, no período de 7/7/2017 a 8/6/2018, a quantia de € 5.169,48 a título de subsídio de doença, nos termos constantes de fl. 189 e cujo teor aqui se dá por reproduzido. Sendo que ao período de 7/7/2017 a 10/11/2017 correspondia a quantia de € 1.720,44, nos termos constantes da refª. 36596905 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
12- E em virtude do referido em 2), durante a noite de 14 para 15/6/2017, esse joelho inchou e as dores aumentaram, tendo o autor sido assistido no serviço de Urgência do Hospital ... em Riba d’Ave (alterado em conformidade com o decidido em IV-1).
13- Em virtude dessa lesão, o autor esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho desde 14/6/2017 a 10/11/2017 (alterado em conformidade com o decidido em IV.1).
14- Após esta última data, o autor apresenta sequelas causadoras de incapacidade permanente parcial para o trabalho.
15- Desde 1/7/2017 a 30/1/2018 o autor custeou as consultas médicas, os tratamentos e os medicamentos (constantes de fls. 157vº a 161, 166, 168vº, 169vº, 174 e 175 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido), tudo no valor total de € 373,74.
16- Desde 27/9/2017 a 29/1/2018, o autor despendeu a quantia total de € 588 nas deslocações em táxi constantes de fls. 161 verso a 165 verso e 169 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
17- O autor não utilizou transporte colectivo nas deslocações entre a sua residência e os locais aludidos no item antecedente.
18 - Por resultar incontroverso, se mostrar relevante para a boa decisão da causa e só por lapso não ter sido dado como assente, ao abrigo do disposto no art.º 662.º n.º 1 do CPC. adita-se à factualidade provada o que se fez constar na decisão que incidiu sobre o apenso de fixação de incapacidade:
“… fixo ao sinistrado, R. M., uma incapacidade para o trabalho temporária absoluta desde 14/06/2017 até 10/11/2017, data da alta ou cura clínica e a partir da qual se fixa uma incapacidade para o trabalho permanente parcial de 4,94%.”

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

1 - Da impugnação da matéria de facto

O Recorrente/Apelante impugna a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido (na parte em que considerou não provada a factualidade constante do artigo 1º dos factos controvertidos e considerou de forma restritiva provada a factualidade que consta dos artigos 2.º a 5.º dos factos controvertidos) com base na reapreciação da prova documental e da prova gravada, já que da conjugação das declarações de parte por si prestadas conjugadas com o depoimento das testemunhas, L. M., M. L. e R. P. e documentação clinica junta aos autos, resulta a prova de todos os factos que constam dos artigos 1º a 5º dos factos controvertidos.
Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por seu turno, o art. 640º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

E o seu n.º 2 estipula que «No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
«a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.»
Do citado preceito resulta que quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Importa salientar que o segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não implica a repetição do julgamento pelo tribunal de 2.ª instância, já que apenas se impõe verificar, mediante a análise da prova produzida, designadamente a que foi objecto de gravação, se a factualidade apurada pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir. Tal deverá ser feito com o cuidado e a ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova.
Na verdade, existem diversos factores relevantes na apreciação e credibilidade do teor de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto direto com os depoentes em audiência e isto sem prejuízo, no que respeita ao Tribunal da Relação, estar igualmente subordinado ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação (à excepção da prova vinculada) no processo de formação da sua convicção. A apreciação a realizar em 2ª instância não pode deixar de ter em atenção os mencionados princípios, pois deles decorrem aspectos de determinante relevância na valoração dos depoimentos, tais como as reacções do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões que apenas são perceptíveis pela 1ª instância.
Em suma, à Relação caberá analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns, para que ponderando, e sem esquecer as mencionadas limitações, formar a sua convicção.
Apesar de em sede de contra alegação a Recorrida/Ré Seguradora, suscitar a questão da falta de cumprimento do ónus de impugnação pela Recorrente, não podemos concordar totalmente com a sua posição.
Com efeito, a Recorrente invoca de forma suficiente, quer na alegação, quer nas conclusões do recurso, a factualidade que impugna ainda que por remissão para a factualidade controvertida e daí conclui que a mesma deveria ser dada totalmente como provada, sem que a transcreva no seu recurso. Tal afigura-se-nos de suficiente para se concluir, quer pelos concretos pontos de facto que impugna, quer pela decisão que sobre os mesmos entende que deve incidir, remetendo para os artigos que constam dos factos controvertidos, indicando os meios de prova, que analisa de forma crítica, concluindo pela imposição de decisão diferente da proferida pelo tribunal a quo, cumprindo na globalidade de forma suficiente o ónus de impugnação.
Mas, vejamos.

A Recorrente pretende que sejam dados como provados os seguintes factos:

1.º Aquando do descrito em B), o autor também caiu de imediato ao chão.
2.º E em virtude de tudo isso, durante a noite de 14 para 15/6/2017, esse joelho inchou e as dores aumentaram, tendo o autor sido assistido no serviço de Urgência do Hospital ... em Riba d’Ave
Em virtude dessa lesão, o autor esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho desde 14/6/2017 a 10/11/2017
E (após a alta ou cura clínica) ficou a padecer de sequelas causadoras de incapacidade permanente para o trabalho.
Em virtude daquela lesão, o autor teve de fazer consultas médicas, tratamentos fisiátricos e tomar medicamentos, tudo no valor de € 345,62 por si custeado (por a 1ª ré lhe ter dado alta, sem sequelas, a 5/7/2017”
Sustenta a sua pretensão para que seja dado como provada a factualidade que consta do artigo 1º dos factos controvertidos, nas declarações do autor conjugadas com o depoimento de L. M., colega de trabalho do autor que presenciou o evento.

O Tribunal a quo para dar tal facto como não provado motivou a sua convicção da seguinte forma:

“A factualidade dada como provada resultou da apreciação conjugada do teor dos sobreditos documentos constantes dos autos e do apenso A e da decisão proferida nesse mesmo apenso.
Quanto ao mais a prova produzida em audiência de discussão, à luz de uma apreciação crítica e conjugada, segundo as regras de experiência comum, de verosimilhança, não foi de molde a obter a necessária certeza.
Desde logo, porque a descrição do sinistro quer aquando da informação prestada pelo próprio sinistrado em todas as assistências hospitalares (a fls. 7-8, 9, 22, 21 do apenso A) quer aquando da participação pela empregadora (a fls. 61-62 destes autos) quer aquando da informação prestada pelo próprio sinistrado no Gabinete Médico-Legal (a fls. 92 dos autos) quer aquando da declaração do próprio sinistrado no auto de tentativa de conciliação (a fls. 116 a 118 dos auto) não faz qualquer referência a uma queda, tão somente que escorregou numa mangueira e torceu perna esquerda com dor nesse joelho.
Por outro lado, as declarações prestadas pelo sinistrado durante a audiência não mereceram credibilidade pela parcialidade, incoerência e falta de espontaneidade, ao acrescentar uma pretensa queda com pretenso impacto sobre a perna esquerda, ao facto de não se ter queixado a ninguém na empregadora apesar de ter continuado a trabalhar nessa tarde com dores e apesar de haver ali mais máquinas idênticas e com mais colegas. Sendo de salientar que o vocábulo impacto, para além de não ser usado na linguagem verbal corrente, tão pouco havia sido utilizado pelo sinistrado nas anteriores declarações e informações do mesmo ao longo do processo, em datas muito mais próximas do alegado evento e cuja memória estaria muito avivada do que agora, não colhendo tal menção como que para justificar um traumatismo compatível com as lesões diagnosticadas nos exames ao seu joelho esquerdo.
Para além disso, o depoimento da testemunha L. M. (seu colega de trabalho) tão pouco mereceu credibilidade, pela incoerência e falta de espontaneidade, ao começar por dizer, telegraficamente, que vira o autor no chão, lhe perguntara se estava tudo bem e ele lhe respondera que sim e que seguira, mas sem saber sequer descrever onde e como estava o sinistrado alegadamente caído e sem haver qualquer lamento deste e/ou sem mais palavras entre ambos, nomeadamente sobre a razão do sucedido, e sem o ajudar sequer a levantar. Tendo esta testemunha, logo depois, acrescentado que, enquanto descera umas escadas, o vira lá em baixo tropeçar e cair, e pressentido ou achando que ele batera com o pé e fora ao chão, mas sem sequer saber concretizar qual o pé, nem qual a posição do corpo nem qual a zona precisa nem qual o objecto sobre a qual teria ficado alegadamente caído. E, depois, esta testemunha acrescentou que vira o autor cair, que ficara caído na zona dos tubos, mas já meio levantado e sem se lamentar de nada. E não se lembrando se o autor ainda lá ficara a trabalhar, ou não, nessa tarde.
E o depoimento da testemunha R. P. (cônjuge do sinistrado) tão pouco foi esclarecedor, pois que nem sequer sabia dizer qual a perna lesionada, apenas referindo que o autor lhe dissera ter dores por se ter magoado na fábrica e que tomara Ben-uron que ele trazia sempre na mochila para dores de cabeça e que, na madrugada seguinte, vira que estava muito inchado, levando-o ao Hospital. E referindo, vagamente, que ele nunca usou transporte público porque tinha dificuldade em andar e a paragem de autocarros, existente mais abaixo de sua casa, tem poucos autocarros a passarem – sem concretizar quais, com que destino e com que frequência e muito menos estando atestado o grau de locomoção durante todo os períodos constantes dos documentos juntos com a petição inicial - com excepção do período pós-cirúrgico constante de fls. 167verso-168 que contém menção a canadianas e estando justificado o serviço de táxi aquando da alta hospitalar nos termos constantes do primeiro documento a fls. 169, mas já sendo este período após a alta ou cura clínica fixada no apenso.
E o depoimento da testemunha M. L. (irmã do sinistrado) tão pouco foi esclarecedor, pois limitou-se a dizer que só o vira no domingo seguinte, depois disse que foi na 2ª feira, com o joelho inchado, mas sem saber dizer sequer qual a perna, que o autor lhe contara ter caído num tubo na fábrica e que lhe emprestara muletas, sem sequer especificar quando nem durante quanto tempo. E referindo, vagamente, que ele não tinha condições para andar sozinho e que o transporte público passava só mais abaixo da sua residência.
Por último, importa referir que a junta médica da especialidade de radiologia foi de parecer que, não obstante as lesões (ligamentar e meniscal) descritas no relatório de ressonância magnética (datado de 27/6/2017) sejam de carácter agudo (e não subagudo aludido nessa ressonância magnética), isto é, sejam lesões recentes, admitem que possam ter ocorrido 12 dias antes desse exame, mas acrescentam, porém, não ser possível precisar com segurança o intervalo de tempo decorrido entre a lesão e a data do exame.
Após análise de toda a prova produzida (depoimentos gravados, documentos e perícias médicas), não podemos deixar de dizer que atenta a documentação clinica que consta dos autos, os exames periciais realizados ao sinistrado, as declarações prestadas pelo sinistrado, que foram corroboradas pelo depoimento da testemunha L. M. (que presenciou o evento) e confirmadas, de alguma forma indirecta, quer pela mulher, quer pela irmã do sinistrado, tudo conjugado com as regras da experiência comum, permite-nos concluir com a segurança necessária, que o sinistrado não só escorregou e torceu o joelho como também caiu no chão, sendo certo que em consequência deste evento sofreu lesão no joelho esquerdo, designadamente rotura do ligamento cruzado anterior, a qual após a cura clínica deixou sequelas que de forma unânime foram valorizadas em sede de junta médica tendo sido atribuída a respectiva IPP (4,94%).
Com efeito, apesar do sinistrado inicialmente ao descrever o acidente, quer perante a sua entidade empregadora, quer na participação do acidente ao Tribunal, quer em sede de exame médico singular, quer em sede de tentativa de conciliação, nunca ter referido que aquando do acidente não só torceu o joelho, como caiu no chão, o certo é que em sede de audiência de julgamento a prova produzida, designadamente o depoimento da testemunha L. M., nos permite concluir que o sinistrado não só tropeçou como também caiu. Esta omissão de circunstancialismo que rodeou o acidente, in casu não se nos afigura ser de considerar de essencial no contexto do evento, já que nem sequer chega a por em causa a sua ocorrência. No caso, o que se afigura relevante é o facto do sinistrado em contexto de trabalho ter sofrido uma lesão no joelho, mais precisamente um entorse e este sim, foi desde o início relatado pelo sinistrado.
A omissão por parte do sinistrado de não ter inicialmente referido que caiu, não se revela nem de determinante, nem de decisivo, para se concluir ou não pela existência do evento naturalístico causador de lesão, pois desde o início que é referido pelo sinistrado ter sofrido entorse no joelho esquerdo, no seu local de trabalho, o que sem sombra de dúvida é idóneo e causal de eventual lesão no joelho como se veio a comprovar. O mesmo não se poderá dizer do facto de ter caído no chão, pois tal facto pode ou não ser causal à lesão no joelho, dependendo se a parte do corpo afectada em consequência da queda é ou não o joelho. Tudo isto para dizer que a grande preocupação do sinistrado ao relatar as circunstâncias em que ocorreu o acidente foi sempre o de relevar o entorse no joelho causador de lesão a esse nível, designadamente a dor que logo sentiu. Daí que o facto de apenas em sede de petição inicial e posteriormente em sede de julgamento, onde todos os pormenores e circunstâncias se revelam de importantes de forma a tornar possível a reconstituição dos factos tal como eles ocorreram, se ter relatado que o sinistrado caiu na sequência de ter escorregado numa mangueira, só por si, não nos permite concluir quer pela incoerência das declarações prestadas pelo autor em sede de julgamento, quer pela sua falta de espontaneidade, quer pela sua falta de credibilidade.
Acresce dizer que o facto de o autor ter ou não caído, quando escorregou e magoou o joelho, sem que a queda se encontre mencionada nas fichas de urgência de entrada do sinistrado nos hospitais, que apenas traduzem de forma sumária o relatado pelo sinistrado, também só por si se revela de insuficiente, para se concluir que o sinistrado não só não relatou, perante os médicos que o assistiram, a queda, como a inventou, pois que de forma espontânea, precisa, coerente, esclarecedora e credível, relatou por mais de uma vez, em sede de audiência de julgamento, que na altura caiu, tendo esta sua versão sido corroborada pela testemunha L. M. (que presenciou o evento).
Como é consabido as declarações de parte, são um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal (cfr. artigo 466.º do CPC), que contudo deve ser valorado com especial cautela e cuidado, já que como meio probatório, não deixam de ser declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção, sendo por isso de considerar, em regra, de irrazoável e insensato, que sem o auxílio de quaisquer outros meios probatórios, o Tribunal dê como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.
Nas declarações da parte importa que o seu relato seja espontaneamente contextualizado e seja coerente, quer em termos temporais, espaciais e emocionais e que seja credenciado/apoiado por outros meios de prova, designadamente que as declarações da parte sejam confirmadas, por outros dados, que ainda que indirectamente, demonstrem a veracidade da declaração. Caso contrário a declaração revelará força probatória de tal forma débil que não deve ser tida em conta.
Neste sentido ver entre outros Acórdãos deste Tribunal de 20/04/2017, proc. n.º 2653/15.6T8BRG.G1, de 17/12/2018, processo nº 832/13.0TTMTS.G1 (este disponível in www.dgsi.pt) e de 4/04/2019, proc.º n.º 2420/17.2 T8VNF.G1.

No caso em apreço, não só as declarações de parte, no que respeita à dinâmica do acidente foram prestadas de forma precisa, coerente e espontaneamente contextualizadas, como foram corroboradas por L. M., colega de trabalho do autor, que presenciou o acidente, não vislumbrando assim qualquer obstáculo legal a que aquelas declarações não devam ser valorizadas, pois confrontadas com o depoimento quer do L. M., quer com os depoimentos da esposa e da irmã do autor, impõe-se concluir pela sua credibilidade.
O facto do autor após o evento ter continuado a trabalhar e não se ter queixado a ninguém, dizem-nos as regras da experiência que tal pode suceder pelos mais diversos motivos, designadamente quer pelo brio profissional e o esforço de terminar a jornada de trabalho, quer pela desvalorização que o próprio possa ter dado na altura ao evento, uma vez que não ficou logo impossibilitado de trabalhar. Ainda quanto ao facto de poder necessitar da queda para justificar o traumatismo compatível com a rotura do ligamento cruzado anterior, que os exames imagiológicos efectuados vieram a revelar, não se nos afigura verosímil esta tese, pois em sede de exame médico singular, que teve lugar no dia 31/10/2017, apenas com a versão do acidente relatada pelo sinistrado, desprovida da queda, o Perito Médico que realizou tal exame foi peremptório em estabelecer o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano corporal resultante, consignando no respectivo laudo pericial que “…existe adequação resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões e se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo”.
Acresce dizer que a Ré seguradora não aceitou que a lesão ligamentar fosse resultante do acidente, não porque esta fosse incompatível com a versão que lhe havia sido descrita quanto à dinâmica do acidente, mas sim porque de acordo com os seus peritos médicos a lesão ligamentar (diagnosticada aquando da realização da ressonância magnética -12 dias após o acidente), apresentava características subagudas, ou seja já se encontrava em fase de avançada cicatrização, daí terem concluído que não podia ter ocorrido em consequência de um traumatismos sofrido há 12 dias e por isso declinaram a sua responsabilidade na reparação do acidente – cfr. boletim de avaliação de incapacidade junto aos autos pela Ré Seguradora em 3/10/2017.
No que respeita ao depoimento de L. M. apraz dizer, que salvo o devido respeito por opinião e contrário, este depoimento foi prestado de forma espontânea, desinteressada, clara, com a precisão e a percepção que se pode ter de um evento que se presenciou com uma distância temporal de cerca de 3 anos. Tenha-se presente que ao longo do depoimento foi solicitado pelos diversos intervenientes que descrevesse o acidente, sendo certo que, com mais ou menos pormenor, perante cada um dos intervenientes que o inquiriu afirmou sempre de forma segura que viu o sinistrado cair ou que o viu no chão. Se o sinistrado tropeçou nas mangueiras antes ou depois de iniciar a tarefa, se escorregou, se bateu ou não com o joelho no chão, como é que caiu e como é que ficou depois da queda, são tudo pormenores, que com o decorrer do tempo a testemunha pode ter esquecido, mas a percepção que teve e do que se recorda, como de forma coerente relatou por diversas vezes ao tribunal, é a de que viu o sinistrado tropeçar e cair, perguntou-lhe “se estava tudo bem, ele disse que sim e eu segui o meu trabalho”.
Em suma, em face da prova produzida designadamente das declarações de parte prestadas pelo sinistrado que foram corroboradas pelo depoimento prestado pela testemunha L. M. que presenciou o acidente e que o relatou de forma coerente, verosímil e com a percepção que guardou do mesmo passados três anos, impõe-se dar como provado o artigo 1º dos factos controvertido, que passará a constar no local próprio da factualidade dada como provada.

O artigo 2º dos factos controvertidos foi dado como provado de forma restritiva dele constando o seguinte
“O autor, no dia 15/6/2017, pelas 9h.06m., recorreu ao serviço de Urgência do Hospital ... em Riba d’Ave, onde foi assistido nos termos constantes de fls. 7 e 8 do apenso A e cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
Para dar esta factualidade como provada o tribunal a quo alicerçou a sua convicção exclusivamente no teor do relatório de episódio urgência hospitalar, desvalorizando quer as declarações de parte prestadas pelo sinistrado, quer o depoimento prestado a este propósito pela sua mulher, que considerou não ser esclarecedor, por nem sequer saber dizer qual foi a perna em que o sinistrado se lesionou.
Se por um lado, é certo que o depoimento da mulher do sinistrado não foi muito esclarecedor, quanto à identificação do joelho lesionado, bem como quanto às consultas médicas, aos transportes e deslocações que o sinistrado teve de efectuar. Por outro lado, no que respeita à noite a seguir ao evento, bem como às queixas do autor que determinaram a sua ida logo na manhã do dia seguinte (15-06-2017) às urgências do hospital, acompanhado pela própria, o seu depoimento revelou-se de esclarecedor e de merecedor de credibilidade, vindo a corroborar de forma desinteressada as declarações do sinistrado. A forma como depôs permite-nos afirmar que os factos respeitantes à noite de 14 para 15 de Junho de 2017 se passaram como foram, no essencial, por si relatados. Ou seja em consequência do acidente sofrido no trabalho pelo sinistrado no dia 14/06, durante a noite de 14 para 15/6/2017, esse joelho inchou e as dores aumentaram, tendo o autor sido assistido no serviço de Urgência do Hospital ... em Riba d’Ave.
Em suma, impõe-se a alteração à resposta positiva dada ao artigo 2,º dos factos controvertidos, dando assim como provado de forma integral o que ali se fez constar. Tal passará a constar de forma expressa no local próprio.
Procede nesta parte a impugnação.
No que respeita à factualidade que consta dos artigos 3.º e 4.º dos factos controvertidos, que foram dados como provados de forma restritiva, pretende agora a recorrente que os mesmos sejam dados como provados na sua totalidade.

De tais artigos consta o seguinte:

“3º Em virtude dessa lesão, o autor esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho desde 14/6/2017 a 10/11/2017
E (após a alta ou cura clínica) ficou a padecer de sequelas causadoras de incapacidade permanente para o trabalho.”
No que respeita ao artigo 3º da factualidade controvertida, não vislumbramos qualquer razão para não fazer constar o seu teor da factualidade provada.
Na verdade, do teor dos depoimentos quer do colega de trabalho do Autor, quer da mulher, quer da cunhada do autor resulta suficientemente provado que na sequência do evento ocorrido no trabalho, no dia 14/06/20217, o autor ficou totalmente impossibilitado de prestar o seu trabalho, não tendo sido sido visto no seu local de trabalho, indo estes depoimentos de encontro às conclusões que resultam das provas periciais realizadas nos autos (exame médico singular e exames por juntas médicas), no âmbito dos quais se apurou o período de incapacidade temporária para o trabalho sofrido pelo sinistrado em consequência do evento ocorrido no dia 14/06. Acresce dizer que não foi produzida qualquer contraprova que leve a suspeitar de fraude, designadamente da ocorrência do acidente noutras circunstâncias de tempo e local. Salientamos que quer de toda documentação clinica junta aos autos, quer do depoimentos da mulher e da cunhada do sinistrado, apenas permite concluir que até ao fatídico dia 14/06, o sinistrado nunca se havia queixado do joelho.
Impõe-se assim a alteração à factualidade provada, passando a constar do facto provado sob o n.º 13 toda a factualidade que consta do artigo 3.º dos factos controvertidos.
Quanto à factualidade que consta do artigo 4º dos factos controvertidos que o recorrente pretende que seja dada como provada, apenas se nos afigura dizer que, tal factualidade está dada como provada sob o n.º 14.º dos factos provados, pois a única divergência respeita à redacção do português ao se ter substituído a data da alta, pelo dia concreto em que a mesma ocorreu, o que nada interfere com a factualidade provada, dela resultando inequívoco que após a data da cura clínica o sinistrado ficou portador de IPP.
Em face do exposto improcede nesta parte a impugnação sendo de manter a redacção do ponto 14.º da factualidade provada.
Por fim, no que respeita à factualidade que consta do artigo 5.º dos factos controvertidos e que corresponde parcialmente ao ponto 15 da factualidade dada como provada, pretende agora a recorrente que os mesmos sejam dados como provados na sua totalidade, contudo no que respeita a esta factualidade o Recorrente não deu cabal cumprimento ao ónus de impugnação, designadamente ao disposto no art.º 640.º n.ºs 1, al. b) e 2 al. a), do CPC., pois não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo da gravação nele realizada que impunham decisão diversa sobre este ponto de facto.
Com efeito, no que respeita a esta factualidade o recorrente não indica os concretos meios de prova que impunham decisão diferente, e se pretendia recorrer dos depoimentos das testemunhas também não assinalou com exactidão as passagens da gravação, nem procedeu à transcrição de excertos que considerasse de relevantes para proceder à alteração da factualidade dada como provada no ponto 15, sendo por isso de rejeitar nesta parte a impugnação.
Em face do exposto procede parcialmente a impugnação da matéria de facto e consequentemente aditam-se dois novos factos à factualidade provada e altera-se a redacção dos pontos 12.º e 13.º da factualidade provada.

2 – Da ocorrência do acidente de trabalho e respectivas consequências

Considerando a matéria de facto agora fixada importa apurar se o acidente a que os autos se reportam é de qualificar como acidente de trabalho.

Prescreve o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4/09 (doravante NLAT), no que respeita ao conceito de acidente de trabalho e situações de exclusão e redução da responsabilidade:

Artigo 8.º “Conceito

1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2 - Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.

Artigo 10.º “Prova da origem da lesão”

1 - A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.
2 - Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.

De acordo com o que ensina Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 5.ª edição, pp. 872 e ss, a noção legal de acidente de trabalho permite recortar a figura com recurso a um critério subjectivo, a um critério geográfico, a um critério temporal e ainda ao dano típico que resulta daquele, para além de se exigir um adequado nexo de causalidade entre o evento acidentário e o dano, nos termos gerais da responsabilidade civil.
Na verdade, nos termos do art.º 8.º da NLAT é acidente de trabalho todo aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza o dano típico, ou seja, a qualificação não exige que o acidente ocorra na execução do contrato de trabalho ou por causa dessa execução, bastando que ocorra por ocasião da mesma, estando pressuposto nessas circunstâncias que o trabalhador se encontra directa ou indirectamente sujeito ao controlo do empregador.
A não ser assim, aliás, não tinham razão de ser os preceitos subsequentes a enunciar todas as situações de exclusão ou redução da responsabilidade por acidente de trabalho, designadamente os casos de descaracterização do acidente por imputabilidade do mesmo ao sinistrado, os de exclusão da reparação por ter o acidente resultado de motivo de força maior e os que conferem direito de acção do responsável contra o trabalhador ou terceiro que tenha dado causa ao sinistro.
Neste sentido, diz Júlio Manuel Vieira Gomes in “O acidente de trabalho – O acidente in itinere e a sua descaracterização”, Coimbra Editora, 2013, pp. 97-99.que “(…) o acidente de trabalho não se reduz, no nosso ordenamento, ao acidente ocorrido na execução do trabalho, nem havendo sequer que exigir uma relação causal entre o acidente e essa mesma execução do trabalho. Poderão ser acidentes de trabalho múltiplos acidentes em que o trabalhador não está, em rigor, a trabalhar, a executar a sua prestação, muito embora se encontre no local de trabalho e até no tempo de trabalho, pelo menos para este efeito da reparação dos acidentes de trabalho. (…) Sendo suficiente que o acidente ocorra, na terminologia italiana e anglo-saxónica, por ocasião do trabalho, o acidente de trabalho pode consistir em um acidente ocorrido quando se presta socorro a terceiros ou, inclusive, numa situação em que o trabalhador é agredido ou é vítima de uma “partida de mau gosto”, quer o autor desse facto ilícito seja um colega, quer se trate de um estranho à relação laboral.”
Esta opção acolhida pelo legislador não é inócua na medida em que tem repercussão directa em matéria de repartição do ónus de alegação e prova, reduzindo a tarefa do sinistrado à alegação e prova dos elementos constantes do artigo 8.º (tendo ainda em conta o art.º 10.º) e fazendo impender sobre o responsável a alegação e prova dos requisitos determinantes da exclusão ou redução da sua responsabilidade, com todas as vantagens em matéria de tutela e protecção daquele.
Como vem sendo afirmado quer na doutrina, quer na jurisprudência, para que se reconheça um acidente de trabalho importa verificar (a) um elemento espacial, em regra, o local de trabalho, (b) um elemento temporal, em regra, correspondente ao tempo de trabalho e (c) um elemento causal, ou seja, o nexo de causa e efeito entre, por um lado, o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença e, por outro lado, entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
Daqui podemos desde já afirmar que o nexo causal entre a prestação do trabalho e o acidente não constitui um requisito do conceito de acidente, pois o único nexo de causal previsto no citado preceito é o nexo entre o acidente e a lesão corporal, perturbação funcional ou doença esse sim tem de se verificar, para que se possa qualificar o acidente como de trabalho.
Por fim, diremos ainda que o acidente de trabalho pressupõe a ocorrência de um evento anormal, súbito, imprevisto, exterior à vítima, que ocorra no tempo e no local de trabalho e que provoque uma lesão na saúde ou na integridade física ou psíquica de vítima, causadora de um dano que lese a capacidade funcional do sinistrado ou a morte.
Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 13-03-2019, proc.º 1692/17.7T8CSC.L1-4 “… tem vindo a ser maioritariamente entendido, a responsabilidade objectiva emergente de acidentes de trabalho baseia-se no risco que é inerente ao exercício de qualquer e toda a actividade profissional, recaindo sobre os empregadores, que com ela beneficiam, a obrigação de reparar os danos correspondentes. Aceitando-se, actualmente, que nem o acontecimento exterior, directo e visível, nem a violência são critérios indispensáveis à caracterização do acidente, existindo muitas situações não violentas e súbitas que não são exteriores ao corpo do sinistrado e que decorrem nomeadamente do esforço na realização do trabalho (como sucede nos casos das lombalgias, hérnias, entorses, etc.), devendo a própria noção de subitaneidade ser encarada em termos hábeis, pois se é verdade a mesma diz respeito a situações repentinas e inesperadas, é de admitir, face ao circunstancialismo de cada caso concreto, que o facto, desde que circunscrito a um período curto e delimitado no tempo, pode, ainda assim, ser caracterizado como súbito.
Tal como refere Carlos Alegre “Acidentes de Trabalho e Notas Práticas”, 2.ª Edição Almedina pág. 36, a propósito do conceito de acidente de trabalho, trata sempre, de um “acontecimento não intencionalmente provocado (ao menos pela vítima), de carácter anormal e inesperado, gerador de consequências danosas no corpo ou na saúde, imputável ao trabalho, no exercício de uma actividade profissional, ou por causa dela, de que é vítima o trabalhador”.
Ao sinistrado incumbe alegar e provar que a lesão foi observada no local e no tempo de trabalho e à parte contrária compete destruir a prova feita, fazendo a prova do contrário.
Atentas as dificuldades que se colocam ao sinistrado em termos de prova, o legislador criou mecanismos tendentes a facilitar-lhes essa tarefa através da consagração de presunções, tal como emerge do citado artigo 10.º da NLAT, do qual resulta que desde que o sinistrado prove a verificação/ocorrência do evento causador das lesões e o do nexo de causalidade entre as lesões corporais, perturbações funcionais ou doenças contraídas no acidente e a redução da sua capacidade de trabalho ou de ganho, fica liberto da prova do nexo de causalidade entre o evento (acidente) e as lesões.
Revertendo ao caso dos autos e tendo presente a factualidade provada nos pontos 1, 2, 2 A, 3, 12, 13, 14 e 18, bem como o resultado do exame por junta médica, resulta inequívoco que o sinistrado no dia 14 de Junho de 2017, quando exercia as suas funções de operador de máquinas de embalar/rotular, por conta da Ré empregadora, escorregou numa mangueira, torceu a perna esquerda e caiu no chão, daí resultando dor no joelho esquerdo, o que fez com que tivesse ido ao Hospital no dia seguinte e tendo realizado uma ressonância magnética, 12 dias após o acidente, esta revelou rotura praticamente total do ligamento cruzado anterior. Por fim, em sede de exame por junta médica os Srs. Peritos Médicos de forma unânime afirmaram que a lesão de que o sinistrado é portador é compatível com o traumatismo.
Estão assim provadas as circunstâncias de tempo, modo e lugar, onde ocorreu o evento naturalístico de forma súbita, inesperada e alheia à vontade do sinistrado, do qual resultou lesão corporal, podemos por isso afirmar, tendo presente o disposto os artigos 8.º e 10.º n.º 2 da NLAT, que estamos perante um sinistro laboral indemnizável nos termos previstos na lei.
Por outro lado, a recorrida não logrou descaracterizar o acidente porque não fez prova do contrário, designadamente não logrou provar que não obstante o circunstancialismo de tempo e lugar a lesão não ocorreu em função do trabalho ou por causa dele.

Importa agora proceder à reparação do sinistro, tendo presente os seguintes itens:
- a retribuição auferida pelo sinistrado no montante anual de €9.759,79, apenas estava transferida parcialmente para a Ré Seguradora no montante global de €8.549,79;
. o período de incapacidade temporária absoluta que se verifica desde a data do acidente (14/06/2017) até à data da alta, que ocorreu no dia 10/11/2017;
- A Ré Seguradora já liquidou ao sinistrado a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta o montante de €299,46:
- a IPP de 4,94% de que o sinistrado ficou portador desde a data da alta.

Assim, atento o disposto nos artigos 23.º, 25.º, 28.º, 48.º ns,º 1,2, 3 als. c) e d), 50.º , 71.º n.º 1, 75.º n.º 1 e 79.º ns.º 4 e 5 todos da NLAT são devidas ao sinistrado os seguintes direitos:
- pensão anual obrigatoriamente remível de €337,49, devida desde 11/11/2017, sendo €295,65, a cargo da Ré Seguradora e €41,84 a cargo da Ré empregadora, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos desde que a pensão é devida e até integral pagamento;
- indemnização por ITA desde 14/06/2017 a 10/11/2017 (149 dias), no montante de €2.787,79, sendo a cargo da Ré seguradora o montante de €2.142,65 (€2.442,11 - €299,46) e a cargo da Ré empregadora o montante de €345,68;

Terá que se ter em atenção que a este montante deve ser deduzido o montante recebido pelo sinistrado da segurança social.
- Reembolso das quantias despendidas em consultas médicas, tratamentos e medicamentos no valor global de €373,74, sendo a cargo da Ré seguradora o montante de €327,40 e a cargo da Ré empregadora o montante de €46,34.
Em face da factualidade provada no ponto 15 dos factos provados, designadamente do teor dos documentos ali dados como reproduzidos, não restam dúvidas de que as quantias despendidas pelo sinistrado em consultas médicas, tratamentos e medicamentos, no período em que a seguradora se recusou a prestar assistência por ter declinado a sua responsabilidade pela reparação do acidente, foram realizadas em consequência da lesão sofrida no joelho esquerdo no dia 14/06/2017, sendo por isso as Rés responsáveis pelo seu pagamento na proporção da sua responsabilidade.
- Quanto ao reembolso das despesas de transportes afigura-se-nos dizer que em face da factualidade dada como provada nos pontos 16 e 17, não resultou provado nem que as despesas de táxi realizadas pelo sinistrado no período compreendido entre 27/09/2017 e 29/01/2018 foram realizadas, em virtude das lesões sofridos, nem logrou provar das razões pelas quais não utilizou os transportes colectivos nas suas deslocações. Incumbindo a prova destes factos ao autor (cfr. art.º 342.º n.º 1 do CC.) e não a tendo logrado obter, improcede nesta parte o seu pedido.
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Por fim importa apreciar o pedido deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP contra as Rés, pedido este referente ao reembolso das prestações pagas ao Autor, no montante de €1.720,44, reportado ao período compreendido entre 07/07/2017 e 10/11/2017.
Decorre do disposto no art.º 4 do DL n.º 59/89 de 22/02 que os devedores da indemnização são solidariamente responsáveis, até ao limite do valor daquela, pelo reembolso dos montantes que tenham sido pagos pelas instituições.
Assim sendo, e na medida da respectiva responsabilidade pela reparação do acidente devem as rés liquidar o mencionado montante de €1.720,44 à segurança social, procedendo ao seu desconto nas quantias devidas ao sinistrado a título de ITA.
A cargo da Ré Seguradora incumbe proceder à liquidação do montante de €1.507,14 e a cargo da Ré empregadora incumbe proceder à liquidação do montante de €213,29.
Nos termos supra referidos procede a apelação.

V – DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e consequentemente se decide
- Condenar a Ré Seguradora:

a) a pagar ao sinistrado a pensão anual e obrigatoriamente remível de €295,65, devida desde 11/11/2017, acrescida de juros de mora à taxa legal, devidos desde a mencionada data e até integral pagamento;
b) a pagar ao Instituo de Segurança Social, I.P. a título de reembolso o montante de €1.507,14:
c) a pagar ao sinistrado a título de indemnização por ITA o montante global de €2.142,65, (ao qual deve ser deduzido o valor do reembolso a efectuar à segurança social), acrescido de juros de mora à taxa legal a contar do vencimento de cada uma das prestações.
d) a pagar ao sinistrado a título de despesas realizadas em consultas médicas, tratamentos e medicamentos a quantia de €327,40, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a citação.

- Condenar a Ré Empregadora:
a) a pagar ao sinistrado a pensão anual e obrigatoriamente remível de €41,84, devida desde 11/11/2017, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, devidos desde 30/01/2018 (data da reclamação em sede de tentativa de conciliação) até integral pagamento;
b) a pagar ao Instituo de Segurança Social, I.P. a título de reembolso o montante de €213,29:
c) a pagar ao sinistrado a título de indemnização por ITA o montante global de €345,68, (ao qual deve ser deduzido o valor do reembolso a efectuar à segurança social), acrescido de juros de mora à taxa legal a contar do vencimento de cada uma das prestações.
d) a pagar ao sinistrado a título de despesas realizadas em consultas médicas, tratamentos e medicamentos a quantia de €46,34, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, devidos desde 30/01/2018,(data da reclamação em sede de tentativa de conciliação) até integral pagamento.
Custas a cargo das Recorridas na proporção da sua responsabilidade.
8 de Abril de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga.