Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
182/16.0GAPCR.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: APREENSÃO DE VEÍCULO
REQUISITOS DA MANUTENÇÃO
ARTº 162º
Nº 2
DO CE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1 - A questão de uma apreensão se manter validamente é uma questão de direito e não de facto, pelo que não deve constar dos factos provados.

2 - Decorridos noventa dias sobre a apreensão, nos termos do disposto no art.º 16º/2 C.E., o bem apreendido pode ser declarado perdido, mas, caso o não seja, isso não quer dizer que a apreensão cesse ou caduque.

3 - A medida de apreensão de veículo no âmbito do Código da Estrada é autónoma e não se confunde com o procedimento contra-ordenacional.

4 - Daí, que eventual prescrição deste não determine o fim da referida apreensão.

5 - Estando em causa terceira condenação e já a prática de seis crimes, não faria sentido sob pena de "laxismo", a condenação em nova pena de multa.
Decisão Texto Integral:
Proc.º 182/16.0GAPCR.G1

1 – Relatório

Por sentença de 20 de Março de 2 017 depositada nesse dia, foi o arguido J. F. condenado na pena de 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º/1 D.L. n.º 2/98, 3/1 e na pena de 4 (quatro) meses de prisão, pela prática de um crime desobediência, p. e p. pelo art.º 348º/1, b), C.P. Em cúmulo, foi o mesmo condenado na pena única de 8 (oito) meses de prisão, com a execução suspensa por 1 (um) ano e regime de prova.

Inconformado com a decisão proferida, recorreu o referido arguido. Sintetiza a sua discordância, nas seguintes conclusões constantes do recurso:

A. “O Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência, na pena única, em cúmulo jurídico, de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 12 (doze) meses, acompanhada de regime de prova.

B. O presente recurso tem como objecto toda a matéria da sentença condenatória proferida nos presentes autos.

C. Salvo o devido respeito, não podia o tribunal recorrido ter dado como provados os factos: 2; 3; 4; 6 e 7 - concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados, em obediência ao artigo 412.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal).

D. O Recorrente foi condenado pela prática de um crime de desobediência, porquanto, no dia 20/10/2016, conduziu o ciclomotor com a matrícula GM, que, em 16/04/2012 (ou seja, mais de 4 anos e meio antes) havia sido apreendido, no âmbito de um processo de contra-ordenação estradal, por circular sem seguro de responsabilidade civil, tendo o Recorrente sido designado seu fiel depositário (artigo 162.º, n.º 1, alínea f), do CE).

E. O artigo 162.º, n.º 2, do Código da Estrada preceitua que: “Nos casos previstos no número anterior, o veículo não pode manter-se apreendido por mais de 90 dias devido a negligência do titular do respetivo documento de identificação em promover a regularização da sua situação, sob pena de perda do mesmo a favor do Estado” (negrito e sublinhados nossos).

F. De acordo com o auto de apreensão do ciclomotor junto a fls. 36, que o tribunal a quo valorou positivamente em sede de motivação de facto, resulta que: “O veículo não pode manter-se apreendido por mais de 90 dias devido a negligência do titular do Documento de Identificação do Veículo em promover a regularização da situação, sob pena de perda a favor do Estado (art. 162º nº 2 e 3 do CE)” – sublinhado nosso.

G. Ora, no caso em análise, tendo o ciclomotor sido apreendido em 16/04/2012, a apreensão só podia manter-se até ao dia 15/07/2012.

H. Em resumo, de 15/07/2012 em diante, o ciclomotor deixou de estar legalmente apreendido, motivo pelo qual deixou, concomitantemente, de existir ordem de não circulação válida e legítima.

I. Não é aceitável, de um ponto de vista jurídico-penal, que, passados mais de quatro anos e meio, se exija de alguém, que, ainda por cima, foi notificado do teor do auto de apreensão supra (“O veículo não pode manter-se apreendido por mais de 90 dias devido a negligência do titular do Documento de Identificação do Veículo em promover a regularização da situação, sob pena de perda a favor do Estado (art. 162º nº 2 e 3 do CE)” – sublinhado nosso) que considere válida a ordem de apreensão.

J. Em consequência, por não estarem preenchidos os elementos do tipo objectivo de ilícito do crime de desobediência, mormente a “legalidade substancial do comando”, tem o arguido forçosamente que ser absolvido.

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K. Mas, mais ainda, no caso em apreço, não sendo o Recorrente titular de licença de condução (motivo, aliás, pelo qual foi condenado), jamais o mesmo poderia ter celebrado qualquer contrato de seguro para o referido ciclomotor de que é proprietário, pelo que não é correcto afirmar, como efectuado na douta sentença (em linha com a jurisprudência vertida no Acórdão do TRC de 08/10/2014), que “a apreensão fundada em falta de seguro apenas cessa quando for efectuada perante a administração prova da efectivação do seguro”.

L. Com efeito, a apreensão fundada em falta de seguro apenas cessa quando for efectuada perante a administração prova da efectivação do seguro, no caso de acidente (artigo 162.º, n.º 6, do CE), o que não se verifica no caso em análise.

M. Por outro lado, importa salientar que em 22/05/2013 foi proferida pela ANSR decisão no âmbito do processo de contra-ordenação, pelo que, salvo melhor opinião, caso não tivesse cessado antes a apreensão do veículo, sempre cessaria nesta data, ou, pelo menos, em 17/10/2015, data em que o processo foi anulado por prescrição (fls. .. – Fax da Unidade de Gestão de Contra-Ordenações de 13/03/2017 – registo de entrada 1438980, página 10), pelo que, também por estes motivos, teria o arguido que ser absolvido. A apreensão não pode, com o devido respeito, durar ad aeternum…

N. Em face do exposto, não podiam ter sido dado com provados os factos acima assinalados (2; 3; 4; 6 e 7), sendo que, para além disso, deveria constar dos factos provados que “o arguido até ao momento não outorgou tal contrato [de seguro]” (o que apenas consta no enquadramento jurídico-penal da sentença - folha 9 da sentença), bem ainda que o processo de contra-ordenação em causa foi “anulado por prescrição” (fls. .. – Fax da Unidade de Gestão de Contra-Ordenações de 13/03/2017 – registo de entrada 1438980, página 10).

O. O Recorrente entende, pelo exposto, que deve ser absolvido pela prática do crime de desobediência.

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P. Por extrema cautela de patrocínio, importa referir que, mesmo que em teoria se mantenham tal e qual os factos constantes na sentença recorrida, o que apenas se admite por extrema cautela de patrocínio, a pena aplicada (pena de prisão) é completamente desproporcional, e, por isso, ilegal, por violação dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.

Q. Embora as finalidades de prevenção geral relativamente ao crime de condução sem habilitação legal sejam relevantes, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao crime de desobediência, que, salvo o devido respeito, não é factual, conforme consta da douta sentença que se recorre, que se note “um aumento deste tipo de criminalidade no nosso país.

R. Com feito, segundo as estatísticas oficias que possuímos não se assiste a qualquer aumento deste tipo de crime:
(crimes contra o estado - Fontes/Entidades: DGPJ/MJ, PORDATA - http://www.pordata.pt/Portugal/Arguidos+total+e+por+categoria+de+crime+(1984+)-262).

S. Relativamente às finalidades de prevenção especial, não se descurando as condenações anteriores, importa sublinhar que as mesmas se encontram extintas pelo cumprimento.

T. Neste cenário, entendemos ser a pena de multa aquela que de forma adequada e suficiente, preenche as finalidades de punição, acautela os bens jurídicos e previne a possibilidade de comentimento de novos factos ilícitos pelo arguido.

Termos em que e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, absolvendo-se o Recorrente pelo crime de desobediência e condenando-se o mesmo numa pena de multa relativamente ao crime de condução sem habilitação legal”.

Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça!

Contra-alegou ainda em 1ª instância, o M.P. Em síntese, considera que não foi cometido qualquer erro na fixação da matéria de facto, que a subsunção do caso dos autos ao Direito está feita corretamente e que a pena foi escolhida de forma ajustada. Propugna pois, pela improcedência do recurso apresentado, na íntegra.

Já neste Tribunal da Relação, foi aberta vista ao M.P. No seu parecer, o Dignm.º Procurador Geral Adjunto pronuncia-se pela improcedência integral do recurso. Com efeito, afirma que o recorrente não identifica os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, nem as provas concretas em que se apoia, não cumprindo os ónus de que trata o art.º 412º/3 C.P.P. Considera ainda que a apreensão de veículo em contra-ordenação estradal se distingue da própria contra-ordenação, pelo que aquela pode persistir enquanto não removida a causa que a determinou independentemente do determinado quanto ao processo contra-ordenacional. Sustenta ainda, que a pena está corretamente fixada. Defende pois, a improcedência integral do recurso.

Notificado nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., o arguido não respondeu.
O recurso vai ser julgado em conferência, como o impõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.

2 – Fundamentação

Para uma melhor dilucidação do caso concreto, transcrever-se-á de seguida e na íntegra, a sentença recorrida:

“I – RELATÓRIO.

O Ministério Público deduziu acusação, em processo comum e para julgamento perante Tribunal singular contra

J. F., solteiro, desempregado, filho de … e de …, natural de …, nascido em …, com residência na …, Paredes de Coura,

imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
*
O arguido não contestou nem arrolou testemunhas.
*
Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação e decisão da causa e de que cumpra conhecer.
*
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, conforme se vê da acta do julgamento.
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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A) Factos provados:

1. No dia 16 de Abril de 2012, no âmbito do processo de contra-ordenação com o n.º 275517179, o ciclomotor com a matrícula GM foi apreendido por circular sem seguro de responsabilidade civil,

2. Nessa altura, o arguido ficou como fiel depositário do mesmo, ficando ciente que não o podia remover, alterar o estado, utilizar, alienar, destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer outra forma, enquanto estivesse à sua guarda, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência.

3. Porém, no dia 20 de Outubro de 2016, cerca das 17H30, o arguido conduzia o referido ciclomotor na Estrada Municipal sita no Lugar de Cascalhal, Romarigães, Paredes de Coura, ciclomotor esse que continuava apreendido, e fazia-o sem ser titular de licença de condução ou qualquer outro documento que legalmente lhe permitisse conduzir o mesmo na via pública.

4. O arguido sabia que não podia conduzir aquele veículo enquanto estivesse apreendido mas não se absteve de tal conduta sabendo que incorria na prática de um crime de desobediência.

5. Bem como sabia que não podia conduzir aquele veículo na via pública sem se encontrar habilitado com a carta de condução ou qualquer outro documento que lhe legitimasse a condução daquele veículo.

6. O arguido agiu, livre e conscientemente, não ignorando o carácter censurável das suas condutas.

7. Confessou integralmente e sem reservas a prática dos factos descritos em 3, 5 e 6.

8. Por factos praticados em 16.04.2012 e por sentença transitada em julgado no dia 18.05.2012 o arguido foi condenado na pena única de 110 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de condução sem habilitação legal.

9. Por factos praticados em 3.06.2015 e por sentença transitada em julgado no dia 12.04.2016 o arguido foi condenado na pena única de 180 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 8 meses pela prática de um crime de desobediência, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de condução sem habilitação legal.

10. Por decisão proferida em 22.05.2013 a ANSR, no âmbito do processo de contra-ordenação referido em 1, condenou o arguido numa coima de 375,00 € e ainda na sanção acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de 30 dias.

11. No dia 18.10.2013 o arguido dirigiu um requerimento ao mencionado processo de contra-ordenação pedindo que lhe fosse deferido o pagamento da coima em prestações.

12. O arguido está desempregado há cerca de quatro anos e faz alguns biscates na lavoura.

13. Vive com os pais, que lhe prestam alguma ajuda financeira.

14. Padece de dependência do álcool desde o início da idade adulta e já esteve inclusivamente internado numa clínica de desabituação durante duas semanas em Junho de 2016.

15. Teve entretanto várias recaídas e mantém os seus hábitos de consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

16. Como habilitações literárias tem o 4.º ano de escolaridade.

17. Tentou há cerca de seis anos obter a carta de condução mas acabou por desistir devido às dificuldades reveladas na utilização dos equipamentos informáticos.
*
B) Factos não provados.

Com relevância para a boa decisão da causa não existem.
*
C) Motivação de facto.

A convicção do Tribunal quanto à factualidade provada assentou na análise crítica da prova, apreciada à luz das regras de experiência comum, designadamente nas declarações do arguido, que confessou a prática dos factos respeitantes à condução de veículo sem habilitação legal.
Relevou-se ainda o auto de contra-ordenação junto a fls. 29, que foi levantado contra o arguido em 10.04.2012 por violação do disposto no artigo 150.º, n.º 1, do Código da Estrada, ou seja, o trânsito do ciclomotor identificado no ponto 1 dos factos provados sem o necessário e obrigatório seguro de responsabilidade civil.
Da cópia do auto de apreensão de veículo junto a fls. 36 resulta que o arguido foi, na sequência do levantamento daquele auto de contra-ordenação, constituído na qualidade de fiel depositário daquele ciclomotor e advertido de que (nomeadamente) a sua utilização o faria incorrer na prática de um crime de desobediência, documento que está assinado pelo arguido.
Este último afirmou que estava consciente de que o ciclomotor que conduzia na data em questão se encontrava apreendido por falta do necessário seguro de responsabilidade civil mas disse não recordar-se de ter sido advertido de que a condução (“utilização”) daquele veículo o poderia fazer incorrer na prática de um crime de desobediência. Tal versão não convenceu pois que, para além de a notificação constante do auto de apreensão estar assinada pelo arguido, como este reconheceu quando confrontado com o mesmo, aquele afirmou que sabia que o veículo estava apreendido e que não podia circular com o mesmo mas que “facilitou”, “arriscou”, e só facilita e arrisca quem está ciente das possíveis consequências das suas condutas.
Note-se ainda que o arguido afirmou também que desde a data em que o referido veículo lhe foi apreendido não diligenciou pela celebração de tal seguro.

Em suma, fez-se prova de que o arguido, de forma consciente e intencional, desobedeceu à ordem que lhe fora dirigida no sentido de não circular com o ciclomotor apreendido e de que ficou fiel depositário, como também nos convencemos que o arguido ficou bem ciente das consequências penais caso adoptasse comportamento contrário à determinação que lhe foi dirigida.
No mais o Tribunal relevou o teor do depoimento do Guarda-Principal da GNR C. M. (que no essencial confirmou o teor do auto de notícia junto a fls. 4 e 5, de que é subscritor) e do CRC junto aos autos, sendo que as condições pessoais e socioeconómicas do arguido se deram como provadas em função das declarações que o próprio prestou, devidamente conjugadas com o relatório social junto aos autos.
*
III – ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL.

A) Do crime de condução sem habilitação legal.

O arguido vem acusado da prática de um crime p. e p. pelo artigo 3.º do Decreto – Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, onde se determina, no seu n.º 1, que “quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias...”.
Já o seu n.º 2 determina que “se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias”.
No que respeita ao tipo objectivo, o crime em causa pressupõe que o agente se encontre a conduzir veículo a motor numa via pública, ou equiparada, sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada (cfr. artigos 121.º e segs.).
Ora, da prova apurada resulta que o arguido, no dia 20 de Outubro de 2016, cerca das 17H30, conduzia o ciclomotor com a matrícula GM numa via pública (Estrada Municipal sita no Lugar de Cascalhal, Romarigães, Paredes de Coura) sem ser titular de licença de condução ou qualquer outro documento que legalmente lhe permitisse conduzir o mesmo na via pública.
Por esta razão a sua conduta integra o tipo objectivo do crime em causa.
O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, pois bem sabia que só podia conduzir veículos na via pública desde que estivesse legalmente habilitado com a respectiva carta de condução para o efeito (e não obstante conduziu o ciclomotor em questão) e que tal conduta era punida por lei.
Encontram-se, assim, reunidos os elementos do dolo, consagrado no artigo 14º do Código Penal: o elemento intelectual (o conhecimento das circunstâncias de facto) e o elemento volitivo (a decisão de praticar determinado facto).
Não ocorrendo causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, conclui-se que o arguido (que não é inimputável) cometeu o crime por que está acusado.
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B) Do crime de desobediência.

Determina o artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, que “Quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se…na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação”.
Tem-se em vista com a incriminação da conduta referida proteger como bem jurídico, e tal como nos outros crimes contra a autoridade pública, a “autonomia intencional do Estado, ou seja, a não colocação de entraves à actividade administrativa por parte dos destinatários dos seus actos” (Cfr. Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, pág. 350).
Assim, são elementos do tipo objectivo de ilícito do crime de desobediência:

a) a existência de um comando da autoridade ou do funcionário sob a forma de ordem ou mandado, impondo um determinado dever de acção ou omissão, nos termos concretamente definidos;
b) a legalidade formal e substancial do comando;
c) a competência da entidade que o emite;
d) a regularidade da comunicação ao seu destinatário;
e) a violação do dever concretamente emergente desse comando (cfr. Lopes da Mota, Jornadas de Direito Criminal, Vol. II, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, 1998, págs. 428 e 429).

O dever de obediência que se incumpriu terá, necessariamente, de ter uma de duas fontes: ou uma disposição legal que comine a sua punição ou, inexistindo tal disposição legal, que a autoridade faça a correspondente cominação da punição. É esta última que, face ao libelo acusatório e perante os factos apurados, nos interessa esmiuçar.

Embora a lei penal não defina o que seja “autoridade” para efeitos jurídico-penais, o conceito em causa identifica-se, numa perspectiva objectivista, com a ideia de faculdade de conhecer e decidir matérias determinadas, impondo sobre elas decisão e conferindo-lhe eficácia; numa perspectiva subjectivista, identifica-se tal conceito com os titulares desse poder, nomeadamente, a autoridade judiciária.

Observe-se agora que a noção de ordem aqui se traduz num comando de carácter pessoal e concreto de natureza obrigatória para o respectivo destinatário e que o sujeita a determinada acção ou omissão, contanto que dimane dos poderes conferidos por lei. Esse comando pode ser incluído num mandado, nomeadamente, quando se determinar a prática de um acto processual a uma entidade ou funcionário que actue no âmbito da competência de quem profere a ordem sendo certo que, neste caso, a desobediência refere-se ao comando inserto no mandado e não à actividade do funcionário que o faz cumprir.

A ordem ou mandado têm que se revestir de legalidade substancial, ou seja, têm que se basear numa disposição legal que autorize a sua emissão ou decorrer dos poderes discricionários do funcionário ou autoridade emitente.
Por outro lado, exige-se a legalidade formal da ordem ou mandado que se traduz na exigência de esses comandos serem emitidos de acordo com as formalidades que a lei estipula para a sua emissão.

Requer-se, ainda, que a autoridade ou funcionário emitente da ordem ou mandado tenham competência para o fazer, isto é, que aquilo que pretendam impor caiba na esfera das suas atribuições.

Por sua vez, os destinatários têm que ter conhecimento da ordem a que ficam sujeitos, o que exige um processo regular e capaz para a sua transmissão, para que aqueles tenham conhecimento do que lhes é imposto ou exigido.
O crime de desobediência consuma-se com a prática do acto proibido ou com a omissão do acto determinado e, neste último caso, se houver um prazo para a prática do acto omitido a própria existência do crime está condicionada pelo decurso desse prazo.
Inclinando-nos sobre o caso dos autos, verificamos que a ordem dirigida ao arguido no sentido de este último, que ficou investido na qualidade de fiel depositário do ciclomotor então apreendido por circular sem o seguro de responsabilidade civil obrigatório, tem assento legal na alínea f) do n.º 1 do artigo 162.º e no n.º 1 do artigo 151.º, ambos do Código da Estrada (na versão em vigor à data dos factos, que de resto não sofreu quaisquer alterações até à data presente). Aqui assenta a validade substancial da ordem dirigida ao arguido.
Ora, tendo aquele ficado ciente de que era obrigado a cumprir as obrigações decorrentes da sua qualidade de fiel depositário e que não podia nem devia utilizar o ciclomotor em apreço enquanto se mantivesse a apreensão, a verdade é que o arguido o conduziu nos termos descritos nos factos provados, sendo certo que tal veículo, na data em que foi conduzido pelo impetrado, se encontrava apreendido pelos motivos supra aludidos.

Assim, da análise de tais factos dúvidas não subsistem de que foi dada ao arguido uma ordem por um militar da GNR impondo-lhe um dever de omissão – ou seja, o dever de não circular com o motociclo apreendido –, ordem que aquele decidiu não acatar.

Verifica-se, igualmente, o requisito da competência de quem emite a ordem: os militares da GNR são agentes da autoridade com competência para emitirem ordens com teor daquela que foi dirigida ao arguido.

Por fim, também se constata que a referida ordem foi transmitida de forma regular ao seu destinatário, pelo que ficou ciente das consequências do não cumprimento da mesma (cfr. artigo 162.º, n.º 3, do Código da Estrada).

Note-se ainda que a circunstância de a decisão de condenação do arguido no pagamento de uma coima, proferida pela ANSR em 22.05.2013 na sequência dos factos descritos no ponto 1 dos factos provados, não traz consigo a “caducidade” da ordem oportunamente dirigida ao arguido. Na verdade, da parte final do n.º 6 do artigo 162.º do Código da Estrada decorre que a apreensão fundada em falta de seguro apenas cessa quando for efectuada perante a administração prova da efectivação do seguro. Com efeito, tal norma dispõe que “No caso de acidente, a apreensão referida na alínea f) do n.º 1 mantém-se até que se mostrem satisfeitas as indemnizações dele derivadas ou, se o respectivo montante não tiver sido determinado, até que seja prestada caução por quantia equivalente ao valor mínimo do seguro obrigatório, sem prejuízo da prova da efectivação de seguro” (sublinhado nosso).

Isso significa que até esse momento a ordem de não circulação continua válida e legítima porque com cobertura legal.
Como se refere no Ac. do TRC de 8.10.2014 (processo n.º 296/13.8GCAGD.C1, acessível em www.dgsi.pt), “Mal se compreenderia aliás que a apreensão se pudesse considerar cessada à revelia da administração, sem o que o infractor da falta de seguro tivesse que comprovar oficialmente a sua realização. Do mesmo modo só através dessa comprovação poderá reaver os documentos do veículo igualmente apreendidos”.
Como é evidente, a apreensão do ciclomotor visou coagir o proprietário a celebrar o contrato de seguro competente, que é obrigatório e sem o qual não pode circular com o veículo. Assim sendo, a apreensão só pode ser levantada nos casos legalmente previstos, designadamente quando o proprietário faça prova da celebração daquele contrato.
Provou-se que o arguido até ao momento ainda não outorgou tal contrato, pelo que é indiferente no caso o destino do processo de contra-ordenação que lhe foi instaurado. Uma coisa é a ordem que lhe foi dirigida e outra é a responsabilidade contra-ordenacional.
Posto isto, provou-se que o arguido sabia que não podia conduzir aquele veículo enquanto estivesse apreendido mas não se absteve de tal conduta sabendo que incorria na prática de um crime de desobediência, tendo agido livre e conscientemente, não ignorando o carácter censurável das suas condutas, ou seja, actuou dolosamente.
Na medida do exposto, dúvidas não podem restar de que os elementos objectivos e subjectivos do tipo se encontram devidamente preenchidos.
*
Da escolha e da medida concreta das penas.

Realizado o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida das sanções a aplicar-lhe.
O crime de condução sem habilitação legal, previsto no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, é abstractamente punido com pena de prisão de 1 mês a 1 ano ou pena de multa de 10 a 120 dias.
Já o crime de desobediência simples é punido com pena de prisão de 1 mês até 1 ano ou com pena de multa de 10 até 120 dias.

Teremos agora que se atender ao previsto no artigo 70.º do Código Penal, segundo o qual se ao crime forem alternativamente aplicáveis pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, o tribunal deverá dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, as quais se encontram previstas no artigo 40.º do mesmo diploma legal.

Acresce ainda que, na determinação da medida da pena, esta deve operar-se dentro dos limites da moldura abstracta, avaliando os comportamentos delituosos dentro desse enquadramento jurídico-legal, procurando adequar a sanção em função da culpa, tendo sempre em consideração as exigências de prevenção que o caso dita.

Assim, no que concerne à medida da pena há que recorrer aos critérios fixados no artigo 71.º do Código Penal, que manda graduá-la em função da culpa do agente, tendo em conta as exigências de prevenção criminal, considerando, no caso concreto, todas as circunstâncias constantes do n.º 2 da citada disposição legal, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.

Consequentemente, nos termos do artigo 40.º do Código Penal, as finalidades de aplicação de uma pena visam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Contudo, a pena nunca pode ultrapassar a medida de culpa. Neste sentido e nas palavras já com certeza repetidas até à exaustão do Professor Figueiredo Dias “a culpa é o ponto de referência que o julgador não pode ultrapassar; até esse limite jogam então as considerações relativas à prevenção geral e especial” (in Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Lisboa, Ministério da Justiça, 1993, pág. 78).

Assim, num primeiro momento, a medida da pena há-de ser dada pelo grau da tutela dos bens jurídicos, no caso concreto, traduzindo a ideia de prevenção geral positiva. A prevenção geral positiva traduz-se, assim, na confiança que a sociedade precisa de manter na vigência da norma, é o mínimo exigível da medida da pena.

Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, a culpa funciona como limite máximo de moldura assim encontrada, que as considerações de prevenção geral, quer positiva ou de integração, quer negativa ou de intimidação não podem ultrapassar.

Por último, devem actuar considerações de prevenção especial, de socialização ou de suficiente advertência. A prevenção especial traduz-se, pois, primordialmente, na função de ressocialização, que constitui o objectivo determinante da pena segundo a política criminal vigente.
Ora, tendo em atenção todas as circunstâncias acabadas de expor, e recorrendo ao critério vertido no artigo 70.º do Código Penal – que dá preferência à pena não privativa da liberdade, a menos que esta não seja adequada às finalidades da punição –, entendemos que se deve optar pela aplicação ao arguido, relativamente a cada um dos crimes por que vem acusado, de uma pena de prisão.

Tal opção, quanto ao crime de condução sem habilitação legal, parece-nos que não merece qualquer censura dado o número de crimes da mesma natureza que o arguido já cometeu e que estão inclusivamente associados a outros ilícitos de natureza rodoviária (condução de veículo em estado de embriaguez), sendo certo ainda que os factos em análise foram praticados muito pouco tempo depois do trânsito em julgado da condenação mais recente – 12.04.2016 –, o que permite perceber que o arguido não interiorizou o desvalor das suas condutas.

No que tange com o crime de desobediência, é verdade que o arguido apenas tem averbada uma condenação anterior pela prática de crime da mesma igualha. Acontece que, como já vimos, o arguido voltou a delinquir na prática desse crime volvidos apenas pouco mais de seis meses sobre a condenação mais recente, o que, na valoração global dos factos e dos seus antecedentes criminais, não permite concluir que a pena de multa será suficiente para que não volte a fazê-lo.

Em suma, num caso e noutro a pena de multa não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, sejam elas a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40.º do CP).

Posto isto, analisemos os factores que pesam na determinação da medida da pena no caso em concreto dos presentes autos.

Assim, no caso em apreço há que considerar que o grau de ilicitude deve considerar-se mediano em ambos os casos.
A culpa, em ambos os casos também, assenta na modalidade de dolo directo.
As exigências de prevenção geral são elevadas quanto ao crime de condução sem habilitação legal, atentas as inúmeras vezes que este tipo de criminalidade ocorre. Já o mesmo não se pode dizer com tanto afinco a propósito do crime de desobediência, apesar de se notar um aumento deste tipo de criminalidade no nosso país.
As exigências de prevenção especial são assaz elevadas no que tange com o crime de condução de veículo sem habilitação legal, e são moderadamente elevadas no que tange com o crime de desobediência, tendo em conta o número de condenações de que o arguido já havia sido alvo relativamente a um e outro, sendo certo ademais que os factos foram praticados volvidos apenas pouco mais de seis meses após a condenação mais recente, o que denota uma desconsideração e um desprezo notórios do arguido perante a solene advertência contida na condenação em causa.
Note-se que a confissão, no caso do crime de condução sem habitação legal, tem um fraco valor atenuativo tendo em conta que o Tribunal chegaria facilmente à prova dos factos sem a colaboração do arguido. Não obstante, sempre se diga que a confissão permite concluir que o arguido pretendeu, pelo menos em sede de audiência de discussão e julgamento, assumir a responsabilidade pelos seus actos, o que não pode deixar de ponderar-se em seu favor.
Note-se ainda que a factualidade que se extraiu do relatório social junto aos autos e que se deu como provada não abona em favor do arguido. Com efeito, o arguido padece de dependência do álcool desde o início da idade adulta, sendo certo que, apesar de já ter estado internado numa clínica de desabituação durante duas semanas em Junho de 2016, teve entretanto várias recaídas e mantém os seus hábitos de consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
A tudo isto acresce que não tem qualquer ocupação profissional desde há cerca de quatro anos – faz tão só alguns biscates na lavoura –, o que permite entrever a forte possibilidade de voltar a praticar crimes como aqueles que se discutem nestes autos.
Não tem relevância no caso o facto de o arguido ter tentado há cerca de seis anos obter a carta de condução e de ter desistido devido às dificuldades reveladas na utilização dos equipamentos informáticos. Como é óbvio, tais escolhos não justificam o comportamento do arguido e o mais que se pode dizer é que o arguido cede facilmente em cenários que exigem da sua pessoa uma postura mais laboriosa.

Nesta conformidade, tomando em consideração todas as circunstâncias concretas do caso atrás enunciadas, entendemos por justa e adequada a aplicação ao arguido, quanto ao crime de condução de veículo sem habilitação legal, de uma pena de 6 (seis) meses de prisão, e, quanto ao crime de desobediência simples, duma pena de pena de 4 (quatro) meses de prisão.

Importa, de seguida, proceder à determinação da pena única, decorrente do concurso de crimes de condução sem habilitação legal e desobediência, nos termos apontados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º do Código Penal.

Assim sendo, o limite máximo da pena de prisão fixa-se em 10 meses ao passo que o limite mínimo é de 6 meses.

Em cúmulo jurídico, o Tribunal decide aplicar ao arguido a pena única de 8 (oito) meses de prisão, tendo em conta, para além das agravantes e atenuantes antes enunciadas, a personalidade do arguido.
*
Adiante-se já que entendemos que a pena de prisão não pode ser substituída por multa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º do CP já que a execução da mesma é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. Com efeito, como já dissemos, e para além dos seus antecedentes criminais, o arguido padece de dependência do álcool que não está a ser tratada e está desempregado há cerca de quatro anos, o que pode potenciar a prática de novos ilícitos criminais.
*
Dispõe o n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a simples ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O pressuposto formal para que o tribunal suspenda a execução da pena de prisão nos termos daquela disposição legal consiste em a pena aplicada não ser superior a cinco anos, o que sucede no caso concreto. O pressuposto material consiste em o tribunal concluir que, face à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, que são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal).
Ora, apesar dos antecedentes criminais do arguido, não podemos ser insensíveis ao facto de o percurso criminal do arguido, que tem 44 anos de idade, ser bastante recente, isto é, até ao ano de 2012 o arguido manteve um comportamento correcto e conforme à lei e ao direito. Só mais recentemente enveredou por caminhos mais tortuosos e por isso parece-nos que ainda é altura de conceder-lhe uma oportunidade de provar que o seu trajecto de vida mais recente constitui apenas um infeliz acidente de percurso.
Entendemos, assim, que se verifica aquele juízo de prognose social favorável ao arguido a que se referem Leal-Henriques e Simas Santos (Código Penal Anotado, Vol. I, pág. 444, citando Jescheck), isto é, a esperança de que aquele sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro crime algum.

Do exposto resulta que, neste momento, a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que fazendo uso da prerrogativa do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, cremos que será adequado suspender a execução da pena de prisão, pelo prazo de 12 meses (mínimo legal previsto na lei – artigo 50.º, n.º 5, do CP).
Atendendo à dependência alcoólica de que o arguido padece e à situação de desemprego em que se mantém desde há quatro anos entendemos conveniente e adequado à realização das finalidades da punição determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 2, do CP.
*
IV – DECISÃO.

Pelo exposto, decide este Tribunal:

- Condenar o arguido J. F. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- Condenar o arguido J. F. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência simples, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
- Fixar a pena única a aplicar ao arguido J. F. em 8 (oito) meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 12 (doze) meses, determinando-se que a mesma seja acompanhada de regime de prova nos termos do disposto no artigo 50.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
*
Custas pelo arguido, que se fixam em duas UC nos termos do artigo 8.º, n.º 5, do RCP, a que acrescem os custos processuais.
*
Após trânsito:
- remeta boletins ao Registo Criminal;
- Comunique à DGRS para elaboração do competente relatório social.
*
Notifique.”

2.1. – Questões a Resolver

a) Da Impugnação Ampla da Matéria de Facto;
b) Da Subsunção Jurídica ao Crime de Desobediência – Manutenção ou Não da Apreensão da Viatura do Arguido;
c) Da Razoabilidade da Pena Única Imposta.

2.2. - Da Impugnação Ampla da Matéria de Facto

Sem referir os factos em si, nem quaisquer meios de prova, considera o arguido recorrente que estão incorretamente fixados os factos constantes dos arts.º 2, 3, 4, 6 e 7 dos factos provados.
Não identifica concretamente os factos.
Para tal, não usa argumentos de facto, mas de direito.

Refere, com efeito, que nos termos do disposto no art.º 162º/2 C.E., que o veículo não pode manter-se apreendido por mais de 90 (noventa) dias, por negligência do seu titular em promover a regularização da situação que determinou a apreensão. Mais, refere que, por não ter carta de condução de motociclos, não pode fazer um contrato de seguro sobre o mesmo. Mais, aduz que, nos termos do disposto no art.º 162º/6 C.E., apenas nos casos de acidente a apreensão de veículo por falta de seguro cessa, quando efetivado o mesmo. Refere ainda que, tendo prescrito o procedimento contra-ordenacional, também se deve declarar extinta, a apreensão efetuada.

No fundo, o que o recorrente faz é repudiar, com argumentos jurídicos, a apreensão efetuada e que deu causa ao crime de desobediência.

Não estão assim em causa efetivamente, elementos de facto, mas sim de Direito, quanto à manutenção ou não, da apreensão da viatura ciclomotor matrícula “GM”.

E é esta manutenção da apreensão que se pretende atacar, com argumentos jurídicos.

Porém, a questão de esta se manter ou não validamente é uma questão jurídica e não de facto.

Do que se retira que afinal, o recorrente não ataca a matéria de facto, mas o que dela se retira, em termos jurídicos, sobre a validade ou não, da apreensão efetuada.
O que, naturalmente não é matéria de facto, mas de direito.
Daí, que o recorrente não tenha dito que factos estão incorretamente fixados, nem que meios de prova vão contra eles. Porque exatamente, não estava em causa matéria de facto.

Do que se retira que, não tendo, de facto, sido atacada matéria de facto, não há factos a alterar.

Improcede pois, nesta parte, o recurso do arguido.

2.3. - Da Subsunção Jurídica ao Crime de Desobediência – Manutenção ou Não da Apreensão da Viatura do Arguido

A primeira razão de discordância do arguido recorrente com o decidido, prende-se com a interpretação do disposto no art.º 162º/2 C.E. Nos termos deste normativo, o veículo não poderá mantar-se apreendido por mais de 90 (noventa) dias devido a negligência do titular do respetivo documento de identificação em promover a regularização da sua situação, sob pena de perda do mesmo, a favor do Estado.

Entende o recorrente que, datando a apreensão de 16 de Abril de 2 012 e os factos de 20 de Outubro de 2 016, terão decorrido os referidos 3 (três) meses, não se mantendo pois a apreensão.

Porém, o que o art.º 162º/2 C.E. pretende assinalar é que, a partir dos referidos 3 (três) meses sem que o titular promova a regularização da situação que deu origem à apreensão, o veículo pode ser declarado perdido a favor do Estado. Isto é: por via da não remoção do motivo que deu causa à apreensão, esta pode deixar de existir, sendo o veículo declarado perdido a favor do Estado.

Ou seja: a não regularização da situação do veículo que deu causa à apreensão pode, por si só e independentemente do processo contra-ordenacional levar à declaração de perdimento do veículo. E, naturalmente que, com isso, cessará a apreensão, porque o titular do veículo já não será quem lhe deu causa. Mas e não obstante o decurso do prazo, parece óbvio que a apreensão se mantém enquanto não removida a sua causa e enquanto o veículo não for declarado perdido.

Aliás, decorre do próprio art.º 162º/6 C.E., “in finé”, que a apreensão só termina quando o agente faz prova da efetivação do seguro – neste sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 8/10/2 014, Maria Pilar de Oliveira, em www.dgsi.pt. O que, no caso dos autos não ocorreu.

Ou seja: a apreensão tem efeitos por si e independentemente do que se determinar no procedimento contra-ordenacional. Ou seja: as apreensões não se tratam apenas de meios de obtenção de prova ou de procedimentos cautelares de polícia, com vista à obtenção de prova dos crimes ou ao perdimento, a final, dos bens apreendidos, tendo elas próprias objetivos específicos.
Daí que a lei preveja autonomamente, os casos em que caducam e que não se confundem com coimas, sanções acessórias ou declarações de perdimento de bens, a final.
Invoca ainda o arguido a prescrição do procedimento contra-ordenacional e, com isso, a extinção da apreensão.

Porém e em primeiro lugar, essa prescrição não foi declarada em nenhuma fase do procedimento contra-ordenacional, não constando, contrariamente ao referido pelo arguido recorrente, de qualquer parte do processo de contra-ordenação, enviado a este Tribunal.

Não existindo tal despacho, também não deveria o mesmo constar dos factos provados, não havendo qualquer omissão de pronúncia ou insuficiência da matéria de facto.

Por outro lado e como se disse, a apreensão do veículo e de seus documentos vêm autonomamente previstas nos arts.º 161º e 162º C.E., como reações do ordenamento jurídico a alguns delitos estradais. E, como se disse, prevêem também tais normativos os casos em que devem ser levantadas as apreensões.
Não estão assim dependentes, do que ocorre com o procedimento contra-ordenacional, pois nesse caso não faria sentido prever-se o levantamento da apreensão. Terminariam com o final do processo.
Não se podendo sustentar que a apreensão findara, resta concluir pela procedência da acusação, aliás na sequência da cominação que consta do auto de apreensão de fls. 36 – quanto aos crimes de desobediência ou de descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público.
Não pode pois defender-se, no caso, que a apreensão findou com a prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Improcede pois assim e também nesta parte, o recurso apresentado pelo arguido J. F..

2.4. - Da Razoabilidade das Penas Impostas

Insurge-se ainda o arguido recorrente contra as penas aplicadas, pretendendo ser punido numa pena de multa.
Importa, antes do mais, esclarecer os fins das penas e abordar o seu modo de aplicação.
Está hoje ultrapassada a visão retribucionista da pena, segundo a qual esta varia apenas em função da culpa do agente. Ela estabelece antes, o limite máximo da pena a aplicar.
Considerações de prevenção geral, devem determinar o seu limite mínimo; senão, a pena seria considerada laxista pela comunidade social, e serviria como foco impulsionador de outras condutas desviantes.
Dentro destes parâmetros, são as exigências de prevenção especial ou, dito de outra forma, a necessidade de reinserção social do agente que há-de determinar a medida da pena a aplicar (neste sentido, F. Dias, "Direito Penal Português", Ed. Notícias, 1993, págs. 214 e segs.; Robalo Cordeiro, "Escolha e Medida da Pena", em "Jornadas de Direito Criminal", págs. 235 e segs.; Anabela M. Rodrigues, "Rev. Port. Ciência Criminal", Ano1, Nº2, págs. 248 e segs.).

Na linguagem de Figueiredo Dias, op. cit., pág. 227,

“As finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.”

Como refere na mesma obra, pág. 230,

“A culpa traduz-se numa incondicional proibição de excesso: a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas”.

Ou ainda, a págs. 231,

“Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração (…) podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.”
Coadjuvante do Juíz na escolha e medida da pena é o art.º 71º C.P., que tipifica de forma não taxativa, alguns critérios a ter em conta.

No caso dos autos são agravantes:

- sobretudo, os antecedentes criminais do arguido, com duas condenações anteriores por outros tantos crimes rodoviários (art.º 71º/2, d), C.P.);
- a acumulação de ilícitos, no caso dos autos (art.º 71º/2, a), C.P.);
- o dolo direto com que atuou (art.º 71º/2, b), C.P.);
- as várias recaídas que teve no alcoolismo, o que lhe confere alguma perigosidade (art.º 71º/2, d), C.P.).

E atenuantes:
- o alcoolismo de que padece – trata-se sobretudo, de patologia médica que mitiga as capacidades cognitiva e volitivas, embora o seu tratamento muito dependa da vontade do arguido (art.º 71º/2, d), C.P.);
- estar o arguido sociofamiliarmente inserido (art.º 71º/2, d), C.P.).
Em poucas palavras: o arguido cometeu mais dois crimes ligados à condução de um motociclo sem ter a respetiva carta de condução e violando apreensão anterior. Dada a reiteração criminosa neste tipo de crimes, é bom que o arguido sinta que, a partir de agora só pode esperar mais e maior severidade e que não pode voltar a delinquir.

Ambos os crimes são puníveis, em alternativa, com penas de multa ou de prisão.
Sobretudo atendendo aos antecedentes criminais do arguido e por razões de prevenção especial, fundamentalmente na prática pelo arguido deste tipo de crimes rodoviários e não obstante o disposto nos arts.º 40º e 70º C.P., considera-se ser de aplicar pena de prisão.

Com efeito, numa terceira condenação e quando está já em causa a prática de seis crimes, não faria sentido continuar a condenar o arguido em penas de multa, sob pena de a pena imposta ser considerada “laxista” pelo próprio e de não o desmotivar, da prática de mais crimes.

Só faz pois sentido, a condenação do arguido em pena de prisão, como o fez a decisão recorrida – embora com a pena suspensa na sua execução. Nunca o arguido poderia pois, como pretende, ser condenado em pena de multa. É que só a pena de prisão é apta, a fazer face às necessidades de prevenção especial que se fazem sentir (art.º 70º C.P., “a contrario”).

E, o facto de as anteriores condenações estarem extintas pelo cumprimento nada retira, a este argumento.
Não pondo o arguido em causa a medida da pena, mas tão-só a sua escolha, resta por isso apenas afirmar que, também com este fundamento deve improceder o recurso interposto.
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Termos em que,

3 – Decisão

a) se declara totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido J. F., mantendo-se por via disso, a decisão recorrida.
b) Custas pelo arguido recorrente, com 3 (três) U.C.`s de taxa de justiça – arts.º 513º C.P.P., 8º/9 e tabela 3), anexa ao R.C.P.
c) Notifique.

(Pedro Cunha Lopes)
(Fátima Bernardes)