Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6090/17.0T8GMR.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
EFEITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - A autoridade de caso julgado de sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica. Enquanto esta tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade - de sujeitos, de pedido e de causa de pedir - aquela implica a proibição de novamente ser apreciada certa questão, podendo actuar independentemente da mencionada tríplice identidade.

2 - A autoridade de caso julgado implica uma aceitação de uma decisão proferida numa ação anterior, decisão esta que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda ação, enquanto questão prejudicial, constituindo, assim, uma vinculação à decisão de distinto objeto posterior.

3 - Com o trânsito em julgado de uma sentença fica excluída a possibilidade de confrontar o tribunal com qualquer situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

José deduziu ação declarativa contra Jerónimo, Rosa, Ricardo e “C. C., Lda.” pedindo a condenação dos RR a reconhecerem:

a) que celebraram com o autor os contratos supra referidos, cujo objectivo foi a constituição e o apetrechamento, com máquinas, pessoal e carteira de encomendas, da sociedade por quotas “C. C., Lda”;
b) a inteira validade e subsistência dos negócios ajuizados, mercê dos quais o autor fez cessar a actividade da sociedade “Irmãos C. – Confecções, Lda”, para integrar todo o seu património activo (máquinas, aviamento, pessoal, carteiras de encomendas) na sociedade “C. C., Lda”;
c) nenhum preço pagaram ao autor, nem à sociedade “Irmãos C. – Confecções, Lda”, em correspondência com a transmissão para a sociedade “C. C., Lda” das máquinas, pessoal, carteira de encomendas e do aviamento dessa sociedade para a sociedade “C. C., Lda”;
d) os negócios celebrados entre o autor e os réus e acima descritos não foram gratuitos, nem se destinavam a sê-lo, antes tendo como objectivo final a transmissão para a propriedade do autor de todo o capital e património da sociedade “C. C., Lda”;
e) o autor, não sendo o único sócio da sociedade “Irmãos C. – Confecções, Lda”, no entanto, era na prática o seu único senhor e dono, visto que geria com total autonomia todos os seus negócios, e auferia todos os proventos que a mesma gerava;
f) conforme combinado com o autor este se comprometeu a pagar todas as dívidas de “Irmãos C. – Confecções, Lda”, designadamente de natureza fiscal e perante a Segurança Social, como condição de, satisfeito esse passivo, o capital social da sociedade “C. C., Lda” ser transmitido para o autor;
g) mercê do cumprimento pelo autor de todas as obrigações por ele assumidas, e do seu próprio incumprimento, deviam, conforme o contratado, transmitir para o autor todo o património e quotas da sociedade “C. C., Lda”.
h) mercê do incumprimento imotivado do que livremente contrataram com o autor, este sofreu elevados danos não patrimoniais, descritos supra,

2- E, em consequência, os réus condenados a pagar ao autor :

a) indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos de montante não inferior a 50.000,00€;
b) indemnização por danos patrimoniais, a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor da sociedade “C. C., Lda”, integrada de todos os incrementos patrimoniais que lhe haviam sido transmitidos a partir da sociedade “Irmãos C. – Confecções, Lda”, designadamente dos bens e património desta, pelo menos a título de enriquecimento sem causa, visto que o seu património foi enriquecido com os bens e património do autor, sem causa justificativa, uma vez que os réus se apoderaram desses bens sem nada pagar ao autor património por ela transmitidos, e ao valor actual desta última sociedade.

Na petição inicial para fundamentar a sua pretensão e em síntese invocou que:

1 - Os 1º a 3ºRR constituíram a sociedade C. C. lda por forma tal que o autor viesse a ser futuramente o seu único e verdadeiro dono o que esconderam sob a capa de uma sociedade em que esses réus fingiam ser os sócios constituintes da mesma quando na verdade não o eram nem queriam ser e que a sociedade C. C. recebeu integralmente os bens ativos da sociedade Irmãos C. e pessoal que nesta trabalhava e as respectivas encomendas.
2 - Que a sociedade C. C. nunca cumpriu quaisquer obrigações contratuais pois o acordo era o de após o autor lograr pagar as suas dívidas lhe serem transmitidas as quotas sociais desta nova sociedade.
3 - Que a C. C. Lda ficou a ser efetivamente gerida, como se fosse seu proprietário exclusivo, pelo aqui autor, que era quem admitia e dirigia o pessoal, adquiria matérias-primas, ordenava a compra e reparação de máquinas, fazia negócios de venda dos produtos acabados, enfim, de tudo punha e dispunha, como verdadeiro e exclusivo proprietário que era.
4 - Foi entre ele e os réus combinado que, para justificar a remuneração da sua gerência efetiva na nova sociedade, e assim, a sua permanência diária nela, ficasse aí exercendo funções como motorista com contrato, com o ordenado próprio dessa categoria profissional.
5 - Aceitaram, por isso, a 2ª e o 3º réus, na sequência do também combinado com o 1º réu, o papel de subscreverem e assinarem, como gerentes formais, todos os documentos necessários à gestão da empresa, sob instruções do autor, nestes se incluindo a aquisição de novos equipamentos, que o autor decidiu.
6 - Concretizando os compromissos assumidos e para manterem essa aparência, o autor e os sócios formais de “C. C., Lda” celebraram em 1 de Junho de 2003 um contrato de trabalho por tempo indeterminado, através do qual o autor se comprometeu, mediante a remuneração estipulada de 199,75€, a exercer as funções inerentes à categoria profissional de motorista, remuneração essa, que, de facto, era o seu ordenado de gerência e que até foi depois elevada, por decisão dele, autor, para 400€ por mês.
7 - Em 10 de Outubro de 2006, o autor recebeu uma carta registada com aviso de receção, datada de 9 de Outubro de 2006, e subscrita pela ré Rosa, invocando a qualidade de gerente de “C. C., Lda”, na qual lhe era comunicado que considerasse “sem efeito o contrato de trabalho que o liga a esta empresa, a partir do dia 13 de Outubro do presente ano, dado não termos condições de colaboração no trabalho” (sic).
8 - O autor conseguiu resolver todos os problemas, pelo que ficou em condições de plenamente assumir a propriedade das quotas, e, por via dela, do património da “C. C., Lda”.
9 - Instados, porém, os réus para que lhe entregassem a empresa, os 2ª e 3º réus recusaram a transmitir-lhe qualquer das quotas de que eram titulares na “C. C., Lda”, porque pretendiam que fossem suas em definitivo.
10 - O resultado prático para o autor do incumprimento dos réus, em relação aos negócios descritos, foi o seguinte:

a) perdeu a sociedade “Irmãos C. - Confecções, Lda”, e o seu direito ao aviamento e trespasse, que lhe asseguraria os proventos necessários à satisfação das suas necessidades pessoais e económicas na sua vida quotidiana, e com a perda dessa sociedade perdeu tudo o que nela investira desde a sua fundação até ao seu fecho, incluindo o passivo atrás descrito que só pagou na expectativa frustrada do cumprimento pelos réus daquilo a que se haviam obrigado;
b) perdeu a possibilidade de adquirir, como previra, a sociedade industrial “C. C., Lda”, por si montada e em condições de funcionamento e solvência que de igual modo lhe garantiria a satisfação em termos de uma vida económica acima da média das duas necessidades pessoais, projecto em que investiu o que tinha e o que não tinha, e tudo necessário a atingir esse fim;
c) perdeu todo o capital que despendeu para pagar as dívidas, sobretudo fiscais e à Segurança Social, de “Irmãos C. - Confecções, Lda”;
d) perdeu a tranquilidade pessoal, o seu sossego, e viu destruídas legítimas expectativas de uma vida mais risonha, sofreu dores e arrelias ante as frustradas expectativas descritas, o que tudo lhe causou prejuízos irreparáveis, de tal gravidade que o levaram a tentar suicidar-se, em cúmulo do desespero, mais a mais por acção de pessoas que estimava, em quem tinha uma confiança cega, e por quem se viu traído.
11 - O autor
a) perdeu o capital social com que entrou para a empresa “Irmãos C. – Confecções, Lda”, e esta perda corresponde a um prejuízo de 5.000,00€
b)perdeu o valor que despendeu do seu bolso a pagar as dívidas de “Irmãos C. - Confecções, Lda”, incluindo as relativas às penhoras atrás citadas, e esse valor não foi inferior a 120.000,00€
c) perdeu o direito de adquirir o capital da nova sociedade “C. C., Lda.”, bem como o valor do património, aviamento e “know how”, adquirido pela “Irmãos C. – Confecções, Lda”, e transmitido a “C. C., Lda”, bem como o que foi constituído já pela nova sociedade, e esses valores não são inferiores a 175.000,00.

Contestaram os réus, excecionando o caso julgado, bem como a prescrição relativa ao fundamento do enriquecimento sem causa. Contestaram, também, por impugnação.

Na oportunidade que lhe foi dada pelo tribunal, o autor respondeu à exceção de caso julgado, e à possibilidade de vir a ser condenado como litigante de má-fé, pugnando pela sua improcedência.

Foi proferida sentença que julgou verificada a exceção de força e autoridade de caso julgado entre esta ação e a ação 31/12.8TCGMR, absolvendo os réus da instância. Mais condenou o autor como litigante de má-fé na multa de cinco UCs.

O autor interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes

Conclusões:

- O despacho saneador sob recurso absolveu os réus do pedido julgando verificada a exceção dilatória do caso julgado por erradamente sustentar que entre a presente ação (Proc. nº 6090/17.OT8 GMR – Juízo Central Cível de Guimarães, J2) e uma anterior (Proc. nº 31/12.8TCGMR do mesmo Tribunal) ocorre identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir que obstam à propositura de uma nova ação, ou, pelo menos, ocorre, na falta de coincidência daquela tríplice identidade, o efeito impositivo do caso julgado.

- Para assim decidir, o despacho saneador, admitindo, embora, ocorrer uma “ausência formal de identidade de sujeitos” (sic), entendeu que o acordo contratual invocado na presente ação foi dado como não provado na ação precedente, o que é completamente falso, mas, ainda que fosse verdadeiro, não significava a existência de caso julgado, porquanto, como doutrinou o acórdão do STJ de 02-03-2010 (Proc. nº 690/09.9YFLSB.dgsi.net) “os fundamentos de facto nunca por nunca formam por si só caso julgado de modo a poderem impor-se extraprocessualmente”, e quando se fala nos factos que fundamentam a ação, apenas falamos, quando muito, de factos integradores da causa de pedir.

- Não é, porém, assim, desde logo porque, ao contrário do imaginado pela decisão recorrida o acordo contratual aqui invocado e os factos que o suportam não foi julgado não provado no processo anterior, antes pelo contrário foi aí julgado ter-se provado (o autor alegava que determinados contratos eram simulados, tendo a ação sido julgada improcedente, e na presente sustenta que, sendo os contratos verdadeiros, importa extrair conclusões da sua característica de onerosidade).

- A decisão recorrida quanto à ocorrência de caso julgado entre as duas ações é inaceitável e não pode manter-se pois entre as duas referidas ações não há identidade de sujeitos, como não há identidade de causa de pedir, nem de pedidos:

a) Não há identidade de sujeitos pois a precedente ação foi proposta apenas contra três dos quatro réus da presente (Rosa, Ricardo e C. C. Lda), enquanto na segunda ação intervém, além desses, outro réu, Jerónimo, sendo certo que as posições do novo réu, ou a este imputadas nem sequer são sobreponíveis às dos outros, nem das deles são derivadas ou sequentes;
b) Não há identidade de causas de pedir porque na anterior ação, alegava-se a existência de negócios simulados entre as partes, decidindo-se aí que a simulação se não provou, enquanto na presente se alega antes a existência de negócios verdadeiros, pretendendo-se que, por serem verdadeiros e onerosos, lhes seja fixado um preço;
c) Não há identidade de pedidos, porquanto na anterior ação pediu-se a condenação dos réus a verem declarados nulos por simulados esses negócios, enquanto na presente ação, muito diferentemente, se pede a condenação dos réus a reconhecerem que os negócios são verdadeiros e, por isso, o autor deve receber o preço que lhes corresponde.

- A “excepção do caso julgado” visa impedir que, sob pena de contradizer uma decisão já transitada, a segunda ação possa ter uma outra decisão de mérito, assim devendo nesta, verificada a exceção, absolver-se o Réu da instância, - o que no caso não pode suceder pois a nova decisão, seja qual for, não pode contradizer a precedente.

- O caso julgado “preclude todos os meios da defesa do réu” (Manuel de Andrade, apud J. A. dos Reis, op. cit. vol. V, pág. 174) abarca “todo o objecto da causa” (Ac. STJ de 24/11/77 in BMJ 271, 172), o que significa que, “são abrangidos pela força do caso julgado apenas os factos que estão “coenvolvidos na pretensão da mesma e cuja verificação é necessária, mas não suficiente para a procedência da mesma”, solução imposta pela “economia processual o prestígio das instruções judiciárias e a estabilidade e certeza das relações jurídicas” (Ac. STJ de 10/7/97 in Col. Jur. STJ V, 2, 165) - e não aqueles factos ou consequências que estão fora da pretérita pretensão do A. e são até consequência da pretérita decisão, como no caso sucede.

- Acresce que “do princípio da preclusão dos meios que sustentam a acção ou a defesa, conjugado com o princípio da preclusão da sentença e da extensão e da força do caso julgado resulta que o que é inadmissível é propor uma acção repondo os mesmos factos e argumentos (...) sem invocar novos factos nem novos fundamentos que pudessem ter sido deduzidos na precedente (cfr. Ac. Tribunal Rel. Porto de 2/4/98, in www.dgsi.pt), o que no caso não ocorre.

- Acresce que não apenas pela circunstância de não ser configurada qualquer situação de caso julgado, nunca o saneador-sentença podia condenar o autor como litigante de má-fé, e menos ainda com o argumento de que ele contradiz na presente ação factos seus pessoais por si alegados na ação precedente, o que resulta de pura deturpação da sua posição, uma vez que o autor, conformando-se inteiramente com a verdade factual que resultou da anterior decisão (a sua condenação implícita a ver reconhecida a validade de negócios que ele reputava de simulados), limitou-se a exercer, em consequência, um direito próprio, o de sendo os contratos válidos e queridos, exigir a verificação das condições que levam à sua necessária onerosidade, e, por isso, o pagamento do preço devido.

- O despacho saneador recorrido violou, deste modo os comandos dos artºs. 289º, nºs. 1 e 2 do Código Civil e dos artºs. 619º, 621º, 580º e 581º do Código de Processo Civil e não pode manter-se, devendo ser revogado.

Termos em que na integral procedência do recurso, deve a decisão recorrida ser revogada para se julgar inverificada a exceção dilatória do “caso julgado” quanto à posição do recorrente na presente ação e, por isso, ordenar-se se sigam os ulteriores termos do processo, para que se faça JUSTIÇA.

Não foram oferecidas contra alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos autos, imediatamente e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver traduzem-se em saber se ocorreu, nos autos, a exceção de autoridade do caso julgado e se havia lugar à condenação do autor como litigante de má-fé.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Resulta do teor dos documentos juntos mormente sentenças proferidas na ações 31/12 TCGMR e 45.07.0TTGMR (junto do TT) – certidões juntas a estes autos que:

A)

Foi intentada pelo ora autor contra os 2º, 3º e 4º RR ação ordinária 31/12tcgmr, que correu termos pela extinta 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães na qual formulou pedidos de:

Declaração judicial de nulidade dos negócios referidos na petição inicial por simulação relativa quanto à constituição da sociedade por quotas C. C. Lda e do contrato de aluguer das máquinas ali identificadas.
Serem declarados válidos os contratos efetivamente queridos pelas partes em substituição daqueles, a saber de constituição da sociedade em causa com o autor como seu único sócio e de compra e venda das máquinas dadas de aluguer.
Os 1º e 2 º RR serem condenados a transmitirem para o autor em consequência das declaradas nulidades e dos compromissos realmente assumidos as quotas da C. C. Lda.
A 3ª Ré a consentir na transmissão das quotas sociais para titularidade do autor.

B)

Nesta referida ação foram julgados provados os seguintes factos

1- Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial, no dia 12 de Julho de 1996, o Autor e João declararam constituir entre si uma sociedade comercial por quotas, que adoptou a denominação de “Irmãos C. – Confecções, Lda.”
2- Nessa escritura foi estipulada como sede social o Lugar …, na freguesia de …, do Concelho de Fafe.
3- Foi estipulado como objecto social a confecção de vestuário exterior em série.
4- Foi estipulado que o capital social, parcialmente realizado em dinheiro, seria o de Esc. 1.000.000$00, correspondente a duas quotas, uma de Esc. 750.000$00, pertencente ao Autor, e outra de Esc. 250.000$00, pertencente a João
5- Nessa escritura foi ainda estipulado que a gerência da sociedade seria exercida pelo sócio José, cuja assinatura ficou sendo suficiente para a obrigar.
6- Pela inscrição 4, correspondente à Ap. 355/20111206, foi registada a dissolução e encerramento da sociedade referida na alínea A), tendo sido oficiosamente cancelada a sua matrícula.
7- Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial do Centro de Formalidades de Empresas da Cidade de Braga, perante a Notária Drª Fátima, no dia 29 de Janeiro de 2003, a Ré Rosa e o Réu Ricardo declararam constituir entre si uma sociedade comercial, que adoptou a firma “C. C., Lda.”
8- Nessa escritura foi estipulada como sede da sociedade a Rua …, na freguesia de …, do Concelho de Guimarães
9- Foi estipulado como objecto social a confecção de vestuário exterior em série
10- Foi estipulado que o capital, integralmente realizado em dinheiro, seria de € 5.000,00, dividido em duas quotas iguais, de € 2.500,00 cada uma, pertencendo uma a cada um dos sócios
11- A gerência e representação da sociedade ficou, nessa escritura, atribuída à sócia Rosa
12- A sociedade referida na alínea 1, após a sua constituição, ficou exercendo a sua actividade fabril no Lugar …, da freguesia de …, do Concelho de Fafe, em prédio arrendado a Avelino, a quem era paga a renda mensal de Esc. 77.340$00
13- No dia 30.03.2000, a Repartição de Finanças de Fafe, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0400-97/101973.2 e apensos, para segurança do crédito no montante de Esc. 5.385.891$00, procedeu à penhora do direito ao trespasse e arrendamento do estabelecimento comercial da sociedade referida em 1, instalado no prédio referido em 12, destinado a armazém e confecção, ao qual foi atribuído o valor global de Esc. 5.000.000$00
14- A referida penhora compreendeu, além das instalações, os utensílios e outros elementos que integravam o referido estabelecimento, nomeadamente:

- Uma máquina de recobrimento, marca “KANSAI SPECIAL” MARKSWX-O1A, modelo W-8803D, à qual se atribuiu o valor de Esc. 150.000$00;
- Uma máquina de cortar, de marca HIGH POWER, CONSEW – CLUTCH – serial n.º 630950, à qual se atribuiu o valor de Esc. 75.000$00;
- Uma máquina de ponto corrido – Ponto Corrido Rubi – K. M., 123A – HANS – KUK – SLWING – MACHIN. IND. CO. LTD, à qual se atribuiu o valor de Esc. 50.000$00;
- Um compressor ELECTRO ALTA V. 380-660- K. V. 2. 2 – C. V. 3 – Tipo 100L – motor 13775, ao qual se atribuiu oi valor de Esc. 45.000$00;
- Uma máquina de corte – FAST MAN CLASS – ULTRONIC – serial n.º …, à qual se atribuiu o valor de Esc. 70.000$00;
- Uma máquina de corte e cose – JUKI – MO – 2312 – classe CD6-300, à qual se atribuiu o valor de Esc. 90.000$00;
- Uma máquina de corte e cose – JUKI – MO – 2405 – classe …, à qual se atribuiu o valor de Esc. 90.000$00;
- Uma máquina de calcular – BMC – S – 2154, à qual se atribuiu o valor de Esc. 50.000$00;
- Uma caldeira – OHIDINI BWVENUTO – 20098 – S. OIVLIAN – MILANO – NF. 09054, à qual se atribuiu o valor de Esc. 60.000$00;
- Uma mesa para confecção com seis cadeiras, às quais se atribuiu o valor de Esc. 6.000$00;
- Uma máquina de costura PFAFF, com o número 1510002, à qual se atribuiu o valor de Esc. 150.000$00;
- Uma papeleira LANDEX, três maples em napa preta, uma mesa de centro pintada, um armário estante de arquivo, ref.ª 218, aos quais se atribui o valor de Esc. 20.000$00;
- Uma máquina de corte e cose, de marca YAMATO, com o n.º 56473, à qual se atribuiu o valor de Esc. 70.000$00;
- Uma máquina de corte e cose, de marca YAMATO, sem número visível, à qual se atribuiu o valor de Esc. 70.000$00;
- Uma máquina de recobrir, de três agulhas, de marca YAMATO, com o n.º 14991, à qual se atribuiu o valor de Esc. 50.000$00;
- Uma máquina de corte e cose, de marca YAMATO, com o n.º 56472,à qual se atribuiu o valor de Esc. 70.000$00;
- Uma máquina de recobrimento, de três agulhas, de marca YAMATO, com o n.º 14996, à qual se atribuiu o valor de Esc. 50.000$00;
- Duas máquinas de costura, de marca PFAFF, com os nºs 1509624 e 1509928, às quais se atribuiu o valor global de Esc. 90.000$00;
- Um bobinário HASHIMA, modelo HW-40, ao qual se atribuiu o valor de Esc. 40.000$00;
- Uma máquina de quatro agulhas KANSAI Special, à qual se atribuiu o valor de Esc. 90.000$00;
- Um telefax, de marca RICOH-250, ao qual se atribuiu o valor de Esc. 20.000$00;
- Uma máquina de corte e cose, de marca YAMATO, com o n.º 66223- AZ, à qual se atribuiu o valor de Esc. 90.000$00;
-Uma mesa de corte, com as medidas 10m x 2,5m, com estante metálica, com tampo, de cor branca, à qual se atribuiu o valor de Esc. 150.000$00;
- Uma máquina de ponto corrido, de marca MITSUBISHI L52-1180- M1TW4X4195, sem número visível, à qual se atribuiu o valor de Esc. 250.000$00;
- Uma máquina de corte e cose, de marca JUKI, à qual se atribuiu o valor presumível de Esc. 90.000$00
15- No dia 30.03.2000, a Repartição de Finanças de Fafe, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0400-95/100833.1 e apensos, para segurança do crédito no montante de Esc. 17.024.392$00, procedeu à penhora da quota do Autor na sociedade referida em 1, declarando-se no respectivo auto que a penhora se fazia com efectiva apreensão de bens e cobria, para além daquele valor, os respectivos adicionais, tais como juros de mora e custas, provenientes de execução movida ao Autor por dívidas de IVA (anos de 1994 a 1996, no montante de Esc. 8.335.116$00), IRS (anos de 1994 a 1996, no total de Esc. 6.927.419$00) e CRSS (anos de 1995 e 1996, no total de Esc. 1.761.857$00)
16- No dia 30.03.2000, a Repartição de Finanças de Fafe, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0400-97/101973.2 e apensos, procedeu à penhora de um veículo pertencente à sociedade referida em 1, marca Mercedes Benz, matrícula DH, ao qual foi atribuído o valor de Esc. 1.000.000$00.
17- Dos bens penhorados foi constituído fiel depositário o Autor.
18- No dia 1 de Janeiro de 2003, a Sociedade Irmãos C. Confecções lda na qualidade de proprietária das máquinas e representada pelo Autor, na qualidade sócio gerente, declarou alugar à sociedade C. C. Lda representada pela Ré Rosa, na qualidade de sócia gerente, declarou tomar de aluguer as seguintes máquinas industriais:

“- Máquina corte / cose YAMATO;
2- Maq. costura PFAFF n.º 1509624 e 1509928;
- Máquina recobrimento 3 AG. YAMATO;
- Máq. ponto corrido n.º A 0587250; 5- Máquina recobrir 3 agulhas YAMATO;
- Máquina corte/code YAMATO;
- Máquina de ponto corrido;
- Bobinário Hashima mod. HW – 40;
- Maq. Costura PFAFF n.º 1510002;
- Máq. Cort. Clorete High Power Consew;
- Máquina calcular BMC S – 2154;
- Máquina Corte JUKI MO – 2312;
- Máq. recobrim/3 AG. “KANSAI SPECIAL”
19- Pelo prazo de um ano renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo
20- Com início em 5 de Fevereiro de 2003
21- Pela renda anual de € 9.000,00
22- A pagar em duodécimos de € 750,00 por mês
23- A pagar no primeiro dia de cada mês
24- Nos termos do contrato referido nos pontos 18 a 23 a sociedade referida em 1 declarou obrigar-se a entregar à sociedade referida em 7 as referidas máquinas, com a respectiva documentação, e a assegurar a esta última o uso das mesmas para o fim industrial a que se destinavam
25- Máquinas essas que a sociedade referida em 1 entregou à sociedade referida em 7.
26- Pelo menos quatro dos trabalhadores da “Irmãos C. – Confecções, Lda.” Foram admitidos ao serviço da Ré “C. C., que iniciou a sua atividade com as máquinas, trabalhadores e clientela da “Irmãos C. – Confecções, Lda.”»
Nesta sentença deu o tribunal por não provados nomeadamente os seguintes factos:

27 O autor, a ré Rosa e o réu Francisco combinaram entre si uma forma de transferir para uma outra nova sociedade todo o património, máquinas, utensílios, pessoal e negócios da Irmãos C.
28 Com o propósito de evitar o desaparecimento dessa fonte de rendimento às mãos dos credores
29 A sociedade C. & C. foi constituída em concretização desse objectivo
30 Que a sociedade C. & C. utilizou apenas os bens constantes do contrato de aluguer e o pessoal e carteiras da Irmãos C.
31 Que ficou combinado entre todos que o verdadeiro e único sócio seria o autor e que este era quem geria com autonomia a C. e C. admitindo e gerindo pessoal, adquirindo matérias primas, ordenando a reparação das máquinas fazendo negócios de venda de produtos acabados.
32 Que os RR Rosa e Francisco aceitaram o papel de subscreverem e assinarem todos os documentos necessários sob instruções do autor
33 Tendo ficado combinado que entre os Rr Rosa e Francisco o autor iria procurar solver os seus compromissos da sociedade Irmãos C.
34 E que quando estivesse tudo resolvido estes RR transfeririam para o autor ou quem este indicasse a titularidade das respetivas quotas
(…)» fls 183

C)

O autor intentou no tribunal de trabalho a ação 45/07.OTTGMR pela qual impugnou o aqui e ali autor a licitude do despedimento que a ali e aqui ré C. C. procedeu quanto ao autor enquanto motorista da sociedade.
Na referida ação cfra fls 106vº a 117, o aqui autor reclamou da ré
Ser declarado ilícito o despedimento…
«Compensação correspondente ao valor das distribuições que deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à data da propositura da ação e até ao trânsito em julgado da decisão
Se até à data da sentença o autor vier a optar em substituição da reintegração por uma indemnização por antiguidade a pagar pela ré correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade ou fração contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até ao trânsito em julgado da decisão …
Remuneração proporcional de férias e subsídio de férias…
Remuneração proporcional de subsídio de natal…
Indemnização por danos não patrimoniais

D)

Esta ação terminou por transação mediante a qual o autor aceitou a importância de 5.500,00 euros a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho»

E)

Alegou ali, o autor que foi admitido ao serviço da ré como motorista e nesta exerceu ao longo as tarefas próprias desta categoria profissional das 8,00h às 12,00h e das 14,00 as 18,00h, diariamente, sem prejuízo dos descansos, fazendo-o sempre com brio, zelo, dedicação e assiduidade, cfr. fls 102v.

Entende o apelante que não se verifica a exceção do caso julgado porque não há identidade de sujeitos, de causa de pedir, nem de pedido, entre as duas ações e que, no caso, a nova decisão que viesse a ser proferida, nunca podia contradizer a precedente. Entende também que não há litigância de má-fé, com o argumento de que o autor contradiz na presente ação factos seus pessoais por si alegados na ação precedente, o que não é verdade, porque o autor, conformando-se com a verdade factual que resultou da anterior decisão, limitou-se a retirar daí as consequências, exigindo o pagamento do preço devido pelo facto de se terem considerado válidos os contratos onerosos que celebrou com os réus.

Vejamos.

Parece ser indiscutível que não há identidade de sujeitos entre as duas ações aqui em evidência, uma vez que, do lado passivo, existe, agora, mais um réu – Jerónimo – apesar de, verdadeiramente, este réu não ter qualquer intervenção nos negócios que constituem a causa de pedir e que fundamentam o pedido da ação. Muito pelo contrário, poderá até questionar-se a legitimidade deste réu, uma vez que, não tendo tido qualquer intervenção nos contratos aqui em causa, nunca poderia ser condenado nos pedidos formulados na petição inicial, não tendo qualquer interesse em contradizer. É o próprio autor que esclarece que este réu não interveio em qualquer negociação ou contrato, que se limitou a avisar o irmão das intenções dos demais réus e que, finalmente, recusou intervir para não arranjar problemas com a mulher e o filho, apenas lhe sendo imputado conhecimento do que se passou (seria, então, uma boa testemunha, mas nunca um réu).

Indiscutível, também, que o pedido na primeira ação foi o da declaração da nulidade dos negócios por simulação, com a transmissão para o autor das quotas da sociedade em causa e que o pedido, nesta segunda ação, partindo do reconhecimento da validade desses mesmos negócios (imposto pela improcedência daquela primeira ação), é a indemnização do autor por danos não patrimoniais e patrimoniais correspondentes ao valor daquela mesma sociedade.

Já a causa de pedir são os negócios celebrados entre o autor e a 2.ª e 3.º réus, através dos quais o autor transmitiu para a sociedade C. C. (com o capital social dividido pelos dois réus) todo o ativo da anterior sociedade de que era sócio com um seu irmão, com o propósito de que, logo que resolvido o problema do endividamento desta última, assumisse a totalidade do capital social da C. C., sendo que, no entretanto, passaria a gerir de facto esta sociedade, como se de verdadeiro dono se tratasse. O facto de os 2.º e 3.º réus não terem transmitido para o autor, no momento em que este entendeu que tal já poderia ser efetuado, as quotas da nova sociedade, é o que está na base de ambas as ações: na primeira, alegou-se a simulação dos negócios, de modo a ver declarada a sua nulidade; na segunda, partindo do pressuposto da validade dos negócios – pressuposto necessário, após a improcedência da primeira – pediu-se indemnização correspondente ao valor da sociedade cujas quotas não foram transmitidas.

Saber se ocorre violação do caso julgado é a questão de que nos ocupamos.

Como é sabido e resulta da evolução da jurisprudência e doutrina a exceção dilatória de caso julgado pode apresentar-se numa outra vertente, referente à violação da autoridade do caso julgado emergente da sentença proferida no primeiro processo.

«Desde que uma sentença, transitada em julgado, reconhece a alguém certo benefício, certo direito, é absolutamente indispensável, para que haja confiança e segurança nas relações sociais, que esse benefício, esse direito, esses bens constituam aquisições definitivas, isto é, que não lhe possam ser tirados por uma sentença posterior. Se assim não fosse, se uma nova sentença pudesse negar o que a primeira concedeu, ninguém podia estar seguro e tranquilo; a vida social, em vez de assentar sobre uma base de segurança e de certeza, ofereceria o aspecto da insegurança, da inquietação e da anarquia. (…) Depois de esgotados todos os meios que a lei processual põe à disposição dos litigantes para se assegurar o triunfo do direito, a sentença fica revestida de força obrigatória e de autoridade incontestável, por mais contrária que seja, afinal, à verdade dos factos e à pureza da lei» - assim define e explica o sentido da autoridade do caso julgado o Professor Alberto dos Reis, no seu “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 94.
Como defende Teixeira de Sousa, citado no Acórdão da Relação de Guimarães de 21/05/2013, in www.dgsi.pt, a autoridade de caso julgado implica uma aceitação de uma decisão proferida numa ação anterior, decisão esta que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda ação, enquanto questão prejudicial, constituindo, assim, uma vinculação à decisão de distinto objeto posterior.

Assim, “a decisão de mérito produzida num determinado processo, confirmando ou constituindo uma situação jurídica, pode, em variados casos, ser vinculativa noutros processos onde se vise a apreciação ou constituição de outras situações jurídicas com ela conflituantes. Para isso, releva a existência de uma relação entre o objeto de uma e o objeto da outra que implique a possibilidade de confirmação ou de divergência ou contradição da decisão anterior com a decisão a proferir na ação posterior, seja ela de identidade (ocorre nas situações de exceção de caso julgado), seja ela de prejudicialidade ou de concurso (casos de autoridade do caso julgado). É ainda importante salientar a tendência jurisprudencial na defesa de que uma questão essencial num primeiro processo vincula a decisão do outro tribunal que julga a segunda ação. Com a autoridade do caso julgado, os tribunais ficam vinculados às decisões uns dos outros, quanto a questões essenciais. Se a decisão em causa foi decisiva para a procedência ou improcedência da ação, impõe-se aquela autoridade, não podendo o tribunal da segunda ação julgá-la em contrário, mesmo que a causa de pedir seja diferente” - Silva Carvalho, O Caso Julgado na Jurisdição Contenciosa (como excepção e como autoridade - limites objectivos) e na Jurisdição Voluntária (haverá caso julgado?), citado no Acórdão da Relação de Guimarães supra referido.

Veja-se a propósito, também, o acórdão da Relação de Lisboa de 18.4.2013, in www.dgsi.pt, que é lapidar:

“A autoridade de caso julgado de sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica. Enquanto esta tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade - de sujeitos, de pedido e de causa de pedir - aquela implica a proibição de novamente ser apreciada certa questão, podendo actuar independentemente da mencionada tríplice identidade.”

Diz o apelante que não ocorre caso julgado porque, enquanto na primeira ação pediu a nulidade dos negócios, nesta segunda ação, parte do princípio, que lhe foi imposto pela decisão daquela, de que os negócios foram válidos, pedindo a indemnização pelo valor da sociedade. É certo que a questão está colocada de uma forma diferente, partindo de outra perspectiva jurídica, mas o que se pretende com ambas as ações é o mesmo resultado. A questão da validade dos negócios e suas consequências no património do autor, já foi discutida, com trânsito em julgado na primeira ação. O autor optou, aí, por invocar a simulação e, não tendo tido ganho de causa, não pode, agora, vir invocar os mesmos negócios, sob outra perspectiva jurídica – negócios válidos, mas onerosos e cuja contrapartida não foi paga – para obter o que naquela primeira ação lhe foi recusado.

Os efeitos de uma sentença transitada em julgado, como supra se referiu, não podem ser postergados com base em novos argumentos que nessa acção poderiam ter sido invocados, e o não foram - Acórdão da Relação de Guimarães de 17/09/2013, processo n.º 307/12.4TCGMR.G1, in www.dgsi.pt, de que foi relatora a aqui, também, relatora

A questão da validade dos negócios em causa e suas consequências para o autor fazia parte do thema decidendum da ação anterior. Apreciá-la de novo seria colocar o tribunal perante a possibilidade de contradizer ou repetir o anteriormente decidido com trânsito em julgado perante as mesmas partes (a inclusão do primeiro réu nesta ação nada releva quanto à pretensão essencial do autor).

Isto mesmo vem reflectido no Acórdão da Relação de Guimarães de 17/12/2013, processo n.º 3490/08.0TBBCL.G1 (Manuel Bargado), na mesma base de dados, onde se pode ler: “O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (art. 497º, nºs 1 e 2, do CPC).

A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica.

Na verdade, «pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida» - Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª ed., p. 354. Cfr., no mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325º, pp. 49 e ss.

Entendemos que a autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o art. 498º do CPC, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida - Cfr., inter alia, os Acs. do STJ de 13.12.2007, proc. 07A3739; de 06.03.2008, proc. 08B402, e de 23.11.2011, proc. 644/08.2TBVFR.P1.S1, todos in www.dgsi.pt.
Ademais, é entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado - Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 12.07.2011, proc. 129/07.4TBPST, in www.dgsi.pt.
Com efeito, «não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.» - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579, citado no Acórdão do STJ de 12.07.2011, supra referido. (…)
O fundamento do caso julgado reside, por um lado, no prestígio dos tribunais, o qual «seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente» e, por outro lado, numa razão de certeza ou segurança jurídica, pois «sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa» - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 306.

Assim, ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado, pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta”

Deve aqui chamar-se à colação o efeito preclusivo do caso julgado, que determina a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva - Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 06/09/2011, proferido no processo nº 816/09.2TBAGD.C1, e citado no Acórdão da Relação de Guimarães de 02/02/2017, processo n.º 766/14.OTBFAF.G1 (Jorge Teixeira), in www.dgsi.pt.

Neste último Acórdão, pode ler-se, com interesse: “Pode assim concluir-se que os efeitos do caso julgado material se projectam “em processo subsequente necessariamente como autoridade de caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão do distinto objecto posterior, ou como excepção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objecto posterior”. Cfr. . Miguel Teixeira de Sousa, Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXIV, pág. p. 168

Na verdade, “seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse de constantemente defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalguns dos processos eles lhe serem negados pela respectiva sentença”, concluindo que “se a sentença reconheceu, no todo ou em parte, o direito do autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que poderia ter deduzido com base num direito seu (p. ex., ser ele, réu, o proprietário do prédio reivindicado)...” Cfr. Manuel de Andrade, , Noções Elementares de Processo Civil, págs. 306 e 324.

Assim, com o trânsito em julgado da sentença “ficam precludidos todos os factos que poderiam ter sido invocados como fundamento de uma contestação, tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada”, o que se funda em razões atinentes com a boa administração da justiça, com a funcionalidade dos tribunais e com a salvaguarda da paz social, ficando excluída a possibilidade de confrontar o tribunal com “toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada”. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., págs. 568, 579 e 586”.
O mesmo se aplica à possibilidade de o autor, que viu ser julgada improcedente a primeira ação, vir interpor nova ação, com base nos mesmos factos, mas enquadrando-os de forma diferente de molde a tentar obter nesta ação, o que não conseguiu naquela.

No nosso caso, o caso julgado formado pela decisão que julgou improcedente a primeira ação, ao não dar como provada a simulação e o conluio entre as partes no sentido de que o autor seria o único sócio da nova sociedade, que geria com autonomia, tendo os réus apenas aceite subscrever e assinar tudo o que o autor necessitasse para sua gerência de facto, e que, no final, os réus iriam transferir para o autor a titularidade das quotas – cfr factos provados e não provados nessa primeira ação, bem como motivação da decisão de facto e apreciação que da mesma foi efetuada no Acórdão do Tribunal da Relação que a confirmou -, colide obviamente com a decisão a proferir no presente processo face aos pedidos formulados, ficando desde logo prejudicada a apreciação de alguns desses pedidos, nomeadamente os formulados sob as alíneas e), f), g).

Deste modo, a pretensão do autor ver novamente discutida nesta acção a validade e o enquadramento dos negócios celebrados com os réus e o pedido de a sociedade reverter para si, em forma de quotas ou em forma de indemnização pelo seu valor, contraria a decisão proferida na primeira ação instaurada pelo autor contra os réus.
Significa isso que estamos perante a violação de autoridade de caso julgado, pelo que é de confirmar a sentença recorrida, nesta parte.

O apelante também não concorda com a sua condenação como litigante de má-fé.
A condenação do autor teve por base o facto de o mesmo ter proposto ação de impugnação da licitude do despedimento de que foi alvo na ré C. C., aí alegando que era motorista da sociedade, nela tendo exercido as tarefas próprias desta categoria profissional, e pedindo a compensação correspondente ao valor das remunerações que deixou de auferir ou, caso venha a optar por indemnização por antiguidade em substituição da reintegração, todas as remunerações proporcionais a que tivesse direito bem como 45 dias de retribuição por cada ano de antiguidade. Nessa ação, o autor lavrou transação, mediante a qual aceitou a importância de € 5.500,00 a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho. Ora, nesta ação, o autor alega a existência de um acordo contratual, mediante o qual exerceu a gerência de facto da referida sociedade, a coberto da simulação do contrato de trabalho que, naquela outra invoca.

Não há dúvida que, tendo presente o disposto no artigo 542.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, o autor litigou de má-fé, uma vez que deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorara, alterando a verdade dos factos, pois não pode alegar ser motorista ao serviço da ré para efeitos de indemnização pela ilicitude do despedimento e alegar ser gerente de facto da ré, nunca tendo sido motorista, para efeitos do invocado incumprimento contratual.

Decidiu-se bem, portanto.

Na apelação, o autor contesta esta decisão, dizendo que se limitou a extrair as consequências da sentença proferida na primeira ação. Ora, salvo o devido respeito, incorre num erro, pois a condenação como litigante de má-fé não teve a ver com essa primeira ação e com a violação do caso julgado, mas sim, como supra referimos, com a duplicidade de alegações (opostas uma à outra) relativamente ao exercício de funções na sociedade C. C..

Daí que o recurso tenha que improceder.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
***
Guimarães, 10 de julho de 2018

Ana Cristina Duarte
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro