Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1590/20.7T8BRG-A.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
OPORTUNIDADE DE INVOCAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇAO SOCIAL
Sumário:
I - A invocação do justo impedimento tem de ser suscitada no preciso momento em que a parte se apresenta a praticar o acto fora de prazo e não apenas quando a parte é confrontada com a extemporaneidade da prática do acto.
II –Se a contestação é apresentada fora de prazo, sem invocação imediata do justo impedimento, deve ser considerada de extemporânea.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: J. B.
APELADA: X – INDÚSTRIA DE MADEIRAS, LDA.

Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga – Juiz 1

I – RELATÓRIO

Na fase contenciosa dos presentes autos com processo especial emergentes de acidente de trabalho, em que é sinistrado J. B. e responsáveis COMPANHIA DE SEGUROS Y, S.A. e X – INDÚSTRIA DE MADEIRAS, LDA., veio a Ré empregadora apresentar contestação no dia 10-03-2021.

No dia 17/03/2021, o Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
“Notifique a ré X – INDÚSTRIA DE MADEIRAS, LDª para, no prazo de dez dias, querendo, se pronunciar quanto à extemporaneidade da contestação que apresentou, atenta a natureza urgente dos presentes autos (art.º 3 n.º 3 do Cód. de Processo Civil).”

A Ré X – INDÚSTRIA DE MADEIRAS, LDª respondeu nos seguintes termos:

“X – INDÚSTRIA DE MADEIRAS, LDA., RÉ nos presentes autos em que é autor J. B., notificado do teor do douto despacho com a Refº 172278057, vem muito respeitosamente, expor e requerer a V.Excia o seguinte:

1. Efetivamente a entidade patronal juntou a sua contestação apenas a 10, data em que conseguiu pagar a taxa de justiça.
2. Vivem-se tempos ímpares, únicos, em que esta crise pandémica tem vindo a afetar tudo e todos, levando a consequências e inconsequências nada previsíveis no panorama da vida.
3. As dificuldades financeiras das empresas são patentes, sobretudo as deste ramo.
4. Por muito que quisesse, a entidade patronal não conseguiu pagar a taxa antes.
5. É verdade que os processos de acidente de Trabalho são processos de natureza urgente, contudo, no presente caso, a junção tardia da contestação foi apenas de alguns dias, não contribuindo para qualquer atraso no presente processo, tanto mais que a seguradora contestou tempestivamente.
6. Não foram postos em causa com a junção intempestiva os direitos fundamentais do trabalhador, pelo que, se requer a V.Excia se digne considerar cumprido do prazo, caso o trabalhador e a entidade patronal não se oponham a tal.
7. Na verdade, apesar da bondade da publicação Lei n.º 4-B/2021, o certo é que os mesmos problemas que levaram á suspensão dos prazos nos processo não urgentes verificam-se no dia á dia da tramitação dos processo urgentes, pelo que, requer-se a V.Excia que, ouvida a parte contrária, e não ocorrendo oposição, se digne considerar tempestiva a contestação

Para a hipótese de V.excia entender ouvir testemunhas, indica-se desde já:

A) M. M., A APRESENTAR”
O Autor veio responder, opondo-se à pretensão da Ré empregadora mais requerendo que a contestação seja considerada de extemporânea, com as consequências legais.
Teve lugar uma tentativa de conciliação, que se frustrou, tendo o Mmº Juiz a quo designado data para inquirição da testemunha arrolada pelo empregador.

Após a inquirição da testemunha, foi proferido o seguinte despacho:
“A ré empregadora X - INDÚSTRIA DE MADEIRAS, LDª veio invocar justo impedimento pelo atraso na apresentação da contestação alegando que não foi possível a sua apresentação atempada porque atendendo às dificuldades económicas da ré apenas naquela data conseguiu proceder ao pagamento da taxa de justiça que era devida.
*
Foi inquirida a testemunha indicada pela ré empregadora.
Cumpre decidir.
*
Factos assentes:
Estão assentes os seguintes factos:

1. A ré empregadora apresentou a contestação no dia 10 de Março de 2021;
2. A contestação apenas foi apresentada nesta data porque a ré empregadora tem dificuldades económicas e não conseguiu ter a quantia necessária para o pagamento da taxa de justiça;
3. A ré empregadora esteve sujeita a um plano de recuperação que foi aprovado pelos credores no âmbito de um processo especial de revitalização;
4. A ré empregadora cumpriu integralmente as condições impostas no plano de recuperação;
5. Porém, continua com dificuldades económicas que nem sempre permitem a realização atempada dos pagamentos.

Motivação:
O tribunal fundou a sua convicção do depoimento da testemunha ouvida e nos elementos disponíveis no processo.
A testemunha ouvida era o funcionário de escritório da ré empregadora. Esta testemunha descreveu a factualidade considerada assente, o que fez por forma que se afigurou sincera e isenta.
Apreciação crítica dos factos e sua subsunção ao direito:
Nos termos do art. 140º nº1 do Cód. de Processo Civil, considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto.
No caso dos autos, entendemos que se verifica este circunstancialismo.
Desde logo, importa referir que o atraso que ocorreu na apresentação da contestação tem uma relevância muito diminuta para o processo. Por um lado, tratou-se de um atraso de apenas alguns dias que não se traduziu em qualquer demora para a tramitação do processo. Por outro lado, a questão que é discutida relativamente à ré empregadora consiste em saber qual era a retribuição auferida pelo autor. Concretamente, está em causa saber se a quantia mensal que consta dos recibos de vencimento do autor como respeitando a ajudas de custo não tinha esta natureza e era uma parte da retribuição (cfr. fls. 26 a 29). Trata-se de um facto que competia ao autor demonstrar independentemente da contestação da ré empregadora. Com efeito, é ao sinistrado que compete provar a retribuição que auferia para obter uma indemnização calculada pelo valor que reclama, enquanto elemento constitutivo do direito que pretende exercer (art. 341º nº1 do Cód. Civil). Assim, independente da contestação da ré empregadora sempre o autor teria que demonstrar que auferia a retribuição que alegou, sendo certo que a aceitação da contestação não implica qualquer decisão relativamente a esta questão.
Neste sentido pode ver-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 2020, de acordo com o qual 'em regra, as importâncias recebidas a título de ajudas de custo (…) não devem ser consideradas como retribuição; exceptua-se o caso em que estejam preenchidos três requisitos cumulativos: em que as deslocações ou despesas compensadas com as ajudas de custo sejam frequentes; em que as importâncias devidas a título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas; e em que que, na medida em que excedam os custos normais das deslocações ou despesas, hajam sido previstas no contrato ou devam ser consideradas pelos usos como elemento integrante de retribuição do trabalhador; o trabalhador tem o ónus da prova de que estão preenchidos os pressupostos da segunda parte do art. 260º nº1 al. a) do Cód. do Trabalho' (in www.dgsi.pt).
Da matéria assente resulta que a contestação foi apresentada com atraso porque a ré empregadora tem dificuldades económicas e apenas naquela data conseguiu ter a quantia necessária para o pagamento da taxa de justiça. A ré empregadora esteve sujeita a um plano de recuperação que foi aprovado pelos credores no âmbito de um processo especial de revitalização. A ré empregadora cumpriu integralmente as condições impostas no plano de recuperação, mas continua com dificuldades económicas que nem sempre permitem a realização atempada dos pagamentos.
Atendendo a esta factualidade - e considerando a diminuta relevância do atraso que ocorreu - entendemos que se verifica uma situação de justo impedimento, porquanto é compreensível a razão que foi invocada.
Como se afirma no Ac. da Relação de Coimbra de 20 de Abril de 2018, 'o que releva decisivamente para a verificação do justo impedimento é a inexistência de culpa, negligência ou imprevidência da parte, seu representante ou mandatário, na ultrapassagem do prazo peremptório' (in www.dgsi.pt).
Decisão:
Pelo exposto, julgo verificado o justo impedimento e admito a contestação que foi apresentada pela ré empregadora.
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Custas pelo incidente a cargo do autor, atenta a oposição que deduziu, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que foi concedido.
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Notifique.
*
Da decisão que antecede foram os presentes devidamente notificados, do que disseram ficar cientes e o Mm.º Juiz declarou encerrada a audiência quando eram 10:35 horas.
Para constar se lavrou a presente ata que lida e achada conforme vai ser assinada.”

Inconformada com tal despacho veio o Autor interpor recurso de apelação, no qual formula as seguintes conclusões que passamos a transcrever:

1. A Ré empregadora foi citada em 12 de fevereiro de 2021, tendo apresentado a sua contestação em 10 de março de 2021;
2. A referida contestação foi apresentada extemporaneamente, sem que com a mesma tenha sido invocado o instituto do justo impedimento, conforme determina o artigo 140.º n.º 2 do C.P.C.;
3. Apenas quando instada para se pronunciar sobre a referida extemporaneidade a Ré empregadora alegou dificuldades económicas para justificar o sucedido, indicando uma testemunha;
4. O ora Recorrente pugnou pela extemporaneidade da contestação;
5. Não tendo a Ré empregadora juntamente com a apresentação da contestação invocado o instituto do justo impedimento, nem em simultâneo indicado os fundamentos factuais e apresentado as respectivas provas, não deveria o Tribunal a quo ter atendido à prova apresentada posteriormente, nomeadamente inquirindo a testemunha;
6. Considera o Recorrente, salvo melhor entendimento, não estarem preenchidos os requisitos legais para a verificação do instituto do justo impedimento, não podendo o Tribunal a quo considerar a sua existência no caso sub judice;
7. Não sendo de relevar, e mais uma vez salvo opinião diversa, o referido no douto despacho de que o atraso na apresentação da referida contestação tenha sido “… de apenas alguns dias que não se traduziu em qualquer demora para a tramitação do processo”, nem tão pouco importa para a apreciação da verificação do justo impedimento a matéria discutida na ação;
8. Contrariamente ao exposto no douto despacho, considera o Recorrente não ser de diminuta relevância o atraso que ocorreu nem compreensível a razão invocada para o mesmo;
9. Ainda assim, inquirida a testemunha indicada posteriormente pela Ré, do depoimento desta não resultou que a Ré empregadora se encontrava desprovida de meios financeiros para o pagamento do valor da taxa de justiça, nem sequer que estava impossibilitada da prática atempada do ato de apresentação da contestação;
10. Da factualidade descrita no requerimento apresentado pela Ré empregadora, bem como do depoimento da testemunha inquirida não existem elementos que permitissem ao douto Tribunal a quo considerar verificado o justo impedimento;
11. Não concorda nem aceita o Recorrente o ponto 2. da matéria assente do douto despacho nos termos do qual: “A contestação apenas foi apresentada nesta data porque a Ré empregadora tem dificuldades económicas e não conseguiu ter a quantia necessária para o pagamento da taxa de justiça;” uma vez que tal facto não ficou demonstrado ou devidamente comprovado nos autos;
12. Na verdade, do depoimento da testemunha, aos 8:56 minutos, resultou Também é possível, também é possível, por exemplo ter um saldo, um saldozinho que até era suficiente, por exemplo, mas como já estava agendado um pagamento, se calhar importante também, não faço ideia, que também, pronto, já tivesse, ok, olha esse dinheiro já vai ser para aquilo, ou não chega, e mesmo assim ainda não chega…”;
13. A testemunha quando questionada aos 9:22 minutos pela Mandatária do Autor Exato, como também pode ter sido, como o senhor referiu, como o senhor está fora, um lapso, deixar passar o tempo, não é? E não ter sido cumprido a horas?”, a testemunha respondeu de forma perentória, aos 9:30 minutos “Sim”;
14. Refira-se que a testemunha é funcionário da Ré pelo que entende o Recorrente que o seu depoimento não pode ser considerado isento, face à relação de dependência que mantém com a mesma;
15. Entende o Recorrente que uma gestão pouco diligente por parte da Ré empregadora não pode dar lugar à aplicação do instituto do justo impedimento uma vez que, caso o evento seja imputável a culpa, imprevidência ou negligência da parte, ou se esta contribuiu por qualquer modo para que aquele se produzisse está-lhe vedado o recurso ao justo impedimento;
16. A lei processual colocava à disposição da Ré empregadora outros mecanismos que não só o instituto do justo impedimento, designadamente, a Ré empregadora podia, por exemplo, ter-se socorrido do disposto no artº 141º n.º 2 do CPC, mediante acordo com as demais partes processuais, ou até, nos termos do n.º 2 do artº 58.º do CPT;
17. bem como, do previsto no artigo 145.º n.º 1 do C.P.C. “Quando a prática de um ato processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento…”, e, segundo o previsto no n.º 3 do citado artigo “Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º.”;
18. Saliente-se que «A jurisprudência tem defendido que só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do acto pode ser considerada “justo impedimento”, excluindo-se a simples dificuldade da realização daquele.» - Acórdão da Relação de Coimbra de 20/04/2018, Proc. 3188/17.8T8LRA-A.C1, in www.dgsi.pt;
19. Das circunstâncias ocorridas não resultou provada a inexistência de culpa, imprevidência ou negligência da Ré pelo que, e salvo melhor opinião, não poderá considerar-se verificado o justo impedimento nos presentes autos e, como tal, não deverá ser admitida a contestação apresentada pela Ré;
20. O douto despacho recorrido viola, assim, o disposto no artigo 140.º do C.P.C., por errada interpretação e aplicação desta disposição legal.

NESTES TERMOS,

e mais de direito aplicáveis que V. Exas doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso interposto, revogando-se a douta decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que considere não verificado o justo impedimento, decidindo que a peça processual apresentada pela Ré é extemporânea, com as legais consequências.”
Não foi apresentada qualquer resposta ao recurso.
O recurso foi admitido como apelação a subir imediatamente em separado e com efeito devolutivo.
Remetidos os autos à 2ª instância foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da procedência da apelação.
A Recorrida veio manifestar a sua discordância com o parecer do Ministério Público e pugnar pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação a questão de apurar da verificação dos pressupostos do «justo impedimento», bem como da impugnação da matéria de facto.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O circunstancialismo fático a considerar é o descrito no relatório deste acórdão.
*
IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da verificação dos pressupostos do justo impedimento

O Recorrente insurge-se quanto ao facto de o Tribunal a quo ter considerado verificado o justo impedimento de a Ré entidade empregadora apresentar a contestação fora do prazo perentório que dispunha, tendo este incidente sido suscitado apenas na sequência da Ré ter sido notificada pelo Tribunal para se pronunciar sobre a extemporaneidade da sua contestação.
Decorre do disposto no artigo 139.º do CPC. a propósito das modalidades do prazo que para a prática de acto processual que tal prazo é «dilatório ou perentório» (n.º1), sendo que o «decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato» (n.º 3).
A prática dos actos processuais está, em regra, sujeita a determinados prazos, ou seja está sujeita a um período de tempo delimitado entre um termo inicial – dies a quo – e um termo final – dies ad quem.
Ora, facilmente se reconhece que os prazos são uma fatalidade em Direito, já que traduzem fortes limitações substantivas aos direitos subjectivos das pessoas com a agravante de, muitas vezes, não estarem patentes. Não obstante, eles são necessários: na sua falta toda a administração da justiça se tornaria impossível. Trata-se de um curioso efeito de retorno: os próprios direitos das pessoas ficariam, afinal, imersos em incerteza. Há, pois, que respeitar os prazos sob diversas cominações» (Ac. da RC, de 30.06.2015, relator Henrique Antunes, Proc. nº 39/14.9T8LMG-A.C1, consultável www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
Contudo, para atenuar o efeito preclusivo dos prazos, quer a sua rigidez associados ao seu esgotamento a lei consagrou alguns mecanismos de salvaguarda excepcional dos direitos que de outro modo ficariam afectados e que resultam do prescrito nos n.ºs 4 e 5 do art.º 139.º do CPC.
Daí que a regra de que o decurso do prazo perentório opera a extinção do direito de praticar o acto admite, como exceção: o justo impedimento, prescrevendo n.º 4 do citado art.º 139.º do CPC. que o «ato pode, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte».
Prescreve o n.º 1 do art.º 140.º do CPC que considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.

Daqui resulta que o conceito de justo impedimento actualmente tem dois requisitos:

- que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários;
- que determine a impossibilidade de praticar em tempo o acto e não a simples dificuldade na sua realização.

Ora, tal verifica-se quando a pessoa que devia de praticar o acto é colocada na impossibilidade de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto que lhe não é imputável.
Está assim vedado o recurso ao justo impedimento se o evento é imputável a culpa, imprevidência ou negligência da parte ou do mandatário, ou se a parte ou o mandatário contribuiu, por qualquer modo para que aquele se produzisse.
Por outro lado, importa salientar que incumbe à parte que não praticou o acto em tempo alegar e provar a sua falta de culpa, ou seja, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (cfr. artigo 799.º do Código Civil).

Acresce ainda dizer que estabelece do n.º 2 do art.º 140º, do C.P.C. que a «parte que alegar justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou». Sublinhado nosso.
Resulta assim do citado normativo que para que um acto possa ser praticado fora de prazo, não basta que a parte tenha sido impedida de o fazer por qualquer evento que não seja imputável nem a ela, nem aos seus representantes ou mandatários (justo impedimento). É necessário ainda que ela alegue o justo impedimento e ofereça a respectiva prova no momento em que se apresenta a praticar o acto.
Suscitado o incidente do justo impedimento terá a parte que o suscita de se apresentar a alegá-lo e a prová-lo logo que o mesmo cesse, devendo considerar tal acto como urgente (cfr - Ac. da RP, de 06.06.1990, Sousa Guedes, Processo nº 0124128, e também in B.M.J. nº 398, p. 584).
Como refere Alberto dos Reis, no Código do Processo Civil anotado, a propósito do § 2.º do art.º 146.º do CPC/39 que corresponde ao n.º 2 do art.º 140.º do CPC actual, a leitura do n.º 2 do art.º 146.º mostra claramente que a parte não deve ser admitida a praticar o acto fora de prazo enquanto não alegar e provar o justo impedimento e que a alegação e prova do justo impedimento deve ser feita no preciso momento em que o interessado se apresenta para praticar o acto intempestivo - negrito nosso.
E como se escreve a este propósito no Ac. RC de 18.07.2006, proc. 1887/06 (relator Garcia Calejo) “É que o efeito do justo impedimento, tal como foi concebido e está consagrado na norma citada, não é nem o de impedir o início do curso de prazo peremptório, nem o de interromper tal prazo, quando em curso, no momento em que ocorre o facto que se deva considerar como justo impedimento, inutilizando o tempo já decorrido, mas tão somente o de suspender o termo de um prazo peremptório, deferindo-o para o dia imediato aquele que tenha sido o último de duração do impedimento.” Ou seja através do justo impedimento apenas se concede ao requerente a possibilidade de praticar o acto no dia imediatamente posterior, ao fim da cessação do impedimento. Por isso a parte que invoque, em seu benefício, o instituto do justo impedimento, tem, simultaneamente, de proceder à prática do acto, indicando os fundamentos factuais e apresentando as provas respectivas, a fim do julgador, após audição da parte contrária, aferir das circunstancias em que tal ocorreu e da existência, ou não, de culpa da parte ou do respectivo mandatário, na prática tardia do acto (cfr. Ac. RE de 02.12.2009, proc. n.º 360/08.5TBVVC-A.E1, relator Bernardo Domingos).
Em suma, a invocação do justo impedimento tem de ser suscitada no preciso momento em que a parte se apresenta a praticar o acto fora de prazo e não apenas quando a parte é confrontada com a extemporaneidade da prática do acto.

No caso em apreço, a Ré apresentou a contestação muito para além do término do prazo, sem ter invocado o justo impedimento e apresentado a respectiva prova.
Tal incidente só foi deduzido mais tarde, depois de ter sido notificada pelo tribunal a quo para se pronunciar sobre a extemporaneidade do seu articulado.
Com efeito, a intempestividade da alegação do justo impedimento obsta naturalmente a que dele se conheça, pois a Ré não estava dispensada de alegar o justo impedimento no preciso momento em que apresentou a praticar o acto fora de prazo, ou seja, no preciso momento em que apresentou a sua contestação. Neste sentido ver Ac. STJ de 4-05-2005, 04S4329, relator Sousa Peixoto.
Por outro lado, ainda que assim não o entendêssemos também teríamos de concluir pela falta de verificação dos pressupostos do justo impedimento, pois alegada insuficiência económica da Ré não constitui um evento não imputável à parte que a impedisse em absoluto de praticar o acto em tempo, ao invés trata-se de factualidade que a si é imputável.
Acresce ainda dizer que, caso o obstáculo ao cumprimento do prazo peremptório tivesse sido a alegada insuficiência económica, a parte dispunha de outros mecanismos que lhe permitiriam praticar o acto em tempo, tais como ter solicitado o apoio judiciário, ou ter requerido a prorrogação do prazo para contestar, ou mesmo ter apresentado o seu articulado desacompanhado do pagamento da taxa de justiça, mas tal não sucedeu.
Em jeito de síntese diremos que procede a apelação, impõe-se a revogação do despacho recorrido, fica prejudicado o conhecimento da impugnação da matéria de facto e é de considerar de extemporânea a contestação por ter sido apresentada fora do prazo previsto na lei.

V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e

a) declara-se não verificado o justo impedimento alegado pela Ré X – INDÚSTRIA DE MADEIRAS, LDA. em momento posterior ao da apresentação da contestação;
b) não se admite a contestação apresentada pela Apelada.
Custas do recurso pela Apelada.
Notifique.
Guimarães, 2 de Dezembro de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga