Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2199/16.5T8BCL.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
INCAPACIDADE
RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
No âmbito de vigência do regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, e da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, aprovada pela Portaria n.º 256/2011, de 5 de Julho, quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, o empregador responde apenas pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e às pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção, sendo as demais prestações – designadamente o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente – da exclusiva responsabilidade da seguradora.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado H. P. e responsáveis Y – Companhia de Seguros, S.A. e Massa Insolvente de X – Trabalho Temporário, Lda., foi proferida sentença que concluiu com o seguinte dispositivo:

«Assim, e nos termos expostos, julga-se a acção totalmente procedente por provada e, consequentemente, condena-se:
i) a ré Y – Companhia de Seguros, S.A., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Cód. Proc. Trabalho) no pagamento ao autor H. P. das seguintes quantias:

 € 25,00 (vinte e cinco euros) a título de reembolso de despesas de transporte;
 € 8.847,71 (oito mil oitocentos e quarenta e sete euros e setenta e um cêntimos), a título de pensão anual e vitalícia devida a partir de 18/10/2016, por conta da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual [correspondente a 75,22 % de € 11.762,44], a qual se deverá ter por actualizada para os valores de € 8.891,95, a partir de 01.01.2017 (Portaria nº 97/2017, de 07 de Março), € 9.051,97, a partir de 01.01.2018 (Portaria nº 22/2018, de 18 de Janeiro) e de € 9.196,80, a partir de 01.01.2019 (Portaria nº 23/2019, de 17 de Janeiro).
 € 3.101,03 (três mil cento e um euros e três cêntimos), a título de subsídio por situação de elevada incapacidade [correspondente a 75,22% de € 4.122,61];
ii) a massa insolvente da ré X – Trabalho Temporário, Ld.ª, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Cód. Proc. Trabalho) no pagamento ao autor H. P. das seguintes quantias:
 € 2.133,68 (dois mil cento e trinta e três euros e sessenta e oito cêntimos), correspondente à diferença nas IT’s atribuídas ao autor;
 € 2.914,73 (dois mil novecentos e catorze euros e setenta e três cêntimos), a título de pensão anual e vitalícia devida a partir de 18/10/2016, por conta da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual [correspondente a 24,78% de € 11.762,44], a qual se deverá ter por actualizada para os valores de € 2.929,30, a partir de 01.01.2017 (Portaria nº 97/2017, de 07 de Março), € 2.982,06, a partir de 01.01.2018 (Portaria nº 22/2018, de 18 de Janeiro) e de € 3.029,78, a partir de 01.01.2019 (Portaria nº 23/2019, de 17 de Janeiro);
 € 1.021,58 (mil e vinte e um euros e cinquenta e oito cêntimos), a título de subsídio por situação de elevada incapacidade [correspondente a 24,78% de € 4.122,61].
Custas pelas Rés na proporção das respectivas responsabilidades, cabendo 75,22% à seguradora e 24,78 % à massa insolvente.
Valor da acção: € 147.618,76 (art.º 120.º do Cód. Proc. Trabalho).»

O sinistrado, inconformado, interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«1. A douta sentença sob recurso condenou, além do mais, a ré Y, Companhia de Seguros SA, a pagar ao recorrente a quantia de 3101,03 €,(Três mil, cento e um euros e três cêntimos) a titulo de subsidio por situação de elevada incapacidade, e a massa insolvente da ré X - Trabalho Temporário Lda. a pagar ao recorrente, a esse mesmo título, a quantia de 1021,58 € (Mil e vinte e um euros e cinquenta e oito cêntimos).
Ao decidir como decidiu o tribunal “ a quo” fez depender da componente retributiva o pagamento do subsídio por situação de elevada incapacidade e, por isso, repartiu a responsabilidade por tal pagamento entre as rés (75,22 % para a ré Ageas e 24,78 % para a massa insolvente da X).
3. Ao contrário do decidido, entende o recorrente que o cálculo do subsídio por situação de elevada incapacidade não pressupõe o recurso à componente retributiva, mas apenas ao indexante de apoios sociais (IAS), e, neste sentido, nenhuma razão existe para fazer funcionar a regra da repartição das responsabilidades como fez a sentença sob recurso.
4. Entende o recorrente, por conseguinte, que deveria, ao contrário do decidido pelo tribunal “ a quo”, ser a ré Y – Companhia de Seguros SA, condenada exclusivamente no pagamento da totalidade do valor respeitante ao subsídio por situação de elevada incapacidade, isto é, o valor, de 4122,61 €. (Quatro mil, cento e vinte e dois euros e sessenta e um cêntimos).
5. Ao ter decidido como decidiu, violou o tribunal “ a quo” o quanto resulta, entre outras, das disposições conjugadas dos Art.ºs 67.º e 79.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
6. Destarte, deve ser proferida decisão que, mantendo-se o restante doutamente decidido, condene exclusivamente a ré Y – Companhia de Seguros SA, a pagar a totalidade do valor correspondente ao subsídio por situação de elevada incapacidade.»

Também a responsável empregadora interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«1. Nesta conformidade, e sem necessidade de outras considerações, importa concluir que na obstante se tenha considerado na douta sentença sob recurso a condenação da recorrente Massa Insolvente W – Trabalho Temporário Lda. a pagar ao sinistrado a quantia de €1021,58 (mil evintee um euros ecinquentae oito cêntimos), eaY, Companhia de Seguros SA, no montante €3101,03 (três mil, cento e um euros e cinquenta e oito cêntimos) a título de subsidio por situação de elevada incapacidade.
2. Desta forma, e ao decidir como decidiu o tribunal “a quo” em repartir a responsabilidade entre os réus, entende a recorrente que a responsabilidade civil por sinistro está transferida para a Y, Companhia de Seguros SA. por via da contratação de seguro.
3. Ao contrário do decidido, entende ainda a recorrente que o cálculo do subsídio por situação de elevada incapacidade não pressupõe o recurso à componente retributiva, mas apenas ao indexante de apoio sociais (IAS), e neste sentido, nenhuma razão existe para fazer funcionar a regra da repartição das responsabilidades como fez a sentença sob recurso.
4. Assim sendo, entende a recorrente, que não deveria ter existido decisão do tribunal“aquo” no querefereàrepartição deresponsabilidade, mas, sim, condenada exclusivamente a Y – Companhia de Seguros SA, no pagamento integral do valor respeitante ao subsidio por situação de elevada incapacidade, ou seja, no valor de €4122,61 (quatro mil, cento e vinte e dois euros e sessenta e um cêntimos).
5. Entende a recorrente que foram violadas as normas constantes das disposições conjugadas dos Art.ºs 67º e 69º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.»

Não foram apresentadas respostas aos recursos.
Os recursos foram admitidos como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da procedência dos recursos.
Colhidos os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, a única questão que se coloca a este Tribunal é a de saber se o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente deve ser pago integralmente pela seguradora ou por esta e a entidade empregadora na medida das respectivas responsabilidades.

3. Fundamentação de facto

Os factos considerados provados são os seguintes:

1. O autor nasceu no dia .. de Março de 1960.
2. No dia 10 de Janeiro de 2015, através de acordo escrito denominado “Contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária”, o autor foi admitido pela ré X, Trabalho Temporário, Lda., para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de carpinteiro de cofragem sob as suas ordens, direcção e fiscalização.
3. De acordo com o clausulado no ponto 5 do referido contrato de trabalho, ficou acordado que o autor poderia ser cedido temporariamente a outras empresas utilizadoras, mantendo, todavia, o vínculo laboral com a X, Trabalho Temporário, Lda..
4. Entretanto, o autor foi cedido temporariamente à empresa francesa designada por K, com sede em …, …, cedência cujos termos ficaram a constar do denominado “Contrato de utilização de trabalho temporário” celebrado entre a ré X, Trabalho Temporário, Lda. e aquela empresa francesa.
5. O autor exercia as funções referidas mediante a retribuição anual ilíquida de € 22.193,27 (€ 1.466,62 x 14 meses + € 5,70 x 22 dias x 11 meses + € 20,63 x 13 de horas extras).
6. No dia 10 de Março de 2016, cerca das 12 horas, em …, França, onde e enquanto exercia as referidas funções de carpinteiro de cofragem, o autor, quando transportava ao ombro uma plataforma metálica, com cerca de 75 kg de peso, sofreu um esforço na região lombar.
7. Como consequência directa e necessária, sofreu o autor lesões que lhe determinaram 221 dias de Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho, contados desde 11.03.2016 a 08.04.2016 e 19.04.2016 a 17.10.2016.
8. Por força das referidas lesões, o autor apresenta as sequelas que determinam que o mesmo padece uma incapacidade permanente parcial.
9. Na referida data, a ré X, Trabalho Temporário, Lda. havia transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a ré seguradora, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 001010210544.
10. A transferência de responsabilidade mencionada tinha por base a retribuição anual ilíquida de € 16.694,40 (€ 600,00 x 14 meses + € 5,70 x 22 dias x 11 meses + € 20,63 x 12 meses + € 550,43 x 12 meses + € 4,19 x 12 meses).
11. Na data em referência, o autor encontrava-se a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da ré X, Trabalho Temporário, Lda..
12. O sinistrado encontra-se clinicamente curado, sendo portador de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) com uma capacidade residual de 85%, correspondente a uma IPP de 15%, desde o dia imediato ao da alta, a qual ocorreu em 17/10/2016.
13. Por força do acidente dos autos, o autor padece até hoje e padecerá no futuro de dores lombares com irradiação para os membros inferiores, nomeadamente provocadas pelas alterações do tempo, que obrigarão a sujeitar-se a tratamento farmacológico, nomeadamente medicação analgésica e/ou anti-inflamatória.
14. Em virtude deste acidente de trabalho, o Autor despendeu € 25,00 (vinte e cinco euros) em deslocações obrigatórias ao Tribunal e ao Gabinete Médico-Legal Forense do Cávado.

4. Apreciação do recurso

Como se disse, o que cabe reapreciar é unicamente a decisão do tribunal recorrido de considerar que o pagamento do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente deve ser repartido pela seguradora e pela empregadora na medida das respectivas responsabilidades, tendo em conta que o contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado entre ambas teve por base a retribuição anual ilíquida de € 16.694,40 e o autor auferia a retribuição anual ilíquida de € 22.193,27 à data do sinistro a que se reportam os autos.
Na verdade, considerando que o autor sofreu um acidente de trabalho em 10 de Março de 2016, que lhe determinou incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) e incapacidade permanente parcial (IPP) de 15%, desde o dia imediato ao da alta, a qual ocorreu em 17/10/2016, o mesmo tem direito a um subsídio por situação de elevada incapacidade permanente fixado entre 70 % e 100 % de 12 vezes o valor de 1,1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, sendo o valor IAS correspondente ao que estiver em vigor à data do acidente (art. 67.º, n.ºs 1, 3 e 5 do regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, aplicável ao caso, atenta a data do acidente).
Quer o sinistrado, quer a empregadora, sustentam que, pelo facto de o cálculo do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente não estar dependente do valor da retribuição auferida pelo sinistrado, o mesmo deve ser da responsabilidade exclusiva da seguradora.

A questão de direito em causa foi já apreciada por este Tribunal no Acórdão de 5 de Janeiro de 2017, proferido no processo n.º 776/15.0T8BGC.G1, relatado pela ora 1.ª Adjunta e em que interveio a ora Relatora como 2.ª Adjunta, nos seguintes termos:

«Está em causa a interpretação a dar ao artigo 79º n.º 5 da NAT, o qual estipula o seguinte:

“No caso previsto no número anterior, o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção.”
Este normativo tinha a sua correspondência no n.º 3 do artigo 37º da Lei n.º 100/97, de 13/09, o qual dispunha o seguinte:
“Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquela retribuição. A entidade empregadora responderá, neste caso, pela diferença e pelas despesas efectuadas com a hospitalização, assistência clínica e transporte, na respectiva proporção”.
Do confronto das duas normas ressalta que a diferença essencial reside no desaparecimento da referência feita às despesas de transporte e na expressa previsão da responsabilidade do empregador no que respeita à diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões, sendo certo que a 1ª parte do n.º 3 do artigo 37º da LAT corresponde parcialmente ao n.º 4 do artigo 79º da NLAT.
Sobre esta questão, reportada ao artigo 37º n.º 3 da LAT, o Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado de forma consensual defendendo que o sentido literal da norma parece comportar duas interpretações, ou seja permite sustentar que a individualização operada é absolutamente taxativa, afastando por isso todas as demais prestações que nela não se encontram enunciadas, como também permite defender a sua natureza exemplificativa, feito com o mero propósito de expressar que essas prestações também se contêm na regra geral da proporcionalidade. Acabando no entanto por defender que o n.º 3 do artigo 37º da Lei nº 100/97, de 13/09, encerra uma enumeração meramente exemplificativa das prestações proporcionalmente a cargo da entidade empregadora e da entidade seguradora, estabelecendo uma regra geral de proporcionalidade quando a retribuição declarada para o efeito do prémio de seguro for inferior à real.
Neste sentido ver, entre outros os Acórdãos do Supremo Tribunal de 29/11/2006, processo 06S2443, de 17/12/2014, processo n.º 1159/10.4TTMTS.C1.S1, de 20/03/2014 processo n.º 469/10.5T4AVR.P1.S1, todos disponíveis in www.dgsi, nos quais se considerou que o n.º 3 do artigo 37º da Lei 100/97 é meramente exemplificativo, concluindo assim que em relação à reparação do acidente de trabalho quando a responsabilidade não está totalmente transferida para a Seguradora, aos direitos do sinistrado referentes quer à reparação em espécie, quer à reparação em dinheiro vigora também a regra da sua repartição proporcional pela seguradora e empregador.
Contudo à luz da actual Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei n.º 98/2009, de 4/09), conjugada com a demais legislação relevante, nomeadamente a Lei do Contrato de Seguro e a actual Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho impõe-se alguma reflexão no que respeita a esta questão, pois verificam-se alterações relevantes as quais importa atentar.
O art. 81º da NLAT (como já antes fazia a Base XLIV da Lei n.º 2.127, de 3 de Agosto de 1965 e o art. 38º da LAT) consignou que a regulamentação do contrato de seguro do ramo “Acidentes de Trabalho” deveria constar de uma apólice uniforme, agora a aprovar por portaria conjunta dos ministros responsáveis pelas áreas das finanças e laboral, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal.
Importa ainda reter o Regime do Contrato de Seguro o qual prevê que este tipo de contrato se rege pelas disposições da respectiva apólice de seguro não proibidas por lei.

Na sequência desse imperativo legal a Norma n.º 12/99 R, de 8 de Novembro, com as alterações introduzidas pelas Normas n.ºs 11/2000 R, de 13 de Novembro, 16/2000 R, de 21 de Dezembro, e 13/2005 R, de 18 de Novembro, aprovou a Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem e o artigo 12º da “Apólice Uniforme sob a epígrafe de “Insuficiência da Retribuição Segura”, estabelecia o seguinte:

“No caso de a retribuição declarada ser inferior à efectivamente paga … o tomador de seguro responderá:

i) pela parte excedente das indemnizações e pensões;
ii) proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte , por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado».

Com a entrada em vigor do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16/04, surgiu a necessidade de adaptação da apólice do seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem e por isso foi publicada a Norma Regulamentar n.º 1/2009-R, de 8 de janeiro, que entrou em vigor em 01.01.2009, cuja sua cláusula 23ª com a epígrafe “Insuficiência da Retribuição Segura”, estabelecia o seguinte:

«No caso de a retribuição declarada ser inferior à efetivamente paga, o tomador do seguro responde:

a) Pela parte das indemnizações e pensões correspondente à diferença;
b) Proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte, por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado».

Como se vê, o preceito transcrito estabelece uma regra de proporcionalidade em termos idênticos aos do citado art. 37.º n.º 3 da L.A.T., mas inclui na sua previsão as prestações individualizadas neste artigo e, para além delas, todos os subsídios e demais prestações, incluindo “... todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado”.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 98/2009, de 4/09, nomeadamente em face do disposto no n.º 1 do artigo 81º da NLAT ao prever que a apólice uniforme de seguro de acidentes de trabalho respeitando os princípios estabelecidos na Nova Lei de Acidentes de Trabalho e respectiva legislação regulamentar, é aprovada por portaria conjunta dos ministros responsáveis pelas áreas das finanças e laboral, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal, ouvidas as associações representativas das empresas de seguros e mediante parecer prévio do Concelho Económico e Social, surgiu a necessidade de proceder a nova alteração da apólice do seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem e por isso foi publicada a Portaria n.º 256/2011, de 5/07 cuja sua cláusula 23ª com a epígrafe “Insuficiência da Retribuição Segura”, passou a estabelecer o seguinte:

“1 – No caso de a retribuição declarada ser inferior à real, o tomador do seguro responde:

a) Pela parte das indemnizações por incapacidade temporária e pensões correspondente à diferença;
b) Proporcionalmente pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica.
2– No caso previsto no número anterior, a retribuição declarada não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida.”

Ou seja, esta portaria no que concerne ao regime da proporcionalidade consagrou precisamente o que resulta da Lei n.º 98/2009, nomeadamente o que resulta do n.º 5 do artigo 79º, ficando assim no que respeita a este regime a apólice muito aquém do que anteriormente se encontrava previsto, pretendendo-se assim realçar e consignar de forma taxativa as prestações perante as quais o empregador responde quando a retribuição declarada é inferior à real.
Assim, quer em face do teor do n.º 5 do artigo 79º da NLAT, quer em face da redacção da claúsula 23ª da apólice uniforme de acidentes de trabalho, quer ainda tendo presente que a lei do contrato de seguro enaltece de alguma forma a protecção da parte mais débil, o tomador do seguro, e por fim não esquecendo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e sobre exprimir o seu pensamento em termos adequados, sendo conhecedor das questões que foram sendo colocadas nos tribunais respeitantes à regra da proporcionalidade colocadas no âmbito da interpretação do n.º 3 do artigo 37º da LAT, teremos de concluir que a enumeração no que respeita à regra da proporcionalidade constante do n.º 5 do artigo 79º da NLAT é taxativa, razão pela quando a retribuição declarada para efeito de prémio de seguro for inferior à real o empregador apenas responde pela diferença relativa às indemnizações e pensões devidas e pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção. Quanto às demais prestações/encargos responde a Seguradora.
Em suma, somos levados a concluir que foi propositadamente que se exclui da regra da proporção a repartição dos demais encargos respeitantes à reparação que não os constantes do n.º 5 do artigo 79º da NLAT, que efectivamente nada têm a ver com a retribuição do sinistrado (efectivamente paga ou apenas a declarada à seguradora), tudo nos levando a admitir que tais encargos, (subsídio por morte, despesas de funeral e de transportes) de alguma forma objectivos e até fixos, já que a sua variação se reporta essencialmente ao IAS (indexante de apoios sociais que serve de referência para o cálculo de diversas prestações socias nelas se incluindo o subsídio por morte e o subsídio por despesas de funeral), ficam cobertos pela seguradora na sua totalidade.»
Ora, os fundamentos acolhidos no aresto acabado de referir mantêm inteira validade e apresentam total pertinência para o caso sub judice.
Com efeito, o art. 79.º do regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, acima identificado, estabelece no seu n.º 4 que, quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação àquela retribuição, que não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida, acrescentando o n.º 5 que, nesse caso, o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção.
E, por seu turno, a cláusula 23.ª da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, aprovada pela Portaria n.º 256/2011, de 5 de Julho, dispõe no seu n.º 1 que, no caso de a retribuição declarada ser inferior à real, o tomador do seguro responde pela parte das indemnizações por incapacidade temporária e pensões correspondente à diferença, e, proporcionalmente pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, acrescentando o n.º 2 que, nesse caso, a retribuição declarada não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida.
Assim sendo, havendo actualmente inteira conformidade entre o disposto na lei dos acidentes de trabalho e na apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho, falecem os argumentos antes esgrimidos em alguma jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que a norma correspondente do anterior regime legal enunciava a título meramente exemplificativo as prestações que deviam ser pagas ao sinistrado ou beneficiários pela seguradora e pelo empregador, na proporção das respectivas responsabilidades em função do valor da retribuição declarada para efeitos do contrato de seguro celebrado entre ambos, sendo a regra extensiva a outras prestações.

Conforme se refere no Acórdão deste Tribunal supra citado, a alteração a nível da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho veio tornar claro que, no caso de a retribuição declarada ser inferior à real, o empregador apenas responde por indemnizações por incapacidade temporária, por pensões e por despesas efectuadas com hospitalização e assistência clínica, na proporção da parte não declarada.
Trata-se duma enunciação taxativa, quer das prestações cujo cálculo tem em conta o valor da retribuição transferida (indemnizações por incapacidade temporária e pensões), quer das prestações cujo cálculo não tem em conta o valor da retribuição transferida (despesas efectuadas com hospitalização e assistência clínica).
Consequentemente, as demais prestações, designadamente o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, é da exclusiva responsabilidade da seguradora.
Procedem, pois, os recursos.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedentes as apelações, e, em consequência, condenar a seguradora a pagar ao sinistrado a quantia de € 4.122,61 a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, absolvendo-se a empregadora nessa parte.
No mais mantém-se a sentença recorrida.
Custas pela seguradora.
Guimarães, 5 de Dezembro de 2019

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso

Sumário (elaborado pela Relatora):

No âmbito de vigência do regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, e da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, aprovada pela Portaria n.º 256/2011, de 5 de Julho, quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, o empregador responde apenas pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e às pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção, sendo as demais prestações – designadamente o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente – da exclusiva responsabilidade da seguradora.

Alda Martins