Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
369/17.8PBGMR-C.G1
Relator: ANTÓNIO TEIXEIRA
Descritores: PENA DE MULTA
CONVERSÃO EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PRISÃO SUBSIDIÁRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - A função político-criminal desempenhada pela prisão subsidiária não configura uma pena de substituição, tendo antes o propósito de assegurar a efectividade da pena de multa, sendo nessa medida encarada como uma sanção penal de constrangimento ao seu pagamento.
II - Daí que, como se extrai do Artº 49º, nº 2, do Código Penal, assuma relevância o pagamento que, no todo ou em parte, o condenado venha a efectuar, permitindo-lhe a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária.
III - Ora, estando tal possibilidade fora do alcance de quem se encontra numa situação de comprovada insuficiência económica impeditiva do pagamento do montante devido a título de multa, a suspensão da execução prevista no nº 3 do citado preceito legal vem neste contexto assegurar a observância do princípio da igualdade ínsito no Artº 13º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, obstando a que a falta de meios constitua fundamento para uma privação da liberdade que no caso redundaria num tratamento injustificadamente diferenciado.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. No âmbito do Processo Comum Singular nº 369/17.8PBGMR, do Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de 01/03/2019, já transitada em julgado, foi o arguido J. R. condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos Artºs. 153º, nº 1, e 155º, nº 1, al. a), do Código Penal, na pena de 130 (centro e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros) - cfr. fls. 3/35.
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2. Pelo requerimento de 30/04/2019, alegando não ter condições económicas e financeiras para pagar a referida multa de uma só vez, solicitou o arguido ao tribunal a quo a sua regularização em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 65,00 cada uma, nos termos do Artº 47º, nº 3, do Código Penal (cfr. fls. 36/39).
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3. Apreciando tal pretensão do arguido, pelo despacho de 30/05/2019 o tribunal a quo deferiu-lhe o pagamento daquela multa em 8 (oito) prestações mensais, no montante de € 97,50 (noventa e sete euros e cinquenta cêntimos) cada uma, vencendo-se a primeira no primeiro dia útil seguinte à notificação desse despacho, e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes, com a advertência ao arguido do disposto no Artº 47º, nº 5, do Código Penal (cfr. fls. 40/42).
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4. Em 23/01/2020 foi proferido nos autos o despacho cuja cópia consta de fls. 43, que se transcreve (1):

“Compulsados os autos, verifica-se que o arguido J. R. não procedeu ao pagamento de todas prestações da multa em que foi condenado e já vencidas.

Dispõe o artigo 47º, nº 5, do Código penal, que «a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas».

Pelo exposto, declaro vencidas as prestações em falta, nos termos do artigo 47º, nº 5, do Código Penal.
(...)”.
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5. Tendo sido dada vista ao Ministério Público, em 12/03/2020 a Exma. Procuradora da República exarou nos autos a seguinte promoção (transcrição):

“Por decisão transitada em julgado em 01/04/2019, foi o arguido J. R. condenado na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa à taxa diária de € 6,00, o que perfaz o total de € 870,00 (mil setecentos e oitenta euros).
por decisão de 30/05/2019 (fls. 267 e 268), foi deferido o pagamento da pena de multa (€ 780,00) em que foi condenado em 8 prestações mensais no montante de € 97,50 cada.
Sucedeu que o arguido apenas procedeu ao pagamento de duas prestações.
Não obstante ter sido notificado não procedeu ao pagamento das prestações em atraso, apresentando comprovativo, o arguido nada fez nem justificou o não pagamento.
Em consequência, por decisão de 23/01/2020, foram declaradas vencidas as demais prestações da pena de multa não pagas, nos termos do disposto no artigo 47º, nº 5 do Código Penal, no montante de € 585,00.
O arguido não procedeu ao pagamento da multa nem tão pouco apresentou qualquer justificação para o seu incumprimento.
A fim de obter o pagamento da mesma por via coerciva, foram promovidas várias diligências, não sendo, a final, possível obter o pagamento da quantia em dívida coercivamente (cfr. fls. 315 a 330), em virtude de o arguido não possuir bens imóveis, não auferir qualquer rendimento sem sequer desempenhar qualquer actividade profissional, nem tão pouco possuindo depósitos bancários com saldo credor.
Assim, nestes termos e pelo exposto, promovo o cumprimento pelo condenado, de prisão subsidiária, nos termos do disposto no artigo 49º, nº 1 do Cód. Penal.
Atendendo à medida da pena de multa em que o arguido foi condenado ainda em dívida (97,5 dias de multa), tal corresponde a 65 dias de prisão subsidiária.
Mais se promove, que transitada essa decisão, se emitam os competentes mandados de detenção da condenada (os quais deverão obedecer ao disposto no nº 3 do artigo 491º-A, do Código de Processo Penal, bem como a possibilidade de o arguido a poder pagar a todo o tempo), sendo que a cada dia de prisão subsidiária aplicada ao arguido, corresponde à quantia de € 9,00”.
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6. Na sequência dessa promoção do Ministério Público, em 02/04/2020 foi proferido o despacho cuja cópia consta de fls. 47, com o seguinte teor (transcrição):

“Com cópia da douta promoção que antecede, notifique o arguido J. R. para, em 10 dias, proceder ao pagamento do remanescente da multa em que foi condenado ou informar das razões para o não ter feito ainda, sob pena da mesma multa ser convertida em prisão subsidiária - artigo 61º, nº 1, alínea b), do CPP e 49º, nº 1, do Código Penal.”.
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7. Notificado desse despacho, veio o arguido apresentar o requerimento cuja cópia consta de fls. 49/51, que se transcreve na parte que interessa considerar:

“(...)
1. O arguido foi condenado na pena de cento e trinta dias de multa à taxa diária de 6,00 (seis euros), perfazendo o total de 780,00 euros (setecentos e oitenta euros).
2. O arguido requereu o pagamento da referida pena de multa em prestações, tendo sido concedido o pagamento da mesma em oito prestações, no valor de 97,50 euros mensais.
3. Acontece que, o arguido só conseguiu pagar as duas primeiras prestações, no valor de 195,00 euros.
4. O arguido quer efectuar o pagamento do remanescente da pena de multa aplicada e não está de forma alguma a tentar “fugir” ao cumprimento da pena.
5. No entanto, o arguido ficou desempregado de forma inesperada.
6. O que agravou severamente a sua situação económica, situação essa que não era muto estável, tendo em conta que a sua companheira também está desempregada, levando-o a ficar dependente da ajuda de familiares.
7. E por esse motivo não pagou as restantes prestações.
8. O arguido está a tentar arranjar outro emprego, mas face à situação em que o país se encontra ainda não conseguiu.
9. Pelo exposto, requer-se, respeitosamente, a V., Exa., se digne a ouvir pessoalmente o arguido.
10. E ainda que seja dada ao argdod, tendo em conta o supra descrito, a possibilidade de efectuar o pagamento das restantes prestações.”.
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8. Nessa sequência, em 02/07/2020 o tribunal a quo proferiu o despacho cuja cópia consta de fls. 52/53, que ora se transcreve:
“Fls. 336: Indefere-se o requerido na medida em que já se encontram vendidas todas as prestações em falta.
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O arguido J. R. foi condenado na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, no montante global de € 780.
Foi deferido o pagamento da multa em 8 prestações mensais, no montante de € 97,50 cada (fls. 267)
O arguido apenas pagou as duas primeiras prestações, pelo que, por despacho de fls. 312 foram declaradas vencidas as prestações em falta, estando em dívida a quantia de € 585,00.
Não se mostra possível a sua cobrança coerciva, conforme bem demonstram os autos.
A digna Magistrada do Ministério Público promoveu a conversão da multa em prisão subsidiária.
Notificado para se pronunciar sobre a referida conversão, o arguido requereu novamente o pagamento do remanescente a multa em prestações, o que foi indeferido.

Cumpre apreciar:

Nos termos do artigo 49º, nº 1, do Código Penal se a multa que, não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão.
Assim, nos termos do artigo 49º nº 1, do Código Penal, fixa-se prisão subsidiária pelo período de 86 (oitenta e seis) dias (130x2/3).
Considerando o pagamento parcial realizado (€195) e o disposto nos artigos 49º nº 2 e 81º n.º 2, do Código Penal, afigura-se adequado proceder ao desconto de 22 dias de prisão, restando, em consequência, 64 (sessenta e quatro) dias.
Pelo exposto, converte-se o remanescente da pena de multa em 64 (sessenta e quatro) dias de prisão subsidiária.
Notifique.
Após trânsito, remeta boletim à DSIC.
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Após o trânsito em julgado do presente despacho, passe mandados para cumprimento da pena de prisão subsidiária, nos quais deverá constar o montante da pena de multa, a faculdade que é conferida pelo disposto no artigo 49º, nº 2, do Código Penal e que a importância a descontar por cada dia ou fracção em que o arguido esteve detido é de € 9,14 - artigo 491º-A, do CPP.”.
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9. Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido J. R. interpor o presente recurso, nos termos da peça processual que consta de fls. 55/65, cuja motivação rematou com as seguintes conclusões e petitório (transcrição):

“1. O tribunal a quo ao decidir no mesmo despacho indeferir o requerimento apresentado pelo recorrente e converter a pena de multa em prisão subsidiária, violou o direito do recorrente recorrer da decisão de indeferimento, direito constitucionalmente e legalmente consagrado no artigo 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e no 61º, nº 1, al. j) do Código de Processo Penal.
2. Não se tratando de um despacho de mero expediente, uma vez que não se limita a prover ao normal andamento do processo, este é passível de recurso, nos termos dos artigos 399º e 400º, nº 1, al. a), a contrario, do Código de Processo Penal, pelo que o tribunal a quo devia ter esperado que a decisão de indeferimento do requerimento do recorrente transitasse em julgado para depois decidir sobre a conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
3. O douto despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379, nº 1, al. a) e c) do Código de Processo Penal.
4. O tribunal omitiu totalmente a fundamentação de facto e de direito na decisão que indefere o requerimento apresentado pelo recorrente, limitando-se a dizer “indefere-se o requerido na medida em que já se encontram vencidas todas as prestações em faIta” o que lhe está vedado pelos artigos 97º, nº 5 do Código de Penal e 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
5. Por outro lado, não se pronunciou, em violação do artigo 608º, nº 2 do Código de Processo Civil, aplicado pelo artigo 4º do Código de Processo Penal, sobre todas as questões colocadas pelo recorrente à apreciação do tribunal, designadamente, sobre o pedido de audição pessoal e sobre a justificação para o não pagamento do remanescente da multa.
6. Por fim, se se entender que não assiste razão ao recorrente quanto ao supra alegado, o que não se concebe ou concede, entendemos que no momento em que foi proferido o despacho recorrido não se mostravam reunidos os pressupostos de que a lei faz depender a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nos termos do artigo 49º do Código Penal.
7. O requerimento apresentado pelo recorrente não devia ter sido indeferido, devendo ser apreciado quanto aos seus fundamentos, o que não aconteceu, nomeadamente a situação de carência económica alegada e que o tribunal a quo decidiu ignorar quando determinou a conversão do remanescente da multa em 64 dias de prisão subsidiária.
8. O tribunal a quo não faz qualquer análise ou alusão à situação de carência económica alegada pelo recorrente, nem à invocada impossibilidade de pagamento decorrente de tal insuficiência económica, quedando-se o douto despacho recorrido na análise formal do artigo 49º, nº 1 do Código Penal, alheando-se da real situação económica do recorrente, determinando a conversão da multa em prisão subsidiária sem se atender ao que havia sido alegado pelo recorrente.
9. Insuficiência económica que resulta dos próprios autos, na sequência das várias pesquisas feitas a fim de obter o pagamento coercivo da quantia em dívida (fIs. 315 a 330 dos auto) e que não é imputável ao recorrente.
10. Para a conversão da muita não paga em prisão subsidiária exige-se que a razão do não pagamento não seja imputável ao condenado.
11. Violou o douto despacho recorrido os artigos 61º, nº 1, al. j), 399º, 400º, nº 1, al. a), 97º, nº 5 do Código de Processo Penal, 608º, nº 2 do Código de Processo Civil, 49º do Código Penal, 32º, n.º 1 e 205, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a decisão que converte a pena de multa em prisão subsidiária por não ter transitado em julgado a decisão que indefere o requerimento do recorrente; declarar nulo o douto despacho recorrido por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, com as devidas consequências legais, ou, se assim não se entender, deve ser revogado o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que aprecie o pedido formulado pelo recorrente e os seus fundamentos, nomeadamente a sua situação de insuficiência económica, decidindo em conformidade, fazendo-se assim a habitual
Justiça!”.
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10. O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, nos termos constantes de fls. 67/75, pugnando a Exma. Magistrada subscritora pela sua improcedência, e pela confirmação, na íntegra, da decisão recorrida.
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11. Neste Tribunal da Relação, no momento processual a que alude o Artº 416º, nº 1, do C.P.Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer que consta de fls. 80/84, divergindo da posição do Ministério Público junto do tribunal recorrido no que à parte substantiva do recurso diz respeito, pugnando no sentido de “que se impõe converter a multa em prisão subsidiária e suspender a sua execução, nos termos previstos no artigo 49º, nº 3 do Código Penal, e, consequentemente:

a) Revogar o despacho recorrido na parte em que determinou o cumprimento da prisão subsidiária.
b) Decretar a suspensão da execução daquela prisão subsidiária nos termos previstos no nº3 do art. 49º do CPP.”.
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12. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
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13. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois conhecer e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Como se sabe, é hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal.

Ora, no caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo arguido / recorrente, são as seguintes as questões que basicamente importa apreciar:

a) Saber se foi violado o direito ao recurso pelo arguido relativamente ao indeferimento do seu requerimento na parte em que solicitou o pagamento do remanescente da multa em prestações;
b) Saber se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação, e por omissão de pronúncia, nos termos do Artº 379º, nº 1, al. a) e c) do C.P.Penal;
c) Saber se se mostravam reunidos os pressupostos de que a lei faz depender a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nos termos do Artº 49º do Código Penal e, concomitantemente, se o tribunal a quo se alheou ou não da real situação de carência económica do recorrente.

Passemos, então, à análise de tais questões, as quais serão apreciadas segundo a sua precedência lógica.
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1. Da violação do direito ao recurso pelo arguido relativamente ao indeferimento do seu requerimento na parte em que requereu o pagamento do remanescente da multa em prestações

Nesta vertente, sustenta o arguido que, tendo o tribunal a quo decidido na mesma data indeferir o requerimento por si apresentado (supra referido em I.7.) e converter a pena de multa a que foi condenado em prisão subsidiária, violou o seu direito de recorrer da decisão de indeferimento, direito constitucional e legalmente consagrado no Artº 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e no Artº 61º, nº 1, al. j), do C.P.Penal.
Porém, salvo o devido respeito, esta questão está votada ao insucesso.
Na verdade, não foi minimamente violado o direito ao recurso por banda do arguido, previsto nos citados preceitos legais, já que, como bem sublinha a Digna Magistrada do Ministério Público na sua resposta, através desta via recursória o recorrente vem precisamente exercitar o direito que alega ter-lhe sido coactado.
Ademais, também entendemos que, encontrando-se o dito requerimento apresentado pelo arguido inserido no incidente para conversão da pena de multa em prisão subsidiária, e uma vez que já antes o Ministério Público já havia promovido a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nada obstava a que fosse proferida de imediato decisão a esse respeito, nos termos em que o foi (sem prejuízo, evidentemente, da bondade, ou não, dessa mesma decisão).
Em suma, não resultando qualquer violação do direito ao recurso do arguido que, efectivamente, se encontra a ser exercido, soçobra o recurso, nesta parte.
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2. Da nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação, e por omissão de pronúncia

Por outro lado, defende o recorrente que o despacho recorrido, ao afirmar genericamente “Indefere-se o requerido na medida em que já se encontram vendidas todas as prestações em falta” é nulo por falta de fundamentação, nos termos do disposto no Artº 379º, nº 1, al. a), do C.P.Penal, tendo o tribunal a quo, ao decidir nesses moldes, violado os Artºs. 97º, nº 5, do C.P.Penal e 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

Vejamos.

De acordo com o princípio geral ínsito no Artº 97º, nº 5, do C.P.Penal, decorrência, aliás, do imperativo constitucional consagrado no Artº 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, os actos decisórios dos juízes (sentenças, acórdãos e/ou despachos) são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
Efectivamente, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/03/2005, proferido no âmbito do Proc. nº 05P662, relatado pelo Exmo. Sr. Conselheiro Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt, “A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual) a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos para reapreciar uma decisão”, sendo certo que “o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico contido numa decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo”.
Na verdade, quanto ao segundo aspecto, a fundamentação assume no processo penal uma função estruturante das garantias de defesa do arguido, na medida em que lhe assegura “o perfeito conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, em ordem a facultar-lhes a opção reactiva (impugnatória ou não) adequada à defesa dos seus direitos” (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 147/2000, de 21/03/2000 (2).
Ora, na situação em apreço, entendemos que, embora muito sinteticamente, o indeferimento da pretensão do arguido está suficientemente fundamentado.
Na verdade, como bem aduz a Digna Magistrada do Ministério Público na sua resposta ao recurso, convém não olvidar que o tribunal a quo, pelo despacho de 23/01/2020, havia já declarado vencidas as prestações da pena de multa. E que “tal decisão não foi em nenhum momento posta em causa pelo recorrente que, apenas quando confrontado com a promoção do Ministério Público para conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, parece querer ressuscitar o pagamento da multa em prestações.”.
Consequentemente, “na primeira parte do despacho recorrido a decisão de indeferimento tomada é fundamentada de forma sumária porque, efectivamente, o requerido pelo arguido de pagamento da multa em prestações já havia sido antes decidido e posto termo ao mesmo com a declaração de vencimento das prestações por não pagamento atempado. Tratando-se de uma repetição de decisões tomadas anterior no mesmo processo, para as quais se remete e de que o arguido teve perfeito conhecimento atempado, a fundamentação expendida é suficiente, clara e absolutamente perceptível.”.
Defende também o recorrente que o despacho recorrido, em violação do disposto no Artº 608º, nº 2, do C.P.Civil, não se pronunciou sobre o pedido de audição pessoal nem sobre a justificação apresentada para o não pagamento do remanescente da multa, o que o torna nulo, nos termos do disposto no Artº 379º, nº 1, al. c), do C.P.Penal.
Uma vez mais não lhe assiste razão.
Pois, tendo essas questões sido suscitadas pelo arguido a propósito da pretendida retoma do pagamento das restantes prestações da pena de multa, o conhecimento das mesmas ficou prejudicado pelo indeferimento dessa pretensão do recorrente.
Ainda que assim se não entendesse, há que sublinhar que a nossa lei processual penal consagra em matéria de invalidades o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular.

É o que claramente se extrai do Artº 118º, do C.P.Penal, que sob a epígrafe “Princípio da legalidade”, prescreve:

“1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.
(...)”.
Sucede que, a falta de fundamentação dos actos decisórios dos juízes, nos termos consignados no Artº 97º, maxime no seu nº 5, bem como a omissão de pronúncia do tribunal sobre questões que devesse apreciar, apenas são cominadas na lei com a sanção mais grave da nulidade em relação à sentença ou ao acórdão [cfr. Artºs. 374º, nº 2 e 379º, nº 1, als. a) e c)], sendo que, em relação aos demais actos, o legislador remeteu as consequências de tais omissões para o regime das irregularidades previsto no Artº 123º, do C.P.Penal.
Ora, as irregularidades processuais só determinam a invalidade do acto a que se referem quando tiverem sido arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em tiverem sido notificados para qualquer termo no processo ou intervindo em algum acto nele praticado – cfr. Artº 123º, nº 1, do C.P.Penal.
No caso vertente, como se viu, está em causa o aludido despacho do Mmº Juiz a quo, constante de fls. 52/53, datado de 02/07/2020.
Ora, como emerge da certidão destinada à instrução do presente recurso em separado (cfr. fls. 1/2), o despacho recorrido foi notificado ao arguido por via postal expedida em 02/07/2020, pelo que as pretensas falta de fundamentação e omissão de pronúncia do dito despacho, e as irregularidades daí resultantes, deveriam ter sido por si invocadas em conformidade com o estatuído no citado Artº 123º, do C.P.Penal, ou seja, nos três dias seguintes a contar daquela data (considerando-se também, obviamente, a regra geral sobre notificação constante do Artº 113º, nº 2, do C.P.Penal).
O que, claramente, não aconteceu. Pois que apenas em 21/09/2020, e em sede recursória, o arguido suscitou tais questões, numa altura em que as mesmas já se mostravam sanadas.
Soçobra, pois, o recurso, nesta parte.
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3. Da verificação dos pressupostos de que a lei faz depender a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nos termos do Artº 49º do Código Penal, e da consideração, ou não, pelo tribunal a quo, da real situação de carência económica do recorrente

Como emerge das respectivas conclusões recursórias, nesta sede sustenta o recorrente que:

- No momento em que foi proferido o despacho recorrido não se mostravam reunidos os pressupostos de que a lei faz depender a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nos termos do Artº 49º do Código Penal;
- O requerimento por ele apresentado não devia ter sido indeferido, devendo ser apreciado quanto aos seus fundamentos, o que não aconteceu, nomeadamente a situação de carência económica alegada e que o tribunal a quo decidiu ignorar quando determinou a conversão do remanescente da multa em 64 dias de prisão subsidiária;
- O tribunal a quo não faz qualquer análise ou alusão à situação de carência económica alegada pelo recorrente, nem à invocada impossibilidade de pagamento decorrente de tal insuficiência económica, quedando-se o despacho recorrido na análise formal do Artº 49º, nº 1, do Código Penal, alheando-se da real situação económica do recorrente, determinando a conversão da multa em prisão subsidiária sem se atender ao que havia sido por ele alegado;
- Tal insuficiência económica resulta dos próprios autos, na sequência das várias pesquisas feitas a fim de obter o pagamento coercivo da quantia em dívida (fIs. 315 a 330 dos auto), e não é imputável ao recorrente; e
- Para a conversão da multa não paga em prisão subsidiária exige-se que a razão do não pagamento não seja imputável ao condenado.

Vejamos, pois.

Relembrando, antes de mais, as principais incidências processuais evidenciadas nos autos.
Com efeito, constata-se que, por sentença de 01/03/2019, transitada em julgado, foi o arguido J. R. condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos Artºs. 153º, nº 1, e 155º, nº 1, al. a), do Código Penal, na pena de 130 (centro e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros).
Mais se constata que, pelo requerimento de 30/04/2019, alegando não ter condições económicas e financeiras para pagar a referida multa de uma só vez, solicitou o arguido ao tribunal a quo a sua regularização em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 65,00 cada uma, nos termos do Artº 47º, nº 3, do Código Penal .
Que tal pretensão do arguido foi apreciada através do despacho de 30/05/2019, tendo-lhe o tribunal a quo deferido o pagamento da multa em 8 (oito) prestações mensais no montante de € 97,50 (noventa e sete euros e cinquenta cêntimos) cada uma, vencendo-se a primeira no primeiro dia útil seguinte à notificação desse despacho e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes.
Que, tendo sido constatada a falta de pagamento de todas as aludidas prestações, pelo despacho de 23/01/2020 o tribunal a quo, ao abrigo do disposto no Artº 47º, nº 5, do Código Penal, declarou vencidas as prestações em falta.
Que, na sequência da promoção do Ministério Público, de 12/03/2020, visando o cumprimento, pelo condenado, de prisão subsidiária, nos termos do disposto no Artº 49º, nº 1, do Código Penal, foi o arguido notificado para, em 10 dias, proceder ao pagamento do remanescente da multa em que foi condenado ou informar das razões para o não ter feito ainda, sob pena da mesma multa ser convertida em prisão subsidiária.
Que, em resposta a essa notificação, apresentou nos autos o arguido o requerimento cuja cópia consta de fls. 49/51, no qual, em síntese, alega que o não pagamento do remanescente da pena de multa aplicada ficou a dever-se à situação de carência económica que vivencia [sustenta que ficou desempregado de forma inesperada, estando a tentar arranjar outro emprego, o que ainda não conseguiu, face à situação que o país atravessa, situação em que igualmente se encontra a companheira, levando-o a ficar dependente da ajuda de familiares], solicitando que fosse ouvido pessoalmente e que lhe fosse concedida a possibilidade de efectuar o pagamento das restantes prestações.
E que tal requerimento do arguido foi inferido pelo tribunal a quo, através do despacho de 02/07/2020, ora recorrido, que de imediato, e considerando o pagamento parcial realizado (€ 195,00), ao abrigo do disposto nos Artºs. 49º, nº 2, e 81º, nº 2, do Código Penal, procedeu à conversão do remanescente da aludida pena de multa, determinando o cumprimento por banda do recorrente, de 64 (sessenta e quatro) dias de prisão subsidiária.
Ora, exposta a questão a decidir, de cariz eminentemente jurídico, afigura-se-nos que o despacho recorrido não poderá manter-se na sua integralidade.

Sob a epígrafe “conversão da multa não paga em prisão subsidiária”, dispõe o Artº 49º do Código Penal:

“1- Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do nº 1 do artigo 41º.
2- O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3- Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.
4- O disposto nos nºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.”.

Como é sabido, a função político-criminal desempenhada pela prisão subsidiária não configura uma pena de substituição, tendo antes o propósito de assegurar a efectividade da pena de multa, sendo nessa medida encarada como uma sanção penal de constrangimento ao seu pagamento (cfr., neste sentido, o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, pág. 147).
Daí que, como se extrai do transcrito Artº 49º, nº 2, do Código Penal, assuma relevância o pagamento que, no todo ou em parte, o condenado venha a efectuar, permitindo-lhe a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária.
Ora, estando tal possibilidade fora do alcance de quem se encontra numa situação de insuficiência económica impeditiva do pagamento do montante devido a título de multa, a suspensão da execução prevista no nº 3 do mesmo preceito legal vem neste contexto assegurar a observância do princípio da igualdade ínsito no Artº 13º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, obstando a que a falta de meios constitua fundamento para uma privação da liberdade que no caso redundaria num tratamento injustificadamente diferenciado.

Subscrevendo-se totalmente as considerações jurídicas a esse propósito expendidas no Acórdão da Relação de Évora, de 25/09/2012, proferido no âmbito do Proc. nº 111/08.4TATVR.E1, relatado pelo Exmo. Desembargador António João Latas, in www.dgsi.pt, que aqui têm inteira aplicação:

“A prisão subsidiária da multa principal não paga está longe de constituir realidade pacífica no domínio das consequências jurídicas do crime, suscitando problemas do ponto de vista político criminal, dogmático e de constitucionalidade, que em sistemas jurídicos de que somos próximos deu mesmo origem a decisões dos respectivos tribunais constitucionais.
Na verdade, se são reconhecidas as vantagens da pena de multa que levam a que se mantenha como opção legislativa significativa para a pequena e média criminalidade, continuando a ser a pena mais aplicada também entre nós, são-lhe apontados inconvenientes de relevo, sendo essencialmente duas as questões de maior importância e gravidade que se têm suscitado.
Por um lado, a desigualdade resultante das diferenças de fortuna dos condenados e, por outro, os casos de falta de pagamento por falta de meios económicos, que pode levar a que, na prática, acabe por sancionar-se alguém com a prisão, não por ser a essa a reacção penal necessária e adequada para punir o ilícito praticado, mas por falta de meios para satisfazer a sanção pecuniária aplicada.
A consciência da sua gravidade tem levado a tentativas sérias de resolver ou minorar aqueles problemas, sendo disso exemplo, no que concerne à questão da desigualdade, o sistema de dias de multa, nomeadamente quando o quantitativo diário deve ser fixado de acordo com a situação económica e financeira do condenado, como sucede entre nós (art. 47º nº2 do C.Penal), ou através de alternativas à declaração e efectividade do cumprimento de prisão subsidiária nos casos de falta de pagamento da multa, de que o nosso código penal é igualmente exemplo, no que concerne ao segundo problema destacado e que aqui nos ocupa directamente.
Sem nos alongarmos no enquadramento da questão importa ter bem presente, porém, que o regime do incumprimento da pena principal de multa pretende constituir uma solução equilibrada para um problema jurídico e social que se desenvolve na tensão entre dois pólos.

Por um lado, vale a necessidade de garantir a credibilidade e eficácia intimidatória da multa enquanto pena criminal, tanto mais que continua a ser uma das penas com maior potencialidade para constituir alternativa à pena de prisão, para além de sempre estar em causa a ineledubilidade e inderrogabilidade das penas em geral.
(...)
Por outro lado, está bem presente a preocupação de assegurar o princípio constitucional da igualdade no domínio das consequências jurídicas do crime, procurando prevenir, essencialmente, que alguém venha a cumprir prisão por falta de capacidade económica e financeira dos agentes para solver a multa, como aludido supra de forma genérica para a pena de multa.
(...)
É com este enquadramento que deve interpretar-se e aplicar-se o regime previsto no art. 49º para a conversão da multa não paga em prisão, nomeadamente o que respeita ao preceituado no seu nº 3: “Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa”, nos termos aí desenvolvidos.
Isto é, numa perspectiva que privilegia a finalidade da lei, não deve ser determinado o cumprimento efectivo da prisão subsidiária já objecto de conversão, se a falta de pagamento da multa não resultar de conduta voluntária e censurável do condenado que tenha provocado a impossibilidade prática de satisfação do montante respectivo (de forma voluntária ou coerciva, através do seu património).
Assegurar-se-á deste modo que no nosso ordenamento jurídico ninguém terá que cumprir prisão por mera falta de capacidade económica, mas também que o mesmo prevê os mecanismos jurídicos necessários para garantir a efectividade das penas e, em especial, a credibilidade e força intimidatória das penas alternativas à prisão.
Importante para o respeito de ambos os objectivos é também a correcta compreensão das implicações que derivam do ónus de prova imposto ao condenado pelo art. 49º nº 3, pois apesar de a lei não estabelecer parâmetros específicos de prova do facto neste domínio (contrariamente ao que sucede com as medidas de coacção ou o despacho de acusação e de pronúncia) exige-se ao condenado a demonstração por provas de uma situação negativa (não lhe ser imputável o não pagamento) que pode transformar-se facilmente em prova diabólica, com efeitos insuportáveis para o princípio da culpa mesmo se referido à fase de execução das penas não privativas da liberdade.”.

Ora, na situação em apreço, como se viu, perante o requerimento do arguido, supra mencionado em I.7., e sem ponderar as alegadas dificuldades económicas do mesmo para solver as prestações em dívida, e sobretudo sem cuidar de analisar os elementos objectivos que sobre essa matéria já constavam dos autos, o tribunal a quo, numa leitura demasiado formalista e rígida daquele normativo legal (Artº 49º do Código Penal), face à constatação do não pagamento da totalidade das prestações, partiu de imediato [em flagrante contradição, aliás, com o que havia feito constar no despacho de 02/04/2020, no qual determinou a notificação do arguido J. R. para, em 10 dias, proceder ao pagamento do remanescente da multa em que foi condenado ou informar das razões para o não ter feito ainda...] para a conversão da multa em dívida em prisão subsidiária, não ponderando sequer a possibilidade que lhe era facultada pelo nº 3, da suspensão da execução da mesma prisão subsidiária.
Sucede que, como bem assinala a Exma. PGA no seu douto parecer, também se nos afigura estar demonstrado nos autos que a falta de pagamento das aludidas prestações não é culposamente imputável ao arguido, resultado, antes, tal inadimplemento, da notória e já demonstrada falta de capacidade económica do mesmo para as solver.
Na verdade, se já em 01/03/2019 [data da sentença condenatória proferida nos autos], a situação económica do recorrente era precária [pois que foi dado como provado que o arguido J. R. se encontrava a trabalhar, em período experimental, auferindo o salário mínimo nacional, e fazendo alguns biscates, e que a mulher se encontrava desempregada, não auferindo qualquer tipo de rendimento], posteriormente a mesma agravou-se sobremaneira. Pois, perante a falta do pagamento das prestações mensais que lhe foram deferidos pelo tribunal a quo, veio-se a constatar não ser possível a respectiva cobrança coerciva em virtude de, como referiu o Ministério Público na promoção que antecedeu o despacho recorrido, “o arguido não possuir bens imóveis, não auferir qualquer rendimento nem sequer desempenhar qualquer actividade profissional, nem tão pouco possuindo depósitos bancários com saldo credor”.
Assim, perante este quadro [note-se que o próprio tribunal a quo refere expressamente na parte inicial do despacho recorrido não se mostrar possível a cobrança coerciva das prestações em falta, “conforme bem demonstram os autos”], e comprovada que está a insuficiência económica e financeira do arguido, concluímos que o não pagamento da multa em causa não lhe é imputável.
Pelo que, sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, em consonância com os princípios jurídicos supra sumariamente enunciados, e com o disposto no Artº 49º, nº 3, do Código Penal, entendemos dever suspender a execução da pena de prisão subsidiária decretada no despacho recorrido, pelo período de um ano, subordinada ao cumprimento, pelo arguido, de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
Porém, sendo desejável a adequação do conteúdo dos deveres ou regras a fixar à actual e concreta condição do arguido, e não existindo nos presentes autos os necessários elementos à densificação daquela condição, o que impossibilita este tribunal da Relação de determinar os deveres ou regras condicionantes da suspensão da execução da prisão, deverá a 1ª instância solicitar à DGRSP a elaboração do pertinente relatório social e, após, fixar tais deveres ou regras em conformidade.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido J. R. e, consequentemente, alterando o despacho recorrido, decretam a suspensão da execução dos 64 (sessenta e quatro) dias de prisão subsidiária a que se alude em tal despacho, pelo período de 1 (um) um ano, condicionada aos deveres ou regras de conteúdo não económico ou financeiro considerados adequados pela 1ª instância, a fixar após a elaboração pela DGRSP do pertinente relatório social.

Sem custas.

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos - Artº 94º, nº 2, do C.P.Penal)
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Guimarães, 12 de Abril de 2021

António Teixeira (Juiz Desembargador Relator)
Paulo Correia Serafim (Juiz Desembargador Adjunto)


1. Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
2. Disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000147.html