Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
447/17.3T8BCL.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE
CADUCIDADE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Na ação de investigação da paternidade, os factos relativos ao afastamento da exceção da caducidade do direito não integram a causa de pedir, pelo que não têm que ser alegados pelo investigante na petição inicial, podendo sê-lo na resposta à invocação dessa exceção pelo Réu.

2. Digladiam-se na jurisprudência diversas posições sobre a caducidade do direito à investigação da paternidade, desde as que consideram que a simples estipulação da caducidade é inconstitucional até às que a aceitam e oneram o investigante com a prova de que a mesma não ocorreu, nos casos previstos no nº 2 e nas alíneas a) e c) do nº 3 do artigo 1817º do Código Civil.

3. Entre estas, encontram-se outras posições, mais favoráveis ao investigante, que consideram ser de seguir o disposto no artigo 342º do Código Civil sem adaptações também para a averiguação da paternidade, onerando apenas o Réu com a prova do decurso dos prazos de caducidade.

4. Mesmo para os que seguem a posição mais restritiva dos direitos do investigante, por impor ao mesmo o ónus de provar os factos que preenchem os pressupostos da “contra-exceção à caducidade” previstos nas alíneas a) e c) do nº 3 do artigo 1817º do Código Civil, a correspondente alegação não precisa de ser efetuada na petição inicial, mas como resposta à exceção de caducidade invocada na contestação.

5. Entende-se que as posições que oneram o investigado com o ónus da prova dos factos integradores de todas as circunstâncias fundadoras da caducidade, positivas ou negativas, terão a virtualidade de poder conduzir a uma melhor harmonização dos interesses em conflito, por salvaguardarem de modo mais vigoroso a proteção do direito de personalidade inerente à personalidade biológica, ao mesmo tempo que observam, de forma curial e sem distorções, o princípio do direito civil relativo à distribuição do ónus da prova no que respeita à caducidade (que visa a defesa da segurança das situações jurídicas), previsto no artigo 342º nº 2 do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Autor e Apelante:

José, casado, NIF …, residente na Rua …, freguesia de …, concelho de Barcelos,

Réus e Apelados:

Maria, viúva, …, residente na Rua …, freguesia de …, concelho de Barcelos, na qualidade de herdeira e cabeça-de-casal (cônjuge sobrevivo);
F. F., casada, residente na Rua …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, na qualidade de herdeira (descendente);
Manuel, casado, residente no …, freguesia de …, concelho de Barcelos, na qualidade de herdeiro (descendente);
P. F., casada, residente na Rua …, freguesia de …, concelho da Trofa, na qualidade de herdeira (descendente);
M. F., maior, solteiro, residente na Rua …, freguesia de …, concelho de Barcelos;

Autos de: (apelação em) ação declarativa constitutiva sob a forma de processo comum.

I. Relatório

O Autor pediu que seja reconhecido e decretado que é filho de Joaquim; que seja ordenado o averbamento de tal paternidade ao assento de nascimento do autor; que sejam os Réus condenados a reconhecer o autor como filho de Joaquim.
Alegou, para tanto e em síntese, que Joaquim é seu pai, falecido em 1 de Junho de 2015; que no período de conceção do Autor a sua mãe não teve relações de índole sexuais com mais ninguém, a qual chegou a confessar aos seus familiares mais próximos que aquele era o pai do Autor. Após a morte de seu pai, o Autor procurou junto da primeira Ré, viúva daquele, o reconhecimento da sua qualidade de filho e herdeiro de Joaquim; era do conhecimento geral entre vizinhos, familiares e amigos que o Autor era filho deste.

A 1ª Ré contestou, por impugnação e excecionando a caducidade do Autor.
Proferido despacho, ao abrigo do princípio da adequação formal, convidando o Autor para, querendo, em dez dias, se pronunciar, face à invocação da caducidade, veio o mesmo fazê-lo, alegando de direito e de facto, nos artigos 35º a 52º, afirmando em súmula, que “O conhecimento pelo autor, de que o finado Joaquim poderia possivelmente ser o seu pretenso pai, foi travado com a morte deste, quando em conversa com a sua mãe, esta lhe transmitiu que o seu pai havia falecido. Até essa data, a sua mãe havia omitido quem de facto seria o seu pretenso pai. Quer porque pretendia evitar o contacto do autor junto do seu pretenso pai, Quer porque ainda sentia mágoa por este a ter deixado a criar uma criança sozinha, sem nunca ter contribuído para o sustento, educação e desenvolvimento da mesma.”

Tendo-se procedido a julgamento, veio a ser proferida saneador sentença com, entre outros, os seguintes dispositivos:

“Por tal, e por inadmissibilidade legal, consideram-se como não escritos os factos contantes dos pontos 35 a 52 do requerimento de fls. 60 e ss.
Notifique.

D) Da decisão.
Face ao exposto, julgo procedente a excepção da caducidade do direito do autor para apurar a sua paternidade.”

O presente recurso de apelação foi interposto pela Autora, formulando as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos de processo nº 447/17.3T8BCL, que julgou procedente a exceção da caducidade do direito do recorrente para apurar a sua paternidade, e consequentemente, absolveu os réus do pedido de investigação de paternidade formulado pelo ora recorrente.
II. O tribunal recorrido não apreciou devidamente a factualidade e a prova carreada ao Processo, pelo que o recorrente não poderá, de forma alguma, aceitar o conteúdo da decisão que ora se coloca em crise.
III. O conteúdo da decisão viola inúmeros direitos constitucionais, tais como o direito à identidade e historicidade pessoal do filho, direito este constitucionalmente consagrado no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito ao desenvolvimento da sua personalidade, no sentido da autodeterminação pessoal e do direito ao conhecimento das suas origens, e ainda, o direito a constituir família, na medida em que pretende ver o seu parentesco reconhecido, direito este que se encontra constitucionalmente consagrado no artigo 36º da CRP.
IV. O Tribunal a quo ao considerar que se encontra caducado o direito do recorrente intentar a acção de investigação de paternidade, nos termos do artigo 1817º nº 1 e nº 3 al. c) do Código Civil, viola direitos fundamentais constitucionalmente consagrados.
V. Assim, tendo em conta que o teor da douta decisão poderia e deveria, eventualmente, ser outro, suscita-se e requer-se a reapreciação da mesma através do presente recurso.
VI. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão, que ora se pretende a revogação, em duas partes constituída a primeira pela “alegada ampliação da matéria de facto” por parte do recorrente, e uma segunda respeitante à caducidade do direito do recorrente em ver estabelecida a sua paternidade biológica.
VII. Pronunciou-se quanto a um aproveitamento por parte do recorrente relativamente ao requerimento de exercício do contraditório, para, alegar factos novos quanto ao momento em que teria conhecimento de que o finado Joaquim seria efectivamente seu pai, ou seja, para do mesmo corrigir a sua petição Inicial.
VIII. Não pode o recorrente concordar com o quanto alegado pelo Tribunal a quo,
IX. Face à possibilidade que lhe foi conferida pelo Tribunal, é certo que o recorrente pronunciou-se quanto à referida Inexistência de Caducidade, para tanto, constante de itens 1 a 34 do aludido requerimento.
X. Contudo, pelos itens 35 a 52 do requerimento supra, não procurou o recorrente, em aproveitamento da contestação apresentada, corrigir a sua petição inicial.
XI. O recorrente lançou mão do referido requerimento não para aditar factos novos, pois que os mesmos já eram de possível conhecimento aquando da propositura da petição Inicial, mas sim, para esclarecer o Tribunal que, de facto, o finado Joaquim é o seu pretenso pai, ainda que indirectamente se subentenda nos pontos 21 a 23 da Petição Inicial que o seu conhecimento se deu à morte do finado, e não antes.
XII. Pois caso assim não o fosse, já muito antes o recorrente teria lançado mão dos meios judiciais por forma a efectivar o seu direito a ver constituída a sua família.
XIII. O Tribunal fundamentou a sua decisão com base em fundamentos constantes da Petição Inicial do recorrente quando, em nenhum momento, o recorrente referiu precisamente quando obteve conhecimento de que o finado Joaquim era efetivamente seu pai.
XIV. A retirar esse efeito conclusivo, deveria de o ser dos itens 21 a 23 da Petição Inicial, os quais apontam para um conhecimento post mortem do pretenso pai, e não como o fez o Tribunal nos pontos 24 a 26 do petitório, retroagindo esse conhecimento a muito antes, contudo não precisando o momento exato desse conhecimento.
XV. Ao considerar o Tribunal como considerou não escrita a matéria quanto alegada no requerimento, sob itens 35 a 52, conclui-se que ficou aqui por aferir o momento exato do conhecimento, por parte do recorrente, de que o finado seria efetivamente o seu pretenso pai, para efeitos de aplicação do prazo especial da al. c) do n.º 3 do artigo 2817º do Código Civil.
XVI. O que faz improceder o instituto da caducidade invocado em sede de contestação, não se menosprezando o facto de o recorrente ver goradas as suas expectativas de ver reconhecido no seu assento de nascimento a paternidade na medida em que, o Tribunal, ao decidir como decidiu, desconsiderou o vínculo biológico eventualmente existente, e que só seria possível apurar através do recurso a exames científicos, conforme se logrará demonstrar.
XVII. Destarte, e ainda que se considerem como não escritos os factos constantes dos pontos 35 a 52 do requerimento apresentado pelo requerimento, o que apenas por mera hipótese académica apenas se aceita, sempre se coloca em causa o facto de o Tribunal, na sua decisão, desvalorizar a descoberta da verdade biológica do recorrente, violando dessa forma diversos princípios constitucionais relevantes no direito da família, máxime direito da filiação.
XVIII. O nascimento, por si só, tem relevância jurídica daí que se releva de extrema importância determinar e estabelecer vínculos de maternidade e paternidade, por via do direito à filiação.
XIX. O direito da filiação trata-se do ramo do Direito da Família que tem por objecto as relações de Filiação, os modos por que uma ou outra se estabelecem, convertendo-se os vínculos biológicos em relações jurídicas, e os efeitos que produzem, uma vez estabelecidas, em relação aos bens dos filhos.
XX. A respeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.10.2010, no qual se refere que o direito ao reconhecimento da filiação biológica é pessoalíssimo, incluindo o direito à identidade genética, sendo irrepetível e com dimensão permissiva alcançar a história e identidade próprias, já que aquele factor condiciona a personalidade.
XXI. Trata-se de um direito fundamental constitucionalmente consagrado como de identidade pessoal (artigo 26º nº 1 da CRP) que adquire a dimensão de desenvolvimento da personalidade e um relevante valor social e moral.
XXII. O direito à filiação consubstancia-se assim, em vários princípios constitucionais tais como o direito a constituir família previsto e regulado pelo artigo 36º nº 1 da CRP, na medida em que todos têm o direito de ver juridicamente reconhecidos os seus laços de parentesco, a atribuição aos pais do poder-dever de educação dos filhos (artigo 36º nº 5 CRP), a inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores, a não descriminação entre filhos nascidos do casamento e fora deste (artigo 36º nº 4 CRP).
XXIII. Além destes princípios, existem outros tantos, com elevada relevância no estudo do direito da filiação, o que é o caso do direito à identidade pessoal e ao livre desenvolvimento da personalidade, previsto no artigo 26º da CRP.
XXIV. Ainda que se possibilite diferentes modos de estabelecimento da filiação, não podem as leis dificultar, injustificadamente, o estabelecimento da filiação fora do casamento.
XXV. A reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, procurou combater a improcedência da ação de investigação da paternidade, embora demonstrada a filiação biológica, se algum dos pressupostos não estivesse preenchido.
XXVI. Este sistema condicionado era justificado não só por razões sociais, mas, e também, pelas dificuldades que existiam em provar o vínculo de sangue (cf. Professor Guilherme de Oliveira in “O critério Jurídico da Paternidade”, 1998, p. 139).
XXVII. Na última reforma, e com vista a provar a demonstração da paternidade biológica, que é, afinal, o escopo primeiro deste tipo de lide, o legislador concedeu consagrar expressamente como meios de prova “os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados”.
XXVIII. Assim, para a investigação da paternidade, e com recurso a estes exames de sangue, a fiabilidade é quase total (99,99%).
XXIX. Ora in casu, o Tribunal tendo decidido como decidiu, não se foi capaz de proceder à realização dos exames hematológicos (ADN) por forma a aferir que o finado Joaquim poderia (ou não) ser o pai biológico do recorrente José.
XXX. A realização do referido exame de sangue se revelou de todo dispensável para a formação da Convicção do douto Tribunal, concluindo assim por um inexplicável retrocesso ao Código Civil de 1966, o qual desvalorizava em absoluto a verdade biológica.
XXXI. A redação primitiva consagrava condições, ou pressupostos de admissibilidade da ação de investigação da paternidade a serem alegados, e demonstrados, a par da verificação da paternidade biológica,
XXXII. No caso sub judice, não foi possível ao recorrente ver estabelecida a sua paternidade biológica, ainda que eventualmente a demanda pudesse (como o foi) improceder.
XXXIII. Dúvidas não restaram de que dúvidas ficaram quanto às origens e identidade pessoal do recorrente e, a ser assim, de que certamente essas dúvidas ficarão para sempre insurgidas na vida e no livre desenvolvimento da personalidade do recorrente.
XXXIV. Quanto à caducidade prevista no no nº 1 do artigo 1817º do Código Civil, bastaria invocar o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006, que declarou a sua inconstitucionalidade com força obrigatória geral, na medida em que estabelecia um prazo de caducidade para a propositura da ação de investigação de paternidade de dois anos (atualmente um prazo de 10 anos) com o “terminus a quo” na maioridade do investigante.
XXXV. Já o Doutor Paulo Otero conclui que a identidade pessoal tem uma dimensão absoluta ou individual, sendo infungível, indivisível e irrepetível e uma dimensão relativa, com a história ou memória de cada um, própria e exclusiva da sua identidade. (in, “Personalidade e Identidade Pessoal e Genética do Ser Humano – Um perfil Constitucional de bioética”, P. 65 e 71 ss.
XXXVI. Trata-se, em suma, do direito à identidade, direito inalienável e absoluto, sempre garantido pelos artigos 25º nº 1 e 26 nº 1 da CRP.
XXXVII. O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 486/04, de 7 de Junho, acolheu a decisão sumária proferida no processo nº 783/09 – 2ª Secção, onde se ponderou, reportando-se àquele prazo do nº 1 do artigo 1817º: “ Com efeito tem-se verificado uma progressiva, mas segura e significativa alteração dos dados do problema constitucionalmente relevantes a favor do filho e da imprescritibilidade da ação, designadamente, com o impulso científico e social para o conhecimento das origens, os desenvolvimentos da genética, e a generalização dos testes científicos de muita elevada fiabilidade. Esta alteração não deixa incólume o equilíbrio dos interesses e direitos, constitucionalmente garantidos, alcançado há décadas, e sancionado também pela jurisprudência, empurrando-o claramente em favor do direito de conhecer a paternidade” (…) “ nota-se também um movimento científico e social em direção ao conhecimento das origens, com desenvolvimento da genética, nos últimos vinte anos, que tem acentuado a importância dos vínculos biológicos”.
XXXVIII. O desejo de conhecer a ascendência biológica tem sido tão acentuado, que se assiste a movimentações no sentido de afastar o segredo sobre a identidade dos progenitores biológicos, mesmo nos casos de reprodução assistida.” – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/95, as decisões sumárias nº 114/2005 de 9 de Março e 282/2005, de 4 de Agosto, e a Proposta de Lei nº 135/VII – Diário da Assembleia da República, I série, 95, de 18 de Junho de 1999). XXXIX. Por outro lado, vêm sendo recuperados os argumentos que viabilizam a existência de prazos de caducidade, que têm sido exaustivamente repetidos.
XL. De entre eles, destacam-se a segurança Jurídica do pretenso pai e herdeiros, a perda e “envelhecimento” das provas e, finalmente, mais como argumento “ad terrarem”, o escopo “caça fortunas”.
XLI. O primeiro, encontra-se em conflito o direito ao conhecimento da ascendência e verdade biológica por parte do filho com a “tranquilidade” e segurança jurídica do suposto pai e demais herdeiros, sempre deveria prevalecer o primeiro já que, como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 2008 – 08 A474 – “esse direito a conhecer a paternidade, valor social e moral da maior relevância, que se inscreve no direito da personalidade é um direito inviolável e imprescritível”.
XLII. Refere ainda este mesmo acórdão que “países como a Itália, Espanha e Áustria optaram pela imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, por considerarem que a procura do vínculo omisso do ascendente biológico é um valor que prevalece sobre quaisquer outros relativos ao pretenso progenitor.”
XLIII. Não se poderá privilegiar a garantia de segurança jurídica, nomeadamente na vertente dos direitos patrimoniais, perante os direitos pessoalíssimos de personalidade e de identidade e os danos eventualmente causados à reserva da vida privada e familiar do pretenso pai não ficarão agravados com o decurso do tempo.
XLIV. Quanto ao “envelhecimento da prova”, absolutamente irrelevante, sempre poderia invocar-se para qualquer outro tipo de lide intentada decorrido muito tempo, pelo que não configura uma justificação aceitável para o estabelecimento de um prazo de caducidade, fruto dos avanços científicos que permitem a realização de testes de ADN, com uma fiabilidade muito próxima da certeza.
XLV. O professor Guilherme de Oliveira (in “caducidade das Ações de Investigação, pág. 55) refere que “morrem as testemunhas, mudam os lugares, é certo, mas nada disso altera verdadeiramente o caminho que as ações seguem e que hão-de seguir cada vez mais no futuro.”
XLVI. O argumento do “caça fortunas”, pois o propósito ou o fim que se pretende obter com a lide nem sempre será o direito patrimonial ou sucessório.
XLVII. Porém, e para limitar/obviar existem, entre outros, os institutos substantivos do abuso de direito (artigo 334º do Código Civil) de outro tipo de atuações abusivas ( artigo 269º e 1482º do Código Civil) da fraude à lei, em sede de aplicação de normas de conflitos (artigo 21º do Código Civil) e adjetiva da litigância de má-fé ou mesmo temerária (artigo 456º do Código de Processo civil). XLVIII. Há que salientar que o direito à descoberta da verdade biológica não é tão só do investigante, mas e também do Estado.
XLIX. A ordem pública impõe o impedimento dirimente absoluto do casamento entre duas pessoas parentes na linha recta ou no segundo grau da linha colateral (artigo 1602º do Código Civil). E fá-lo não só no propósito de salvaguardar o vedar de relações incestuosas “com todas as razões de ordem ética, eugénica e social que fazem dessa proibição um dos tabus mais profundos da humanidade”. Cf- Prof. Pereira Coelho, in “Curso de Direito da Família”, 1987, 274).
L. Ao não aceitar, por razões de menor importância, o reconhecimento jurídico do vínculo biológico, abre-se uma porta para admitir o incesto, com toda a sua carga negativa para a sociedade.
LI. Ao haver demonstração da paternidade biológica, também é do interesse do Estado e da sociedade o seu inevitável reconhecimento legal.
LII. Como reiteradamente vem afirmando o Tribunal Constitucional, “não se afigura questionável que seja do direito à integridade pessoal, e em particular à integridade moral (artigo 25º nº 1) seja do direito à identidade pessoal pode e deve extrair-se um verdadeiro direito fundamental ao conhecimento e ao reconhecimento da paternidade” (Acórdão nº 99/88, DR II, 22/8/88, citado, v.g., nos Acórdãos nº 413/89, DR II, 15/9/89, 451/89, DR II, 21/9/89 e 506/99, DR II, 17/3/2000) muito embora tenha hesitado fixar prazos de caducidade para a propositura de ações de investigação de paternidade, pondo, por vezes, a tónica na duração, e consequente razoabilidade dos mesmos (cf. Acórdãos nº 413/89 – acima citado – e o de 28 de Outubro de 2003 – P.º 735/2002).
LIII. Citando os professores Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República Portuguesa Anotada” 4ª. edição revista, I, 462) que o direito à identidade pessoal, tal como está consagrado no artigo 26º nº 1 da CRP, enquanto conhecimento da identidade dos progenitores pode fundamentar em si um direito à investigação da paternidade e da maternidade.
LIV. Tal direito inclui o direito à identidade genética própria e, em consequência, ao conhecimento dos vínculos de filiação “no ponto em que a pessoa é condicionada na sua personalidade pelo fator genético”. Cf. – Prof. Jorge Miranda e Dr. Rui Medeiros, in “ Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2005, I, 204-205.
LV. Assim concluímos que o direito a conhecer a ascendência e de estabelecer um vínculo biológico conducente ao estabelecimento de um vínculo jurídico, é um direito absoluto, não podendo o Estado, de forma alguma, limitar o assentamento da filiação/identidade pessoal, com limitações de prazos independentemente da sua duração, extensão e “terminus ad quem”.
LVI. In casu, o tribunal lançou mão deste instituto da caducidade, sem sequer olhar aos direitos que o recorrente possui, nomeadamente o direito à identidade genética própria e, em consequência, ao conhecimento dos vínculos de filiação.
LVII. O Tribunal a quo, ao colocar no mesmo patamar o interesse dos recorridos e do recorrente, está apenas a proteger um progenitor relapso, desinteressado, que não acautelou os interesses dos seus filhos até à sua morte, que enquanto viveu, e como pai, não integrou o conceito de bónus pater família.
LVIII. Com a existência desta limitação temporal, o investigante é prejudicado e o investigado, que por uma questão moral, de honra e carácter deveria reconhecer os filhos que concebe, é premiado, pois a lei não deixa que essa responsabilidade lhe seja atribuída, tendo tal conduta ainda beneficiado os recorridos em representação do finado.
LIX. Os recorridos, em vez de se protegerem através do instituto da caducidade do direito do recorrente, deveriam encarar a propositura da ação como uma oportunidade que lhes é dada para estes repararem o erro ou omissão do seu progenitor.
LX. Pugnado, assim, perante aquele Tribunal, pela realização dos exames científicos para aferir da paternidade biológica do recorrente. LXI. O recorrente poderá eventualmente ter os mesmos direitos que os recorridos, e ao contrário destes, nunca teve oportunidade de receber qualquer gesto de afeto, carinho e amor por parte do seu progenitor, por desconhecer quem seria o seu pai.
LXII. O recorrente recorreu à presente ação de investigação de paternidade, por forma a aferir se aquela pessoa seria eventualmente o seu progenitor.
LXIII. Ainda que se trate de um filho nascido fora do casamento, a nossa constituição da República Portuguesa proíbe expressamente a discriminação desses filhos no nº 4 do artigo 36º da CRP.
LXIV. Não pode, por um lado, a ordem pública impor o impedimento dirimente relativo do casamento entre pessoas parentes na linha recta ou no 2º grau da linha colateral (artigo 1602º do Código Civil) e, por outro lado, impedir que os cidadãos desencadeiem mecanismos tendentes a estabelecimentos da sua paternidade, da sua identidade, da sua história de família.
LXV. É do interesse da ordem pública a fixação das relações de parentesco, veja-se a consagração da averiguação oficiosa.
LXVI. A limitação temporal imposta pelo nº 1 do artigo 1817º do Código Civil não permite um justo equilíbrio de interesses, protege os interesses o investigado e da sua família, permitindo-lhe que permaneça acoutado na sua omissão e ou irresponsabilidade de não reconhecimento de paternidade e descubra os interesses do investigante e da ordem pública da estabilidade das relações jurídicas.
LXVII. Assim decidiram pela não caducidade o Acórdão de 17 de Abril de 2008 – 08 A474 – e os Acórdãos de 8 de Junho de 2010 – 1847/08.5TVLSBA. L.1.S.1 – e, declarando o princípio geral a declaração de inconstitucionalidade do nº 1 do artigo 1817º do Código Civil, os Acórdãos de 23 de Outubro de 2007 – 07 A2736 – e de 14 de Dezembro de 2006 – 06 A2489 – este de relato do ora 2º Adjunto, sendo 2º Adjunto o agora Relator – e de 31 de Janeiro de 2007 – 06 A4303 – em que o Relator foi 2º adjunto.
LXVIII. Não se pode depreender que o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006, de 10 de Janeiro de 2006, quis que o âmbito da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do nº 1 do artigo 1817º do Código Civil, se limitasse ao facto de este preconceito estabelecer um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, para deixar em aberto a questão de saber se é conforme a Constituição o estabelecimento de qualquer prazo.
LXIX. O prazo previsto no nº 1 do artigo 1817º do Código Civil, na redacção da nova Lei (Lei nº 14/2009 de 1 de Abril), é também materialmente inconstitucional, na medida em que é limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo, o estabelecimento do mesmo e nos tempos que correm, com o novo paradigma do direito fundamental à identidade pessoal e de livre desenvolvimento da personalidade uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito do filho saber em vida de quem ascende.
LXX. Assim, o estabelecimento de um limite temporal para a instauração de uma ação de investigação de paternidade é inconstitucional por violação dos artigos 26º nº 1, 36º nº 1 e 18º nº 2 da CRP.
LXXI. O artigo 36º nº 1 da CRP reconhece um direito de constituir família, o qual impõe ao legislador a previsão de meios para o estabelecimento jurídico dos vínculos de filiação, entre os quais se inclui a ação de investigação.
LXXII. O acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006 refere que “Deve, pois, dar-se por adquirida a consagração, na Constituição, como dimensão do direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26º nº 1, de um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade”.
LXXIII. A estipulação de um prazo de caducidade constante da nova redação do artigo 1817º nº 1 do Código Civil, constitui uma restrição ao direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade.
LXXIV. Tem como consequência uma diminuição desproporcional do alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade.
LXXV. O respeito pela verdade biológica sugere a imprescritibilidade não só do direito de investigar (neste caso já um dado adquirido em face do acórdão do TC nº 23/2006, de 10 de Janeiro, tendo força obrigatória geral a declaração de inconstitucionalidade nele vertida a propósito do artigo 1817º nº 1 do CC) como o de impugnar.
LXXVI. Todavia, esse juízo de constitucionalidade vem merecendo da jurisprudência e doutrina respostas diferentes, acentuando-se no que toca à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, tendência para considerar como contrária ao texto constitucional qualquer limitação temporal ao exercício de ação desta natureza. – cf. Acórdãos de 21.09.2010, Proc. Nº 495/04, 08.06.2010, Proc. Nº 1847/08.5TVLSBA. L1.S1; de 21.09.2010, Proc. Nº 4/07.2TBEPS.G1.S1; de 27.01.2011, Proc. Nº 123/08.8TBMDR.P1.S1; e de 06.09.2011, Proc. Nº 1167/10.5TBPTL.S1, 14.01.2014; Proc. 155/12.1TBVLC-A.P1.S1, Ac. 16.09.2014, Proc. Nº 973/11.8TBBCL.G1.S1.
LXXVII. Como tem sido formado nestes últimos acórdãos que supra se referiu, as razões que militavam para a previsão de um prazo limitativo, de caducidade das ações de investigação de paternidade (segurança jurídica, envelhecimento das provas e caça fortunas), tem de ceder perante os direitos fundamentais que militam no sentido da imprescritibilidade daquela tipologia de ações, a saber o direito de constituir família, o direito à identidade pessoal, o direito à integridade pessoal e o direito à não descriminação (artigos 26º nº 1 e 36 nº 1 da CRP).
LXXVIII. O movimento científico e social direcionados ao conhecimento das origens do investigante. O desenvolvimento da genética têm acentuado a importância dos vínculos biológicos e do seu determinismo, porventura com exagero; e com isto tem sublinhado o desejo de conhecer a ascendência biológica.
LXXIX. O direito à identidade pessoal e o direito à integridade pessoal ganharam uma nova dimensão que não pode ser desvalorizada.
LXXX. A estes direitos fundamentais, acresce um outro novo introduzido pela revisão constitucional de 1977, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade (artigo 26º da CRP) – um direito de conformação da própria vida, um direito de liberdade geral de ações cujas restrições tem de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais.
LXXXI. Recentemente, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira – Curso de Direito da Família, Volume II, Tomo I, 2006, pág. 139 – sustentam que os tempos correm a favor da imprescritibilidade das ações de filiação, a propósito da caducidade do direito a investigar a paternidade, exarando que “não tem sentido hoje, acentuar o argumento do enfraquecimento das provas; e não pode atribuir-se o relevo antigo à ideia de insegurança prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da personalidade. Diga se, numa palavra, que o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade”.
LXXXII. Em suma, o direito fundamental à identidade pessoal, o direito fundamental à integridade pessoal bem como o direito ao livre desenvolvimento da personalidade leva em si a que não se coloquem desproporcionadas restrições a esses direitos fundamentais quando é colocada a questão da filiação, seja numa ação de investigação seja numa ação de impugnação.
LXXXIII. Nos termos do n.º 1 do artigo 25º da CRP, “ a integridade moral e física das pessoas é inviolável” surgido “o reconhecimento e a tutela da integridade pessoal indissociavelmente ligados ao reconhecimento constitucional absoluto da pessoa humana (artigo 1º da CRP)” – cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Tomo I, 2010, pág. 552).
LXXXIV. O nº 1 do artigo 26º do mesmo diploma, refere que “ a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade; à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem; à palavra; à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação”.
LXXXV. De acordo com o nº 1 do artigo 36º da constituição da República Portuguesa, “todos tem o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade”.
LXXXVI. E desta disposição constitucional, em conjugação com os direitos à integridade pessoal e à identidade pessoal, resulta “ um direito a converter a filiação biológica em filiação jurídica mediante o estabelecimento das correspondentes relações de maternidade e de paternidade”.
LXXXVII. À luz destes preceitos, o direito à identidade pessoal, nele se incluindo o direito de conhecer e ver reconhecida a respetiva ascendência biológica, configura um direito de índole pessoalíssimo (englobando o direito de conhecer e ver reconhecida a verdade biológica de filiação e a ascendência genética de cada pessoa) e imprescritível, constitucionalmente consagrado.
LXXXVIII. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas (n.º 1 do artigo 18º da CRP), sendo que “ a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (nº 2 do artigo 18º da CRP).
LXXXIX. Para se limitar um direito fundamental é necessário que as restrições sejam proporcionais, necessárias e adequadas, pelo que importa averiguar se, com a negação da “imprescritibilidade” de tais ações, ocorre uma restrição excessiva ou desproporcionada ao direito fundamental à identidade pessoal, ao direito de constituir família e até ao direito geral de personalidade dos investigantes ( artigo 70º Código Civil).
XC. Havendo de prevalecer a verdade biológica, a restrição em causa viola o disposto no artigo 26º nº 1 da CRP, onde se consagra o direito à identidade.
XCI. Assim o foi decidido nos acórdãos do STJ de 30.01.2007, com o nº de processo 06A4303 e de 21.02.2008 com o nº de processo 02B928, disponíveis em www.dgsi.pt
XCII. Mais recentemente, O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 31.01.2017 decidiu no mesmo sentido da inconstitucionalidade do prazo previsto no nº 1 do artigo 1817º CC.
XCIII. Deverá tal normativo ser declarado inconstitucional, por violação dos artigos 26º nº 1, 36º nº 1 e 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que, independentemente da proporcionalidade ou desproporcionalidade da consagração de um prazo de caducidade, o artigo 1817º nº 1 do Código Civil, na sua nova redação, é uma lei restritiva de direitos, liberdades e garantias.
XCIV. A nova redação do artigo 1817º do Código Civil ao manter uma limitação temporal (10 anos) para a propositura da ação, não afastou a inconstitucionalidade da norma anterior.
XCV. Assim sendo, salvo douto melhor entendimento, o artigo 1817º nº 1 do Código Civil, na redação emergente da Lei nº 14/2009, de 01 de Abril, ao estabelecer um prazo de caducidade de 10 anos após a maioridade (ou emancipação) do investigante para a propositura da ação de investigação de paternidade (1873º CC) é inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18º nº 2, 26º nº 1 e 36º nº 1 da CRP.

Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido, com as seguintes conclusões:

- No seu douto articulado de recurso vem o autor recorrente insurgir-se quanto á douta sentença a quo infirmando que não aditou novos factos, mas sim que esclareceu o Tribunal que o finado Joaquim poderá eventualmente ser o seu pretenso pai.
- Salvo devido respeito por opinião em contrário e que é muito, não assiste razão ao autor recorrente, uma vez que nos artigos 35º a 52º o recorrente veio alterar, completar e retificar a matéria de facto, não sendo os factos alegados factos supervenientes à petição inicial que lhe permitam apresentar novo articulado nos termos do disposto no artigo 588.º do CPC.
- Desta forma, julgou bem o tribunal a quo em considerar como não escritos os factos constantes dos pontos 35 a 52 do requerimento.
- Vem também o autor recorrente alegar que o Tribunal recorrido desvalorizou a descoberta da verdade biológica do recorrente, violando dessa forma diversos princípios constitucionais relevantes no direito da família, máxime direito da filiação, acrescentando ainda que não podem as leis dificultar, injustificadamente, o estabelecimento da filiação fora do casamento.
- Ora, in casu, e conforme já amplamente vertido, o prazo de caducidade para intentar a presente acção expirou, nos termos do disposto no artigo 1817.º, n.º 1 do CC, pelo que o recorrente aniquilou o seu próprio direito à verdade biológica ao não exerce-lo tempestivamente e em vida do finado Joaquim.
- Sobretudo quando, segundo o próprio recorrente afirma na sua petição inicial, “era do conhecimento geral entre vizinhos, familiares e amigos que o investigante era filho de Joaquim.”
- Por fim, vem o autor recorrente nas suas doutas alegações alegar que o prazo previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, na redação da nova Lei n.º 14/2009 de 1 de abril, é inconstitucional.
- Mais uma vez, e salvo devido respeito por opinião contrário e que é muito, não assiste razão ao autor recorrente.
- Conforme refere o Venerando STJ no Acórdão do STJ, proc. n.º 2615/11.2TBBCL.G2.S1, de 28-05-2015 “O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1 do CC, na redação da Lei n.º 14/09 de 1-04, é suficiente para o exercício maduro e ponderado do direito de propor acção de investigação de paternidade, não exigindo o princípio constitucional de proteção do direito fundamental à identidade pessoal, a imprescritibilidade deste tipo de acção” (sublinhado nosso).
10º - O direito à identidade pessoal, com tutela constitucional, não é incompatível com o estabelecimento de prazos de caducidade para a instauração de ações de investigação de paternidade/maternidade desde que estes sejam de considerar razoáveis, como é o caso dos presentes autos.
11º - Por outro lado, e como sucede com a generalidade dos direitos fundamentais, designadamente os de natureza pessoal, o direito à identidade pessoal deverá compatibilizar-se com outros direitos e com outros interesses de que salienta a necessidade de encontrar mecanismos de pacificação social e de tutelar fatores de segurança e de estabilidade das relações jurídicas, designadamente as de natureza familiar.
12º - Aliás, como decorre da douta sentença recorrida, para a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) é aceitável a sujeição das ações de estabelecimento da filiação ao cumprimento de determinados pressupostos, entre eles a exigência de prazos (assim referiu no caso Mizzi c. Malta).
13º - O estabelecimento do prazo de caducidade, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1 do CC, não viola qualquer preceito constitucional, particularmente, os constantes dos artigos 26.º, n.º 1; 36.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2, todos da CRP. 14º - O direito ao respeito da vida privada e familiar, prevista no artigo 26.º da CRP, não assiste apenas à pessoa que pretende saber quem são os seus pais e estabelecer o respetivo vínculo jurídico, mas também protege os investigados e suas famílias, in casu os aqui réus, cuja tutela não pode deixar de ser considerada, importando harmonizar os interesses opostos.
15º - Como refere o Venerando STJ “Os interesses do investigado ou da sua família na sua segurança de ver definida uma situação de verificação de uma relação de maternidade/paternidade que tem, obviamente e também, reflexos patrimoniais coincidem com as finalidades do estabelecimento de prazos de caducidade. Além disso, ainda encontramos um interesse público a apontar no mesmo sentido, interesse público a apontar no mesmo sentido, interesse esse que se traduz na urgência na definição da organização jurídico social, nomeadamente estabelecendo, tão cedo quanto possível, o vínculo genético da filiação, tendo reflexos em matéria de impedimentos matrimoniais.” – cfr. Acórdão do STJ, proc. n.º 30/14.5TBVCD.P1.S1, de 17/11/2015.
16º- Aos 28 anos de idade, o investigante já tem maturidade e experiência de vida necessárias para compreender a importância do estabelecimento da paternidade para a sua identidade pessoal e para optar de forma ponderada e sem influências externas, sobre o eventual exercício do direito de propor a ação com vista à investigação.
17º - Essa inércia, própria do não exercício do direito potestativo, não pode deixar de significar declínio, envelhecimento, esvaecimento, com a consequente “morte” desse direito, in casu, do direito do autor recorrente.
18º - Salvo devido respeito por melhor opinião, é manifesta a extinção do eventual direito alegado pelo autor recorrente, por caducidade, uma vez que o autor recorrente teria até aos 28 anos para exercer esse direito, ou seja até setembro de 1998, e não o exerceu.
19º - Aquando instaurou a presente ação de investigação de paternidade, o autor recorrente tinha 47 anos, na qual já tinham decorrido mais de 10 anos desde a sua maioridade, pelo que está extinto o prazo legal para esse efeito.
20º - Já tendo decorrido mais de 19 anos após o término daquele prazo, o eventual direito do autor recorrente caducou, nos termos do previsto no artigo 1973.º do CC, ex vi 1817.º, n.º 1 do CC.
21º - Por este motivo muito bem decidiu o Tribunal “ a quo” ao julgar procedente a excepção da caducidade do direito do autor recorrente para apurar a sua paternidade.
22º - Não violando qualquer disposição legal, e inexistindo inconstitucionalidade no disposto no artigo 1817.º, n.º 1 do CC.

II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Da mesma forma, não está o tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, desde que prejudicadas pela solução dada ao litígio.

Face ao alegado nas conclusões das alegações, há que verificar:

-- a) se existem nos autos elementos fáticos provados suficientes para se concluir pela caducidade do direito do Autor, o que passa por apurar se o Autor podia na resposta à contestação alegar os factos trazidos sob os artigos 35º a 52º.
-- b) caso se conclua pelo preenchimento da norma que estipula a caducidade do direito do Autor, se a mesma é inconstitucional.

III. Fundamentação de Facto

A sentença apresenta a seguinte matéria provada:

– Factos provados:

1. - O A. nasceu no dia 08 de Setembro de 1969, na freguesia de …, sendo registado como filho de T. J. e sem indicação de paternidade (cfr. fls. 12v.);
2. - Joaquim faleceu em 01 de Junho de 2015;
3. - Os RR. são, respetivamente, viúva e filhos de Joaquim;
4. - A presente ação foi instaurada em 23-02-2017.

IV. Fundamentação de Direito

Dos factos invocados nos artigos 35º a 52º da resposta à exceção da caducidade.
Só depois de se averiguar do preenchimento dos pressupostos das normas que preveem a caducidade se poderá, se disso for caso, negar a sua aplicação por força da sua inconstitucionalidade.

No entanto, desde já se adianta, poupando-nos ao longo historial de razões que têm sido debatidas e se encontram superiormente defendidas na jurisprudência para qualquer uma das posições sobre a matéria, que se escolhe a da constitucionalidade da aposição dos concretos prazos de caducidade ao direito ao estabelecimento da paternidade fixados no artigo 1817º do Código Civil na sua última redação, dada pela Lei n.º 14/2009, de 01/04, face ao razoável prazo regra e cláusulas gerais que os conformam, permitindo a tutela do direito ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico, abrangidos pelo direitos fundamentais à identidade pessoal, com grande dilação temporal, permitindo ainda que se aprecie a razoabilidade da demora na dedução da ação, face ás circunstâncias do caso, visto que tal demora, por sua vez, colide com a segurança jurídica que também é base do nosso direito (na senda, aliás, do que tem vindo a ser aplicado pelo Tribunal Constitucional e começa também já a conformar a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, citando-se a título exemplificativo, o Acórdão de 05/28/2015, no processo 2615/11.2TBBCL.G2.S1, assim como tem já sido entendimento desta Relação, como ilustra o Acórdão de 10/20/2016, no processo nº 737/13.4TBMDL.G1, (sendo este, e todos os demais acórdãos citados sem indicação de fonte, consultados no portal dgsi.pt.).
Dispõe o artigo 1817º do Código Civil, aqui aplicável ex via artigo 1873º do mesmo diploma, no seu nº 1: “A ação de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.”
Mas logo no seu nº 3 este preceito abre as portas para o afastamento desta restrição temporal, nos seguintes termos: “A ação pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:

a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante;
b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe;
c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.
E quanto ao ónus da prova, estabelece o nº 4 que no caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da ação.
Também no seu nº 2 se estabelece que se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815.º, a ação pode ser proposta nos três anos seguintes à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório.
Na tese que tem sido a mais seguida, encontra-se previsto no nº 1 deste diploma o prazo regra da caducidade e no nº 3 contra-exceções à caducidade (cf Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 03/09/2017, no processo 759/14.8TBSTB.E1.S1, o qual se pronuncia diretamente sobre a questão que aqui nos interessa, “II. - Incumbe ao A., em resposta à dedução da exceção de caducidade pelo R., alegar, como matéria de contra exceção, a verificação das circunstâncias que prorrogam a possibilidade de propor ainda a ação, invocando, nomeadamente, factos ou circunstâncias que tornem justificável e admissível a propositura tardia da ação -demonstrando que, sem o respetivo conhecimento, não lhe seria possível ou exigível avançar para a proposição da ação de investigação da paternidade.”, sublinhando nós o momento em que deve o investigante trazer tais factos à liça. (No mesmo sentido, Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça de
05/28/2015, no processo 2615/11.2TBBCL.G2.S1, de 02/02/2017, no processo 200/11.8TBFVN.C2.S1.)


Assim, mesmo nesta posição, mais restritiva dos direitos do investigante, por impor ao mesmo o ónus de provar os factos que preenchem os pressupostos da “contra exceção à caducidade” previstos nas alíneas a) e c) do nº 3 do artigo 1817º do Código Civil, a correspondente alegação não precisa de ser efetuada na petição inicial, mas como resposta à exceção de caducidade invocada na contestação.
Saliente-se que:
Nos termos do artigo 342º do Código Civil, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado; por seu turno, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
O decurso do prazo de caducidade extingue o direito de cujo exercício se trate (a caducidade visa a proteção do valor da certeza e segurança dos direitos e não tanto do sujeito passivo).
Na petição inicial, o Autor deve invocar os factos essenciais constitutivos do seu direito “Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação; (artigo 552º nº 2 alínea d) do Código de Processo Civil).
O Réu na contestação deve “Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação” – artigo 572º alínea c) do Código de Processo Civil.
Sendo a caducidade uma exceção perentória, compete ao Réu invocar os seus pressupostos (na contestação), podendo o Autor a esta responder (nesta posição que se vem perseguindo, o Réu é onerado apenas com a alegação e prova da caducidade regra, prevista no nº 1 e bem assim a prevista na alínea b) do nº 3 do artigo 1817º do Código Civil, esta última por força do nº 4 desse preceito, cabendo ao investigante a prova dos factos positivos previstos nas alíneas a) e c) desse nº 3).
E a estas exceções pode o Autor responder, se não lhe for concedida tal faculdade anteriormente e não tiver ocorrido a dedução de reconvenção, na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.- artigo 4º nº 3 do Código de Processo Civil.

Assim, ao trazer factos novos que afastam tal exceção, na sequência do convite à resposta à exceção, não está o Autor a alterar a sua petição inicial, mas a usar como que de uma contra exceção, o que lhe é lícito fazer.
Assim, deve-se concluir que bem podia o Autor responder à exceção da caducidade levantada pela Ré, no articulado que foi convidado a apresentar, alegando circunstâncias que podem integrar a previsão do nº 3 do Código Civil, considerando-se que estas são como que uma contra exceção á exceção de caducidade invocada na contestação.
Não são elementos que componham a causa de pedir, esses sim, que, não havendo despacho de aperfeiçoamento, não poderiam ser aditados num articulado posterior.
Neste sentido, entende-se que não cabe ao Autor o ónus de alegar, logo na petição inicial, que o seu direito não caducou.
Existem, ainda, outras posições, mais favoráveis ao investigante (para além da que defende a inconstitucionalidade da norma em questão) também com interesse, e à luz de todas elas bem podia o Autor responder à exceção da caducidade com esta alegação.
Sobre este ónus da prova, tendo em conta o disposto no artigo 342º do Código Civil e considerando ser de seguir tais princípios também para a averiguação da paternidade, sem adaptação à forma como se encontram previstas estas circunstâncias no nº 3 do artigo 1817º do Código Civil, (como se de uma exceção se tratasse: “a acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos”), cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-5-2012 no processo 200/11.8TBFVN.C2. S1, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 07/10/2014, no processo 1057/10.1TBEPS. G1, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 28/01/2014, no processo 779/10.1T2ETR.P1. C1, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Porto, de 10/09/2014, no processo 956/10.5TBSTS-D. P1.
Em todas se considera que «em face do direito vigente, não pode haver outra solução senão aquela que onera a ré com a prova do decurso do prazo de caducidade.
Em primeiro lugar, porque tratando-se de um facto extintivo do direito invocado pela autora, competiria aquela ré fazer a sua prova, conforme se dispõe no nº 2 do artigo 342º do Código Civil.
Em segundo lugar, porque no nº 2 do artigo 343º do mesmo diploma se impõe ao réu, no caso de ações que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar do conhecimento de um facto, o ónus da prova de o facto já ter decorrido».
Salientando que a interpretação do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/2011 de 20.9.2011 elabora diferente construção normativa, no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 17/10/2017 no processo 850/14.TBCBR.C1, menciona-se que se pode considerar que apenas se preveem casos de caducidade nos nºs 2 e 3 do Artigo 1817º do Código Civil, funcionando o nº 1 como a fixação de um prazo durante o qual não opera a caducidade.
(Entende-se que estas últimas posições, onerando o investigado com o ónus da prova dos factos integradores de todas as circunstâncias, positivas ou negativas, fundadoras da caducidade, terão a virtualidade de poder conduzir a uma uniformização da jurisprudência, por salvaguardarem de modo mais vigoroso a proteção do direito de personalidade inerente à personalidade biológica, defendidas pelos opositores à constitucionalidade da previsão da caducidade neste campo, ao mesmo tempo que observam de forma curial e sem distorções os princípios do direito civil no que toca à distribuição do ónus da prova quanto aos factos que fundam a caducidade, esta defensora da segurança das situações jurídicas.)
Certo é que, em todas estas, não se obriga o Autor a responder à exceção da caducidade logo na petição inicial: sendo verdade que esta exceção é de conhecimento oficioso no âmbito desta matéria (artigo 333º nº 1 do Código Civil), mesmo que não invocada na contestação, não poderia o tribunal sobre ela decidir sem dar a possibilidade ao Autor de se pronunciar, nos termos do artigo 3º nº 3 do Código de Processo Civil.

Por fim, diga-se que o teor destes artigos da resposta à contestação não colide direta ou indiretamente com o dito na petição inicial: esta não aponta de forma inequívoca no sentido do Autor conhecer a paternidade em data anterior ao falecimento do investigado Joaquim. Para se considerar alegado que o Autor tinha conhecimento da sua filiação em momento anterior à morte do investigado, não basta que este diga que “20. [a mãe do Autor] Chegou a confessar aos seus familiares mais próximos que o pai do autor era o finado Joaquim” ou que “24. Em virtude do meio em que viviam, era do conhecimento geral entre vizinhos, familiares e amigos, que o investigante era filho de Joaquim”. Embora se possa considerar que estes apontam ou indiciam no sentido de que também o Autor conhecia quem seria seu pai, não é possível retirar essa conclusão, com o mínimo de segurança, destas alegações constantes da petição inicial (nem de outras).

Assim, nada impede que sejam consideradas nos autos tais alegações, sujeitas a averiguação fática.
Termos em que não se podem considerar “como não escritos os factos contantes dos pontos 35 a 52 do requerimento de fls. 60 e ss.”.
Assim, sendo esta matéria essencial para o conhecimento da exceção da caducidade do direito do Autor, os autos não contêm, sem que se aprecie da sua verificação, os elementos suficientes para o conhecimento desta exceção.

V. Decisão:

Por todo o exposto julga-se a apelação procedente e em consequência, revoga-se o despacho que deu como não escritos os factos contantes dos pontos 35 a 52 do requerimento de fls. 60 e ss. e o saneador sentença proferido, determinando que os autos prossigam os seus termos a partir da fase dos articulados.
Custas na 2ª instância pela apelada.

Guimarães, 5 de abril de 2018


Sandra Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade