Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
605/11.4GBGMR-A.G1
Relator: ANTÓNIO RIBEIRO
Descritores: RECLAMAÇÃO PENAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Para os efeitos previstos nos nºs 1 e 2 do art. 384º, com referência aos arts. 281º a 283º do CPP, cabe ao juiz de instrução – e não ao juiz do julgamento – a pronúncia acerca da concordância ou não sobre o decretamento da suspensão provisória do processo proposta pelo Ministério Público.
II – Conforme jurisprudência uniformizada do STJ – Acórdão 16/2009 – «a discordância do Juiz de Instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo e para os efeitos do nº 1 do artigo 281º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso».
III – Nos termos do nº 1 do art. 391º do CPP, em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou do despacho que puser termo ao processo, o que não é manifestamente o caso.
Decisão Texto Integral: I – Relatório;

Reclamação – art. 405º do Código de Processo Penal.
Reclamante: Ministério Público.
3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães.

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Na sequência da detenção do arguido António pelas autoridades policiais, cerca das 21.30 horas do dia 13 de Maio de 2011, na Rua Ponte da Ínsua, Ponte, em Guimarães, por conduzir um veículo automóvel na via pública sem que estivesse legalmente habilitado a fazê-lo e porque, no âmbito da mesma acção de fiscalização, recusou submeter-se às provas estabelecidas para detecção de álcool no sangue, incorrendo na prática dos crimes previstos e punidos pelo art. 3º do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro e arts. 152º do Código da Estrada e 348º, do Código Penal, o Digno magistrado do Ministério Público procedeu ao respectivo interrogatório.

Subsequentemente, considerando estarem verificados todos os pressupostos legalmente exigidos, pronunciou-se tal Magistrado a favor da suspensão provisória do processo, por 30 dias, na condição de o arguido entregar a quantia de € 200,00 à Associação de Apoio à Criança, despachando no sentido da conclusão dos autos à Ex.ma Senhora Juíza de Instrução, para se pronunciar sobre a viabilidade, ou não, da suspensão provisória do processo.

Em despacho proferido a fls. 21 dos autos de inquérito, a Mmª Juiz de Instrução (JIC) devolveu os autos ao Ministério Público, «nos termos estabelecidos no disposto no art. 384º, nº 2 do CPP», por entender que o processo ainda não tinha sido classificado, designadamente para os efeitos previstos no art. 384º, nº 1 do Código de Processo Penal (CPP), com referência aos arts. 280º a 282º do mesmo diploma.

O Magistrado do Ministério Público (MP), sublinhando não ter sido notificado do despacho de fls. 21, veio então requerer, em sede de processo sumário, a suspensão provisória do processo, remetendo para a posição que já assumira a fls. 15 e 16, sublinhando que embora o processo sumário não comporte uma fase de inquérito, nem instrução, existe uma fase preliminar, mais ou menos prolongada, que, sob o domínio do Ministério Público, se desenrola até à remessa dos autos para a fase de julgamento.

Em face de tal requerimento, a Mmª JIC lavrou despacho com o seguinte teor:
«A fls. 21 dos autos foi ordenada a remessa dos mesmos ao Ministério Público, nos termos estabelecidos no disposto no art. 284º, nº 2 do CPP.
A remessa dos autos nos termos referidos integra, em nosso entendimento, uma impossibilidade do Ministério Público apresentar novamente os autos ao JIC para ser proferido despacho de concordância com a decisão de suspensão provisória do processo, na medida em que a remessa efectuada nos termos do nº 2 do supra normativo equivale, em termos formais, a uma não concordância com o requerido (suspensão provisória do processo).
Assim e em face do exposto, uma vez que não foram carreados para os autos elementos de prova distintos dos anteriormente existentes, devolva os autos ao Ministério Público.

Inconformado com as decisões consubstanciadas nos despachos judiciais de fls. 21 e 31, delas interpôs recurso para esta Relação o Ministério Público, designadamente com o fundamento de omissão de pronúncia, por a Mmª JIC não se ter pronunciado sobre a proposta de suspensão do processo, no prazo de 5 dias previsto no nº 1 do art. 384º do CPP, e por os mencionados despachos violarem as linhas de orientação da Lei nº 17/2006, de 23 de Maio, maxime o seu art. 6º (orientações sobre a pequena criminalidade) e o artigo 16º da Lei nº 38/2009, de 20.07, pedindo a revogação das mesmas e a sua substituição por outras, a produzir por esta Relação, que dêem concordância à aplicação, in casu, da suspensão provisória do processo.

Invocando a jurisprudência fixada pelo Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça nº 16/2009, de 18.11.2009 e publicado no DR, 1ª série, de 24.12.2009, no sentido de que «a discordância do Juiz de Instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo e para os efeitos do nº 1 do artigo 281º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso» e também a natureza não decisória do despacho de “concordância” ou de “não concordância”, a Mmª Juiz de Instrução rejeitou o recurso interposto pelo Ministério Público.

É desse despacho de não admissão do recurso que reclama o Ministério Público, alinhando, em suma, os seguintes argumentos:

1. A questão que se coloca no recurso não se não se prende com a discordância da Mmª Juiz de Instrução relativamente à suspensão provisória do processo, uma vez que tal magistrada, nos despachos de fls. 21 e 32, não se pronunciou sobre ela, mas antes sobre questão de natureza adjectiva prévia, ou seja a classificação e registo do processo como sumário.
2. O que se pretende com a procedência do recurso é a revogação daqueles despachos e a sua substituição por outro que «dê concordância à aplicação in casu da suspensão provisória do processo, em processo sumário como proposto», por estarem reunidos os respectivos pressupostos, ou que, subsidiariamente, se determine que o juiz de instrução profira o despacho a que alude o art. 281º, nº 1 do CPP, com prévio registo dos autos como processo sumário, solução que já obteve o concreto consenso do arguido.


II – Fundamentos;

O artigo 384º, nº 1 do CPP estende ao processo sumário a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo – consagrado no âmbito do inquérito nos artigos 281º e 282º do CPP – até ao início da audiência, por iniciativa do Tribunal ou a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente, devendo o juiz pronunciar-se no prazo de cinco dias. Este juiz é o Juiz de Instrução, como decorre da primeira parte do nº 2 do mesmo artigo.

De harmonia com esse nº 2 (na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 26/2010, de 30.08), se não for obtida a concordância do juiz de instrução, o MP notifica o arguido e as testemunhas para comparecerem ao julgamento em processo sumário, numa data compreendida nos 15 dias posteriores à detenção.

Como bem se adverte em Acórdão desta Relação de Guimarães de 29.09.2008 (proc. 1188/08-2, in dgsi.pt), «sendo um afloramento do princípio da oportunidade e não havendo instrução, a suspensão provisória do processo é decidida pelo Ministério Público (órgão do Estado que exerce a acção penal)…». Todavia, o legislador quis deixar ao juiz de instrução a última palavra acerca da suspensão ou não do processo, pelo que sem a concordância deste não restará ao MP outra coisa que não a notificação do arguido e das testemunhas para julgamento em processo sumário.

No caso em apreço, a Mmª Juiz de Instrução, perante a proposta de suspensão do processo formulada pelo Magistrado do Ministério Público, começou por suscitar a falta de classificação e de registo do processo, ordenando a sua devolução ao MP para suprir essa falta (despacho de fls. 21).

Uma vez reenviada a proposta de suspensão à Mmª JIC – já em sede de processo sumário – decidiu esta pela impossibilidade de apreciação da mesma, uma vez que já fora «ordenada a remessa» dos autos ao Ministério Público «nos termos estabelecidos no disposto no art. 384º, nº 2 do CPP», o que equivaleria, «em termos formais, a uma não concordância com o requerido (suspensão provisória do processo)» – despacho de fls. 31.

Ora atendendo aos condicionalismos legais da suspensão provisória do processo, em que avulta a exigência de concordância do JIC (arts. 281º e 384º do CPP), a presente reclamação e também o recurso que lhe subjaz revelam-se manifestamente inúteis.

Mal ou bem, não interessa agora discuti-lo, a Mmª JIC entendeu que a simples devolução dos autos ao MP, nos termos do nº 2 do artigo 384º, equivalia a «uma não concordância com o requerido», ou seja com a suspensão provisória do processo.

A Mmª JIC decidiu legitimamente, portanto, ao contrário do que pretende o MP, pela não concordância com a suspensão provisória do processo, embora não especificando quaisquer fundamentos substantivos.

Quanto a esses fundamentos, porém, o que causa alguma perplexidade é a complacência, quiçá excessiva, do Ministério Público ao propor a suspensão do processo a um arguido que, para além de não estar legalmente habilitado para conduzir automóveis, se recusou a efectuar o teste de despistagem de álcool no sangue (T.A.S.), o que se traduz num desvalor mais grave do que a própria condução sobre o efeito da alcoolemia.

Daí que, mesmo em termos de justiça material, se não possa deixar de concordar com a «não concordância» da Mmª JIC quanto à suspensão provisória do processo.

De harmonia com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão Uniformizador nº 16/2009, publicado no DR 248 Série I de 24.12.2009, «a discordância do Juiz de Instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do nº 1 do artigo 281 do Código de Processo Penal, não é passível de recurso».

Como já foi evidenciado pelo Tribunal Constitucional nos Acórdãos 141/2009 e 235/2010, entre outros, revelando o caso «contornos que, sem mais, desaconselhavam à suspensão do processo, tanto mais que a jurisprudência em casos como o dos autos (crime de condução de veículo em estado de embriaguez), vai contra a suspensão da medida da pena e da sanção acessória, por maioria de razão tem de rejeitar a suspensão de todo o processo.

E proibindo a lei a prática de actos inúteis (art. 137º do CPC), não poderia o tribunal a quo proceder a diligências prévias que já reputava supérfluas ou inócuas para a decisão a tomar, e que sempre seria a mesma, independentemente da prova que delas resultasse».

Por outro lado, dispõe o nº 1 do art. 391º do CPP que, em processo sumário, só é admissível recurso da sentença ou do despacho que puser termo ao processo, o que não é manifestamente o caso.

III – Decisão;

Em face do exposto, nos termos do artigo 405º do CPP, decide-se pela improcedência da reclamação.

Sem custas por delas estar isento o Digno Reclamante.



Guimarães, .........../........../………

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(O Presidente da Relação)