Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12841/19.0T8LSB.L2-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
DECISÃO SURPRESA
SANEADOR-SENTENÇA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
OMISSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) A correcta compreensão do princípio do contraditório não se basta com a garantia de que as partes tenham a possibilidade de intervir no processo, tendo conhecimento e possibilidade de pronúncia quanto aos pedidos que deduzem ou contra si são deduzidos; implica ainda que as partes possam pronunciar-se quanto a questões determinantes para a decisão a proferir e que, constituindo novidade no processo, não tenham sido objecto de pronúncia no decurso do normal contraditório previsto na tramitação processual.
II) O princípio do contraditório assume-se, nesta dimensão, como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio.
III) A efectiva possibilidade de pronúncia não exige a efectiva pronúncia e não impõe que a todo o tempo a prolação de uma decisão imponha a audição das partes quanto ao sentido da mesma, nomeadamente imponha a apresentação às partes de uma espécie de projecto de decisão.
IV) Tendo a Requerente indicado que pretendia a condenação dos Requeridos a absterem-se de determinadas condutas pelo período de um ano, em virtude de a reorganização dos seus serviços que tal visava necessitar de um período mínimo de um ano, o horizonte de utilidade não se encontra definido ab initio, sendo necessária a sua audição antes da prolação de decisão de extinção da instância por inutilidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
NOESIS PORTUGAL – CONSULTADORIA EM SISTEMAS INFORMÁTICOS S.A, instaurou em 19 de Junho de 2019 a presente providência cautelar comum contra IG&H CONSULTING & INTERIM B.V., IG&H PLATFORM SERVICES, UNIPESSOAL LDA., NUNO [ ...], BRUNO [ ...], ANA [ ...], CECÍLIA [ ...], ELENA [ ...], TIAGO [ ...], DÉLIO [ ...], FÁBIO [ ...], DUARTE [ ...], E RUBEN [ ...], pedindo que:
I) sejam as Requeridas pessoas colectivas:
a)  Proibidas de contactar clientes nacionais e internacionais da Requerente na área de OutSystems, no período de um ano;
b) Proibidas de contratar trabalhadores ou colaboradores da Requerente, na área de OutSystems, no período de um ano.
II) Sejam os Requeridos pessoas singulares proibidos de trabalhar ou prestar serviços, em equipa, na área de OutSystems, a favor das 1ª e/ou 2ª Requeridas, directa ou indirectamente, no período de um ano.
Alegou para tal, em síntese:
- A Requerente dedica-se à prestação de serviços de consultadoria em sistemas de informação, formação, gestão, implementação, produção e desenvolvimento de tecnologias da informação, nomeadamente na área de OutSystems;
- Os Requeridos pessoas singulares foram trabalhadores do departamento de OutSystems da Requerente, sendo os únicos trabalhadores que, à data da demissão, que apresentaram no início de 2019, ocupavam cargos de gestão e acompanhamento de clientes na área;
- As demissões foram apresentadas após o Requerido NUNO [ ...], Director da área de OutSystems da Requerente, ter informado o Grupo IG&H (das Requeridas pessoas colectivas) dos salários praticados pela Requerente e das reivindicações laborais dos seus colegas, os restantes Requeridos, em consequência do que, todos os Requeridos pessoas singulares receberam propostas de trabalho personalizadas, para a área de OutSystems do Grupo IG&H, com salários superiores e outros benefícios, como lugares de garagem, sendo que todos eles terão inclusivamente celebrado acordos preliminares de vinculação, vindo a comunicar imediatamente a cessação do contrato de trabalho com a Requerente, ainda que respeitando o prazo legal de pré-aviso;
- No período que decorreu entre a apresentação das demissões e a sua produção de efeitos, o Grupo IG&H constituiu a sua subsidiária em Portugal;
- Os trabalhadores da Requerente da área de OutSystems continuaram a ser alvo de propostas, tendo os trabalhadores João [ ...], Sara [ ...], Cátia [ ...], Pedro [ ...], Nuno F [ ...], César [ ...]e Luís [ ...] apresentado também a sua demissão;
- A perda de mais de dez trabalhadores, incluindo toda a equipa de gestão, sem transmissão organizada de know-how implica a necessidade de a Requerente de recomeçar ex novo tais funções, o que requer tempo adicional além do relativo à própria formação dos trabalhadores individualmente considerados e gera avultados danos em termos de clientela e volume de negócios, que já começaram a verificar-se;
-  A divulgação de informação salarial para contratar em bloco todos os trabalhadores-chave no desenvolvimento dos projectos na área de OutSystems para a sua nova subsidiária em Portugal, determina a ilicitude da divulgação e da utilização da informação, nos termos do artigo 314.º do Código da Propriedade Industrial;
- Constitui acto de concorrência desleal a actuação das Requeridas pessoas colectivas de desvio dos trabalhadores da Requerente para a estrutura empresarial que constituíram com objecto idêntico, na execução de um plano elaborado com antecedência e utilizando informação confidencial, assim provocando uma relevantíssima desorganização na área de OutSystems da Requerente;
- Na verdade a actuação das Requeridas constitui usurpação do modelo de negócios da Requerente, parasitando o investimento em formação, desenvolvimento e organização de pessoal realizados pela Requerente na área de OutSystems nos últimos anos;
- Perante o exposto, verifica-se perigo iminente de lesão grave e dificilmente reparável dos segredos de negócio da Requerente e da intensificação do quadro de concorrência desleal, não só pela quantidade de segredos que podem ser violados, mas sobretudo pela sua importância estratégica e impacto que essa violação tem na posição de mercado da Requerente, podendo ser desviada toda a sua clientela.
Foi proferida decisão[1] que julgou o tribunal incompetente em razão da matéria, decisão de que a Requerente apelou e que veio a ser revogada por acórdão desta Relação e Secção que determinou o prosseguimento dos autos.
Citados, os Requeridos deduziram oposição por excepção e por impugnação, cujos argumentos são irrelevantes para a decisão que convoca a presente intervenção da Relação e, por isso, nos dispensamos de indicar, concluindo pela sua absolvição da instância ou, assim não se entendendo, do pedido. Pediram a condenação da requerente como litigante de má-fé.
A Requerente respondeu ao pedido da sua condenação como litigante de má-fé.
Foi proferida decisão que julgou verificada inutilidade superveniente da lide por decurso do prazo de um ano para que a providência fora requerida e assim declarou a instância extinta com custas pela Requerente, de que se transcreve o seguinte excerto:
Através do presente procedimento a requerente não visa ser indemnizada, mas prevenir o prejuízo que previu em face da alocação dos seus antigos trabalhadores, na área que desenvolviam junto de si, agora junto das requeridas. Como é natural, prefigurou um determinado período de tempo para a ocorrência desse prejuízo, até porque este não poderia ocorrer indefinidamente. Os requeridos cessaram os contratos de trabalho com a requerente em Janeiro de 2019, com excepção de ELENA [ ...], relativamente à qual o contrato cessou em Fevereiro de 2019. O procedimento cautelar deu entrada em 19-6-2019. A decisão de incompetência data de 5-7-2019, mas mercê do recurso, julgado procedente, só em 5-5-2020 o processo foi novamente concluso em primeira instância. Neste momento, decorreu cerca de um ano e meio sobre as datas das cessações dos contratos de trabalho entre os requeridos pessoas singulares e a requerente e um ano sobre a data da entrada do procedimento.
Consistindo os pedidos da requerente na proibição de contacto com clientes internacionais, na proibição de contratação de trabalhadores e na proibição de trabalhar com as requeridas, é manifesta a inutilidade superveniente do procedimento pelo decurso do tempo. A assistir razão à requerente, é claro que só por via indemnizatória poderá já ser ressarcida. Quaisquer eventuais prejuízos emergentes dos contactos que se visava evitar, das contratações e relações laborais que se pretendia impedir, estarão já consumados pelo decurso de um ano e meio sobre o fim da relação laboral com os requeridos pessoas singulares. Atento o lapso de tempo entretanto decorrido, não seria também já razoável proibir o peticionado. Em face do exposto, é de decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Desta decisão interpôs a Requerente o presente recurso, alegando, em resumida síntese, que a decisão proferida constitui uma decisão surpresa, nunca sujeita a pronúncia das partes ou enunciada nos autos como possível, devendo por isso ser anulada, sendo de todo o modo injustificada a condenação em custas por a inutilidade se dever à gestão do processo pelo tribunal e não à Requerente.
Concluiu como segue as suas alegações:
A. O Tribunal a quo decidiu extinguir a instância por inutilidade superveniente, apesar de um mês antes ter convidado as partes para informar se tinham condições para realizar o julgamento por Webex e de ter promovido a apresentação de Oposição pelos Requeridos;
B. Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, querendo seguir uma linha decisória completamente nova e imprevisível para as partes, o Tribunal está obrigado a conceder-lhes oportunidade para se pronunciarem;
C. O princípio do contraditório, ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais, proíbe a prolação de decisões surpresa, mesmo que de conhecimento oficioso, e garante a participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
D. Tendo violado o princípio do contraditório, o Tribunal a quo proferiu uma decisão surpresa, que é ilegal, e cometeu uma nulidade, pois omitiu a prática de um ato a que lei obriga, com enorme impacto na decisão desta causa;
E. Isto porque não podia o Tribunal negar à Requerente o direito de informar se mantinha (ou não) interesse na causa e de demonstrar a sua utilidade, assim como de, querendo, exercer o direito de alterar o pedido, cuja limitação temporal foi a base essencial da decisão de inutilidade superveniente;
F. Assim sendo, o Tribunal a quo não só violou a norma do n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, como praticou uma nulidade, nos termos do disposto no artigo 195.º do Código de Processo Civil;
G. Acresce que, atenta a demora na decisão, a frustração de decisões que criam expectativas
nas partes e a preterição do contraditório, é absoluta a violação dos princípios da cooperação, do contraditório e do dever de gestão processual, o que torna a decisão ilegal, por verificação de nulidades com impacto determinante na decisão dos autos;
11 In Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.10.2019, proferido no âmbito do processo n.º 2150/06.0TBPTM-A.E1.S1.
H. Estando estes vícios cobertos por sentença, esta é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil;
I. As circunstâncias que determinam a nulidade da sentença impedem que, in casu, o tribunal de recurso faça uso da regra da substituição, prevista no artigo 665º do Código de Processo Civil;
J. Deve, portanto, a sentença ser revogada, por nulidade por omissão de pronúncia, ou, caso assim não se entenda (o que não se admite) por ser ilegal, por força das nulidades procedimentais verificadas;
Acresce que,
K. In casu, a condenação em custas é ilegal, por se basear numa interpretação materialmente inconstitucional da norma do n.º 3 do artigo 536.º do Código de Processo Civil, por violação dos princípios da proporcionalidade e do acesso aos tribunais, previstos nos artigos 2.º e 20.º da Constituição;
L. Isto porque, em casos como o destes autos, em que a inutilidade superveniente da lide é exclusivamente imputável ao Tribunal, o disposto no n.º 3 do artigo 536.º do Código de Processo Civil tem de ser desaplicado, por inconstitucionalidade;
M. In casu foi violado o princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º da Constituição, pois é inadmissível que um procedimento cautelar não seja decidido no prazo de um ano;
N. A violação do princípio da tutela judicial efetiva é especialmente intensa, pois tem como consequência a negação do direito de ação, já que a mera demora provocou, por si só, a inutilidade da lide cautelar;
O. Assim, o Tribunal não só violou grosseiramente garantias constitucionais da Requerente, como frustrou em absoluto a utilidade económica da causa;
P. Portanto, sendo a decisão final de inutilidade superveniente exclusivamente imputável à conduta ilegal do próprio Tribunal, não se pode admitir a cobrança de custas judiciais, por violação do princípio da proporcionalidade;
Q. Considerando que o serviço público prestado, em vez de beneficiar a Requerente, apenas a prejudicou, é incontornável reconhecer uma total desproporção serviço-benefício, pois na verdade o Tribunal não prestou serviço algum, porque não decidiu o caso em tempo útil e, com essa demora impediu, em definitivo, o exercício judicial do direito material;
R. Mais, condenar a Requerente a pagar custas por um processo cuja extinção por inutilidade superveniente é exclusivamente imputável à demora do Tribunal é perverter em absoluto o fundamento axiológico da sua previsão: impor uma contrapartida adequada pela garantia do acesso à justiça;
S. É, de facto, do mais básico sentido de justiça, que se o Tribunal provoca a inutilidade da lide, pela injustificada demora dos autos numa instância cautelar, não possa impor quaisquer custos aos cidadãos, porque não prestou a parte essencial do serviço que lhe foi solicitado: uma decisão célere;
T. Por este motivo, não pode de forma alguma admitir-se como justa e adequada a decisão recorrida;
U. Portanto, a condenação em custas é ilegal, por se basear numa interpretação materialmente inconstitucional da norma do n.º 3 do artigo 536.º do Código de Processo Civil, por violação dos princípios da proporcionalidade e do acesso aos tribunais, previstos nos artigos 2.º e 20.º da Constituição;
V. Impõe-se, consequentemente, revogar a decisão de custas, substituindo-a por outra que declare a sua inexistência.
Termos em que, e nos melhores de Direito, deve o presente Recurso ser julgado procedente e ser anulada a decisão recorrida, ordenando-se a baixa dos autos para que seja conferido às partes direito a pronunciar-se sobre a questão da inutilidade superveniente da lide, e revogar-se a decisão de custas.
Os Requeridos contra-alegaram defendendo o julgado.
O recurso foi recebido como apelação, com subida imediata, nos autos do procedimento e com efeito suspensivo. A Ex.ma Senhora Juiz pronunciou-se pela inexistência da invocada nulidade.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. OBJECTO DO RECURSO
Estando a pronúncia deste Tribunal delimitada pelas conclusões da Recorrente - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as exceções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC, quanto a apreciação oficiosa -, cumpre apreciar e decidir das seguintes questões:
1) Da ilegalidade de prolação de decisão sobre a inutilidade da lide sem prévia audição das partes;
2) Da responsabilidade pelas custas.
III. FUNDAMENTAÇÃO
A. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos pertinentes são os que constam do relatório supra.
B. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Da decisão-surpresa[2]
1.1. A proibição das decisões surpresa ou, noutra terminologia, das denominadas decisões solitárias do juiz[3], encontra o seu fundamento próximo no princípio do contraditório, consagrado, na lei adjectiva no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Estatui aquela norma que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
O princípio do contraditório constitui pedra angular do processo civil, visando permitir que nenhuma decisão seja tomada sem que a parte/entidade por ela afectada possa pronunciar-se sobre a mesma[4].
1.2. Princípio fundamental consagrado na lei adjectiva, o contraditório encontra raízes em princípios constitucionais como o direito de acesso ao direito e à justiça, o direito a um processo equitativo e justo e a tutela jurisdicional efectiva, que proíbem as situações de indefesa ou violações de princípios de igualdade ou proporcionalidade[5].
Refere o Tribunal Constitucional[6] que o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório.
1.3. Com esse contexto, consagra a lei processual civil, na leitura que dela vem sufragando o Tribunal Constitucional, que a correcta compreensão do princípio não se basta com a garantia de que as partes tenham a possibilidade de intervir no processo, tendo conhecimento e possibilidade de pronúncia quanto aos pedidos que deduzem ou contra si são deduzidos. Incluindo tal garantia, implica ainda que as partes possam pronunciar-se quanto a questões determinantes para a decisão a proferir e que, constituindo novidade no processo, não tenham sido objecto de pronúncia no decurso do normal contraditório previsto na tramitação processual.
Exemplo típico são as denominadas decisões surpresa, conceito que se tem vindo a densificar na jurisprudência, em termos de enquadrar no seu âmbito apenas aquelas com que as partes se confrontam e que não poderiam antecipar face ao conjunto do sistema jurídico na parte aplicável ou do regime processual na sua tramitação legalmente estabelecida ou objecto de adequação formal nos termos legalmente previstos.
Visa-se, assim, obstar a que as partes se defrontem com uma interpretação judicial que não poderiam antecipar ou com uma tramitação processual que escape ao modelo formal aplicável e não tenha sido submetida a pronúncia.
Em tais casos, o respeito pelo contraditório impõe audição específica das partes, único modo de possibilitar que a decisão seja o culminar de um processo argumentativo justo e equitativo que permita que cada um dos justiciáveis faça ouvir a sua voz, assim trazendo ao decisor a sua perspectiva e, nessa medida, assim influenciando a decisão.
Como lapidarmente refere o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 17 de Junho de 2014, proferido no processo 233/2000.C2.S1 (Maria Clara Sottomayor):
Admitimos que se deu um avanço no entendimento do princípio do contraditório, na nossa lei processual, perdendo assim actualidade a concepção restrita do mesmo, segundo a qual o processo consistia numa discussão duma parte contra a outra, com o juiz, acima delas, a decidir. Mais do que uma discussão dialéctica entre as partes, está agora aberto o caminho para que estas “influenciem directamente” a decisão. Mas a mais a nossa lei não chega, pois a estrutura do nosso processo civil não prevê que o tribunal “discuta” com as partes o que quer que seja.
O aprofundamento do princípio e das suas exigências num Estado de Direito Democrático exprime-se na actual consideração da dimensão positiva de consagração do direito de as partes participarem no debate que o processo constitui, respeitando a sua natureza dialética e polémica: o processo civil tem, uma estrutura dialética ou polémica: ele reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (…)[7].
O que implica, não só que exerçam os direitos de acção e de defesa mas, também, que sejam chamadas a emitir pronúncia sobre as questões que hajam de ser decididas a respeito dos interesses que na acção e defesa fazem valer[8].
O princípio do contraditório assume-se, nesta dimensão, como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio[9] [10].
Em suma, a prolação de uma decisão judicial tem de ser o termo de um debate igual e équo entre as partes com efectiva possibilidade de pronúncia das mesmas quanto ao sentido que entendem dever ser o da decisão.
1.4. Naturalmente, a efectiva possibilidade de pronúncia não exige a efectiva pronúncia e não impõe que a todo o tempo a prolação de uma decisão imponha a audição das partes quanto ao sentido da mesma.
Assim é que as partes devem assumir com diligência a defesa dos seus interesses e a cooperação entre si e com o tribunal em ordem à tempestividade da composição judicial do conflito que as separa, o que implica que sobre elas impenda o dever de se pronunciarem nas peças processuais admissíveis quanto aos seus requerimentos e aos da parte contrária, bem como quanto ao direito aplicável, nomeadamente no confronto das várias teses doutrinais e jurisprudenciais, sem que seja imperiosa intervenção autónoma[11] do juiz promovendo essa pronúncia.
Cremos não haver divergência sobre o alcance do contraditório exigível, quando no campo das decisões surpresa. Veja-se, por todos, o mais recente acórdão do Tribunal Constitucional, de 10 de Julho de 2019, n.º 426/2019 (Joana Fernandes Costa), que apreciou em conferência a Decisão Sumária n.º 365/2019, onde se lê:
Têm sido repetidamente assinaladas na jurisprudência constitucional, as condições para que assim seja. Nas palavras do Acórdão n.º 173/2016, na linha de muitos outros: «Como o Tribunal Constitucional vem reiteradamente decidindo, «recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica (…)». Cabe-lhes, assim, «a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua ótica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas» (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, janeiro de 2010, pp. 81-82)».
Assim, o respeito pelo contraditório não implica que haja que apresentar às partes um projecto de decisão para que sobre ele se pronunciem ou que devam ser ouvidas fora dos momentos processuais previstos sobre questões que as suas pretensões coloquem habitualmente na jurisprudência e sejam por isso conhecidas na comunidade jurídica[12].
O lugar próprio da promoção autónoma de pronúncia[13] é, por isso, o das decisões que se pronunciam sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes no processo ou daquelas que tendo sido suscitadas o foram no último articulado possível, impossibilitando a pronúncia ordinária da parte contrária que, assim, há-de ser promovida por outro modo.
No caso dos autos, a decisão impugnada incidiu sobre a inutilidade da lide, causa de extinção da instância que deve ser oficiosamente conhecida – artigo 277.º, alínea e), Código de Processo Civil. As partes nunca enunciaram esta questão nos autos. É por isso, exemplarmente, uma situação enquadrada no âmbito específico do princípio do contraditório considerado na dimensão positiva que se indicou.
1.5. Tal não é bastante a que se considere desde logo violado o contraditório. Necessário se torna ainda que se não verifique uma situação de manifesta desnecessidade de actuar o contraditório.
Como determinar o que seja esta manifesta desnecessidade, conceito indeterminado[14] que importa densificar?
No ensino de Manuel de Andrade[15] essa determinação do que é indeterminado impõe que o juiz desvele o/s princípio/s geral/is que o conceito visa prosseguir na sua indeterminação a fim de deduzir deles a interpretação da espécie.
No caso vertente, a desnecessidade há-de verificar-se quando os valores que o contraditório salvaguarda, possam ser assegurados sem a intervenção judicial autónoma destinada a possibilitar a pronúncia.
Ou seja, a desnecessidade do contraditório verifica-se quando a equidade e igualdade das partes e o imperativo da sua participação efectiva no processo que leva a decisões que impactem os seus interesses, se mantêm respeitados sem aquela intervenção autónoma.
Dito de outro modo, a desnecessidade é uma desnecessidade funcional de audição porque sem esta audição nenhum dos valores que a mesma pretende salvaguardar saem violados.
A desnecessidade não deve por isso ser compreendida ao nível da pretensa clareza da questão a dilucidar ou da suficiência dos elementos para a prolação da decisão.
Em conclusão, é desnecessário o contraditório quando os valores que por ele se prosseguem, são salvaguardados sem a intervenção autónoma do juiz para pronúncia. É o caso das situações em que a parte se pronunciou, quiçá fora do esquema processual normal, em que a pretensão da parte contrária será indeferida liminarmente sem afectar os interesses da contraparte ou em que a questão, não tendo merecido consideração das partes, é de debate usual na jurisprudência em situações similares ou está implícita no requerimento apreciando[16].
A esse respeito, a manifesta desnecessidade é vista à luz do princípio da proporcionalidade no acórdão desta Relação de 11 de Julho de 2019,proferido no processo 29624/13.4T2SNT-W.L1-1 (Rijo Ferreira). Lê-se no aresto: segundo o princípio da proporcionalidade, tal pronúncia é dispensável, no dizer do mesmo nº 3 do art.º 3º do CPC, em caso de manifesta desnecessidade; vislumbrando-se como tal, designadamente, aquelas situações em que o efeito pretendido resulta automaticamente da lei, o enquadramento fáctico relevante se mostra insusceptível de controvérsia, ou dados os contornos da lide a decisão era expectável para os seus destinatários.
Ora, no caso dos autos temos, por um lado, que a decisão não era expectável e o enquadramento fáctico não é insusceptível de controvérsia.
Vejamos.
A decisão não era expectável na medida em que, por um lado, até aí a litigância exprimia utilidade e interesse e em que, por outro, o tribunal tinha anunciado uma tramitação processual subsequente incompatível com a decisão de inutilidade.
O enquadramento fáctico autoriza controvérsia uma vez que, referindo-se iniludivelmente o pedido ao período de um ano, o seu fundamento ou causa de pedir é o da reorganização da empresa requerente carecer de um período de um ano.
Todavia, como resulta do artigo 34.º da petição, esse período é invocado como o mínimo necessário, suscitando implicitamente a possibilidade de ser indispensável um período superior.
Ora, a hipótese aventada pelo Recorrente, nas alegações, de a sua audição lhe permitir a ampliação do pedido nos termos do artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não é neste contexto de afastar liminarmente, em termos de considerar que a audição seria manifestamente desnecessária.
Ora, tal ampliação, é permitida nos termos do artigo 265.º n.º 2 do Código de Processo Civil, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Naturalmente, a ampliação que é mero desenvolvimento ou consequência há-de conter-se nos limites da causa de pedir, sendo que nos autos a causa de pedir, como cremos ter demonstrado, não encerra a limitação temporal de um ano.
1.6. Por outra via ainda se pode concluir pela necessidade da intervenção judicial autónoma para pronúncia. É ela a que resulta de a decisão ter declarado extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Ora, a questão da utilidade da lide encontra-se estreitamente ligada com o princípio do dispositivo na vertente da disponibilidade da tutela jurisdicional que se exprime também pela liberdade de decisão sobre a instauração do processo[17] - artigo 3.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Se à parte cabe a liberdade essencial de instaurar uma acção que julga útil à prossecução dos seus interesses, a cessação dessa utilidade – é disso que se trata na extinção da instância por inutilidade superveniente – é questão que afecta directamente aquela liberdade fundamental, urgindo a colocá-la à consideração da mesma parte.
1.7. Não se menosprezou o período longo de pendência dos autos que são de procedimento cautelar e a especial gravidade de, em tal caso, não se atingir ainda nesta decisão o seu termo.
No entanto, a única via de considerar desnecessária a audição das partes seria verificar-se que a petição encerrava já a delimitação do horizonte temporal da utilidade da providência. E não pode assim considerar-se face à apreciação do seu conteúdo integrado pelo pedido e pela causa de pedir.
Concluímos que a decisão proferida tem de ser qualificada como decisão surpresa no sentido de não precedida de contraditório imposto por lei.
2. Consequência[18]
2.1. A prolação do saneador sentença sem a realização de audiência prévia, consubstancia-se assim na omissão de um acto que a lei impõe, com influência na decisão da causa em termos que já cremos ter explicitado, enquadrável na previsão do artigo 195.º, n.º 1, do CPC.
2.2. Nada obsta, porém, a que a mesma seja invocada em sede de recurso, em caso, como o que está em análise, em que é o conteúdo do acto subsequente que “revela” a omissão. Dizendo de outro modo, a omissão não se consuma pelo acto de dispensa da audiência e omissão da sua realização, antes se verifica face ao conteúdo da decisão de mérito que desvela a omissão por impor a realização da audiência prévia.
Desse modo, a reação adequada é a do recurso da sentença.
É o que defende o Professor Teixeira de Sousa em https://blogippc.blogspot.com/search?q=%22Nas+a%C3%A7%C3%B5es+que+hajam+de+prosseguir%22 e os acórdãos desta Relação de 9 de Maio de 2019, proferido no processo 8764/16.3T8LSB.L1-8 (Isoleta Costa) ou de 26 de Setembro de 2019, proferido no processo 6141/17.8T8ALM.L1.L1-6 (Nuno Ribeiro).             
Sobre a questão o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 23 de Junho de 2016, proferido no processo 1937/15.8T8BCL.S1 (Abrantes Geraldes) é lapidar:
É usual afirmar-se que a verificação de alguma nulidade processual deve ser objecto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir.
Sendo esta a solução ajustada à generalidade das nulidades processuais, a mesma revela-se, contudo, inadequada quando nos confrontamos com situações em que é o próprio juiz que, ao proferir a decisão (in casu, o despacho saneador), omitiu uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com a falta de convocação da audiência prévia a fim de assegurar o contraditório.
Em tais circunstâncias, depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC.
Posição que o Ilustre Conselheiro também expendeu em outro local[19]:
(…) a questão nem sempre encontra resposta tão evidente noutros casos, designadamente quando é cometida nulidade de conhecimento oficioso ou em que o próprio juiz, ao proferir a sentença, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa.
A sujeição ao regime das nulidades processuais, nos termos dos arts. 195º e 199º levaria a que a decisão que deferisse a nulidade se repercutisse na invalidaçãoda sentença, com a vantagem adicional de tal ser determinado pelo próprio juiz, fora das exigências e dos encargos (inclusive financeiros) inerentes à interposição do recurso.
Porém, tal solução defronta-se com o enorme impedimento constituído pela regra praticamente inultrapassável, ínsita no art. 613º, norma a que presidem razões de certeza e de segurança jurídica que levam a que, proferida a sentença (ou qualquer outra decisão), esgota-se o poder jurisdicional, de modo que, sendo admissível recurso, é exclusivamente por esta via que pode ser alcançada a revogação ou modificação do teor da decisão.
(…)
Por conseguinte, num campo de direito adjectivo em que devem imperar factores de objectividade e de certeza no que respeita o manuseamento dos mecanismos processuais, parece mais seguro assentar em que sempre que o juiz, ao proferir alguma decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, a parte interessada deve reagir através da interposição de recurso sustentado na nulidade da própria decisão, nos termos do art. 615º, nº1, al. d). Afinal, designadamente quando a sentença traduza para a parte uma verdadeira decisão-surpresa (não precedida do contraditório imposto pelo art. 3º, nº3), a mesma nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual correspondente à omissão do acto, sendo o recurso a via mais ajustada a recompor a situação integrando no seu objecto a arguição daquela nulidade.
2.3. De tudo se conclui verificar-se a nulidade da decisão recorrida por omissão de acto que a lei prescreve com a consequência de conhecimento de questão de que o juiz não podia conhecer – artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
3. Da responsabilidade por custas
A anulação da decisão envolve, necessariamente, a parte relativa à tributação, ficando prejudicada a apreciação do bem fundado da condenação no pagamento de custas.
IV) DECISÃO
Pelo exposto, ACORDAM em julgar procedente o recurso e em anular a decisão recorrida, prosseguindo os autos seus termos.
Custas pelos Recorridos – artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC.
*
Lisboa, 10 de Setembro de 2020
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Peterson Silva
Cristina Neves
_______________________________________________________
[1] Em que os ora Relatora e Primeiro Adjunto intervieram como Adjuntos.
[2] Sobre a fonte próxima da proibição da prolação de decisões surpresa, o princípio do contraditório, no direito comparado e interpretado no sentido actual de efectiva participação das partes no desenrolar do processo, veja-se, por todos, Lopes do Rego in Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 1999, p. 23/VI. No mesmo passo, a referência ao projecto de Directiva para a aproximação dos direitos processuais civis europeus.
[3] Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2018, proferido no processo 2057/11.0TVLSB.L1.S2 (TÁVORA VICTOR).
[4] Seguimos o acórdão deste Colectivo de 10 de Outubro de 2019, proferido no processo 26411/11.8T2SNT-D.L1-6.
[5] Assim, o Acórdão desta Relação de 20 de Dezembro de 2017, proferido no processo 1651/1.9TBMTJ.L1-2 (JORGE LEAL).
[6] Cf. Acórdão 86/88 in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º volume, p. 741 e ss.
[7] Assim, Acórdão do Tribunal Constitucional 538/2005, publicado no Diário da República n.º 3/2006, Série II de 2006-01-04.  
[8] A esta concepção, válida mas restritiva, substitui-se hoje uma concepção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia constitucional do “rechtliches Gehör” germânico, entendida como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio (…).
O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo (José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil - Conceitos e princípios gerais à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, p. 96).
[9] Não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito à fiscalização recíprova das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário de uma concepção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efectiva as partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1999, p. 7 (ainda José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, Almedina, 2018, p. 31-32).
[10] Vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 2020, ECLI:PT:STJ:2020:1056.05.5TCGMR.G1.S2 (OLIVEIRA ABREU) ou de 10 de Dezembro de 2019, proferido no processo 1808/03.0TBLLE.E1.S1 (GRAÇA AMARAL).
[11] Entendendo-se por intervenção autónoma do juiz para pronúncia aquela que ocorre fora dos estritos momentos processuais estabelecidos pela lei ou por adequação formal, visando possibilitar que a parte se pronuncie sobre uma questão determinada.
[12] Assim, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2018, proferido no processo 2057/11.0TVLSB.L1.S2 (TÁVORA VICTOR) e de 12 de Julho de 2018, proferido no processo 177/15.0T8CPV-A.P1.S1 (HELDER ROQUE) ou o desta Relação e Secção de 10 de Maio de 2018, proferido no processo 16173/17.0T8LSB.L1 (NUNO SAMPAIO).
[13] No plano das questões de direito, veio a revisão a proibir a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
Esta vertente do princípio tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado, pois as que estejam na disponibilidade exclusiva das partes, tal como as que sejam oficiosamente cognoscíveis mas na realidade tenham sido levantadas por uma das partes, são naturalmente objecto de discussão antes da decisão, sem que o facto de a parte que as não tenha levantado não ter exercido o direito de resposta (desde que este lhe tenha sido facultado) implique falta de contraditoriedade. Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficiosos que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso) (José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, op. cit., p. 9.
[14] Assim, Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis , Coimbra, 1987, p. 47-48: Às vezes, de facto, a lei serve-se de conceitos essencialmente flexíveis, meras directivas gerais muito vagas e plásticas, cuja consistência exacta não especifica e tem de ser definida ou precisada pelo juiz, no momento da aplicação, segundo as convicções reinantes no agregado social ou também, porventura, em investigação livre, operando com a ideia de justiça sobre os dados da realidade ambiente.
[15] Op. cit. nota 2 na p. 47.
[16] Sobre tal se pronunciam diversos arestos desta Relação, na sua maioria incidindo sobre situações de rejeição liminar de petições. Vejam-se os Acórdãos de 20 de Setembro de 2018, proferido no processo 16141/17.2T8LSB.L1-2 (ANTÓNIO MOREIRA), de 21 de Fevereiro de 2019, proferido no processo 5568/17.0T8ALM.L1-2 (MARIA JOSÉ MOURO), de 16 de Maio de 2019, proferido no processo 5578/17.7T8ALM.L1-6 (EDUARDO PETERSEN SILVA) ou de 4 de Fevereiro de 2020, proferido no processo 959/13.8TBALQ-A.L1¬7 (JOSÉ CAPACETE).
[17] Freitas, José Lebre de; Redinha, João; Pinto, Rui (1999). Código de Processo Civil (anotado), vol. I, Coimbra Editora, 1999, p. 6.
[18] Seguimos o acórdão deste Colectivo de 11 de Julho de 2019, proferido no processo 5774/17.7 T8FNC-A.L1-6.
 [19] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018-5.ª edição, p. 26-30.